1.1.22

Concerto de Ano Novo

 


O ano passado foi assim: teatro vazio e palmas a distância por telemóvel. Este ano já não, embora com público de máscara e ainda reduzido. Esperemos que o de 2023 seja já totalmente normal.

Hoje acabou assim:


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Um ano sem ele

 


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2022, Odisseia no Espaço

 

«É sexta feira, último dia do ano, estão 11 graus e o sol vai brilhar. Pode saber-se mais informações rigorosas na app Metereologia. Inclusive, como estará o tempo em Phoenix.

Este ano o mundo continuou a mudar a uma velocidade insuspeitada. Os adolescentes da geração alfa usam agora o androide como uma extensão do corpo. Está colado ás mãos e aos dedos. Não faz sentido perguntar como o transportam, ou ter medo que o percam. O tempo de ecrã é todo o tempo. A realidade virtual é a realidade. Escrevo isto num computador portátil e espero que alguns amigos o leiam numa rede social. Já não sei como é a minha caligrafia. As minhas canetas de tinta permanente são uma antiguidade.

Gostei deste ano. Trabalhei, mesmo quando não era suposto. Aprendi a conhecer as pessoas pelos olhos. E a surpreender-me com os seus rostos privados, nos avatares. Neste sentido somos todos, agora, muçulmanos, e os medos do Houellebeck cumpriram-se, sem darmos conta. O Houellebeck é tão feio e o que escreve tão assustador, que a França criou um candidato a primeiro-ministro com a sua face . Já arrasta multidões, pelo ódio. Mas o ano de 2021 foi contraditório. Viu cair Trump, o farol da maldade medíocre. E há, um pouco por todo o planeta, alguns governos razoáveis, que alimentam a esperança da humanidade a que pertenço. Entre nós a coisa está má. Não tenho, agora, um partido que me represente. Esta liberdade assusta-me um pouco. Mas sei que a partilho com milhares de pessoas que continuam a acreditar num mundo onde o colapso seja travado e os bens mais justamente repartidos. Agradeço a esses a literatura e a música, o cinema e o teatro, a ciência e o ensino, as artes performativas, a escultura e a pintura, a curadoria. Agradeço ao meu amigo que edita a mais humilde das revistas, e aos visionários que lá escrevem. Agradeço a carpintaria e a agricultura. Agradeço os ofícios que subsistem. As costureiras e os padeiros e os calceteiros e as cabeleireiras. Agradeço aos cozinheiros e às cozinheiras.

Agradeço às crianças que caminham nos campos e atravessam regatos. E ao chibito que partiu a corda e fugiu, arrastando um cadela que não sabia bem o que fazer. Passou-se em Fátima e foi outro milagre. Alertados por um post do Facebook, os populares foram assinalando a sua passagem, e uma mulher e uma criança procuraram-nos e chamaram por eles, nas aldeias do Sicó, até os resgatarem aos sete dias de errância. Vai começar um ano que só de o escrever me faz viver uma aventura inesperada. 2022. Todos os anos têm agora a aura de uma aventura no espaço. Sinto passar por mim a corrente de um sentimento que ora se chama solidariedade, comunhão, esperança, tristeza, revolta, alegria, desilusão. Às vezes paixão e agora amor.»

Luís Januário ontem no Facebook
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O «saudoso» Tomás

 


Não há dia 1 de Janeiro sem que me lembre de Américo Tomás que nos brindava com discursos de Ano Novo inesquecíveis.

Mais dois:

«Eis-nos chegados ao primeiro dia da oitava década do século XX, pelo que precisamente de hoje a trinta anos surgirá, para os que então viverem, o primeiro dia do século XXI.» (1 de Janeiro de 1971)

«Decorreu célere, como os que o precederam, o ano que acabou de sumir-se na voragem do tempo. Outro o substituiu, para uma vida igualmente efémera. Nesta mutação constante, afigura-se haver agora um fenómeno de visível incongruência, pois, quando tudo se processa a ritmo que se acelera constantemente, pareceria lógico que de tal circunstância resultasse um aparente alongamento no tempo e não precisamente o inverso. Se sempre o presente, mal o é, se torna logo em passado, nunca, como nos nossos dias, tão evidente verdade pareceu mais evidente.» (1 de Janeiro de 1966)
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31.12.21

