14.1.23

Comboios

 


Interior do comboio Orient Express, criado em 1883 pela empresa belga Compagnie Internationale des Wagons-Lits.
(Ler AQUI a história deste comboio.)

Daqui.
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Bem me parecia que a «checklist» do governo tinha a ver com humor

 

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A fábrica do populismo

 


Mas existem fornecedores do alimento populista, cuja vida é facilitada pelo Governo, mas que mesmo assim ajudam a fermentar a podridão de que se alimenta o populismo. E sabem muito bem o que fazem, e estão a fazê-lo com muito mais profissionalismo do que os spin doctors governamentais. E estão a ganhar a guerra todos os dias, uma guerra inorgânica, sem regras, política até ao tutano, com objectivos e interesses definidos, e que é muito mais eficaz do que os partidos da oposição. É uma guerra que não faz eleitores para o PSD, mas para o Chega e, com esses eleitores do Chega, pretendem pôr ordem no PSD. O objectivo não é colocar o Chega no poder, ou a governar sozinho, é mesmo pôr um PSD fragilizado no poder, eventualmente aliado à IL ou mesmo ao Chega, um PSD capturado para a sua agenda de direita radical, e aos interesses que servem. Aproveitam-se da crise do partido, das ambiguidades em que se tem enterrado, dando-lhe aquilo que lhe falta, eficácia numa oposição radical, que nada tem de social-democrata.»

José Pacheco Pereira
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Estou irregular em Portugal; a culpa é do SEF

 


«Detenham-me, prendam-me, deportem-me, pois perdi de vez a paciência. Não tenho nenhuma culpa por isso, mas minha autorização de residência (AR) em Portugal, emitida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), expirou na segunda-feira passada, 9 de janeiro. Como imigrante, portanto, estou em situação irregular no país. Há dois meses que tento renovar o documento. De lá para cá, assim como milhares de outras pessoas em situação idêntica, mergulhei num pesadelo kafkiano.

Tudo começou em novembro, quando comecei a entrar com antecedência no portal do SEF para providenciar a renovação automática do título. Ao fazer o login, entrar na plataforma, apresentar os dados de identificação e solicitar o procedimento, tenho recebido mensagens sistemáticas de erro: “Ocorreu um erro, por favor tente mais tarde”, diz o aviso. Tentei. Mais tarde. Nada. “Se o problema persistir, o Centro de Contacto do SEF está ao seu dispor todos os dias úteis, das 8h às 22h através de dois números — 808202653 (rede fixa) ou 808962690 (rede móvel).”

Depois de inúmeras tentativas frustradas e de mil e uma novas mensagens de “tente mais tarde”, comecei a ligar para os números sugeridos. Ligo pela manhã, à tarde, à noite. Dia após dia. Desde a hora do pequeno-almoço, fico com o telefone em punho. Até à hora do jantar, permaneço na mesma. Perco horas e horas preciosas de trabalho. Quando deveria estar escrevendo meu novo livro, estou pendurado ao telemóvel.

Isso de segunda a sexta, semana após semana. Terminou novembro, passou dezembro, chegou janeiro. Nenhum dos dois números atende. Sinal ininterrupto de ocupado, em ambos. Procurei agendar um atendimento presencial. Inútil. “De momento, não existe disponibilidade nos postos de atendimento para o serviço selecionado”, leio no portal, em letras vermelhas.

Às vésperas da data em que o documento expiraria, 4 de janeiro, resolvi mandar um email desesperado aos senhores do SEF. “Estou em Portugal há quatro anos, agora sob a iminência de ficar em situação irregular, com o Título de Residência a expirar”, informei. “Não sei mais a quem recorrer. Por isso, peço-lhes alguma orientação”, implorei. Os dias passaram-se. Nenhuma resposta. O documento caducou. Pronto, fiquei em situação irregular, verifiquei.

