11.10.25
Quando votos das autárquicas chegaram a Lisboa… a cavalo
Eu já contei esta história há uns anos, mas nunca a esqueço em véspera de eleições autárquicas. Amanhã votar-se-á uma vez mais, mas confesso que recordo sobretudo as duas primeiras: 1976 pela novidade e porque foi a única em que me candidatei ao que quer que seja (pelos GDUP, à CML, com enorme probabilidade de ser eleita, como se imagina...) e a seguinte, em 1979, por uma historieta deliciosa.
Por razões profissionais, estive durante alguns anos ligada ao processamento dos resultados eleitorais, então efectuado no Centro de Informática do Ministério da Justiça. Viviam-se semanas épicas na preparação de todos os processos, noites ainda mais épicas quando a data chegava e é quase surreal recordar hoje a dificuldade, o pioneirismo e o stress com que tudo se passava.
O apuramento era especialmente longo no caso das autárquicas pelo número de candidatos e lugares envolvidos e, em 1979, estive mais de 24 horas na Gulbenkian sem abandonar o meu posto. Muitíssimo tempo depois do fecho das urnas ainda faltavam os dados de quatro freguesias e, às 16:00 do dia seguinte, nada se conseguia saber acerca de uma delas, localizada bem a Norte do país, salvo erro em Trás-os-Montes. Primeiro faxes, depois telefonemas para o respectivo Governo Civil... tudo inútil, ninguém encontrava o rasto do presidente da única mesa onde se tinha votado. Até que, bem mais tarde, o inesperado aconteceu: o homem acabou por chegar, em pessoa, ao Ministério da Justiça em Lisboa. Tinham-lhe dito que era ali que os dados eram processados e ele pôs-se a caminho. Trazia a urna ainda fechada e tinha deixado à porta… o cavalo que o transportara desde casa!
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10.10.25
Nobel da Paz – já está e não é «dele»
«O Comitê Nobel norueguês decidiu atribuir o Prêmio Nobel da Paz 2025 a Maria Corina Machado pelo seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos para o povo da Venezuela e pela sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia.
Como líder do movimento democracia na Venezuela, Maria Corina Machado é um dos mais extraordinários exemplos de coragem civil na América Latina nos últimos tempos.
A Sra. Machado tem sido uma figura chave e unificadora numa oposição política que outrora foi profundamente dividida - uma oposição que encontrou um terreno comum na exigência de eleições livres e de governo representativo. É precisamente isto que está no centro da democracia: a nossa vontade partilhada de defender os princípios do domínio popular, embora discordemos. Numa altura em que a democracia está ameaçada, é mais importante do que nunca defender este terreno comum.
A Venezuela evoluiu de um país relativamente democrático e próspero para um estado brutal e autoritário que agora sofre uma crise humanitária e econômica. A maioria dos venezuelanos vive em profunda pobreza, mesmo quando os poucos no topo se enriquecem. A maquinaria violenta do estado é dirigida contra os cidadãos do país. Quase 8 milhões de pessoas deixaram o país. A oposição tem sido sistematicamente suprimida através de fraude eleitoral, processo judicial e prisão.
O regime autoritário da Venezuela torna o trabalho político extremamente difícil. Como fundadora da Súmate, organização dedicada ao desenvolvimento democrático, a Sra. Machado levantou-se para eleições livres e justas há mais de 20 anos. Como ela disse: "Foi uma escolha de cédulas em vez de balas. ” No cargo político e ao serviço das organizações desde então, a Sra. Machado tem manifestado a favor da independência judicial, dos direitos humanos e da representação popular. Ela passou anos trabalhando pela liberdade do povo venezuelano.
Antes da eleição de 2024, Ms Machado era a candidata presidencial da oposição, mas o regime bloqueou a candidatura dela. Ela então apoiou o representante de um partido diferente, Edmundo Gonzalez Urrutia, na eleição. Centenas de milhares de voluntários mobilizados através de divisões políticas. Eles foram treinados como observadores eleitorais para garantir uma eleição transparente e justa. Apesar do risco de assédio, prisão e tortura, os cidadãos de todo o país mantiveram vigia das mesas de voto. Eles certificaram-se de que os contatos finais fossem documentados antes que o regime pudesse destruir as cédulas e mentir sobre o resultado.
Os esforços da oposição coletiva, tanto antes como durante as eleições, foram inovadores e corajosos, pacíficos e democráticos. A oposição recebeu apoio internacional quando os seus líderes divulgaram as contagens de votos recolhidas dos distritos eleitorais do país, mostrando que a oposição tinha vencido por uma margem clara. Mas o regime recusou-se a aceitar o resultado das eleições e agarrou-se ao poder.
