11.4.20

Brumas – E vão treze



Sim, é verdade, como alguns me recordaram, que este blogue faz hoje 13 anos!

Não estamos em tempo de festejos neste Sábado que de Aleleuia tem pouco, mas agradeço aos que continuam a passar por aqui – e que são muitos, mesmo muitos, mais nos últimos meses, uns vindos do Facebook, uma multidão via Mr. Google, sabe-se lá como e de onde.

O Brumas acompanhou-me sempre, todos os dias, não só por cá mas por cinco continentes e, ironicamente, devia regressar amanhã de mais uma viagem que já não se realizou por razões óbvias. Voltarei a viajar? Não sei quando nem se… Mas os 84 países por onde andei «já cá cantam»!

E La nave va, mesmo que com rotas alteradas.


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Quarentena com arte



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Enfermeiras a 6,42 euros/hora




«"Seis euros e quarenta e dois cêntimos por turnos de doze horas enfiados em hospitais de campanha, metidos em fatos assustadoramente desconfortáveis, com máscaras e óculos que ferem o rosto. Seis euros e quarenta e dois cêntimos para não dormir em casa e não ver os pais nem os filhos durante semanas que se podem transformar em meses". (…) 

"No meio dos aplausos da pandemia, no momento em que somos chamados de heróis, quando nos dizem que somos os soldados da linha da frente e a ultima fronteira entre a vida e a morte, o governo tenta recrutar enfermeiros com a vergonhosa proposta de pagamento de 6.42€/hora. Vou repetir porque vocês podem não ter percebido bem: são seis euros e quarenta e dois cêntimos por cada hora de trabalho no meio do inferno de onde todos querem fugir"»
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Não matem a curva



«Ainda se lembram porque precisávamos de achatar a curva? Para garantir que os serviços de saúde não entravam em rutura e que ninguém morria por falta de ventiladores. Ainda é cedo, mas os cuidados intensivos parecem estar longe do máximo da sua capacidade e os hospitais, abandonados pelos utentes, têm mais razões para se preocuparem com as vítimas deste abandono prolongado. O objetivo do confinamento não era impedir que todas as pessoas fossem infetadas. Porque é possível que o vírus regresse no inverno e não haja vacina até lá. O que quer dizer que poucos serão imunes e voltaremos a isto se a crise nos deixar casas onde nos fecharmos.

Nunca tivemos, e bem, a estratégia inicial do Reino Unido, que queria deixar que a coisa se espalhasse, defendendo apenas os grupos de risco e permitindo que os sobreviventes ficassem imunes e o resto morresse. Mas também não desejávamos ficar eternamente amarrados aos humores do vírus, todos por infetar até um dia haver vacina. O que me leva à pergunta que aflige quem tem de fazer alguns planos: quando houver uma queda sustentada de novos infetados e os cientistas e políticos acharem que devemos ir regressando gradualmente a uma vida mais ou menos normal, protegendo os grupos de risco (numerosos em Portugal) e mantendo a curva baixa, o pânico instalado permitirá essa escolha? Para as pessoas voltarem ao trabalho quando for necessário temos de reduzir a ansiedade. A utilização generalizada de máscaras em locais fechados e transportes públicos, para além de reduzir a velocidade de disseminação da doença, pode dar confiança. E fazerem-se mais testes também. Mas, mesmo com uma acentuada queda de infetados, os pais não permitirão que os seus filhos voltem à escola. E, com eles em casa, não podem ir trabalhar. O regresso parcial dos que não estão a trabalhar que imagino é de quem não tem menores ou ascendentes a cargo.

Por falta de apoio médico, por doses cavalares de ansiedade, por falta de exercício, pelo isolamento insano, pela rapidíssima degradação das condições socioeconómicas de centenas de milhares de famílias, a saúde dos portugueses degradou-se brutalmente neste mês. E o pior, sobretudo para os mais pobres, ainda está para vir. Só uma sociedade patologicamente assustada pode pôr a possibilidade de prolongar indefinidamente o isolamento, atirando os mais vulneráveis para uma miséria sem fim. E só uma total inconsciência em relação à crise que nos espera pode achar que, no inverno, estaremos em condições sociais para repetir o que fizemos este mês. Sem pressas nem irresponsabilidades que estraguem o que conseguimos, temos de nos começar a preparar psicologicamente para o regresso, controlando a pandemia sem ficarmos seus eternos escravos. Não podemos deixar que se instale a ideia de que ficaremos fechados em casa até não haver um único infetado ou óbito. É nesse momento que mostraremos a nossa coragem. Até agora só vimos quanto pode o nosso medo. O medo não é mau. Mas, como a coragem, deve ser na dose certa.»

