24.5.25

23.05.2020 – Maria Velho da Costa

 


Cinco anos sem esta extraordinária escritora.

Imigração

 


A desesperança, a solidão e a ignorância que alimentam o Chega

 


«Há muito tempo que falo do papel do ressentimento na vida política actual, sem grande sucesso. Agora parece que as coisas estão a mudar. Não era uma categoria muito referida, em particular quando coloco o ressentimento como tendo substituído a “luta de classes” ou, se se quiser, o conflito social. Parece que agora mesmo Ventura usa essa classificação para se referir aos seus resultados eleitorais.
 
O ressentimento é uma atitude vista como negativa, em particular quando falamos das suas manifestações individuais. Mas o ressentimento é também uma atitude social, presente em todos os movimentos de protesto, à esquerda e à direita, e traduz a sensação de perda, de desesperança, de impotência, de que ninguém nos ouve, de revolta perante casos reais ou imaginários de malfeitorias dos “outros”, começando no vizinho e acabando no Presidente, ou de exclusão e desigualdade e injustiça. É um poderoso sentimento que no passado sempre existiu, mas que encontrava expressão na luta social, em manifestações, protestos, sindicatos, grupos e partidos que funcionavam como mediadores e, nesse sentido, se integravam nos mecanismos de funcionamento das democracias.

O mapa eleitoral do Chega é muito parecido em várias partes do país com o do PCP, e há uma coisa em comum que facilita esta semelhança. Trata-se de zonas onde antes o ressentimento dava votos ao PCP, e agora a mesma raiva face à vida dá votos ao Chega.

A maioria das pessoas não tem a vida que desejaria ter. A esperança torna-se rapidamente desesperança. Não é de agora, pode-se quase dizer que é de sempre, mas agora há vários mecanismos de massa que dão densidade a essa desesperança e que facilitam que ela tenha uma expressão política no populismo. O predomínio do Pathos, face ao Logos e ao Ethos, cria um mundo impregnado de emoção, muitas vezes superficial, mas muito eficaz face ao fracasso do ensino, em permitir um vocabulário que não seja gutural, e a uma ignorância cada vez mais institucionalizada numa forma agressiva. Eu não li esse livro, nem vi esse filme, mas li um post que fala dele e, por isso, posso também dar a minha opinião, que tem o mesmo valor da desses “intelectuais” da “bolha”, ou de gente que passou a vida toda a estudar esse assunto.
 
Todo o mundo televisivo transformado em reality shows e a imprensa tablóide desaguam nas chamadas redes sociais, que são um grande polarizador deste sentimento de esperanças traídas, de uma forma que as radicaliza e as torna um espelho de antagonismos.

É um dos mecanismos que maior erosão traz às democracias porque é interior, não vem do confronto entre a tirania e a democracia, dissolve os mecanismos de intermediação e representação, cria um pseudo-igualitarismo e permite que se veja, se leia, se entenda apenas aquilo que funciona como um espelho das nossas opiniões e sensações. É um muito eficaz mecanismo de polarização e radicalização, gera o confronto entre “nós” e “eles” e dá à companheira da desesperança, a solidão, uma impressão de força.

Este é o terreno ideal para a manipulação das massas. Todos os serviços de informação dos regimes totalitários sabem isso, sabem como manipular as pessoas, sabem como condicionar eleições, como atacar um político ou um partido e promover outro. Há também empresas que o sabem fazer e fazem-no para os seus clientes, para acabar com o restaurante que compete com o “meu”, para arrasar um hotel, para colocar na moda um produto ou tirar da moda outro. Esta densificação da desesperança, da solidão diante de um ecrã, da falsa sensação de companhia e de que, como escrevo no Facebook ou no X, ou faço um meme numa rede social, a minha voz passou a ter um valor que eu não tenho ao meu lado, no emprego, no namoro, no café. E é fácil encontrar no “outro” a culpa do meu insucesso.

Esta densificação do ressentimento acaba por ser um processo que acompanha vários movimentos de democratização, traduzidos no consumo de massas, no acesso ao ensino, numa vida de facto melhor do ponto de vista material, tudo factores muito positivos que tiveram o papel de aumentar as expectativas e as exigências. Mas os efeitos perversos desses processos criaram sociedades com novas formas de solidão, um individualismo triste, um psicologismo “mental”, acompanhado de uma incapacidade de acção colectiva, e mais ignorante. A ignorância das “gerações mais bem preparadas” é também nova face à antiga ignorância, que sabia que precisava de saber mais. A de hoje acha que meia dúzia de memes chega para conhecer tudo, opinar sobre tudo e que não é preciso ler livros.