A democracia é uma condição prévia para uma paz duradoura. No entanto, vivemos num mundo onde a democracia está em retirada, onde cada vez mais regimes autoritários estão a desafiar as normas e a recorrer à violência. O poder rígido do regime venezuelano e a sua repressão contra a população não são únicos no mundo. Vemos as mesmas tendências globalmente: Estado de direito abusado por aqueles que controlam, meios de comunicação livres silenciados, críticos presos e sociedades empurradas para o domínio autoritário e a militarização. Em 2024, mais eleições foram realizadas do que nunca, mas cada vez menos são livres e justas.
Em sua longa história, o Comitê Nobel norueguês homenageou mulheres e homens corajosos que enfrentaram a repressão, que carregaram a esperança da liberdade nas celas de prisões, nas ruas e em praças públicas, e que mostraram através das suas ações que a resistência pacífica pode mudar a mundo. No último ano, a Sra. Machado foi obrigada a viver escondida. Apesar das sérias ameaças contra a sua vida, ela permaneceu no país, uma escolha que inspirou milhões de pessoas.
Quando os autoritários tomam o poder, é crucial reconhecer os corajosos defensores da liberdade que se levantam e resistem. A democracia depende de pessoas que se recusam a ficar em silêncio, que se atrevem a dar um passo em frente apesar dos graves riscos, e que nos lembram que a liberdade nunca deve ser tomada como garantida, mas deve ser sempre defendida – com palavras, com coragem e determinação.
Maria Corina Machado cumpre os três critérios indicados no testamento de Alfred Nobel para a seleção de um prémio da Paz. Ela reuniu a oposição do seu país. Ela nunca vacilou em resistir à militarização da sociedade venezuelana. Ela tem sido firme no seu apoio a uma transição pacífica para a democracia.
Maria Corina Machado mostrou que as ferramentas da democracia são também as ferramentas da paz. Ela encarna a esperança de um futuro diferente, onde os direitos fundamentais dos cidadãos são protegidos e as suas vozes são ouvidas. Neste futuro, as pessoas finalmente serão livres para viver em paz.»
19.12.1915 – 10.10.1963: Édith Piaf
Uns dizem que morreu em 10 de Outubro de 1963, outros que foi no dia seguinte, poucas horas antes do seu grande amigo Jean Cocteau.
Piaf colou-se para sempre à pele da minha geração, como tantos outros cantores sobretudo franceses, quando este país era quase tão sombrio como os vestidos pretos que ela nunca largou. Mas acrescento uma nota pessoal: acabada de regressar de Portugal, onde tinha vivido a primeira parte da crise académica de 1962, eu vi-a e ouvi-a, em Lovaina, no mesmo dia (vim a sabê-lo algumas horas mais tarde) em que muitas centenas de estudantes foram presos na Cantina da Cidade Universitária de Lisboa. «L'hymne à l'amour» ficou para sempre associado, em mim, ao Dia do Estudante.
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Que Passos não se apoquente, não haverá linhas vermelhas nas autarquias
«Se Montenegro dizia “não é não” e acabou a cozinhar uma lei da imigração com Ventura, imaginem o que quer dizer a recusa em esclarecer entendimentos pós-eleitorais com o Chega. Já estão feitos. E não, falar disso não é, como disse Montenegro, “politiquês”. É o direito de os eleitores saberem se, no dia seguinte às eleições, vão ter um vereador do Chega a gerir bairros sociais, apoios sociais e polícias municipais. Até podem querer. Mas os que recusam essa ideia exigem clareza.
A palavra do líder não determina o que acontecerá em cada câmara. Mas se é líder, dá indicações gerais. Foi o que José Luís Carneiro, com uma clareza que até me surpreendeu, fez: não há entendimentos com a extrema-direita. Luís Montenegro, ao chutar para canto, também passou uma mensagem: pode haver, cada autarca decidirá. O apelo de Passos(que criou Ventura numas eleições autárquicas), para pôr de lado as linhas vermelhas, vem tarde. Já não há motivo para se preocupar. Elas já não existem. Há algum tempo. E nestas autárquicas isso deixará de ser tema. É “politiquês”.
Há autarcas que já decidiram. Em Sintra, um concelho especialmente sensível pela sua enorme diversidade cultural e étnica, Marco Almeida, o eterno candidato derrotado do PSD, já deixou claro que essas linhas vermelhas não existem.