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10.4.20

Quando os médicos cantam




Médicos na Espanha cantam 'Resistirei', 'hino' do combate ao coronavírus.
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Benefícios colaterais


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Eurogrupo e Titanic



«No mesmo dia em que ficámos a saber que o Banco de Inglaterra vai financiar directamente o Estado britânico durante o tempo que o governo considerar necessário para combater as consequências económicas do covid-19, o Eurogrupo anunciou um acordo "histórico" que produz efeitos irrisórios face às actuais condições de financiamento dos Estados membros e que não preenche nem um quinto das necessidades de Portugal até ao fim do ano. Isto pedindo "apenas" em troca que os países cumpram as regras orçamentais europeias. As mesmas que, nas condições actuais, nos conduzirão a mais uma década de austeridade.

Parece que no final da reunião do Eurogrupo os ministros das finanças da zona euro bateram palmas. Faz lembrar os passageiros da 1a classe do Titanic a aplaudir a valsa acabada de tocar pela orquestra, enquanto o navio se afundava.»

Ricardo Paes Mamede no Facebook


«EUROGRUPO: UMA MÃO CHEIA DE DÍVIDA E OUTRA DE COISA NENHUMA

As decisões anunciadas resultam do consenso franco-alemão e apenas prevêem empréstimos aos países. Para viabilizar o recurso ao Mecanismo de Estabilidade Europeu (MEE), sem condições específicas, estreitou-se a utilização dos fundos.

O recurso à linha de crédito do MEE, da qual os Estados poderão receber até 2% do PIB, fica sujeito a que os gastos sejam apenas relacionados com a saúde. De fora do acordo fica a mutualização de dívida - a sua omissão mostra que o tema foi enterrado pela Alemanha e Holanda.

De fora do acordo fica, também, o financiamento monetário da despesa pública no combate à crise - a opção mais sensata, defendida por economistas tão insuspeitos como os do Financial Times e à qual o Banco de Inglaterra já abriu a porta hoje.

A definição dos contornos do Fundo de Recuperação para o pós-crise foi adiada para uma eventual reunião do Conselho. Depois de três reuniões e longas horas de discussão, o Eurogrupo deixou o essencial por decidir.

Em resumo: a "ausência de condicionalidade" é uma meia verdade - só se aplica às despesas de saúde. Além disso, os países que se endividarem serão depois sujeitos a nova vaga de austeridade para cumprir as regras orçamentais aplicadas com mão de ferro pela Comissão. Pior era difícil!

Marisa Matias no Facebook
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107 degraus



«Foi naquela manhã no ginásio, à saída da aula vazia, nas despedidas do “até breve”, “não vai demorar”, bruscamente a veemência do silêncio brutal do balneário vazio, a água quente de mais, enquanto vou percebendo como uma parte da vida normal tinha acabado, nunca mais voltaria assim. Resisto, vou ao tribunal da parte da tarde, subo a escadaria íngreme que liga as ruas da Baixa ao Castelo de São Jorge, não há gente, outra vez aquele silêncio. A escadaria é bonita, tem 107 degraus contados que sempre me alegraram no encanto de chegar ao alto e contemplar a cidade.

A paisagem das ausências agudiza-se no regresso a casa, que já nem é casa, parece outra coisa. A síndrome da paragem a alta velocidade, as batidas aceleradas do coração, um processo físico complexo.

Primeira parte, a necessidade de criar uma imitação do mundo que tínhamos, de fingir fazer, de imaginar o que já não somos, num despenhar da realidade para um passado longínquo e inacessível, como quem se afasta de terra num barco imparável e sem bússola. Teimamos na imitação de vida, o amor aos netos emoldurado ou desfocado no retângulo do telemóvel, os trabalhos no computador, a âncora da luz amarelada que entra pelas janelas, o acenar à mãe cá de baixo da rua, ao fim da tarde.

Preciso de combater esta expansão convulsiva do recuo, do isolamento irracional, evitar o efeito de espelho eletrocutado, citando Herberto Helder na “Carta ao Silêncio”. Manter os mesmos objetivos diários, os mesmos horários, não funciona, parece que me fui embora de mim própria. Não é altura para explicações que não tenho.