Orwell, no 1984, sabia como isto funcionava e dependia da cultura no sentido lato, e mostrava como o Big Brother reduzia todos os anos o número de palavras circulantes, porque quem não tem capacidade expressiva não fala bem e é incapaz de traduzir raciocínios complexos, vive imerso num psicologismo superficial e é mais fácil de mandar.

Desesperança, solidão e ignorância são a chave.

(Para outra altura fica a análise de como a esquerda não percebeu nada do que se estava a passar, e se deixou distrair pelas chamadas “causas fracturantes”, numa guerra cultural que perdeu e alimentou o adversário, num elitismo radical chic em que abandonou os “seus”.)»

23.5.25

José Luís Carneiro?

 


23.05.1934 - Bonnie & Clyde

 


Bonnie Parker e Clyde Barrow morreram há 91 anos. Ela tinha apenas 23 anos, ele 25, mas, apesar de curtas, as suas vidas foram atribuladíssimas, recheadas de assaltos e assassinatos, até que eles próprios foram abatidos numa emboscada, numa estrada deserta, algures no estado da Louisiana – cravados de balas, cerca de cinquenta para cada um, segundo consta. 



Ficaram imortalizados no imaginário da história do crime norte-americano como Bonnie & Clyde e foram trazidos para o nosso por um magnífico filme de Arthur Penn (1967), com «som» de Serge Gainsbourg, e, também, por uma inesquecível balada cantada por Giorgie Fame. 




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Georges Moustaki

 


Georges Moustaki nasceu em Alexandria, de pais judeus gregos, e morreu em Nice, com 79 anos, em 23 de Maio de 2013.

Em 1951 foi para Paris, trabalhou primeiro como jornalista, mas foi como barman que entrou no mundo da música, onde personalidades como Georges Brassens o influenciaram decisivamente (ao ponto de lhe ter «roubado» o nome, já que nascera como Giuseppe e não como Georges…) Para Édith Piaf escreveu Milord e com ela viveu um curto romance. «Brassens était mon maître, Piaf était ma maîtresse» - terá um dia sintetizado.

Algumas «preciosidades» entre muitas:






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A culpa é

 


«A culpa é da conjuntura. Existe uma vaga de extrema-direita por todo o mundo que é irresistível e há que esperar que passe. Embora o factor Trump tenha sido apontado como causa para as recentes vitórias de partidos de esquerda no Canadá e na Austrália. Deve ter sido um milagre. Líderes políticos de esquerda que conseguem persuadir o povo de que as suas propostas são as melhores é inconcebível neste momento, porque a vaga é irresistível. Apesar de há apenas três anos se falar da mexicanização do regime, porque o PS e a esquerda iam obviamente eternizar-se no poder, sem alternativa, como o Partido Revolucionário Institucional, que governou o México entre 1929 e 2000.

A culpa é do povo, que é racista. Embora 75% do povo não vote no Chega. E Ventura tenha o maior índice de rejeição de todos os líderes partidários. Mas é racista, o povo. Apesar de, há dois anos, ter dado maioria absoluta ao PS. Foi uma grande massa de racistas que, após a madura ponderação de que só racistas são capazes, resolveu dar a maioria dos lugares do Parlamento ao Partido Socialista.

A culpa é dos imigrantes. São muitos e vêm de países exóticos. Embora tenham vindo porque há trabalhos que os portugueses não querem fazer, designadamente no turismo, que tem contribuído para os superavits. Mas, se é certo que a economia portuguesa precisa de imigrantes, devíamos ter optado por estrangeiros europeus, que são mais parecidos connosco. Até porque o que não falta por aí são espanhóis, franceses, italianos, alemães, ingleses, belgas, austríacos, dinamarqueses, suecos, noruegueses, finlandeses e holandeses ansiosos para virem trabalhar na nossa restauração a troco do salário mínimo.

A culpa não é certamente dos baixos salários. A dificuldade de pagar a renda e a conta do supermercado gera uma alegria de viver que deixa as pessoas com uma boa disposição solar.