Pelo mediatismo da jovem candidata do Chega, Rita Matias, pelo facto de este ser concelho do líder e pela importância demográfica e política de Sintra, é de esperar que o partido queira fazer desta aliança um laboratório de entendimentos e políticas discriminatórias. Talvez Marco Almeida lhe possa dar o pelouro da educação, para que leve à prática o bonito espetáculo que nos ofereceu quando leu os nomes das crianças malandras que, sendo filhas de estrangeiros, se atrevem a frequentar o pré-escolar.
Em Lisboa, não é provável que, caso Carlos Moedas consiga travar a caminhada descendente da sua campanha e vencer as eleições, queira continuar a governar em minoria. Assim como Alexandra Leitão se vai entender com o PCP (como Medina fez no passado com o Bloco, que, apesar dos avisos de Moedas, já teve vereadores com pelouro), Moedas terá dificuldade em não se entender com o partido que até teve a amabilidade de escolher, para a capital, um candidato de 20ª linha.
Não se trata de voltar a fazer os debates do passado. Debates que, como se viu nos posteriores entendimentos quanto a tudo em que seria de esperar distância, foram inconsequentes. Nessa matéria, as coisas estão claras e decididas. Trata-se de recordar que o Chega não vai apenas ganhar autarquias. Vai poder aplicar as suas políticas discriminatórias e desumanas em autarquias em que não vença. Do processo de normalização do discurso, passaremos para a normalização da prática.»
9.10.25
O Polígrafo explica
“Dois anos após os brutais massacres sobre civis inocentes, há quem organize uma manifestação para glorificar terroristas. O BE e o Livre andaram a apoiar manifestações ilegais e desordeiras. Se não se demarcarem desta é porque são coniventes”, denunciou Mário Amorim Lopes através das redes sociais.
Na publicação, o deputado do Iniciativa Liberal (IL) anexou a imagem de um cartaz uma suposta manifestação, agendada para as 19h00 de hoje, em Lisboa, para a “glória aos mártires da resistência palestiniana”, entre os quais se destacam: as brigadas Al-Qassam (braço militar do Hamas), a Jihad Islâmica e o Hezbollahª
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09.10.1978 – O dia em que Jacques Brel morreu
Adormeceu num 9 de Outubro. Excepto que estava muito longe de ser velho como os velhos que tão bem cantou: «Les vieux ne meurent pas, ils s’endorment un jour et dorment trop longtemps».
Mais:
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Discursos previsíveis e campanhas preguiçosas não mobilizam ninguém
«A sociedade evoluiu e com ela precisamos de evoluir todos. Adaptarmo-nos às novas realidades deixou de ser opcional, para passar a ser uma necessidade. Não se pode fazer o que ‘sempre se fez’, porque vivemos tempos que nunca se viveram.
Da mesma forma que integrámos novas tecnologias no nosso dia-a-dia, também a forma de comunicar precisa de ser repensada. A comunicação que se cria, pensa e produz hoje, não é a mesma que há 50 anos, e ainda bem. Isto não significa necessariamente que o que se faz hoje em dia seja melhor ou pior do que o que se fazia antigamente; quer dizer que é diferente, ou que pelo menos deveria ser.
Já existiram campanhas absolutamente brilhantes. Em Portugal, tivemos a histórica “Por Ti, Lisboa” de Jorge Sampaio e a inesquecível “Soares é Fixe”. Lá fora e mais recentemente, a campanha “Harris for President” que, na minha opinião, foi uma das melhores e mais criativas de sempre, ou a do partido Die Linke nas eleições federais alemãs deste ano. Dito isto, pergunto-me: se já se criaram campanhas excelentes, nacionais e internacionais, por que motivo continuamos a ver tanto desmazelo na comunicação política em Portugal?
Temos hoje mais recursos do que antes. Desde o acesso a novas tecnologias, a plataformas e redes sociais digitais, bem como outras ferramentas de comunicação online que outrora não existiam. Não obstante, continuamos a ver campanhas sem graça, sem estratégia e sem propósito.
Estamos a pouquíssimo tempo das autárquicas. De repente, as ruas voltaram a ser inundadas por cartazes, billboards e flyers. Os anos passam, os candidatos mudam, as eleições repetem-se, e os partidos continuam a acreditar que comunicar é apenas falar, quando já deviam ter começado a ouvir. Parece não se compreender o que é de facto preciso mudar: a forma como se comunica.