Segunda parte, o bicho malicioso suga-nos, emparedados entre os traços da estatística negra dos mortos e infetados, galvanizados pelo heroísmo médico e pessoal hospitalar indomável, diluímo-nos em esquemas ingénuos. O mundo girava obcecado por dinheiro, por ícones vazios, sem valores espirituais, alimentado de consumismos irracionais e hedonistas, viagens compulsivas, cadeias globais de abastecimentos, euforias mirabolantes, tudo desfeito por este silêncio que é o que não conhecemos. Mal habituados que estávamos a não saber.

Lutar contra o vírus malicioso não é um objetivo de combate egoísta e cobarde, tem que incluir a luta contra a miséria, a desigualdade, a aniquilação do ser humano. Provavelmente vamos aprender tudo de novo, num mundo virado do avesso. Só que precisamos de ação, nunca de asfixia.

Parte três. Adapto então os objetivos à ação, agora sem baboseiras, o processo tem dor, deixo-me flutuar. Descubro a escadaria do meu prédio para o exercício diário, conto os degraus e são 107, 107 outra vez, lá no cimo há o clarão da claraboia. Desço e subo infinitamente, o coração a bater cada vez mais, a suar, no fim ponho um álbum de jazz com a música tumultuosa e caleidoscópica de Shostakovich. Ninguém sabe o desfecho desta história, permanecem no ar os cambiantes das partituras decadentes e poderosas da música, o corpo começa sempre onde acaba, e há um clarão lá em cima da claraboia. 107 degraus, 107, todos os dias, muitas vezes.»

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9.4.20

Fernando Pessoa: «Finalmente em paz!»


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Comissão Europeia? Nunca desilude!



E não há vacina que nos valha contra estes ataques. Isto, sim, é uma guerra – contra nós.


«A Comissão Europeia (CE) aponta para aqueles que considera ser os quatro grandes problemas de Portugal, "independentemente" da crise pandémica do coronavírus. (…)

Mesmo com o vírus a derrubar a economia e as contas públicas, a Comissão insiste nestes pontos. Uma das grandes críticas de Bruxelas visam a reposição de salários e de carreiras da função pública, os aumentos extraordinários para as pensões mais pobres e os gastos da Saúde, que na opinião da CE é um setor que precisa de ser mais bem gerido de forma a gerar mais poupanças.»
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Lidar com a incerteza



«Não é possível ignorar o tema da incerteza no contexto da atual pandemia. As incógnitas são imensas, não só respeitantes à evolução do surto, como aos mecanismos que o irão atrasar e interromper. Sem falar da economia e das desigualdades sociais daí resultantes.

Lidar com a incerteza exige fortalecer a confiança.

Vale a pena lembrar que em áreas onde a incerteza é muito menor, o nosso comportamento não deixa de ser curioso! Falo do tabaco, das alterações climáticas, do açúcar a mais, do sexo desprotegido e tantos outros. Como o risco é normalmente traduzido em probabilidades, haverá quem ache que fará sempre parte daquela pequena percentagem dos que não serão afetados. Ou que, em breve, surgirão sempre soluções eficazes. Como também, no polo oposto, existem muitos que receiam que serão obviamente vítimas de todas as doenças e calamidades que possam surgir, e que o princípio da precaução deveria ser levado ao limite máximo permitido.

Entre estes dois extremos da população, confiamos que os decisores não deixem de tomar medidas. Se para uns, elas são invariavelmente exageradas, para outros serão sempre insuficientes. Lembra a velha história “do velho, da criança e do burro”.

Como avançar?

É essencial garantir o acesso continuado aos dados mais credíveis e seguros. Dados esses que, no presente caso, estão a ser coligidos globalmente por milhares de instituições, e que têm de ser analisados, contextualizados e compreendidos. Terão de ser convertidos em informação, que por sua vez irá progressivamente transformar-se em conhecimento. Leva tanto mais tempo quanto maiores forem as surpresas que surgirem.