Ano Novo

 


O Tintim é que sabe, pensemos a longo prazo. Que os próximos 32 anos sejam excelentes para todos os que por aqui passarem!
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António Costa 2021 vs 2019

 

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31.12.1968 – Primeira afirmação colectiva de católicos contra a guerra colonial

 


É um ritual: nesta data, regresso à passagem do ano de 1968 para 1969. Há sempre quem não saiba que a «Cantata da Paz», tão divulgada por Francisco Fanhais depois do 25 de Abril, foi por ele estreada nessa noite, com letra propositadamente escrita para o efeito por Sophia de Mello Breyner, numa Vigília contra a guerra colonial.

Em 31 de Dezembro de 1968, cerca de cento e cinquenta católicos entraram na igreja de S. Domingos, em Lisboa, e nela permaneceram toda a noite, naquela que terá sido a primeira afirmação colectiva pública de católicos contra a guerra colonial.
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Conteúdo do comunicado que entregámos ao cardeal Cerejeira quando terminou a Missa do Galo que ele celebrou e descrição dos acontecimentos que se seguiram AQUI, num post de 2020.

O último dia de ontem

 


«Perdidos no tempo, sensação intruja de que as coisas se sucedem com sentido, que estamos em controlo, que somos poder. Que mandamos no devir, que ele se submete, faz figas e nós desatamos, dá nós mas nós desfiamos. Omnipotentes seguimos, sempre a lembrar-nos, queridos, da nossa pequenez. De como somos formigas no universo, vírgulas no tempo, lapsos que preenchem frestas. Nunca desarmamos de tão humildes. Passou o dia em que nos despedimos de um ano marcante e anónimo, repleto de coisas que não foram feitas e outras que se perderão para sempre. Hoje são só despedidas e votos. O último dia foi ontem.

Tenderemos a sair da nossa vida aos fascículos para viver uma vida inteira? Acumular memórias pode ajudar na tomada de decisões. 2022 será um ano resolutivo, estupendo para falhanços, milagres e júbilos oriundos das mais diversas proveniências. Família, emprego, sociedade, eleições, normalidade ou o que resta dela, a crise. As respostas que temos à mão são, curiosamente, eternas e insatisfatórias. Produtos de suposições, das variantes e da fé, dos imbecis e dos enganados, soluções gratas pela demarcação das conspirações e dos conspiradores e teólogos da destruição pelos "chips", o que vamos dizer e contrapor no ano novo é um refugo velhinho e acabado, reciclado das piores espécies destes últimos meses. Ou a natureza nos livra do mal ou continuaremos a repartir o mundo entre os bons e os maus, dividindo-o entre a espécie humana e uma subespécie de gente que focinha entre teorias. Que bondoso seria deixar as trincheiras e sair disto melhor. Lamentavelmente, se isto acabar, a que nos vamos agarrar para continuar a negar que somos todos da mesma gente? A nova divisão será pior, ensandecida, ainda mais viral e pesará com mais gravidade. E continuaremos convencidos, à partida, que o amor vence.

"E como foi o teste?", a interrogação apressa-se a substituir o já longínquo "como tens estado?". De certa forma, a nova tomada de perspectiva sobre o bem do outro é mais abrangente porque, derivando igualmente do interior, apresenta chancela médica. Gravamos hoje os derradeiros minutos, celebramos, apertamos as mãos entre a indecisão de como se faz, como se só soubéssemos o que fazer depois do outro nos mostrar como. Uma miríade de sinais para garantir que estamos juntos, que vamos ficar bem, que o pior já passou, derivações sobre a falta que faz o abraço. Estamos entregues ao requinte de não termos de escolher senão entre os próximos. Os que estão mais perto. Igualmente bem de saúde, obrigado. Agradecemos sempre. Sempre.»

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30.12.21

Guardar para hipotética memória futura

 

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Um mundo sem mulheres?