Hoje, pela manhã, ao conferir o correio eletrónico, apareceu-me uma mensagem do SEF na caixa de entrada. Aleluia!, exultei. Finalmente vão-me oferecer alguma solução, imaginei. Qual nada. O email trazia uma orientação lacónica: “Sugerimos o contacto com o Centro de Contacto para a possibilidade de fornecer uma informação exata sobre o caso em apreço”, dizia o texto. “Poderá fazê-lo todos os dias úteis, das 8h às 20h, através do número telefone: Rede fixa +351217115000; Rede Móvel + 351965903700.”

Dois novos números, portanto. Peguei o telefone e liguei, com uma ponta de esperança. Passei o dia nisso. Vã ilusão. Nesse caso, nem sinal de ocupado ouço. Nem uma mísera musiquinha dos infernos. Os telefones do SEF parecem mudos, sem sinal de vida. Do outro lado da linha, um único e rápido estalido mecânico. Depois, só silêncio.

Desisto. Desconfio que estão a fazer-me de idiota.»

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13.1.23

Vitrais

 


Tecto de vitrais da autoria de Jeroni Granell na Casa Nàvas, Reus, Tarragona, 1901-1908. 
Arquitecto: Lluís Domènech i Muntaner. 

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Caixadòclos

 

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Manifesto «Vida Justa»

 


«Todos os dias os preços sobem, os despejos de casas aumentam e os salários dão para menos dias do mês. As pessoas estão a escolher se vão aquecer as suas casas ou comer.

Depois da pandemia vieram as guerras e as sanções e com elas a crise social e a ameaça de recessão económica. A crise não parece ter fim à vista.

As pessoas são vítimas de uma sociedade que acha normal pagar mal a quem trabalha. Quando começou a pandemia, a gente dos bairros continuou a cumprir o seu dever, quando muitos recolheram a casa. As trabalhadoras da limpeza continuaram a trabalhar, os dos transportes a manter o país a funcionar, os operários da construção civil a ir para as obras, os trabalhadores dos supermercados continuaram a sacrificar-se por toda a gente.

Todos os dias, vemos os lucros das petrolíferas e das grandes empresas a crescerem, e os salários de quem trabalha a desaparecerem.

O governo está mais preocupado em pagar a dívida pública, ao dobro da velocidade que a União Europeia nos quer obrigar, do que em ajudar a maioria das pessoas a resistirem a esta crise.

O estado de guerra na Europa transformou-se – com as sanções cegas que não param o massacre e a escalada dos combates na Ucrânia – numa guerra às pessoas que trabalham. Dando ainda mais dinheiro aos ricos, enquanto baixam, cada vez mais, os salários reais dos trabalhadores.

Em muitos dos bairros, as autoridades atacam e fecham os pequenos comércios que servem as comunidades, apreendendo as mercadorias e pondo em causa a sustentabilidade dos bairros e a manutenção da economia local. Há uma guerra contra as populações mais pobres que tem de parar.

Para inverter esta situação, as pessoas têm de ter o poder de exigir um caminho mais justo que distribua igualmente os custos desta crise. Não pode ser sempre o povo a pagar tudo, enquanto os mais ricos conseguem ainda ficar mais ricos.

É preciso dar poder às pessoas para conseguirem ter uma vida digna. Exigimos um programa de crise que defenda quem trabalha: os preços da energia e dos produtos alimentares essenciais devem ser tabelados; os juros dos empréstimos das casas congelados, impedir as rendas especulativas das casas, os despejos proibidos; deve haver um aumento geral dos salários acima da inflação; medidas para apoiar os comércios, pequenas empresas e os postos de trabalho locais e valorizar económica e socialmente os trabalhos mais invisíveis como o de quem trabalha na limpeza.

Em tempo de crise, a política tem de proteger mais as pessoas.

Gente preocupada dos bairros, militantes de várias causas e movimentos sociais querem dar passos para construir uma rede e multiplicar acções que dêem mais poder às pessoas e que consigam impor políticas que defendam as populações e quem trabalha.

Por tudo isso, todos os que subscrevem este manifesto da Vida justa (moradores dos bairros, pessoas dos movimentos sociais e outros cidadãos) convocam uma manifestação, em Lisboa, no dia 25 de Fevereiro, e várias concentrações locais, para defesa dos nossos bairros e da dignidade de vida dos que trabalham e que criam a riqueza do país.