Vi campanhas espalhadas por todo o país e conto pelos dedos de uma mão, aquelas que realmente contam uma história e são capazes de se conectar com as pessoas. Os discursos são previsíveis. As campanhas são preguiçosas e seguem fórmulas repetidas. As ‘estratégias’ de comunicação são fracas. Continuamos na ‘mesma mesmice’: o básico, o mediano, o medíocre.
As autárquicas representam talvez as eleições mais importantes depois do fiasco das legislativas. Ainda assim, o padrão mantém-se. Os candidatos falam de forma igual, dizem as mesmas coisas e têm medo - muito medo - de arriscar e de sair da monotonia que não mobiliza, nem entusiasma. A existência de um candidato requer que ele viva tanto na rua com as pessoas, como no digital com os algoritmos.
A comunicação política deve acompanhar o progresso. É preciso compreender que uma campanha eleitoral é uma campanha de comunicação. Enquanto académico e profissional de comunicação, inquieta-me saber que os directores de campanha não são profissionais da área, mas sim juristas, engenheiros ou gestores.
É preciso fazer mais e é preciso fazer melhor. A incompetência dos partidos e candidatos na sua comunicação é também responsável pela falta de interesse das pessoas, sobretudo dos jovens, pela política.
Precisamos de ver robustez e deixar de lado os hashtags sem sentido e a sobreutilização de emojis para ‘comunicar com a Geração Z’. Temos assistido a uma comunicação política fraca, que não se impõe, que tem medo, que não arroja, que não tem coragem e que não alcança os públicos que tem e alcançar. Uma comunicação que envergonha e que não é capaz de mobilizar ninguém.»
8.10.25
Na minha família, ao Holocausto, sobreviveram
«…a minha bisavó materna, a minha avó e três irmãs, o meu avô, sua mãe e duas irmãs. O pai do meu avô foi morto à paulada por um grupo de estudantes polacos quando saía da sinagoga, em Varsóvia.
Quem não conseguiu fugir, foi enviado para os campos de concentração. Crianças, velhos, mulheres e homens. Família que me foi vedada.
Quem sobreviveu, para seguir em frente, abafou a dor. A minha bisavó materna tirou a peruca e disse: Deus Não Existe.
NUNCA MAIS, ouvi desde criança. NUNCA MAIS, orientou a minha vida. NUNCA MAIS, é o farol do qual não abdico.
No dia 7 de Outubro de 2023, tremi. Benditos mãe e pai que já não estavam cá para viver esse novo horror. Dois anos antes a minha mãe assistia às notícias sobre a Palestina e colocava as mãos na cabeça: não foi por isto que lutei toda a minha vida.
Com o 7 de Outubro, GAZA cresceu de dor. Nunca ousei, por respeito às vítimas, colocar na balança uns e outros mortos. É imperativo que se reconheça o terror de ambos.
GAZA continuou a crescer de dor enquanto Israel enlameava os nossos mortos.
NUNCA MAIS, voltou a ser um grito desesperado.
HOJE, dia 7 de Outubro de 2025, as famílias de Israel continuam a sofrer. HOJE, dia 7 de Outubro de 2025, os palestinos continuam a morrer e os que sobrevivem acumulam sofrimento.
Perguntei-me, desde que me conheço capaz de pensar, como foi possível o mundo só acordar depois de um povo ter sido praticamente dizimado. Hoje entendo. O mundo está a fazer o mesmo com os palestinos.
O assunto, senhores, é este: GAZA e o GENOCÍDIO.
De cada vez que vejo a direita detonar contra os integrantes da flotilha, VOMITO.
Ontem, a desilusão: sobre a flotilha, Luis Carneiro não teve mais nada a acrescentar senão ter-se congratulado pelos portugueses terem chegados sãos e salvos. Sobre GAZA, NADA.
Nas autárquicas o assunto também continua a ser GAZA porque GAZA fala do que somos enquanto espécie.
O assunto é GAZA e quem ainda não entendeu isso que vá para o inferno.»
Ethel Feldman no Facebook
Trump e Greta
«Numa publicação do Instagram, a ativista sueca, de 22 anos, ridiculariza as críticas de Donald Trump: “Para o Trump: aceito quaisquer recomendações que tenha sobre como lidar com estes supostos ‘problemas de raiva’ uma vez que – a julgar pelo seu histórico – parece sofrer deles também”, afirma.»
Devemos ter medo de criticar o Ministério Público?