Curiosamente, por mais robusta que seja essa informação, a forma como cada um de nós a interpreta é muito variável. Tudo parece indicar que, quanto mais clara e isenta for a informação sobre o que se sabe e o que não se sabe, nós só retemos aquilo que melhor se enquadra na nossa conceção do mundo atual. Que seja precisamente a nossa Visão do Mundo que determina em grande parte a maneira como lidamos com a incerteza não nos deve surpreender. Só ouvimos o que confirma os nossos preconceitos! Se achamos que vivemos no melhor mundo possível, registamos e fixamos preferencialmente os sucessos. Se achamos que o mundo deixa muito a desejar só registamos os desastres. Exagero talvez um pouco, mas não muito. Acresce que, quando encaramos riscos em áreas diferentes da nossa vida, raramente somos consistentes.

Esta nossa Visão do Mundo depende, obviamente, da nossa história pessoal e profissional. Um dos fatores mais relevantes será certamente o da nossa literacia. Dois estudos recentes mostram que a literacia em saúde dos portugueses nem é má nem é boa. É mediana. Infelizmente, a nível global, a literacia estatística não é melhor, e suspeito que o mesmo se poderia dizer em relação a muitas outras literacias (económica, histórica, etc.). Outro dos fatores pertinentes terá a ver com a nossa afinidade política, e de como desejamos lidar com as desigualdades, as descriminações e as fragilidades sociais. Teremos de continuar a combater os que irresponsavelmente semeiam o alarme e o medo.

Nos dias que correm estamos literalmente inundados com informação. Quase tudo o que se lê, se vê e se ouve é sobre o coronavírus. Até as alterações climáticas desapareceram do radar. Só se fala em ambiente para ilustrar o extraordinário melhoramento resultante do abrandamento da economia. Sendo preliminar, essa informação alimenta a enorme diversidade de opiniões com que somos bombardeados a toda a hora, de todos os quadrantes profissionais e políticos. Mas é evidente que estamos ainda muito longe de conseguir prever o desfecho desta pandemia. Muitas surpresas irão surgir.

Neste palco local e global, perceber em quem podemos depositar a nossa confiança é fundamental. E todos sabemos que a confiança só se ganha lentamente e é extremamente frágil. Ela ganha-se comunicando a verdade: sobre o que sabemos, mas também sobre o que ignoramos. E exige este compromisso com a verdade de forma continuada. Afinal, não é muito diferente do conhecimento.

Exige também que o poder que é conferido aos decisores seja usado de forma responsável, garantindo que o equilíbrio entre o direito e as liberdades fundamentais conquistadas pela democracia não seja prevertido.

Se tanto o conhecimento como a confiança precisam de tempo, a ação política não beneficia desse luxo. Temos de ter a noção de que muitas decisões têm de ser tomadas com graus diferentes de incerteza. Têm de ser necessariamente arriscadas. A incerteza exige flexibilidade, para que as estratégias se possam adaptar rapidamente ao novo conhecimento.

No entanto, olhando para as últimas semanas, tudo indica que estamos no bom caminho. Apesar de todo o ruído que nos cerca, os nossos decisores e as instituições que suportam as suas decisões mantêm a confiança da maioria dos cidadãos. Sentimos a cidadania responsável que todos desejamos a concretizar-se diariamente. Esperemos que assim continue para que as metáforas da “mola” e da “luz-ao-fim-do-túnel” tenham sido úteis não só para os nossos cidadãos, mas para todos os que vivem na esperança de um mundo melhor.

Manter a confiança para lidar com a incerteza será a palavra de ordem. Mais uma razão para a acarinhar e proteger a todo o custo.»

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Calendário semanal



8.4.20

E aqui ao lado...



Expresso, 08.04.2020
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Entretanto, na União Europeia




«O responsável diz que sugeriu a criação de um programa especial para combater a covid-19, mas a proposta foi rejeitada. "Pensei que, numa altura como esta, os melhores cientistas do mundo teriam acesso aos melhores recursos e oportunidades para combater a pandemia, com novos medicamentos, vacinas, ferramentas de diagnóstico e abordagens comportamentais baseadas na ciência, ao invés das muitas vezes improvisadas intuições dos líderes políticos", lamentou.»

Além disso: Impasse no Eurogrupo: Holanda no centro do bloqueio da resposta à covid-19.
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Os nossos heróis ganham 650 euros



«É a frase final numa reportagem televisiva. Um murro impetuoso no estômago. A jornalista questiona: "Não me leva a mal se lhe perguntar quanto é que ganha?". Patrícia Brilhante Dias, assistente operacional nos Cuidados Intensivos do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, esboça um sorriso constrangido: "Tiro à volta de 640 euros, 650, anda à volta disso".