A culpa não é certamente da comunicação social. Filmar durante horas as traseiras de uma ambulância enquanto ela se encaminha para o hospital é informação em qualquer parte do mundo.

A culpa não é certamente do Presidente da República. Três eleições legislativas costumam decorrer no espaço de 12 anos. Concentrá-las num período de apenas quatro anos não produz qualquer efeito negativo, designadamente o de transmitir a ideia de que, em democracia, os governos são tão frágeis que não resistem ao chumbo de um orçamento, ou a um parágrafo do qual nunca mais ninguém ouviu falar.

A culpa não é certamente de vários factores. Há-de ser só um. Só temos de descobrir qual é. Parece-me fácil. Boa sorte para todos nós.»


22.5.25

Um pouco mais de azul (31)

 




Antes que anoiteça

 

«Para os mais distraídos é preciso explicar, devagarinho, que o regime saído do 25 de Abril de 1974 e consolidado a 25 de Abril de 75, com a eleição da Assembleia Constituinte, e a aprovação da Constituição da República e as primeiras eleições legislativas, em 1976, terminou ontem. A partir de agora, o bom povo português decidiu permitir à maioria de Direita que elegeu o direito de rever a Constituição de 1976, como quiser e lhe der na gana, podendo acabar com o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública, a Segurança Social, tal como existem. E muitas outras garantias constitucionais. Abençoado seja o bom povo português e, sobretudo, todos aqueles que, com o seu voto, permitiram a possibilidade de alterar a natureza do regime e que, ainda, pensam que daqui para a frente vão viver melhor. Que assim seja, apesar de haver nos meus olhos ironias e cansaços, mas não vou cruzar os braços, nem vou por aí!»

Tomás Vasques no Facebook

Charles Aznavour – seriam 101

 


Nasceu e morreu em Paris, francês mas de origem arménia e terá sempre a «nacionalidade» dos seus pais emigrantes. É um ícone nacional, não só pelo seu êxito como cantor, mas também e talvez sobretudo, pela sua acção após o terramoto de 1988. 

Em 7 de Dezembro de 1988, às 11:41, a terra tremeu, causando dezenas de milhares de mortos e centenas de milhares de sem abrigo. Aznavour percorreu o país pouco depois, criou uma Fundação específica para o efeito, que reuniu mais de 150 milhões de dólares, tem estátuas (vi uma em Gyumri, a cidade mais arrasada em 1988 e onde a temperatura chega a atingir 45º negativos) e o governo doou-lhe uma casa que avistei em Yerevan, onde funciona a referida Fundação. Os arménios não esquecem.

Ficam aqui dois vídeos relacionados com a Arménia e «La Bohème», a canção preferida por Aznavour, como repetiu dois dias antes de morrer:






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Júlio Pomar

 


Deixou-nos há sete anos, mas herdámos uma grande obra.

E a cerca sanitária?

 


«Agora é que isto vai aquecer. Ainda bem que o Chega é um partido de direita, porque, agora, a mesma direita (designada não radical), sempre tão condescendente e indecisa em sancionar os extremismos e manifestos neofascistas actuais, por receio de perda de eleitorado, e refém de si mesma e dos seus fantasmas, terá de conviver (o que implica a família política alargada – conservadores, sociais-democratas, democratas-cristãos, neoconservadores, neoliberais) com um partido que é, em si mesmo, uma ameaça à democracia, à seriedade e à lisura políticas.

Agora, sim, eles não vão ter medo. O estilo caceteiro, boçal e populista do Chega inundará o Parlamento e o país (“Portugal é nosso”, cantam) de indecência política e terá todo o terreno livre para a provocação e desumanidade: “Chora, Pedro”, gritam, ainda a quente. “Eles ainda não viram nada”, asseverou Ventura. Os comentadores chamam a isto direita radical. Outros, extrema-direita. Continuamos a usar pinças nas palavras.

“O Chega derrotou o PS de Mário Soares, matou o PCP de Álvaro Cunhal, varreu do mapa o BE”, declara a jactância de Ventura. Não se poupará em palavras e novas ameaças: a História corre a seu favor.

Numa altura destas, a vitória de Montenegro soa a presente envenenado. Com questões judiciais em curso a envolvê-lo pessoalmente, resta saber em que é que isso não será uma fragilidade que permita ao Chega (e a outros) abrir uma nova crise política ou torná-la um espectro.