«Passados vários dias, a notícia da investigação do Ministério Público ao juiz Ivo Rosa ainda não gerou a indignação política expectável e a intervenção de quem deve zelar pelo regular funcionamento das instituições (o Presidente da República, a quem não basta pedir reflexões) ou da Assembleia da República. Tirando a reação corporativa e dos signatários do Manifesto dos 50, o mundo político manteve-se num quase total temeroso silêncio.
Esta ausência de reação é sintomática de um crescente afrouxamento do escrutínio democrático que nos dá o guião do que acontecerá quando vivermos alguma coisa semelhante ao que se passa nos Estados Unidos. É evidente que as nossas instituições democráticas soçobrarão em poucas semanas. O primeiro teste será quando a extrema-direita conquistar autarquias e tiver a oportunidade de exercer o poder.
Segundo a notícia da TVI, o Ministério Público recebeu uma denuncia anónima (que até pode ter vindo de dentro, porque se tornou um expediente fácil para escolher alvos) contra o juiz Ivo Rosa. A denuncia, pela sua falta de consistência, pela vacuidade e pelos termos, poderia ser um post de Facebook escrito por um troll. Na conclusão deste processo, três anos depois, foi reconhecida a total ausência de indícios, factos, substância, seja o que for.
A primeira pergunta é a mais básica: o que leva o Ministério Público a abrir um inquérito com base em coisa algumae a optar pela averiguação preventiva, de uma forma até pouco rigorosa, no caso Spinumviva? Qual é o critério?
Respondo, sem me pôr com falsas ingenuidades: considerar o juiz Ivo Rosa, que travou várias guerras com o DCIAP, um inimigo do MP. A decisão mais conhecida foi no processo contra Sócrates, mas não foi, longe disso, a única. Como, para a cultura antidemocrática e perigosamente populista que parece dominar crescentemente a cúpula do Ministério Público, quem discorda do seu ponto de vista ou é corrupto ou amigo de corruptos, o juiz Ivo Rosa só poderia estar a receber de alguém. Mesmo que nada o indicasse. Esta é a minha versão benigna. A que me parece mais plausível é pior: a cúpula do Ministério Público quer intimidar os juízes.
A partir de uma denúncia anónima sem substância, o MP teve acesso à faturação detalhada do telemóvel de Ivo Rosa para ver com quem falava, recolheu a sua geolocalização para saber onde e com quem tinha estado e levantou o seu sigilo fiscal e bancário. O juiz foi seguido e vigiado pela Polícia Judiciária pelo país.
Esta absurda investigação, usando os escassos recursos do Estado, durou três anos. E este foi o terceiro inquérito, sempre com o mesmo resultado, aberto a Ivo Rosa, porque se atreve a ser, no cumprimento das suas competências, mais do que escrivão do todo-poderoso Ministério Público. Apesar da regra fundamental da “irresponsabilidade” dos juízes”, única que garante a sua independência, o cerco a Ivo Rosa, usando instrumentos do Estado pensados para combater o crime, tem sido permanente.
Esta operação foi autorizada por um procurador e por um juiz desembargador de que temos o direito a conhecer os nomes. Mas a PGR está empenhada em manter-nos às escuras (o escrutínio teria obviamente de manter sigilosa a informação privada do juiz).
A ligeireza com que se recorre a métodos invasivos sem base mínima que o justifique seria sempre grave. Como foram graves as escutas a João Galamba, durante quatro anos, a ver o que podia aparecer. O Ministério Público investiga suspeitas de crimes que possam ter sido cometidos por uma ou mais pessoas, não investiga uma ou mais pessoas para ver se cometeram algum crime. Isso fazem ditaduras aos seus opositores.
Mas isto, feito a um juiz que toma decisões com as quais o MP discorda, é ainda mais grave do que o que aconteceu com Galamba. E os direitos de Ivo Rosa, por mais relevantes que sejam, até são a questão menor. Assistimos, neste caso, a um golpe dentro da justiça. Ao que parece ser um processo de perseguição de um magistrado que até pode servir de exemplo para os demais, antes de tomarem decisões que contrariem os desejos do MP.
É evidente que a cúpula do MP está de rédea solta, comportando-se como um Estado dentro do Estado. Não se trata de mais um episódio lamentável na nossa justiça. É um caso com tal gravidade, que obriga a uma intervenção urgente para repor a normalidade num Estado de Direito Democrático. Imaginem isto banalizado com um PGR nomeado pelo Chega. Nem precisavam de se preocupar em escolher juízes.
Se um juiz pode ver a sua vida devassada por tomar decisões contrárias à vontade dos procuradores, todos temos razões para ter medo do Ministério Público, estando inibidos de criticar e escrutinar uma instituição do Estado. O que significa que esta cúpula do MP se está a transformar num perigo sério para a democracia e para o Estado de Direito.»