 


Mais vale recorrer ao humor do Jovem Conservador de Direita no Facebook:

«A Internet acordou com mais uma indignação, a capa do jornal Negócios está pejado de homens brancos a dizerem coisas sobre como deve ser o futuro do país. Estamos a falar de pessoas que têm responsabilidades em empresas e conselhos de administração, que decidiram abdicar de um bocadinho de tempo para poderem falar para um jornal. Se isto não é de louvar, não sei o que será. Imaginem a quantidade de negócios, a quantidade de spreadsheets, a quantidade de piropos às secretárias que ficaram por fazer, só de deixarem de parte as suas actividades diárias de criar riqueza para se tornarem em Dras. Mayas da economia?

A indignação está na falta de diversidade, o que me parece errado. Estamos a dia 30 do final do ano e, para haver diversidade, teríamos de contratar senhoras para conselhos de administração, dar-lhes formação, explicar tudo muito devagarinho, esperar que conseguissem fazer o trabalho dos senhores e, no fim, dizer-lhes "Deixe estar, querida, não vai aprender até amanhã, eu faço." Não se pode pedir diversidade ao dia 30 de Dezembro.

E o melhor é que há diversidade nesta capa, há carecas, pessoas com barba, totós de óculos, totós sem óculos, pessoas a sorrir, pessoas que nunca sorriram, senhores que jogam padel em clubes privados diferentes, há um que gosta de se vestir de minion às terças à noite, há chineses por detrás de três deles, há um que dorme com um Dr. Cavaco Silva de peluche e há dois que dançam a Macarena todos nus, barrados com mel de eucalipto, sempre que fecham um negócio por zoom.»
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Almoço em dia 1 de teste obrigatório

 


O meu restaurante de cada dia estava assim. E eu almocei numa mini-esplanada encostada à vidraça, vestida como se estivesse na Gronelândia antes do degelo, até que o Sol teve piedade, fintou o Ómicron e brilhou para todos nós. Amanhã há mais.
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O poder do imobiliário é o inferno da habitação

 


«Ao longo das últimas décadas, o imobiliário tem sido um dos poderes mais resilien¬tes, como agora se diz, na sociedade portuguesa. Foi um dos motores da acumulação financeira, concentrou investimentos e favores, promoveu a corrupção nas autar¬quias através da maquinaria da reclassificação de terrenos que permitiu mais-valias generosas e estimulou o desordenamento territorial que faz de algumas das nossas cidades montras do absurdo. O imobiliário foi rei, em parceria com partidos políticos, Governos, poderes locais. Foi um centro de redistribui¬ção de lucros e apetites. Foi o lado obscuro da banca. Criou fortunas. Ao longo deste século, foi também o farol da especulação e o epicentro da crise mundial de 2008 e da recessão que se lhe seguiu, em que bancos caíram como castelos de cartas e os Estados se endividaram para os proteger. Agora, regressa ao centro das atenções e pelos piores motivos.

Mais do que inflação

A subida do preço da habitação tem surpreendido os analistas. Nos EUA, o aumento em 2020 foi de 11%, o -maior dos últimos 15 anos, incluindo na comparação o período do auge da especulação do subprime. Segundo o Eurostat, na Europa a evolução é desigual: entre 2010 e 2021, o preço subiu 111% no Luxemburgo e 51% em Portugal, mais do que o valor das rendas (que se agravou 23%), mas desceu em Espanha, Itália e Grécia. Estes aumentos têm dois efeitos graves: ao mesmo tempo que ampliam uma ilusão de enriquecimento patrimonial, tornam mais difícil o acesso a habitação para as gerações mais jovens e favorecem a corrida especulativa que segrega os mais velhos que viviam em arrendamentos nos centros das cidades. No caso português, o efeito tem desagregado as cidades espacial¬ (os mais velhos vão para as periferias ou para o interior) e etariamente (saem os mais novos). A inflação habitacional tem ainda origem noutros custos: em setembro do ano passado, a despesa média de uma família europeia com gás para aquecimento durante um ano era de €119, em setembro deste ano já era de €738.

Portugal

Num país envelhecido (23,4% com mais de 65 anos) e hiperconcentrado territorialmente (50% da população em 31 concelhos, sobretudo nas ¬áreas metropolitanas), uma estratégia de investimento na habitação seria fundamental para responder a estas duas crises.

Ora, como se verifica pelos dados preliminares do Censos de 2021, não é fácil. No nosso país, 70% das famílias são proprietárias da sua habitação, das quais 62% já não têm encargos financeiros diretos. As dificuldades de acesso a habitação digna serão, então, a qualidade dessas casas de propriedade familiar, que constituem, em muitos casos, um património degradado, o custo da compra para quem não as tem e o custo dos alugueres para 22,3%, quase um quarto das famílias.