“Esta vitória é do povo português”, disse ainda o mesmo Ventura. Vamos lá a ver: é a vitória deles, dos que votaram Chega. O povo é muito mais do que esta gente e está em mais lados. Mas é a derrota de toda a outra direita que se pôs a jeito. E a derrota da esquerda, adormecida entre querelas sobre NATO, Ucrânia, direitos individuais e questões das minorias, quando deveria procurar uma ampla frente que distinga, de uma vez por todas, esquerda de direita, o que assenta na justiça social, na igualdade, na defesa dos sistemas públicos e na defesa de uma expressão sensata das ideias. Elementar.

Sem cairmos na falácia irresponsável de rotular o eleitorado do Chega como gente não recomendável (não é possível, perante números desta dimensão), fica a certeza de que um dos “D” de Abril, "Desenvolver", não foi logrado: não se tratava apenas de betão, estradas, pontes, parques das nações. Era necessário edificar uma massa humana dotada de valores humanistas, conhecedora, informada, educada. Isso falhou. Vemo-lo até nas escolas, em que alunos, de herança económico-social precária, em especial dos cursos profissionais e sem cultura política e qualquer atitude crítica, tecem loas ao partido de Ventura, sem saber porquê. Convém também compreender como o voto, a Sul, migrou do PCP para o PS e daí para o Chega.

Agora, sim, a direita terá de se confrontar consigo mesma e com a tibieza (ideológica) de ter claudicado em forjar uma cerca sanitária conjunta para fazer face ao Chega. Teve imenso tempo para o fazer e pode dizer-se que colaborou com esta força política. Apostada em usar esse partido como trunfo para esvaziar a esquerda, incluindo o PS, não percebeu que o cancro alastra a todo o corpo.

E numa situação em que uns reclamam a sua parte no assalto ao poder e outros a sua exclusividade e sobrevivência, a gestão do caso Spinumviva pode engendrar compromissos insidiosos (como acontece entre forças que se repudiam, mas respeitam) e, num caso assim, é a Constituição (e, portanto, o Estado social) que estará em risco, como, aliás, em tom rapace, avançou já Cotrim de Figueiredo na noite eleitoral. Parece que já vimos este filme em algum lado. É de ficarmos preocupados?»


21.5.25

Uma bela entrada

 


Entrada da Villa Majorelle, Nancy, França, 1901-1902.
Arquitecto: Henri Sauvage.


Daqui.

As eleições à luz da experiência europeia

 

«As eleições de domingo representam uma mudança estrutural do nosso sistema político-partidário – e não apenas um acidente de percurso –, sobretudo se olharmos para os seus resultados à luz da experiência dos nossos parceiros europeus. A maioria ampla que os dois grandes partidos democráticos garantiram desde as primeiras eleições livres desapareceu. O partido fundador da democracia e o primeiro responsável pela nossa inquestionável opção europeia perde o seu lugar central. Com quase total certeza, o partido nacionalista e populista que nasceu há menos de seis anos ganha o estatuto de líder da oposição no Parlamento. (…)

O que Ventura defende é "trumpismo" puro e duro, à moda portuguesa – ao lado do "povo" contra as elites; contra os imigrantes que são o novo inimigo "externo"; contra a chamada cultura "woke", por uma revolução ultraconservadora quanto baste. É uma espécie de etnonacionalismo cristão, à moda de Victor Orbán, que combate o alegado declínio moral da Europa laica, liberal e aberta ao mundo.»

Teresa de Sousa
Newsletter do Público, 20.05.2025

Ventura, líder da destruição

 


João Bénard da Costa

 


O João deixou-nos há 16 anos. O tempo passa depressa.

Todos, todos, todos? Montenegro não é o Papa, que escolha!

 


«Todos os putativos candidatos à liderança do PS, em circunstâncias muitíssimo difíceis para o partido, defendem um acordo de viabilização do governo de Montenegro e do seu segundo orçamento. Independentemente da opinião que eu tenha sobre isto, Montenegro não tem, desta vez, de que se queixar. Assim, o Presidente da República deveria usar o pouco poder que de influência que lhe resta para impedir que, havendo condições políticas para uma solução estável, ela seja recusada por quem tem o dever de a apresentar.