7.10.25
07.10.1950 – Invasão do Tibete pela China
Um ano depois da criação da República Popular da China, o Tibete foi invadido pelas tropas de Mao Tsé-Tung que assumiu o controlo da região.
A história do que se seguiu é conhecida: em 1959, o Dalai Lama fugiu para a Índia e instalou em Dharamsala o Governo do Tibete no Exílio.
Há refugiados tibetanos espalhados por todo o mundo, com especial relevo para os países mais próximos (Índia, Nepal, Butão) onde comunidades, em geral muito pobres, preservam uma forte identidade cultural e vivem frequentemente de artesanato mais do que rudimentar.
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Autárquicas em Lisboa
Eu voto nesta coligação de quase todas as esquerdas.
Mudaram os tempos, há quem falte agora à chamada.
Gaza, a nova fronteira
«As manifestações que sacudiram as ruas de 20 cidades portuguesas, em consonância com as que ocorreram em dezenas de países por todo o mundo, juntando milhões de pessoas no protesto contra o genocídio em Gaza e em solidariedade com os participantes da flotilha humanitária, sequestrados e presos pelo Governo israelita em águas internacionais, essas impressionantes expressões de indignação, abrem, estou em crer, uma nova época neste funéreo ocaso do primeiro quartel do século XXI. No sentido em que criam e clarificam um novo separador de águas, uma nova fronteira entre a civilização a barbárie.
A questão é simples: existe, seja qual for o pretexto, o direito de um governo cercar militarmente um território de outro país impedindo os seus 2,2 milhões de habitantes de sair e privando-os de alimentação e ajuda humanitária com o fim de os exterminar pela fome e a doença? E sobre isso, chacinar a população indefesa com bombardeamentos selváticos, de que já resultaram pelo menos 62 mil mortos, com dramático destaque para as mulheres e crianças? Não existe, e toda a tentativa explícita ou implícita de legitimar ou banalizar este mal absoluto que é o genocídio impune do Governo israelita, apoiado pelo Governo dos EUA, é uma forma de cumplicidade. A que não escapa a União Europeia, ajoelhada perante a lei do mais forte ditada pelo império trumpista, incapaz de qualquer vislumbre de sanções contra a matança e os seus perpetradores, atolada num linguajar envergonhado e impotente. Esse é o campo da barbárie e dos seus encobridores.
Não me surpreende, por isso, que a chusma de comentadores-cúmplices que pululam, salvo raras e honrosas exceções, nas televisões e no nosso jornalismo se aticem contra Mariana Mortágua, acusando-a de fugir da política nacional para se refugiar numa flotilha folclórica ou a soldo do Hamas! E para tal, com a extrema-direita à cabeça, não se dispensou, como é timbre do Chega acolitado a um ministro da Defesa rastejante na defesa do genocídio e do Governo fascizante de Israel, o recurso à mentira torpe, à manipulação informática grosseira e ao insulto. A miséria absoluta.
Na realidade, eles não podem nem querem compreender precisamente que a questão de Gaza se tornou hoje a decência de toda a forma de estar na política. Em nome da decência, da dignidade humana, da justiça, da liberdade, do direito à autodeterminação e à democracia, do respeito pela moral e pelas regras do direito internacional como bases incontornáveis da civilização contemporânea. Ou em nome da não-política, isto é, da política sem outra razão estratégica que não seja o domínio, o saque, o lucro sem freio, o cinismo, a mentira, a nova política das canhoneiras e da força bruta.
Eu quero publicamente agradecer à Mariana Mortágua, à Sofia Aparício, ao Miguel Duarte, ao Diogo Chaves e aos 500 participantes na flotilha humanitária a sua atitude corajosa e clarificadora. Eles devolveram-nos a esperança nestes tempos sombrios. Não é pouca coisa. Afinal, é possível, e urgente, combater a barbárie.»
6.10.25
A flotilha: valha-nos Ferro Rodrigues, Pedro Nuno e “Chicão”
«Quem ainda não tinha percebido o significado profundo da grande vitória da direita em Maio percebeu agora com as reacções generalizadas à flotilha que Mariana Mortágua e mais três portugueses integraram.
Se havia dúvidas sobre o país que somos hoje, basta dar um salto às redes sociais, ouvir os comentadores, incluindo do PS, e assistir à fúria que uma missão humanitária provocou. Este ambiente político não existia antes de a direita valer dois terços dos votos dos portugueses.