No dia 25 de Fevereiro, estaremos na rua para exigir ao governo que nos ouça e que cumpra estas medidas mínimas que propomos para que a crise seja combatida com justiça.

Justiça e igualdade para acabar com a crise.»

DAQUI.
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O “mecanismo” é um questionário de Proust

 


«O mecanismo de escrutínio aos candidatos a cargos no Governo é uma história tão ardilosa que merece um primeiro prémio da dissimulação. O que prometia ser uma revolução acabou num suspiro. O que fora anunciado como um instrumento redentor das escolhas para altos cargos revelou-se sob a forma de um questionário de Proust. Vale mais do que as perguntas de Verão aos famosos, porque, ao menos, obriga os inquiridos a evitar a mentira; mas se as 36 perguntas são um mecanismo de escrutínio, o mecanismo é uma geringonça e o escrutínio uma brincadeira.

O mecanismo surgiu da aflição causada por erros sucessivos nas escolhas de membros do Governo e, como sempre acontece, a aflição não é boa conselheira. Em determinado momento, quando António Costa tentou envolver o Presidente da República, chegou-se a suspeitar que em causa estava um alto desígnio do Estado. Pelo meio, citaram-se exemplos de boas práticas internacionais ou enumeraram-se instâncias de avaliação e fiscalização que iam do Tribunal Constitucional à Assembleia da República.

Tudo acabaria, no entanto, em três dúzias de perguntas sobre questões básicas entre o património ou os impostos. Os últimos casos sugerem que essas perguntas básicas não foram feitas aos candidatos a secretário de Estado, é certo. Mas se tivessem sido feitas e respondidas, nada garante que o escrutínio salvasse o país de escolhas como as de Alexandra Reis ou de Carla Alves.

Recordemos o que António Costa disse no Parlamento sobre o caso da ex-secretária de Estado da Agricultura. Em resposta a Catarina Martins, o primeiro-ministro afirmou que Carla Alves garantira ao seu gabinete que “pela conta dela não passou qualquer dinheiro não justificado”. Se a pergunta escrita fosse por aí, a resposta seria a mesma e nada a teria impedido de chegar ao Governo.

O inquérito aos candidatos ao Governo faria sentido, se fosse apenas a primeira peça de um escrutínio a sério. Na Comissão Europeia, as respostas dos candidatos ou nomeados são escrutinadas pela Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu e quem as assina é sujeito a audições dos eurodeputados. Isso, sim, é um mecanismo de escrutínio.

A invenção do Governo pode ser considerada melhor do que nada. Sempre que um candidato mentir, sempre se pode ir ao inquérito e expor a mentira por escrito. Mas, no essencial, depois de tanta solenidade na resposta à crise das demissões, de tanta expectativa e de tanta necessidade de transparência, o que acabou por ser anunciado é ridiculamente insuficiente. Um formalismo que, quando muito, servirá para os governos se desculparem das más escolhas.»


P.S. – As 36 perguntas podem ser lidas no Diário da República AQUI.
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12.1.23

Vasos

 


Vaso de vidro Favrile, Metropolitan Museum of Art, Nova Yorque, 1893-1896. 
Louis Comfort Tiffany.

Daqui.
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Pedro Abrunhosa, «embaixador» do Cante Alentejano?

 


As redes sociais estão cheias de indignados pelo facto de Pedro Abrunhosa ser considerado uma espécie de embaixador do cante alentejano (que, em 2014, foi reconhecido como Património Cultural Imaterial da Humanidade), em vez de membros da família Salomé e outros que tais. (Começo por dizer que tenho mais empatia por estes últimos do que pelo primeiro, mas isso não interessa para nada.)

