7.4.20

Covid-19: África – e agora?



«Esta semana começou com 8736 casos confirmados de codiv-19 em África, causadores de 399 mortes e 747 pacientes curados, segundo o Centro de Controlo de Doenças da União Africana, domingo no fim da tarde em Adis Abeba. A soma da África do Sul e dos países da África do Norte representa quase metade do total confirmado que, por comparação com os demais continentes, é o número mais baixo. Em conversa sobre este dado, um dos meus amigos de Dakar disse-me, em tom sarcástico, que os africanos são em maioria jovens e já passaram por algo como uma seleção natural. Sem dúvida, os africanos são como sobreviventes, após fomes, epidemias, guerras, opressões e desgovernos. Se isso contar, o continente tem uma defesa poderosa contra este vírus. Mas é melhor prosseguir atentos ao desenrolar da pandemia, daí a maior parte dos 51 países com casos confirmados, ter decretado confinamentos, estados de emergência ou, pelo menos, recolher obrigatório e anulação de aglomerações.

Na mesma conversa concordamos ser impossível, em África, fechar as pessoas. As condições de luta pela sobrevivência impõem uma busca constante do sustento na rua ou na estrada. Com frequentes taxas de 40% a 50% de emprego informal, ocasional ou precário, um dia sem trabalhar é um dia sem comer. O governo do Benim, por exemplo, fez diversas recomendações mas assinalou que o país não tem meios de confinar as pessoas e garantir a sua sobrevivência. O Senegal prometeu um programa de ajuda alimentar a um milhão de famílias mais vulneráveis.

Assim, a brutalidade policial denunciada em alguns países, no sentido de tirar as pessoas da rua, só poderá ter o efeito de as revoltar pois estão em busca desesperada de algo a levar para casa. Aliás, a própria noção de casa exige aqui explicação. Grande parte não tem água nem luz nem mesmo paredes, portas, janelas ou tetos compatíveis com um confinamento.

Assim, o risco é enorme e só condições ambientais (ou outras desconhecidas) protegem o continente africano até aqui. África é um exemplo dos efeitos causados pela negligência do desenvolvimento social. Com efeito, em todo o mundo, algumas linhas de orientação económica propuseram e aplicaram redução das despesas sociais, justificando tratar-se de medida provisória para concentrar meios no crescimento económico. Além disso, em toda a África e países espalhados por outros continentes, baixaram fortemente as alocações de recursos para pesquisa cientifica, alegando, sobretudo nos países africanos “tratar-se de um luxo”.

A ignorância do link entre economia, conhecimento e condições de vida acaba por, de repente, esmagar a economia. Seja em crises financeiras, conflitos, calamidades naturais, crises sanitárias como esta ou mesmo nas frequentes taxas de crescimento irrisório do PIB. Neste momento, nem as indústrias mais avançadas do mundo conseguem responder à demanda mundial de objetos tão simples como luvas de borracha e máscaras quase artesanais. Se a pandemia durar bastante tempo nem nos países de IDH muito alto os hospitais estarão isentos de colapso e os Estados vão ter de escolher entre aplicar os seus recursos na defesa da vida humana ou prosseguirem com funcionamento económico à custa da precariedade social e inibição do conhecimento.

Afinal, há apenas duas diferenças na luta pela sobrevivência entre os informais africanos e as Pequenas e Médias Empresas do hemisfério norte: a primeira é que aqueles não podem parar um dia e estas não podem parar um mês; a segunda é que estas têm Estados ricos por trás e aqueles não tem nada por trás.

Nestes termos, mesmo que África chegue ao fim deste massacre com menos vítimas individuais, os efeitos económicos serão piores que nos outros porque tem muito menos meios de reagir e reerguer. A menos que a brutalidade desta crise sirva para lançar uma inserção mais equilibrada de África no mundo.

Três requisitos são essenciais nesse sentido: acabar com as imposturas identitárias isolantes, lançadas quer por propagandistas locais quer por forças externas hostis aos africanos; transformar as dívidas africanas ou, em certos casos, os seus juros, em investimentos diversificados (desta vez sem separar economia e sociedade) e, enfim, que as entidades de integração das cinco macrorregiões africanas comecem a ter função coordenadora supra nacional.»

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