Isto quer dizer que Marcelo não deve aceitar, sem uma reação ativa, o que foi anunciado pelas principais figuras da AD: que não negoceia com ninguém, apenas o fará medida a medida. Como já se percebeu, esta estratégia tem como objetivo vir a penalizar o Partido Socialista, mantendo-o fora do círculo de poder sem o deixar fazer oposição. Em vez de um interlocutor estável, que resulta de uma negociação clara, tem um refém, sujeito à sua arbitrariedade. E aproveita a ausência de liderança socialista para continuar a brincar com o fogo. Uma brincadeira que nos ofereceu o começo da destruição do nosso sistema partidário democrático.

Deste ponto de vista, e se o PS acha inevitável apoiar este governo, faz mais sentido a linha de Fernando Medina, que impõe condições para isso – não integração da IL no governo; o interlocutor ser, de forma permanente, o PS; e um compromisso de combate à progressão do Chega –, do que a disponibilidade incondicional de José Luís Carneiro. A escolha é o PS fazer-se de morto ou assinar já a certidão de óbito. Mas isso é com o PS.

Deixo para amanhã o preço que será pago pelos socialistas se se transformarem em base de apoio, mesmo que informal, deste governo. Será um erro histórico (a direita tem maioria e está na altura de assumi-la), mas o PS parece estar disposto a pagar esse preço e talvez não tenha espaço para outra coisa. Seja como for, se há dois partidos disponíveis para negociar, deve ser forçada a negociação. A AD tem de fazer escolhas. Se não escolher, o Presidente, que tem pouco poder para forçar seja o que for, deve prolongar a negociação até que fique claro, para memória futura, quem deseja manter as condições para a instabilidade. Mas os sinais que dá são, como há um ano, de uma enorme pressa para atamancar uma solução instável.

A AD não pode ter dois cordões sanitários, em que fala com dois mas não se compromete com nenhum. Ou fala com o Chega, ou fala com o PS. Montenegro não é o Papa, que recebe todos, todos, todos. É um primeiro-ministro com o dever de governar no quadro eleitoral que lhe foi dado pelos eleitores, pela segunda vez num ano. Porque não é o PS que fica refém. É o País. Por isso, o Presidente não se deve manter passivo se a AD, aproveitando um vazio de poder no PS, quiser manter o pântano, para ver se destrói todos os concorrentes neste processo. Já basta o que Costa fez ao resto da esquerda.

Com a vitória eleitoral, o óbvio parece ter sido esquecido: Luís Montenegro usou as suspeitas sobre o seu comportamento ético (que os votos não apagaram, nem apagarão) para criar uma crise e tentar conquistar uma maioria com a IL. Apesar do crescimento, ficou a léguas disso. O seu reforço “muito significativo” corresponde ao pior resultado de sempre numa reeleição de um primeiro-ministro.

Montenegro deve assumir a vitória, respeitando, na sua plenitude, a vontade dos portugueses. E os portugueses decidiram, pela segunda vez, não lhe dar maioria para governar sem precisar de outros. Respeitar os resultados é respeitar os eleitores que votaram no PS e no Chega, quase 1,4 milhões em cada um.

Todos os cenários, seja o acordo com o Chega ou com o PS, são péssimos. Repetir o anterior é impensável. Sobretudo quando há interlocutores para assim não ser. Luís Montenegro não pode continuar a querer ficar com o bolo enquanto o come.»


20.5.25

Um objecto diferente

 


Frasco lunar, em porcelana de osso com decoração esmaltada e dourada. Janeiro de 1868 ou 1869.
Fábrica de porcelana de Minton, Staffordshire, Inglaterra.

Daqui.

O Chega está no país real? E os outros partidos?

 

«Em 2024 o Chega foi o partido sensação das legislativas, ao passar de 12 para 50 deputados na Assembleia da República. Ano após ano desde 2019, quando entrou no Parlamento apenas com André Ventura como único deputado, a voragem do partido que mais ostracizado e atacado tem sido na História da democracia - independentemente de ser com razão ou não - triunfou de novo, ao conseguir subir outra vez a sua votação, para 58 deputados, e com a possibilidade de eleger ainda mais um, pelo menos, pelo Círculo da Emigração. Acresce que, pela primeira vez, outro partido que não o PS ou o PSD, se pode tornar a segunda força política do país.