……. Esses obstáculos foram estudados por Ana Cordeiro Santos, da Universidade de Coimbra, que analisou recentemente a ‘Sociedade de Proprietários e Bem-Estar Patrimonial: A Propriedade no Centro da Política’ (“Le Monde Diplomatique”, dezembro), que inclui o gráfico que pode aqui ver. Tomando como referência o ano de 2015, verifica-se como o salário médio varia pouco (mais 6% em 2020), ao passo que o preço da habitação dispara em 45%.

Se a compra de casa se vai tornando mais difícil, sobretudo para quem chega agora à vida adulta, o aluguer está também pela hora da morte: 61,4% das rendas são mais de €650 e 21% são mais de €1000.

Um plano que não é plano

Há então muita habitação que é património das famílias e quase dois terços já a pagou. Mas parte dessas habitações são más. Este capital familiar está degradado pelo tempo, dada a deficiente qualidade da construção, os erros de isolamento térmico ou outros. O IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) fez em 2018 o levantamento destas carências e encontrou 25.762 famílias que teriam de ser realojadas, tendo calculado em €1500 milhões o seu custo. O assunto foi tema quente nas eleições de 2019, constituiu mesmo a mais solene promessa do PS: em 2024, nos 50 anos do 25 de Abril, toda a gente estaria realojada.

Escusado será dizer que nada aconteceu nos dois anos seguintes, não houve orçamento para o inexistente programa de construção ou reabilitação habitacional. Os dias foram passando e a efeméride vai-se aproximando, mas a promessa ficou esquecida nas gavetas do Ministério das Finanças. Só foi reavivada com o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), mostrando, curiosamente, que os recursos internos nunca foram mobilizados para esta prioridade. Mesmo assim, a verba anunciada continua aquém do necessário, agora adiando para 2026 a data do festejo.

O problema é que, a cumprir-se a meta, e é preciso mais do que a promessa, ela pode ser insuficiente. Estudos recentes apontam para 35 mil famílias em carência, e o próprio Governo, em 2017, tinha publicado um estudo sobre uma “Nova Geração de Políticas de Habitação” que apontava para o objetivo de subir de 2% para 5% a oferta de habitação pública, ainda assim muito inferior à média europeia, o que significaria disponibilizar mais 170 mil fogos. Não há outra forma de condicionar os preços e de orientar estrategicamente a política de habitação. Será nestas eleições que se ergue tal vontade?»

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29.12.21

2022: comecemos as festividades


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Ómicron, está lançada a polémica: outra abordagem ou mais meios

 


A ler:
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Entretanto no Afeganistão

 

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Outra vez a caminhada arrogante para o desastre

 


«Há uma semana, num encontro da Juventude Socialista, uma das estruturas mais à esquerda do PS, António Costa anunciou que a "geringonça" acabou. Eu acho que ela acabou em 2019, quando Costa se escondeu atrás da indisponibilidade do PCP e recusou um acordo escrito com o BE que lhe daria uma maioria estável. Porque, como em qualquer acordo, implicava direitos e deveres. Mas como o líder do PS sempre defendeu – e conseguiu convencer quase todo o país – que o pântano que nasceu em 2019 também era a "geringonça", não é de acordos escritos que está a falar.

Nesta intervenção, voltou a defender o que tinha defendido em 2011 e o que desdisse em 2015: que nestas eleições o que se elege é o primeiro-ministro. Como as regras constitucionais e a ética política não se moldam aos interesses circunstanciais de cada um, ou nestas eleições se elege a mesma coisa que se elegeu em 2015 – um Parlamento de onde saem governos, como está na Constituição – ou António Costa não poderia ter sido primeiro-ministro na altura. Sou, como sabem, pela primeira hipótese. Em 2015, em 2019 e em 2021.