Um salário que anda à volta disto é tudo menos honroso para uma classe profissional que, em plena pandemia, foi justamente alcandorada pelos portugueses ao patamar da heroicidade. Um herói nacional não pode ganhar 650 euros. É indigno em qualquer contexto, é vergonhoso no atual.

Nem sempre os cidadãos entendem as reivindicações de médicos e de enfermeiros - não falo dos assistentes operacionais nem dos técnicos de diagnóstico e terapêutica, porque esses, sendo vitais, não têm ascendente mediático. E essa circunstância faz com que os debates sobre saúde nasçam e morram muitas vezes no regaço desse maniqueísmo. Mas a crueza dos números é inabalável: o nosso sistema de saúde é globalmente eficiente na resposta, mas terrivelmente mal pago.

O salário médio anual dos profissionais de saúde em Portugal ronda os 29 mil euros, o que nos atira para a cauda da Europa. Os gregos recebem 32 mil euros, os espanhóis 54 mil euros, os franceses 95 mil euros. Os norte-americanos quase multiplicam por dez as remunerações médias: 250 mil euros. O desequilíbrio na balança (esforço versus recompensa) pode, consequentemente, vir a revelar-se desastroso a médio e a longo prazo, em particular junto dos elementos mais frágeis da cadeia de responsabilidade.

Por isso, de pouco valem os vídeos-tributo nas redes sociais ou as palmas à varanda depois do jantar. Só homenageamos verdadeiramente os profissionais de saúde em Portugal pagando-lhes melhor. Decentemente. Aprendendo alguma coisa com o que eles valem hoje e com o que poderão valer no futuro. Melhorando as condições em que servem o país.

Vendo no seu exemplo de abnegação, a que não devemos dissociar a tremenda exposição ao risco num contexto de falta de material de proteção, um sinal categórico de que exorbitaram em larga medida o alcance das suas funções. Urge, por isso, converter o critério do nosso reconhecimento. A dívida de gratidão não chega. As palmas diluem-se no esquecimento. Depois disto, não podemos continuar a viver abaixo das nossas possibilidades.»

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Brasil: ao que se chegou!




«Bolsonaro atendeu o pedido de um pastor e se ajoelhou com o grupo, que fez orações e cantou músicas de louvor. Em silêncio, o presidente ouviu o pastor, em tom exaltado, dizer que, a partir daquele instante, não haveria mais nenhuma morte pela covid-19 no Brasil, porque o País estaria abençoado por Deus e pelo presidente Bolsonaro.»
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7.4.20

Quem diria, quem diria…



… que seria Marcelo a lançar esta bela frase para comemorar o 25 de Abril! O homem não dá ponto sem nó.

«Quando ouvi a expressão "ganhar em Abril o mês de maio" tive um sobressalto. Senti aquela expressão como uma palavra de ordem de resposta ao "diz qualquer coisa de esquerda" que há dentro de nós. Por um momento, houve uma memória neorrealista que se apoderou desta minha alma confinada. Creio que cheguei mesmo a começar a trautear o "Acordai" de Lopes-Graça. Mas foi só um instante. Um devaneio. Já lá vai.»
José Manuel Pureza no Facebook.
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07.04.1893 - Almada Negreiros



Almada Negreiros nesceu em S.Tomé e Príncipe, em 7 de Abril de 1893. Na minha última viagem a.c. (antes do corona…), visitei e almocei na casa onde nasceu, na Roça Saudade, a 1.500 metros de altitude, da qual o pai era Administrador. Com dois anos, Almada Negreiros veio para Cascais e passou a viver com a família da mãe que ficou em S. Tomé e morreu pouco depois.
(A imagem no topo do post mostra uma das muitas citações de Almada, pintadas na casa hoje transformada em restaurante-museu.)




O Manifesto anti-Dantas, por Mário Viegas:



Vale a pena ouvir um excerto da entrevista que Almada Negreiros concedeu ao programa Zip-Zip, em 1969 (ano anterior ao da sua morte):


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Mais papista do que o papa




Nunca a expressão «mais papista do que o papa» se aplicou tão bem.

«O líder da extrema-direita em Itália, Matteo Salvini, defendeu no domingo que as igrejas devem estar abertas ao público para os ritos da Páscoa, mas a Conferência Episcopal recusou, apelando hoje à responsabilidade em plena pandemia.»
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Covid-19: África – e agora?