No ano em que se comemoram o cinquentenário das primeiras eleições livres será de subscrever as palavras de Pedro Pinto, o líder parlamentar do Chega, quando afirma que “o sistema já tremeu e foi graças a nós que tremeu”?

O que aconteceu nestes seis anos, ou melhor, o que não aconteceu, foi que o Chega, tal como todos os partidos populistas de extrema-direita, encontrou o bode expiatório para os problemas que boa parte da população sente no seu dia a dia e que, embora alguns não concordem e procurem os reais responsáveis, houve desta vez quase um milhão e 400 mil que acreditaram.»

Continuar a ler AQUI.

Já percebemos

 


Depois do Silêncio

 


«Durante décadas, a política portuguesa foi um compasso previsível: um partido sai, outro entra, o essencial mantém-se. O centro era poder e o poder fingia bastar-se no centro. No domingo, o tabuleiro deu de si.

Ainda sem os votos da emigração, o expectável é que o PS ceda o segundo lugar ao Chega. A AD venceu sem glória, por falta de concorrência. E o velho equilíbrio — dois partidos grandes, outros tantos acessórios — perdeu o eixo. A geometria do regime inclinou-se.

O discurso de Ventura é rudimentar. Mas não precisa de ser sofisticado quando o terreno está seco. Não tem soluções. Tem alvos. Aponta para a insegurança, para a imigração, para os “comentadadeiros”, para o “jornalixo”, para o “sistema”. E, sobretudo, preenche o vazio que os outros deixaram.

E houve muito vazio.

A oposição foi feita de sombras, de temas reciclados, de indignações episódicas. Pedro Nuno Santos tinha à sua frente um Governo minoritário (de apenas um ano, é certo), uma economia a acender sinais de alerta, um SNS que começou a recusar grávidas sem chamada prévia, uma erosão de confiança num Primeiro-Ministro ausente. E, ainda assim, não conseguiu explicar em que é que o seu projecto político se diferenciava.

A AD, entretanto, completava o seu recentramento performativo: falava com os pensionistas, negociava com os sindicatos da função pública, prometia estabilidade. O PSD ocupava, sem pudor, o espaço que o PS esvaziou. Revalorizava as carreiras dos professores com o excedente orçamental que Fernando Medina tinha deixado em cofre. Para o eleitorado, o contraste foi penoso: à frente, um reflexo diluído; atrás, oito anos de governação que foram ficando indistintos do seu próprio sucedâneo.

A resposta do eleitorado foi clara. Não por entusiasmo. Por subtração.

Alegremente se dizia que o Chega tinha deixado cair a bandeira da imigração. Não deixou. Só a afixou mais alto. Capitalizou a ausência de todos. O discurso de Ventura não tem densidade. Tem volume. Não tem soluções. Tem alvo. Aponta para a insegurança, para a imigração, para a “bandalheira”, para o “jornalixo”, para os “comentadeiros”, para o “sistema”. E ninguém contrapôs. Nem com dados. Nem com presença. Nem com coragem.

Bastava ter dito o básico: que a criminalidade não aumentou. Que a perceção de insegurança é manipulável. Que há uma diferença entre o que se sente e o que é. Mas ninguém quis complicar o discurso com factos.

Porque, no fundo, é isso que está em causa: não a realidade, mas a forma como ela é apresentada. A criminalidade não aumentou. O que aumentou foi a exposição a um enredo. Como num filme de terror: os sons da casa não mudam, mas, depois dos créditos, cada barulho em casa parece ameaça. O medo não vem dos factos. Vem da predisposição. E o Chega soube escrevê-la.

Ninguém desmontou essa predisposição. Nem com números. Nem com política. Nem com presença. E foi nesse vácuo que a percepção se consolidou como verdade.

A Iniciativa Liberal colou-se ao poder. Pagou o preço. O Bloco implodiu. O PCP ficou à margem do seu tempo. Livre avançou — mas só até à linha urbana. E Montenegro, que não apresentou ruptura nem brilho, venceu por ser o último que parecia de pé. Não foi esperança. Foi contenção. O Chega incendiou o mapa. Montenegro segurou os cantos. Os restantes deixaram cair o papel.

O populismo cresce onde há raiva. Não (só) por afinidade ideológica, mas por identificação emocional. Vidas demasiado longas para salários demasiado curtos, e uma indignação que nenhuma campanha conseguiu absorver. A esquerda, que há décadas reclama o monopólio da justiça social, foi incapaz de a traduzir.