Mas Costa precisa de dizer isto. É a forma de retirar utilidade a qualquer voto à sua esquerda. Só que essa tática de campanha – depois das eleições Costa fará o que os resultados eleitorais ditarem que faça – criou um problema: adensou a suspeita de um bloco central informal. Até porque o PSD já disse que viabilizaria um governo do PS, se o PS ganhar sem maioria. Costa não pode prometer o mesmo porque já disse que se demitia se, como em 2015, não ficasse em primeiro. Seria a liderança seguinte que teria de tomar essa decisão.

Este discurso criou um novo problema a Costa: o eleitor que esteja indeciso entre o voto no BE ou no PCP e o voto no PS, por causa da pressão do voto útil, não sente grande entusiasmo ao saber que o seu voto pode servir para um entendimento com a direita por dois anos, como Marcelo já disse que exigiria. Costa, que por agora diz e desdiz o que for necessário sobre política de alianças, quis desfazer este medo para não desproteger o flanco esquerdo.

Esta semana, numa entrevista à CNN, garantiu que não haverá diálogo com o PSD. Nem qualquer acordo para dois anos. Usou, como argumento, o facto de a “geringonça” ter dependido de um acordo para quatro anos. Acordo que ele próprio recusou na legislatura seguinte, achando que nem acordo (para um, dois ou quatro anos) era preciso, o que torna toda a sua argumentação numa montanha russa. Explicou tudo isto com a mesma profundidade com que anulou qualquer possibilidade de depender do voto do PSD para aprovar orçamentos depois de até ter negociado medidas orçamentais com o PSD, em 2019. Sempre a tática.

Fazendo a equação das suas várias intervenções concluímos que Costa acha que já não há condições de diálogo com o BE e o PCP, e por isso estamos a escolher o primeiro-ministro, e que não há conversa com o PSD. Logo, ou lhe dão a maioria absoluta (coisa que pediu expressamente) ou terão o caos. Ou então dão-lhe uma derrota, claro. Como a maioria absoluta é, neste momento, um delírio, não serão poucos os eleitores a acreditar que encontrarão mais estabilidade com uma vitória da direita, apesar do fator Chega tornar isso obviamente falso. Por mais paradoxal que pareça depois desta crise, a solução mais estável ainda é a que tivemos nos últimos seis anos e que Costa só afasta do seu discurso porque quer esvaziar o voto à sua esquerda.

O que Costa está a fazer aos eleitores é o que fez aos seus supostos aliados: ou lhe dão mãos livres ou terão crise. Não percebeu o que aconteceu nas autárquicas. Não percebeu que, pelo contrário, precisa de passar uma imagem de humildade, mostrando disponibilidade para governar nas condições que o eleitor soberano lhe der, em vez de se dedicar a dinamitar todas as pontes para todos os lados. Costa está convencido que os eleitores darão uma lição ao BE e ao PCP. É provável que sim, e por saber disso nunca se desviou da rota que levaria a esta crise. Mas os eleitores também parecem estar cansados. E não é só da pandemia ou de seis anos de poder. Também é destes jogos. Se isto vai ser a campanha, não vai correr nada bem.»

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28.12.21

Trás-os-Montes

 


Trás-os-Montes, anos 50/60
Fotografia de Artur Pastor
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A grande sobrestimação da abstenção em Portugal

 


«Os mais recentes censos indicam que a população residente inclui 10.344.802 indivíduos. Se subtrairmos a estes o número de jovens que não têm direito de voto (1.331.396 dos 0 aos 14 anos segundo os censos, e ainda cerca de 300.000 dos 15 aos 18), bem como os estrangeiros que são residentes no território português (554.299) e que também não podem votar, a população que poderá participar nas próximas eleições totaliza 8.159.107 indivíduos. Ora, segundo o recenseamento eleitoral, à data das eleições legislativas de 2019 existiam 9.343.920 eleitores em Portugal. Significa isto que o recenseamento eleitoral contém pelo menos um milhão de eleitores-fantasma. Estes valores são necessariamente aproximados, porque estamos a comparar dados de 2021 com dados de 2019, e os censos ainda não disponibilizaram os dados dos residentes por faixas etárias que permita saber ao certo quantos portugueses com mais de 18 anos existem em Portugal, mas são de qualquer forma muito reveladores do enviesamento dos dados oficiais da abstenção em Portugal. (…)