Abrunhosa está excomungado para o efeito em causa porque terá nascido no Norte do país e é com ele identificado? Portugal tem cerca de 10 milhões de habitantes, menos do que uma cidade da China como Cantão, e estamos escandalizados porque alguém que vive num canteiro de um jardim à beira plantado pode promover outro? A sério?
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Sem nojo nem pudor

 


«O último caso no Governo – à hora a que escrevo – foi a ida de Rita Marques, ex-secretária de Estado do Turismo, para a The Fladgate Partnership, ficando à frente da gestão de várias unidades hoteleiras. Entre elas a WoW (World of Wine), que recebeu benefícios fiscais graças a um despacho da governante, assinado a menos de dez dias das eleições. Neste caso, a secretária de Estado já não está na alçada do Governo e, politicamente, pouco pode ser feito.

Não é a primeira vez que alguém sai de um ministério para trabalhar numa empresa que tutelou ou beneficiou. Em Portugal, na Europa e no mundo estas portas-giratórias sempre estiveram bem oleadas. Alguns dos mais ativos moralistas que vou ouvindo vieram da política e povoam conselhos de administração, como administradores não-executivos; outros instalam-se em escritórios de advogados, oferecendo a sua agenda de contactos políticos. Seria bom não vermos como excecional o que infelizmente não o é. Talvez seja o descaramento, mas já lá vou.

Um dos casos mais escandalosos é antigo: depois de negociar um contrato ruinoso com a Lusoponte, que teve de ser várias vezes renegociado, Ferreira do Amaral foi dirigir a empresa. Apesar de ter cumprido largamente os prazos, o choque entre os interesses do Estado, que não defendeu, e a carreira privada que depois seguiu é demasiado evidente. Mas não foi o único. Não havia ministro de Agricultura que não acabasse na celulose, não havia ministro das Obras Públicas que não fosse para uma construtora. Alguns respeitadíssimos.

Aqueles que perdem tempo a falar das mordomias dos políticos, que ganham menos do que qualquer administrador de uma empresa do seu sector, não percebem que o político desonesto não enriquece no cargo, enriquece depois. Há um livro antigo de António Sérgio Azenha, “Como os políticos enriquecem em Portugal”, que se deu ao trabalho de fazer as contas, mostrando que demasiadas vezes não é verdade que as pessoas, sendo da área, se limitem a regressar à sua atividade. Não faltam novos talentos da gestão ou na advocacia saídos da política, não faltam extraordinários saltos patrimoniais na década seguinte a por lá passarem. Dos casos que analisou, o enriquecimento chega a 2956% em 12 anos.

Aquilo de que temos de ter a certeza é que o Estado não é prejudicado e ninguém é beneficiado pela expectativa de um lugar ao sol para o governante. Por isso, definiram-se períodos de nojo. Já foi um ano, passou para três. Até 1995, os titulares de cargos políticos não podiam exercer pelo período de um ano cargos em empresas privadas que prosseguissem atividades no sector por eles diretamente tutelado, mas apenas se tivessem sido objeto de privatização ou beneficiado de incentivos financeiros ou fiscais. Em 1995 passou para três anos e em 2019 alargou-se a interdição a empresas relativamente às quais se tenha verificado uma intervenção direta do titular de cargo político. Mas ao passar para três não fizeram a respetiva atualização da “punição” e mantiveram-se os três anos para poder regressar ao sector público. Deveriam ser mais, como é evidente.

Apesar das habituais transferências da política para as empresas, que fazem parte das regras do jogo de um poder económico que prefere não confiar no nosso voto para tratar dos seus negócios, costuma haver mínimos de pudor. A falta de vergonha de Rita Marques diz qualquer coisa sobre o fundo do tacho onde se vão recrutar governantes. Nem sequer dá espaço para debate: o período de nojo de três anos foi encurtado para 38 dias. Não comete um crime, apenas estará impedida de voltar a funções políticas durante três anos, o que, nestas circunstâncias, corresponde a um vazio de consequências.

O erro é não ir às empresas, garantindo que o "crime" de cooptação de políticos que as beneficiam não compensa. Não sou jurista, mas imagino que se não houver qualquer irregularidade na atribuição do apoio à WoW nem prova de qualquer relação de causalidade, ela não pode ser anulada. O que a lei deveria garantir era a exclusão, durante alguns anos, de apoios ou contratação pública a empresas que recrutem ex-governantes dentro do período de nojo. Não se ficaria a rir Rita Marques, a quem o bom salário comprou a vergonha na cara.»

