«Amanhã o país regressa ao mundo real. Durante 15 dias, entre promessas inatingíveis e críticas catastrofistas, ergueu-se uma bolha de arruadas e comícios, de abraços e discursos, de bandeiras e balões, que quase eclipsaram o resto do mundo. Foi tempo de campanha eleitoral, hoje é dia de votar, amanhã faremos as contas com a realidade.
Lá fora, o mundo não parou de afundar-se. Continua a miséria moral de Israel e o sofrimento dos 2,2 milhões de palestinianos, que os israelitas querem expulsar de Gaza à força da fome e da limpeza étnica. Nas contas que nos dizem respeito, a União Europeia continua, como grande parte da comunidade internacional, a ser cúmplice, por inacção e silêncio, de um genocídio.
O que a UE não faz em nome da Humanidade, pelo menos vai fazendo em nome do interesse próprio, mantendo viva a solidariedade com os ucranianos invadidos pela Rússia, que continuam privados de uma vida normal em paz. Nada que importe a Vladimir Putin, que vai alimentando negociações “de fachada”, enquanto no terreno as tropas continuam a semear a morte por vontade de um ditador.
O país que poderia dar o maior contributo para resolver qualquer uma destas crises está entregue aos devaneios de um Presidente que prometeu resolver estas guerras em semanas, se não mesmo em dias e que, como era óbvio, ainda nada fez.
“O Ocidente, enquanto actor geopolítico, já não existe”, defendeu recentemente Timothy Garton Ash, e Donald Trump vai garantindo que isso seja, talvez para sempre, a verdade de um mundo novo, em que os aliados de ontem são os inimigos de hoje e os amigos de agora serão quem estiver disponível para pagar ou para se submeter. Pelo caminho, o seu próprio país vai ficando mais pequeno em vez de trilhar a grandeza prometida, mas, para já, isso não parece ter força suficiente para inverter o caos.
A disrupção de Trump ainda está no início, mas as ondas de choque já estão a atingir o mundo inteiro. O choque entre países vai ficar mais agreste, a economia mais incerta, tudo mais perigoso. Não vale, como avisou o Presidente da República, “meter a cabeça na areia. Ficar indiferente à gravidade do instante vivido. Fazer de ausente". Votar pode parecer pouco perante a dimensão dos problemas que enfrentamos, mas é a nossa assinatura de cidadania, é o momento de escolher que mundo queremos.
Há 51 anos, um grupo de capitães um pouco indisciplinados, mas com o coração no local certo, abriu-nos na Primavera a porta deste jardim que temos a obrigação de cuidar. Hoje é dia de semear.»
1 comments:
Houve tempos em que eu criticava e desesperava pela altíssima taxa de abstenção.
Hoje, e tendo em conta o passado recente, temo que o "excesso" de votantes faça afundar o "barco" da democracia!
Enviar um comentário