«Esta semana começou com 8736 casos confirmados de codiv-19 em África, causadores de 399 mortes e 747 pacientes curados, segundo o Centro de Controlo de Doenças da União Africana, domingo no fim da tarde em Adis Abeba. A soma da África do Sul e dos países da África do Norte representa quase metade do total confirmado que, por comparação com os demais continentes, é o número mais baixo. Em conversa sobre este dado, um dos meus amigos de Dakar disse-me, em tom sarcástico, que os africanos são em maioria jovens e já passaram por algo como uma seleção natural. Sem dúvida, os africanos são como sobreviventes, após fomes, epidemias, guerras, opressões e desgovernos. Se isso contar, o continente tem uma defesa poderosa contra este vírus. Mas é melhor prosseguir atentos ao desenrolar da pandemia, daí a maior parte dos 51 países com casos confirmados, ter decretado confinamentos, estados de emergência ou, pelo menos, recolher obrigatório e anulação de aglomerações.

Na mesma conversa concordamos ser impossível, em África, fechar as pessoas. As condições de luta pela sobrevivência impõem uma busca constante do sustento na rua ou na estrada. Com frequentes taxas de 40% a 50% de emprego informal, ocasional ou precário, um dia sem trabalhar é um dia sem comer. O governo do Benim, por exemplo, fez diversas recomendações mas assinalou que o país não tem meios de confinar as pessoas e garantir a sua sobrevivência. O Senegal prometeu um programa de ajuda alimentar a um milhão de famílias mais vulneráveis.

Assim, a brutalidade policial denunciada em alguns países, no sentido de tirar as pessoas da rua, só poderá ter o efeito de as revoltar pois estão em busca desesperada de algo a levar para casa. Aliás, a própria noção de casa exige aqui explicação. Grande parte não tem água nem luz nem mesmo paredes, portas, janelas ou tetos compatíveis com um confinamento.

Assim, o risco é enorme e só condições ambientais (ou outras desconhecidas) protegem o continente africano até aqui. África é um exemplo dos efeitos causados pela negligência do desenvolvimento social. Com efeito, em todo o mundo, algumas linhas de orientação económica propuseram e aplicaram redução das despesas sociais, justificando tratar-se de medida provisória para concentrar meios no crescimento económico. Além disso, em toda a África e países espalhados por outros continentes, baixaram fortemente as alocações de recursos para pesquisa cientifica, alegando, sobretudo nos países africanos “tratar-se de um luxo”.

A ignorância do link entre economia, conhecimento e condições de vida acaba por, de repente, esmagar a economia. Seja em crises financeiras, conflitos, calamidades naturais, crises sanitárias como esta ou mesmo nas frequentes taxas de crescimento irrisório do PIB. Neste momento, nem as indústrias mais avançadas do mundo conseguem responder à demanda mundial de objetos tão simples como luvas de borracha e máscaras quase artesanais. Se a pandemia durar bastante tempo nem nos países de IDH muito alto os hospitais estarão isentos de colapso e os Estados vão ter de escolher entre aplicar os seus recursos na defesa da vida humana ou prosseguirem com funcionamento económico à custa da precariedade social e inibição do conhecimento.

Afinal, há apenas duas diferenças na luta pela sobrevivência entre os informais africanos e as Pequenas e Médias Empresas do hemisfério norte: a primeira é que aqueles não podem parar um dia e estas não podem parar um mês; a segunda é que estas têm Estados ricos por trás e aqueles não tem nada por trás.

Nestes termos, mesmo que África chegue ao fim deste massacre com menos vítimas individuais, os efeitos económicos serão piores que nos outros porque tem muito menos meios de reagir e reerguer. A menos que a brutalidade desta crise sirva para lançar uma inserção mais equilibrada de África no mundo.

Três requisitos são essenciais nesse sentido: acabar com as imposturas identitárias isolantes, lançadas quer por propagandistas locais quer por forças externas hostis aos africanos; transformar as dívidas africanas ou, em certos casos, os seus juros, em investimentos diversificados (desta vez sem separar economia e sociedade) e, enfim, que as entidades de integração das cinco macrorregiões africanas comecem a ter função coordenadora supra nacional.»