O ódio à flotilha vem de todos os lados, mesmo de quem chama a Netanyahu “fascista” e admite que Israel está a cometer genocídio.
O Bloco de Esquerda é hoje um partido totalmente irrelevante na sociedade portuguesa que só elegeu um deputado. Suscita tanta fúria porquê? Ou é Mariana Mortágua?
Os argumentos contra Mortágua vão desde “porque não foi para o Sudão” ou “para a Ucrânia” a “está a perturbar o processo de paz em curso”. Não sabia que Mortágua tinha tanta influência na resolução de conflitos, mas este ódio é um sintoma da degradação do espaço público.
Todas estas iniciativas são sempre políticas. Desde quando um acto ser “político” ou “ideológico” passou a ser crime de lesa-pátria? Odeiam Mariana Mortágua por causa do “imposto Mortágua”? Uma péssima notícia para quem ainda não deu por isso: o Governo de direita não acabou com “o imposto Mortágua”. Está em vigor, a menos que o Orçamento agora aprovado em Conselho de Ministros venha a aprovar a sua extinção.
Se a posição da direita, agora maioritária, pode não espantar ninguém (apesar de o Governo ter agora reconhecido o Estado palestiniano, historicamente quase toda a direita é aliada cega das actividades levadas a cabo pelas forças armadas israelitas), o caso da flotilha serviu para perceber como o secretário-geral do PS está perdido, sem rumo e tem só um objectivo neste momento: durar.
Se os ventos são agora desfavoráveis à esquerda, a direcção do PS parece achar que é o “parecer mais de direita” que fará com que o povo um dia o volte a agraciar com bênçãos.
O silêncio de José Luís Carneiro sobre a flotilha e a detenção de Mariana Mortágua e os outros portugueses em Israel — onde o ministro Ben-Gvir foi humilhar os participantes da flotilha acusando-os de ser “terroristas” — tem sido revelador deste medo que percorre algum PS.
Duvido que se o deputado em causa fosse André Ventura (detido na Venezuela, por exemplo, se lá fosse manifestar solidariedade com os presos políticos do regime) não houvesse uma palavrinha de solidariedade não só do PS como dos outros actores políticos em geral.
O incómodo de José Luís Carneiro voltou a ser sentido este domingo quando novamente fugiu às perguntas sobre o assunto, agora sobre a manifestação pela libertação dos portugueses e a mensagem de Ferro Rodrigues. Para Carneiro, “a actualidade política são as autárquicas” e não leu a mensagem de Ferro Rodrigues.
Para que o PS não saísse totalmente envergonhado deste episódio, perante o qual parte dos seus (ainda) eleitores se sentem perplexos, felizmente houve a mensagem de Ferro Rodrigues.
Ferro fez uma crítica dura à posição do líder do CDS e ministro da Defesa — que acusou os participantes da flotilha de “serem apoiantes de terroristas” — de ter “enorme gravidade e irresponsabilidade” e lembrou “o tratamento degradante que o ministro da Segurança Nacional de Israel, Ben-Gvir, lhes deu, filmando-os ajoelhados e chamando-lhes terroristas e apoiantes de assassinos”.
Se tivesse sido André Ventura a enviar à família uma mensagem de que estava há 48 horas sem comida nem água, nos centros de detenção da Venezuela, com um ministro a humilhá-lo, a compaixão seria imensa neste país político. Todos os líderes se acotovelariam para manifestar sentida e penhoradamente a sua solidariedade e a exigir a libertação.
Mariana Mortágua, por estes dias, não é pop. Já foi, no tempo em que o Bloco valia 10% e permitiu a José Luís Carneiro tornar-se pela primeira vez governante. Infelizmente, além de Pedro Nuno Santos, que veio condenar os insultos a Mortágua que enchem as redes sociais e não só, praticamente só uma outra voz de decência se fez ouvir: a de Francisco Rodrigues dos Santos, ex-líder do CDS, que não partilha uma única ideia política com Mortágua. “Chicão” disse na CNN sentir-se “revoltado” com quem “achincalha um conjunto de portugueses que teve a coragem de se opor a um genocídio”.
Não sei se o PS acha que tem mais votos nas autárquicas com este posicionamento. Pode sair-lhe o tiro ao lado.»
5.10.25
5 de Outubro em tempo da Pneumónica
Em outubro de 1918, Lisboa não tinha madeira para tantos caixões.
Uma longa descrição impressionante!