não se percebe bem a fonte de tal divergência entre as estimativas da população residente com capacidade eleitoral devolvida pelos censos e os números do recenseamento eleitoral. Eleitores-fantasma foi o nome dado aos indivíduos falecidos que não tinham sido eliminados dos cadernos eleitorais. Esse problema foi supostamente ultrapassado aquando da unificação da base de dados do recenseamento eleitoral com o registo nacional de cidadãos em 2008. Mais recentemente, em 2018, outra reforma eleitoral permitiu a inclusão dos cidadãos residentes no estrangeiro no recenseamento eleitoral esperando que estes deixassem de aparecer como votantes nos círculos onde continuavam a figurar como residentes em território nacional. O que os Censos 2021 mostram é que nenhuma dessas reformas impediu que chegássemos a 2021 com cerca de um milhão de eleitores a mais.»

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Jesus?

 

Chego a casa depois de umas horas de ausência, leio este título e penso que é uma piada de um ateu sobre o Natal:

«Jesus está ultrapassado"»

Cinco minutos depois percebo que não… Temos futebol para várias horas - ou mesmo dias - em tudo o que é comunicação social.
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A falsa simetria dos extremos

 


«Tem estado em crescendo a campanha promocional de soluções políticas de "centro", a banha da cobra moderna com poderes curativos para todas as maleitas do país e dos portugueses. A experiência política dos últimos seis anos, em que tivemos governos do Partido Socialista (PS) com apoios parlamentares à sua esquerda, tirou o sistema político português dos seus velhos eixos. O êxito da solução, a confiança e a estabilidade política geradas, desarmaram os defensores do grande centrão de interesses. Agora, a queda do Governo e o cenário eleitoral permitem-lhes sair da toca e passar ao ataque.

Viu-se no congresso do PSD que o programa político da Direita se resume a ganhar o PS para regressar ao que "é normal", ou seja, a um regime de simulação de divergências, de onde saem "governos normais": umas vezes do centro-esquerda com o consentimento do centro-direita; outras vezes do centro-direita com o consentimento do centro-esquerda; e, em caso de grande necessidade, com o centro bicéfalo fundido num bloco. No PS não faltam encantamentos por este velho concubinato. E a União Europeia incentivará o concúbito.

A "normalidade" é descrita como um sistema simétrico que tem dois extremos, o da direita e o da esquerda, pretensamente em equidistância do centro. Sem um mínimo de rigor na análise, os dois supostos extremos são considerados, de forma igual, forças do mal. Trata-se de uma monumental cabala. Os extremismos surgem mais à esquerda ou mais à direita conforme os contextos e períodos históricos e, hoje, nos planos global, europeu e nacional o perigo é a extrema-direita e o fascismo que atentam contra as liberdades e a democracia, que espezinham valores humanos. Por outro lado, catalogar o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista como forças da extrema-esquerda é um absurdo. São forças do Regime Democrático, empenhadas nos seus valores e instituições, com propostas políticas bem moderadas.

Ao longo de décadas, o centro que governava e o centro que consentia - com uns ou outros no poder - convergiram nas negociatas associadas às privatizações e à financeirização da economia; sintonizaram-se na destruição da ferrovia que tanta falta nos faz; acertaram-se para esvaziar o interior do país, retirando de lá serviços e estruturas em nome dos ganhos financeiros da centralização; posicionaram-se muitas vezes de cócaras e mãos dadas, perante a União Europeia; consertaram-se no enfraquecimento dos direitos laborais e sindicais e na promoção da precariedade, o maior inimigo da juventude; persistiram sintonizados na promoção da matriz económica de baixos salários e baixo valor acrescentado.

Os grandes avanços alcançados em democracia, como foi o caso, entre outros, da criação do Serviço Nacional de Saúde, da afirmação do Sistema Público e Universal da Segurança Social, ou de novos direitos inerentes a avanços civilizacionais, foram conquistados, em regra, em confronto com a Direita que também começou por os classificar como extremismos.

António Costa afirma que é preciso "continuar o caminho". Sim, se retomados os ideais de partida que justamente entusiasmaram a sociedade. Para dar eficaz combate à pandemia e assegurar uma recuperação que não é só económica, mas sim socioeconómica. O "caminho" não foi um exclusivo do PS. Então, é necessária uma maioria plural partilhada pelos parceiros à sua esquerda, com força e não como pequenos apêndices.»