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Perplexidades


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6.4.20

06.04.2011 – O início de um outro confinamento



«Passava já das oito e meia da noite quando o então primeiro-ministro, José Sócrates, falou ao País e confirmou o pedido de ajuda.»
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Solidariedade com música



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Covid-19 – Entretanto, no resto do mundo




«Segundo os dados do organismo, se o avanço da pandemia provocar uma queda de 5% na renda média da população ativa, o número de latino-americanos em extrema pobreza passará dos 67,5 milhões atuais para 82 milhões. Se a diminuição da renda da população economicamente ativa for de 10%, o número disparará para 90 milhões de pessoas (ou seja, 22 milhões de pessoas a mais em relação ao número atual).»
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Vírus e elefantes



«Em poucas semanas, praticamente todos os portugueses ficaram a conhecer o conceito de evolução exponencial. O facto de cada pessoa infectada poder passar o vírus a várias pessoas, aumentando exponencialmente, com o tempo, o número de infectados, passou a estar omnipresente nas nossas mentes, tornando muito familiar uma função matemática que, até agora, era usada principalmente por engenheiros, economistas, biólogos, epidemiologistas e outros cientistas. A verdade é que esta característica exponencial da evolução dos seres vivos é bem conhecida há séculos, e está na base de toda a diversidade que observamos no planeta e na civilização humana. Se não fosse este potencial dos seres vivos para crescerem de forma exponencial, o planeta seria profundamente diferente e nós nem sequer existiríamos. A vida conquistou toda a Terra exactamente porque tem tendência a crescer de forma exponencial.

Charles Darwin publicou, em 1859, o livro que o tornou famoso, A Origem das Espécies, no qual tinha trabalhado durante décadas e que descrevia a teoria da evolução. Cerca de um ano antes, Darwin tinha publicado, juntamente com Alfred Wallace, um artigo que descrevia estas ideias cuja autoria, pelas regras normais de atribuição de crédito científico, deveria ser de ambos os autores. Por diversas razões, as contribuições de Alfred Wallace acabaram por cair numa relativa obscuridade, enquanto o nome de Darwin se tornou conhecido em todo o planeta. A teoria da evolução que, desde então, foi o foco de tantas controvérsias, interpretações e estudos, é talvez aquela que mais revolucionou a forma como vemos o mundo e o papel que, como espécie humana, nele desempenhamos.

A teoria da evolução veio esclarecer definitivamente o que é, talvez, a questão mais central que podemos colocar, como seres humanos: como é que aparecemos, como é que fomos criados? A resposta dada pela teoria da evolução, peremptória e incontornável, é que fomos criados pela evolução natural, por um algoritmo que, ao longo de milhares de milhões de anos, optimizou os seres vivos na sua luta pela sobrevivência. Como Darwin percebeu, a evolução das espécies depende, criticamente, desta capacidade dos seres vivos se reproduzirem de forma exponencial (ou geométrica, para usar uma outra expressão). Darwin escreveu “Não existe excepção para a regra de que cada ser vivo se reproduz a uma taxa tal que, se não for destruído, a Terra ficaria rapidamente coberta pela descendência de um só par. (…) O elefante é supostamente o animal que se reproduz mais lentamente, e fiz algum esforço para estimar a velocidade a que se pode reproduzir: não estarei a errar por excesso se assumir que se reproduz quando tem trinta anos, até atingir os noventa anos, criando três pares de crias nesse intervalo; se for assim, ao fim de cinco séculos existirão quinze milhões de elefantes, descendentes do par original.”


5.4.20

Para sossegar a consciência dos fumadores


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Veados no asfalto



Ontem, em Odivelas.


E cabras algures no Reino Unido: 



(Daqui)
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Os tempos vão mudar?



«Quando editou, em 1964, The times are a’Changin, Bob Dylan previa o futuro. O seu e o da América. John F. Kennedy fora assassinado meses antes e Dylan rompia com o passado. Fora o trovador da renovação da música folk. Mais uns meses e transformar-se-ia num herético: deslumbrado por Rimbaud e pelo LSD, trocava a viola por uma guitarra eléctrica. Os tempos tinham mudado. Recorda agora isso numa canção sem fim, Murder Most Foul. Diz ele, que já viu tudo: “Thousands were watchin'/No one saw a thing”. Fala da morte de JFK em Dallas e da misteriosa digressão mágica das décadas de 60 e 70. Poderia estar a falar de um vírus invisível que dinamitou todas as certezas das sociedades modernas.

