«É sexta feira, último dia do ano, estão 11 graus e o sol vai brilhar. Pode saber-se mais informações rigorosas na app Metereologia. Inclusive, como estará o tempo em Phoenix.
Este ano o mundo continuou a mudar a uma velocidade insuspeitada.
Os adolescentes da geração alfa usam agora o androide como uma extensão do corpo. Está colado ás mãos e aos dedos. Não faz sentido perguntar como o transportam, ou ter medo que o percam. O tempo de ecrã é todo o tempo. A realidade virtual é a realidade. Escrevo isto num computador portátil e espero que alguns amigos o leiam numa rede social. Já não sei como é a minha caligrafia. As minhas canetas de tinta permanente são uma antiguidade.
Gostei deste ano. Trabalhei, mesmo quando não era suposto. Aprendi a conhecer as pessoas pelos olhos. E a surpreender-me com os seus rostos privados, nos avatares. Neste sentido somos todos, agora, muçulmanos, e os medos do Houellebeck cumpriram-se, sem darmos conta. O Houellebeck é tão feio e o que escreve tão assustador, que a França criou um candidato a primeiro-ministro com a sua face . Já arrasta multidões, pelo ódio. Mas o ano de 2021 foi contraditório. Viu cair Trump, o farol da maldade medíocre. E há, um pouco por todo o planeta, alguns governos razoáveis, que alimentam a esperança da humanidade a que pertenço. Entre nós a coisa está má. Não tenho, agora, um partido que me represente. Esta liberdade assusta-me um pouco. Mas sei que a partilho com milhares de pessoas que continuam a acreditar num mundo onde o colapso seja travado e os bens mais justamente repartidos. Agradeço a esses a literatura e a música, o cinema e o teatro, a ciência e o ensino, as artes performativas, a escultura e a pintura, a curadoria. Agradeço ao meu amigo que edita a mais humilde das revistas, e aos visionários que lá escrevem. Agradeço a carpintaria e a agricultura. Agradeço os ofícios que subsistem. As costureiras e os padeiros e os calceteiros e as cabeleireiras. Agradeço aos cozinheiros e às cozinheiras.
Agradeço às crianças que caminham nos campos e atravessam regatos. E ao chibito que partiu a corda e fugiu, arrastando um cadela que não sabia bem o que fazer. Passou-se em Fátima e foi outro milagre. Alertados por um post do Facebook, os populares foram assinalando a sua passagem, e uma mulher e uma criança procuraram-nos e chamaram por eles, nas aldeias do Sicó, até os resgatarem aos sete dias de errância.
Vai começar um ano que só de o escrever me faz viver uma aventura inesperada. 2022. Todos os anos têm agora a aura de uma aventura no espaço. Sinto passar por mim a corrente de um sentimento que ora se chama solidariedade, comunhão, esperança, tristeza, revolta, alegria, desilusão. Às vezes paixão e agora amor.»
Luís Januário ontem no Facebook
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