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27.12.21

Se...

 

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27.12.1943 – Joan Manuel Serrat

 


Joan Manuel Serrat faz hoje 78 anos e nasceu no bairro Poble Sec de Barcelona, numa família de operários.

Viu-se envolvido em várias polémicas por cantar, alternadamente, em catalão e em castelhano e, nos últimos anos, por se posicionar contra a independência da Catalunha.

Mais informação e vídeos neste post de 2020.
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Porque corta Moedas na saúde pública?

 


«“Aquilo que a pandemia hoje exige do decisor político é a antecipação”. Esta é uma frase de Carlos Moedas que, pensando que cumpria esta máxima, antecipou-se a algo – que ninguém sabe bem o que era - e começou a cortar nas medidas de saúde pública que nos ajudavam a conter a pandemia.

Tudo começou com o encerramento de dois centros de vacinação, optando por centralizar a vacinação na FIL, por motivos económicos. Para haver uma poupança irrelevante – e veremos se a cedência do espaço por parte da Associação Industrial Portuguesa, a título gratuito, é mesmo um almoço grátis – prejudicou-se a capacidade de vacinação máxima – passámos de uma capacidade máxima de 12 mil para 7500 – e negligenciou-se o conforto das pessoas que são vacinadas em Lisboa já que, agora, deixam de ter espaços descentralizados perto de casa, para se terem de deslocar vários quilómetros. A medida levou a ajuntamentos desnecessários, a longas filas de espera e até se chegou mesmo a ter de suspender a vacinação. De facto, Carlos Moedas tem razão, um decisor tem de antecipar, mas quem poderia antecipar que concentrar tudo num espaço levaria as pessoas a esse mesmo espaço? Nem a recomendação do Bloco de Esquerda que apontava para o regresso ao sistema anterior – que, recorde-se, contribuiu para que Portugal fosse um dos países com maior taxa de vacinação - e que foi aprovada na Assembleia Municipal de Lisboa, teve o condão de travar esta medida errada.

Mais recentemente, outra decisão errada e inaceitável. Numa altura em que convivemos com uma nova variante de impacto ainda incerto, em época de festas que, como sabemos, exige mais testagem e não menos, o que decidiu Carlos Moedas? Sem avisar as pessoas, acabou com a testagem ilimitada. Não havia pior forma e pior fase para o fazer. Os relatos de que houve pessoas que não fizeram teste por não terem possibilidade de o pagar, mesmo tendo tido um contacto de risco, dizem-nos tudo sobre esta irresponsabilidade. Tendo sentido a impopularidade desta decisão, a câmara informou que iria pagar os testes mas apenas depois de esgotada a rede protocolada com o Serviço Nacional de Saúde. Importa dizer que esta informação é uma cortina de fumo: num ápice, a rede de testagem fica reduzida a pouco mais de metade e com critérios mais restritos. Quantas pessoas não se testaram ou não se vão realizar teste por causa desta decisão?

Já conhecemos esta maneira de lidar com os problemas, sejam eles quais forem. É a doutrina da folha de Excel, das vidas colocadas em números e das decisões cegas que se limitam a olhar para o custo e não para as pessoas. É, contudo, uma política bastante seletiva. É que enquanto o executivo de Carlos Moedas ensaia já a “situação orçamental exigente da Câmara”, prescinde de receita fiscal e devolve mais IRS aos mais ricos da cidade. Por um lado dizem não ter dinheiro, por outro dizem que não precisam de dinheiro.

A folha de Excel de Moedas é um perigo de saúde pública e uma bonança fiscal para os mais ricos. Já conhecemos esta história, que é um programa, e aqui estaremos para derrotar esta irresponsabilidade.»

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26.12.21

Iniciativa Liberal e Saúde.

 


Uma coisa é legítimo marketing político, outra é mentir descaradamente. Eu não sei se estes «Ileberados» pensam que estão em Marte ou na Lua, ou se propõem mudar a Terra em três penadas.

Escolham um hospital PRIVADO (por exemplo em Lisboa), tentem marcar uma consulta e é altamente provável que obtenham como resposta «Não foram encontradas vagas nos próximos 3 meses para o médico que seleccionou».