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11.1.23

Binóculos

 


Binóculos de ópera, de ouro, esmalte e pedras preciosas, cerca de 1885.
Lucien Falize.


Daqui.
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Professores?

 



Debate Mensal na AR, 11.01.2023.
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Bem-vindos à fakedemocracia

 

«Primeiro nos EUA e depois no Brasil, o assalto aos símbolos do poder democrático por quem recusa, em nome do "povo", o resultado de escrutínios eleitorais coloca-nos perante a evidência de que democracia, justiça e bem são noções que variam de acordo com quem ganha ou perde - como no futebol.»

Um artigo de Fernanda Câncio a ser lido AQUI.
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Pagamos a casa com as nossas vidas

 


«Em Portugal, o preço da casa é a nossa vida. Esta é a conclusão óbvia sobre um país que esqueceu o direito fundamental a uma casa e que, assim, abandonou também a segurança (não é a casa a base dessa segurança?), a saúde mental (há saúde com casas sobrelotadas ou sem condições mínimas de dignidade?) e a autodeterminação pessoal e familiar de quem vive em Portugal (como atingimos os nossos objetivos ou como constituímos família gastando quase todo o salário com a casa?) como objetivos da nossa vida coletiva. Cada pessoa e cada família sente de forma diferente este problema, mas, no essencial, a razão é a mesma: é impossível pagar a renda ou comprar casa sem abdicarmos de nós.

A recente notícia de que, em Lisboa, a renda média ultrapassou os dois mil euros (aumento de 71,9%!) é apenas a confirmação deste facto. E é uma indignidade. Passear por Lisboa é perceber que toda a construção que está a ser feita é para um “segmento de luxo”, a que se junta um quadro legislativo que potencia um aumento desmesurado dos preços. A lista é velha e conhecida: benefícios fiscais para fundos imobiliários, "vistos gold", contratos de arrendamento curtos e nenhum limite ao aumento de rendas de novos contratos num maravilhoso mundo que nos mostra de forma brutal como o mercado livre destrói as nossas vidas.

A esta lista, juntam-se narrativas erradas (a que o Governo aderiu) de que tudo se trata de um problema de oferta e de procura. Não é. O ramo imobiliário criou o seu próprio modelo de funcionamento e apenas responde ao capital disponível para investimento, sendo que esse é ilimitado e global. A razão da venda do país ao investimento estrangeiro reside também aí: quer-se garantir a manutenção dos preços especulativos que asseguram o lucro que sustenta este negócio.

Pelo caminho, ficam as nossas vidas. A vida do jovem casal que quer constituir família e já não consegue viver na zona metropolitana de Lisboa, quanto mais mudar-se para uma casa maior. A vida da pessoa idosa que vê a sua pensão a desaparecer e procura toda a ajuda possível para poder continuar a pagar a renda. A vida do estudante que não vai para a faculdade porque não tem como pagar um quarto. A vida da mãe solteira que continua a tentar respirar entre trabalho e maternidade com uma renda que lhe leva o salário. São casos que têm tanto de duro como de real. Dizem-nos que não há nada a fazer, que aguardemos que isto pode melhorar. Mas as vidas - e as cidades - não nasceram para ser adiadas, mas sim vividas.

É necessário regular o autodenominado mercado da habitação, expressão que tem tanto de infeliz como de reveladora. Num país que assistiu a um congelamento de rendas de 40 anos, é preciso ter a coragem de falar em controlo de rendas, explicando que regular é diferente de congelar. Num país com tantos pequenos proprietários – fruto de uma escolha política que não deu outra opção às pessoas que não a compra de casa – é preciso falar dos imóveis vazios assumindo que a via fiscal se revelou incapaz de resolver este problema (em Lisboa, os números da câmara apontam para 46 mil casas vazias) e que temos de ter soluções que devolvam essas casas à sua função de habitação. E, claro, é preciso revogar as leis de verdadeiro privilégio que tratam ricos de uma maneira e pobres e classe média de outra.