Tal como nesses dias, os tempos estão a mudar? É verdade.

Só que, agora, ninguém sabe onde colocar os pés: estes campos colocados à nossa frente, outrora floridos e globais, estão minados. Cheios de espantalhos, de Jokers, de Freddy Kruegers. Estamos num labirinto onde não vemos o Minotauro, mas sentimos a sua presença. Todos desejam respostas. Mas, no mercado, estão esgotadas, como as máscaras ou o álcool etílico. Em Delfos, os gregos perguntavam o futuro à pitonisa. Hoje o Google não nos dá respostas. Nem os políticos. Nem os mercados. Nem os videntes. Como será o mundo depois da covid-19? Sabemos apenas o que desejávamos ignorar. Seremos mais pobres e haverá uma astronómica dívida por pagar. Pior: até quando existirá dinheiro, em países que não emitem moeda, para pagar a paz social? O Estado não é o cofre do Tio Patinhas.

A história do coronavírus é um duelo entre a saúde e a economia. Desejamos que ambas sobrevivam. Mas, até lá, temos de lidar com os vencidos da vida. Do país outrora conhecido como Holanda e agora novamente chamado Países Baixos, esperávamos a subtileza dos quadros de Rembrandt, frutos belos de uma sociedade aberta ao mundo. Pelo contrário coube-nos, nestes dias mais sombrios, o sr. Hoekstra, holograma do sr. Dijsselbloem.

Julgou-se, por momentos, que o Ferrão dos “Marretas”, resmungão que vive num caixote do lixo, e que deseja que a sua vida seja o mais miserável possível, tinha agora assento no Eurogrupo. Não. Esta é uma personagem real, menos carinhosa do que o Ferrão e usa fato e gravata. Cómodo, com a barriga cheia, pensa nele. E não nos outros. Fez bem Portugal, por intermédio do sr. António Costa, em fazer ouvir a sua voz. Não se pode jantar com uma personagem destas. Jean Monnet disse que a Europa será forjada nas crises. O surto de covid-19 é uma dessas crises. É sanitária e económica. Será moral e ética. Não poderá perder tempo com personagens como o sr. Hoekstra.

Portugal vive um momento crucial. No meio da sensatez política, tem sobrado espaço para o dislate. Transformar o Hospital Curry Cabral, por desígnio político do sr. António Costa, numa unidade exclusivamente para o combater a covid-19 é um deles. Tal como foram, antes, as iniciativas políticas para acabar com o Laboratório Militar e o Hospital Militar. Colocar-se já na fila da frente para um sebastiânico governo de “salvação nacional”, como faz o sr. Rui Rio, é outro. Os políticos portugueses usam demasiadas vezes a improvisação como almoço. Raras vezes desenham estratégias. Os resultados costumam ser desastrosos.

Nada que os diferencie, aqui, da Europa dita comunitária. Há um velho ditado grego que apetece recuperar agora: “Aquele a quem os deuses desejam destruir, primeiro enlouquecem”. A Europa, antes de se destruir, está a enlouquecer. Os deuses europeus actuais simbolizam instituições pós-modernas: são indiferentes ao que os cerca. No centro de toda esta tragédia sem solução está uma União Europeia sediada burocraticamente em Bruxelas. E que reage em vez de agir. Poderá assistir, a prazo, a democracias mais musculadas. E quem pagará a crise? E como? E como será a gestão social de um mundo empobrecido, sem presente e com um futuro muito nebuloso? Uma roleta russa?

O mundo tem surfado pelo Instagram, pelo Twitter, pelo Facebook e pelo WhatsApp. Com cada vez menos contacto com a realidade. Algo vai mudar, mas talvez não tanto como alguns desejaríamos. A grande dúvida, no meio do cataclismo, será uma: ficaremos melhores ou piores pessoas do que antes da covid-19? Foi a forma como tentámos domesticar o planeta aos nossos interesses que nos tornou alvos mais fáceis de vírus como estes. Julgávamos ser os conquistadores. Acabámos encurralados. A globalização, o viver numa rede sem fim, fez agora reerguer fronteiras e desconfianças. A economia vencerá a saúde. Mas, mais ou menos mutante, o mercado regressará sedento, como salvador. O vírus será o culpado de todas as desgraças. E, como sempre, serão os mais frágeis que pagarão a crise, no meio das cinzas.»

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