Gente engraçada e perigosa a armar aos cucos.
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Desmond Tutu

 


Morreu um homem bom. Bispo, casado e com quatro filhos.
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As memórias são como as cerejas

 


A propósito de Xian – uma cidade chinesa de 13 milhões de habitantes, célebre pelo seu Exército de Terracota – estar confinada por causa de Covid, lembrei-me dela por outros motivos.

Passei parte da campanha eleitoral para as legislativas de 2005 na China.

Quase no fim da viagem, cheguei a Xian à noite, já bem tarde e nem liguei a televisão. À hora marcada para o despertar, a dita televisão estava programada para acender automaticamente e, por uma gentileza do hotel, sintonizada num canal do país de cada hóspede. Foi assim que acordei com Santana Lopes aos gritos, numa Grande Entrevista de Judite de Sousa, plasmado num enorme ecrã mesmo em frente da minha cama. Garanto que foi uma das experiências mais insólitas das minhas digressões de viajante e passaram-se alguns segundos até perceber que estava mesmo acordada, e não em pleno pesadelo, a milhares e milhares de quilómetros!

Daí a uma ou duas horas, enquanto me passeava entre estátuas de cavalos e de milhares de guerreiros, PSL não me saía da cabeça: imaginava-o a cavalo, de espada em riste, pronto a atacar a desgraçada Judite.

Alguns dias mais tarde cheguei a casa, liguei a televisão a tempo de ver, em directo, cenas da campanha eleitoral em curso. Numa delas, perseguia-me o protagonista do meu despertador chinês. Foi então que percebi que tudo estava ligado.
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Pobreza e sem-abrigo, impossível resignarmo-nos

 


«Marcelo Rebelo de Sousa voltou a encontrar-se no dia de Natal com pessoas que, pelas mais diversas razões, não têm uma casa para viver. O tema dos sem-abrigo tem sido recorrente na agenda do Presidente da República, que há anos faz uma enorme pressão para que esta constitua uma prioridade nacional — ou não seja o direito a ter um tecto um dos que estão consagrados na Constituição, como recordava, por exemplo, em 2017.

Esse foi o ano em que a nova Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo foi aprovada, acompanhada da promessa de que o problema deveria ser erradicado até 2023. Mas neste sábado de Natal o Presidente da República visitou o centro de acolhimento do Quartel de Santa Bárbara, em Lisboa, onde estão acolhidas 83 pessoas sem casa, falou com algumas, serviu-lhes o jantar e reconheceu que a meta de 2023 é para esquecer.

Nas ruas apareceram, desde que estalou a crise da covid-19, “trabalhadores da restauração, de outros serviços e precários” e “isto fez com que as metas que se tinham apontado para 2023 ficassem mais para diante”, explicou Marcelo. Quanto mais para diante? “Depende de quanto durar a pandemia.”

O último levantamento feito em 2020 tem números impressionantes. Portugal teria nessa altura cerca de 8200 pessoas em situação de sem-abrigo. Mas Marcelo recordou neste sábado outros dados, divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística: o primeiro ano de covid-19 fez mais 228 mil novos pobres em Portugal, o maior aumento desde 2003. Significa que temos quase 1,9 milhões de pessoas que vivem com rendimentos abaixo daquilo que é definido como o limiar de pobreza. A intensidade da pobreza aumentou — os pobres ficaram mais pobres — e a sociedade portuguesa tornou-se mais desigual.

Nos últimos dias, primeiro no PÚBLICO, depois no Jornal de Notícias, o Presidente escreveu dois artigos com duas ideias essenciais. Um: há que continuar a “olhar para os mais vulneráveis, os mais idosos, os cuidadores informais, os sem-abrigo, os que perderem o emprego”. Dois: a saúde mental não pode ser esquecida. Até porque, como já aqui escrevemos, pobreza e saúde mental andam frequentemente de mão dada.

Sabemos que a pandemia baralhou várias metas – mas não podemos resignar-nos. Numa entrevista sobre os desafios que temos pela frente, em 2022, nesta edição, diz-nos o economista Ricardo Paes Mamede: “As sociedades não aguentam níveis elevados de desigualdade muito tempo sem fortes problemas de instabilidade política.” É essencial que Marcelo mantenha a pressão, seja qual for o governo que se segue. “Mais para diante” não chega.»

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