Não há soluções milagrosas, dirá quem se conforma e quem lucra com esta indecência que é, por exemplo, exigir um salário mínimo por um quarto. O que não é solução é o ponto a que chegámos e para o qual não vemos fim. A casa devia ser paga com uma parte do salário, não com o adiar das nossas vidas.»

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10.1.23

Tintim

 


Parabéns pelos 94!

(Ler alguma informação AQUI.)
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Júlio Pomar

 


Seriam 97.
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Em busca do Santo Graal

 


«O crescimento da economia portuguesa tornou-se uma busca pelo Santo Graal. A aventura é menos divertida do que o filme homónimo dos Monty Python e menos excitante do que as sagas de Indiana Jones. Em comum têm a obsessão dos protagonistas por um qualquer elemento mágico, capaz de trazer a prosperidade a quem dele se apodere.

A preocupação com o crescimento do país tem razão de ser. Entre 2000 e 2022, segundo os dados da Comissão Europeia, Portugal foi a terceira economia da UE que menos cresceu em termos reais (cerca de 0,8% ao ano, em média). Pior só a Itália e a Grécia, onde hoje se cria por ano quase a mesma riqueza que se criava na viragem do século.

Por estranho que pareça, não há ainda um consenso sobre a razão desta paralisia. C

As narrativas motivadas pela disputa partidária ou por questões ideológicas são tão eficazes nas redes sociais quanto incapazes de oferecer uma explicação convincente para o fenómeno em causa. Exemplos não faltam.

No período da troika, a elevada dívida pública era vista como a raiz dos nossos problemas. Mas antes da crise financeira internacional de 2007/2008 a dívida do Estado em percentagem do PIB era bastante moderada (72,7%) e alinhada com a média europeia. Acresce que a maioria dos países que sofreram intervenções externas no período tinha rácios de dívida pública inferiores ao português e abaixo da média da UE. De resto, o aumento da dívida pública dos países é quase sempre um sintoma das suas dificuldades económicas – e não apenas uma causa. Se queremos perceber por que razão a dívida portuguesa é tão elevada, temos de perceber porque é que a economia não cresce – tanto ou mais do que o inverso. Fazer da redução do rácio da dívida o Santo Graal da economia portuguesa não nos levará longe.

Dez anos passados, é mais habitual apontar-se a elevada “carga fiscal” (isto é, o valor das receitas fiscais e contributivas em percentagem do PIB) como factor decisivo do baixo crescimento. No entanto, durante a primeira década do século, quando a estagnação portuguesa foi mais acentuada, a “carga fiscal” manteve-se estável e abaixo da média da UE, bem como de vários países de dimensões semelhantes que tiveram desempenhos económicos muito mais favoráveis no período (como a Áustria e a República Checa, por exemplo). Por contraste, depois de a “carga fiscal” em Portugal ter aumentado muito em 2013, para fazer face à explosão da dívida pública durante a crise, a economia nacional cresceu a ritmos modestos mas muito superiores aos da década anterior. Quem quer fazer da redução da “carga fiscal” o Santo Graal da economia portuguesa talvez precise de olhar melhor para os números.

Outra explicação popular – e populista – para a estagnação da economia portuguesa é a corrupção. Pela sua natureza, medir a corrupção é um problema: depende mais de percepções do que de factos objectivos. É sintomático que os inquéritos internacionais revelem uma desproporção enorme entre a percentagem de pessoas que consideram existir muita corrupção em Portugal e aquelas que alguma vez tiveram conhecimento de um caso concreto em primeira mão. Tendo isto presente, vale a pena assinalar que Portugal aparece numa posição mais favorável no índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional do que a generalidade dos países da Europa de Leste, cujo crescimento foi muito superior ao português na última década. Isto não significa que a corrupção é irrelevante em Portugal ou que faz bem às economias, muito menos às democracias. Significa apenas a necessidade de produzir explicações mais elaboradas para um processo que não é simples.

Segundo uma análise menos simples mas mais coerente com os factos, a estagnação da economia portuguesa desde 2000 é explicada pela combinação de três factores principais: o perfil de especialização de partida, a liberalização financeira da década de 1990 e a sucessão de choques externos ocorridos desde então.