O problema não é apenas o grito. É tudo o que o antecedeu. O silêncio. A ausência. A ideia perigosa de que bastava estar certo para continuar a ser ouvido.

É fácil, e sobretudo cómodo, rotular todos os eleitores do Chega como racistas ou extremistas. Há quem o seja. Mas há também quem esteja apenas à procura de uma linguagem que os reconheça. Gente que já não vê futuro. Que não sente que a política fale a partir do mesmo lugar. Que não acredita em quem, nos debates, promete mundos sem nunca desce ao deles.

Nada disto exige branquear o Chega. Portugal continua a ser um país mal resolvido com o seu passado colonial, tentado por fantasias de autoridade. O Chega cavalga esse desconforto, e empurra-o para o extremo. Abre uma porta perigosa. E essa porta não se fecha sozinha.

O erro foi pensar que bastava denunciá-la. Que bastava gritar “perigo” do lado de fora, sem nunca entrar para disputar o espaço. O erro foi acreditar que a indignação chegava, quando o que faltava era resposta.

Não basta indignação. É preciso dar resposta à pergunta que nenhum cartaz responde: “e eu, onde fico no meio disto tudo?”. Enquanto isso, o Chega continuará a crescer.

Não por ser forte, mas porque os outros estão a falar sozinhos.»


19.5.25

19.05.2025 -18h

 

Chego a casa e ligo a TV (o que ainda não tinha feito hoje), para ouvir alguns rescaldos das eleições.

O que há em TODOS os canais de notícias? Câmaras atrás de um autocarro verde.

Isto vai, camaradas, o povo é sereno!


19.05.1975 - O «caso República» que fez cair um governo

 


O chamado «Caso República» teve o seu início crítico no dia 19 de Maio de 1975, embora as hostilidades internas, entre a Comissão Coordenadora de Trabalhadores (CCT) gráficos e dos serviços administrativos de um lado, e a Administração e a chefia de Redacção do outro, tivessem já começado nos primeiros dias do mês.

Na manhã de 19, a CCT decidiu suspender do exercício das suas funções a Administração e a chefia de Redacção, acusando-as de estarem a tentar transformar o jornal num órgão afecto ao Partido Socialista. As instalações do jornal foram ocupadas pelos trabalhadores e a edição desse dia saiu com uma constituição diferente.

O PS organizou imediatamente uma manifestação de apoio à antiga direcção, no Largo da Misericórdia (com a presença, entre outros de Mário Soares, Salgado Zenha e Manuel Alegre), a multidão foi engrossando e gritaram-se palavras de ordem contra o PCP, Álvaro Cunhal e MFA.

Quem estiver interessado nos detalhes desta saga, que foi um marco no PREC dois meses depois do seu início, pode ler um detalhado resumo dos acontecimentos.

O República acabou por estar fechado durante algum tempo e reapareceu nas bancas em 10 de Julho, constituído maioritariamente por elementos das forças armadas e de uma certa esquerda radical. Como consequência destes factos, no dia 7 de Julho, o PS abandonou o IV Governo provisório (o mesmo acontecendo pouco depois com o PPD / PSD) que acabou por cair no dia 17 do mesmo mês.
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Sim, também foi isto

 


Dedicatória a todos os que não votaram em partidos à esquerda do PS, como sempre tinham feito, porque acreditaram que iam estar entre os vencedores discípulos do voto útil (no dito PS, claro). Tiveram medo, muito medo? E estão felizes com o resultado?

A caminhada do Chega para o poder

 


«Ainda não vieram os resultados da emigração, que não permitem perceber se o PS se manterá em segundo lugar. Mas, com 58 deputados cada um, é praticamente impossível não ficar atrás no número de deputados, já que o Chega deverá eleger dois em quatro.

A política portuguesa mudou. A AD venceu, conseguindo que a queda do seu governo, provocada por ele próprio, o beneficiasse. Mas não é essa a mudança. Já aconteceu no passado e, bem vistas as coisas, a subida não lhe permite construir uma maioria para governar com a IL. Foi pífia. O que mudou tudo é, obviamente, o Chega.