«A 5 de Outubro, a revolução republicana festejou-se dentro de portas. O
Governo de Sidónio Pais proibiu manifestações e quaisquer ajuntamentos, "em
atenção ao luto de muitos portugueses", como fez publicar nos jornais, e
para evitar a propagação do vírus. Não se fez a tradicional parada militar
na Avenida da Liberdade e mesmo a anunciada soirée no Coliseu dos Recreios,
a favor da Assistência aos Mutilados da Guerra e com um programa condizente
(exibição de filmes propagandísticos sobre a Primeira Guerra Mundial e um
concerto da banda da Guarda Nacional Republicana), foi cancelada no dia 4.
Em alternativa, Sidónio aceitou que se realizasse uma tourada no Campo
Pequeno, à qual assistiu no camarote, a uma distância higiénica. (…)
A 7 de Outubro, no dia em que Thomaz de Mello Breyner escreveu no seu
diário "vamos a ver se escapo", Espanha fechou as fronteiras e só autorizava
a entrada no país àqueles que tivessem certificados sanitários previamente
avaliados pelo cônsul espanhol em Lisboa. Ricardo Jorge, diretor-geral da
Saúde, não gostou da atitude dos espanhóis, mas não se deteve em rebatê-la,
preocupando-se antes em procurar locais de acolhimento para as centenas de
doentes que entravam todos os dias nos hospitais. Foram também centenas os
que morriam quase diariamente. Num só dia, fizeram-se 250 enterros;
descobriram-se famílias inteiras mortas nas suas casas; a Direção-Geral dos
Hospitais Civis de Lisboa pediu à câmara para que abrisse uma vala comum no
cemitério dos Prazeres.»
Fonte: DN, 05.10.2018
Carlos Moedas a cair do elevador
«Há um LP muito velhinho do Chico Buarque chamado Almanaque. Na canção que dá nome ao álbum, que nunca esteve entre as mais populares de Chico, um sujeito pede a uma “menina” que vá ver num almanaque várias coisas, entre as quais “como termina um grande amor”. O sujeito tem duas alternativas: quer saber se é “como chover o ano inteiro chuva fina ou se é como cair no elevador”?
O povo termina relações com os políticos de várias maneiras. Às vezes devagarinho, outras vezes o fim é precipitado por acontecimentos súbitos. Regra geral, é uma mistura, mas os acontecimentos súbitos já provaram ter influência no resultado das eleições.
Quando Cavaco Silva proibiu o feriado da terça-feira de Carnaval em 1993, a desobediência civil que se lhe seguiu mostrou que tinha existido um corte dos portugueses com o primeiro-ministro. Aqui foi um “cair do elevador”, porque dois anos antes Cavaco Silva tinha ganhado sem problemas a segunda maioria absoluta.
Se Carlos Moedas perder estas eleições para a Câmara de Lisboa é por cair do elevador. A reportagem da RTP, que revelou que a Câmara de Lisboa não contactou famílias de algumas vítimas da tragédia do elevador da Glória, ao contrário do que Moedas foi insistentemente dizendo, agrava o problema de credibilidade do presidente da Câmara.
Alexandra Leitão acusou Moedas de “mentir”. Em Benfica, numa acção de campanha, disse que a reportagem da RTP punha “em causa a postura” de Moedas “para o cargo de presidente da Câmara”. Carlos Moedas repetiu o que tem dito desde o início, que “o PS está a partidarizar e a politizar a tragédia”. Insiste que “a Câmara não falhará nem falhou nessa ajuda” às famílias.
Mas Carlos Moedas recusou-se a falar de casos específicos. Não conseguiu responder aos testemunhos divulgados pela RTP, que acusavam o silêncio da câmara. E escudou-se numa argumentação simplória — “As pessoas estão de luto”.
Carlos Moedas pode estar a contribuir para o fim daquilo que o uniu durante quatro anos aos lisboetas. Desde o início que não conseguiu lidar com a tragédia do Elevador da Glória. Desde o ter-se abrigado no regaço de um conselho de ministros em vez de reunir a Câmara logo a seguir à tragédia, até atirar a reunião sobre os relatórios do acidente para depois das autárquicas, tudo em Moedas revelou medo das consequências. Não é pelo facto de se gritar muito alto que se tem a “consciência tranquila” que os eleitores percebem que a consciência está tranquila. Ninguém percebe porque Carlos Moedas agiu assim. O não contactar a família das vítimas (o Expresso revelou que a Câmara afirmou ter contactado as famílias que se lhe dirigiram, ao contrário do que tinha dito o presidente) não é um trunfo eleitoral.»
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