O que muda é o Chega ser, a partir de hoje, candidato ao poder. Nem sequer é claro que não venha a ser o líder da oposição. O cenário pode ser bom para Ventura. Se vier uma crise económica, com a imigração colocada no centro do debate político pela AD (que não conquistou um voto ao Chega com essa estratégia) e, mal as coisas fiquem mais feias, os casos de Montenegro prontos a regressar (o eleitorado liga à ética quando falta o dinheiro), tudo jogará a seu favor, agora que é visto como candidato ao poder.

Mas este resultado também traz um problema ao Chega: se é candidato ao poder, se desta vez já não lhes chega a abstenção para barrar ou aprovar qualquer coisa, a neutralidade já não é uma hipótese. E isso obriga o Chega a repensar a sua tática. Não é a moderar-se. Não é a tornar-se mais propositivo, já que nem tem capacidade para isso. É preparar uma caminhada em que o voto para “abanar o sistema” não chega. A caminhada para o poder.

A pressão para um PS enterrado nos escombros da hecatombe da noite de ontem será para viabilizar o próximo governo. E não apenas a tomada de posse. Talvez José Luís Carneiro venha a ser escolhido para fazer de morto, o que até faria sentido. Nunca um líder que se prestou a isto – Marcelo e Mendes – chegou a votos. Problema? É que quando este governo falhar, ou quando as pessoas perceberem que falhou, dependendo do ponto de vista, não é o PS que se apresentará como alternativa. É o Chega.

Certo, é que o ambiente político vai mudar muito. Não apenas nas instituições, mas no espaço público. O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior já teve um gostinho dessa mudança. Isso, que talvez seja o mais importante nos próximos tempos, deixo para depois.


18.5.25

Já reflecti, acabem com isso!

 


Chega nas TVs

 


Sem areia na cabeça

 


«Amanhã o país regressa ao mundo real. Durante 15 dias, entre promessas inatingíveis e críticas catastrofistas, ergueu-se uma bolha de arruadas e comícios, de abraços e discursos, de bandeiras e balões, que quase eclipsaram o resto do mundo. Foi tempo de campanha eleitoral, hoje é dia de votar, amanhã faremos as contas com a realidade.

Lá fora, o mundo não parou de afundar-se. Continua a miséria moral de Israel e o sofrimento dos 2,2 milhões de palestinianos, que os israelitas querem expulsar de Gaza à força da fome e da limpeza étnica. Nas contas que nos dizem respeito, a União Europeia continua, como grande parte da comunidade internacional, a ser cúmplice, por inacção e silêncio, de um genocídio.

O que a UE não faz em nome da Humanidade, pelo menos vai fazendo em nome do interesse próprio, mantendo viva a solidariedade com os ucranianos invadidos pela Rússia, que continuam privados de uma vida normal em paz. Nada que importe a Vladimir Putin, que vai alimentando negociações “de fachada”, enquanto no terreno as tropas continuam a semear a morte por vontade de um ditador.

O país que poderia dar o maior contributo para resolver qualquer uma destas crises está entregue aos devaneios de um Presidente que prometeu resolver estas guerras em semanas, se não mesmo em dias e que, como era óbvio, ainda nada fez.

“O Ocidente, enquanto actor geopolítico, já não existe”, defendeu recentemente Timothy Garton Ash, e Donald Trump vai garantindo que isso seja, talvez para sempre, a verdade de um mundo novo, em que os aliados de ontem são os inimigos de hoje e os amigos de agora serão quem estiver disponível para pagar ou para se submeter. Pelo caminho, o seu próprio país vai ficando mais pequeno em vez de trilhar a grandeza prometida, mas, para já, isso não parece ter força suficiente para inverter o caos.

A disrupção de Trump ainda está no início, mas as ondas de choque já estão a atingir o mundo inteiro. O choque entre países vai ficar mais agreste, a economia mais incerta, tudo mais perigoso. Não vale, como avisou o Presidente da República, “meter a cabeça na areia. Ficar indiferente à gravidade do instante vivido. Fazer de ausente". Votar pode parecer pouco perante a dimensão dos problemas que enfrentamos, mas é a nossa assinatura de cidadania, é o momento de escolher que mundo queremos.

Há 51 anos, um grupo de capitães um pouco indisciplinados, mas com o coração no local certo, abriu-nos na Primavera a porta deste jardim que temos a obrigação de cuidar. Hoje é dia de semear.»


Música para Dia de Reflexão (3)