Desde a década de 1960, a economia portuguesa funcionou como reserva de mão-de-obra barata da Europa Ocidental. Foi uma estratégia eficaz mas desqualificada de industrialização, que deixou marcas negativas duradouras e foi deixando de funcionar à medida que a globalização avançava e o próprio país se desenvolvia. No final da década de 1980, as elites locais optaram pela liberalização geral da economia, com o sector financeiro à cabeça. A explosão de crédito que se seguiu traduziu-se em ritmos de crescimento notáveis. Mas deixou atrás de si um lastro de dívida privada, que era já muito acentuada na viragem do século. Nos anos seguintes, o que poderia correr mal correu mesmo: a China invadiu a UE de produtos que concorriam directamente com a indústria portuguesa; o alargamento a Leste afastou do país o tipo de investimento estrangeiro que era mais frequente por estas bandas; a forte apreciação do euro entre 2002 e 2008 dificultou ainda mais a vida à indústria nacional; a crise energética de 2004-2008 (com o preço do barril de petróleo a atingir 140 dólares) e a crise financeira internacional que se seguiu deram a estocada final numa economia já muito endividada perante o exterior. Desde aí temos estado a recuperar lentamente, à boleia de uma sobre-especialização arriscada no turismo e enfrentando uma pandemia e a guerra na Ucrânia.

Apesar de tudo, a economia portuguesa dá hoje sinais de estar mais bem preparada do que no passado para lidar com os desafios actuais: nas qualificações das pessoas, nos níveis de capitalização das empresas, nas dinâmicas de inovação e internacionalização, e não só. Mas as debilidades da sua estrutura produtiva persistem. A isso acresce um endividamento externo que é hoje muito superior ao de 2000 e uma situação demográfica desfavorável. Lidar com tudo isto não vai ser fácil. Exige um rumo claro, persistência nas opções estratégicas, capacidade e disponibilidade para identificar e corrigir erros – e esperar que os choques futuros não sejam demasiado violentos. Seria mais fácil oferecer-vos aqui um qualquer Santo Graal como solução para o crescimento da economia portuguesa, mas tenho de vos contar uma coisa: o Santo Graal não existe.»

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9.1.23

09.01.1908 – Simone de Beauvoir

 


Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir chegaria hoje a uns improváveis 115 anos.

Se tudo já foi escrito sobre Simone, talvez valha a pena, apesar de tudo, recordar o papel decisivo de uma das suas obras: Le Deuxième Sexe. Se esteve longe de ser um manifesto militante ou arauto de movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde, a verdade é que o ambiente não estava preparado para a problemática da libertação da mulher tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

Nunca provocou grandes empatias e foi sempre objecto de discussões sem fim sobre a sua importância relativa quando comparada com a de Sartre. Mas, goste-se ou não, estava no centro do Olimpo que Paris era então – quando, no Café de Flore, toda a gente vivia envolta em fumo e Juliette Greco cantava «Il n’y a plus d’après».

Mais informação e um vídeo AQUI.
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Joan Baez chega aos 82

 


Nasceu em 9 de Janeiro de 1941, cantou durante décadas em várias arenas, lembra-nos Wookstock, lutas pelos direitos dos negros, activismo contra a Guerra do Vietname, várias detenções como, por exemplo, em 1967, em Oakland, numa das dezenas de manifestações que tiveram lugar em cerca de 30 cidades dos Estados Unidos. 

Ficam, para nunca esquecermos, algumas das suas interpretações: 











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O Janeiro quente de Brasília

 


«Bolsonaro procurou, desde o começo do seu trajeto presidencial, ainda na campanha que o levou à presidência do Brasil em 2018, copiar a metodologia de de Donald Trump, concentrando-se na canalização de preconceitos e no desagrado pela mitigação dos privilégios históricos das classes alta e média brasileiras, que herdaram uma forma de organização social de matriz colonial e tudo fizeram para a preservar, através da ideologia do Estado.

Com Bolsonaro, entrou em definitivo no campo político a “guerra cultural”, perfeitamente demarcada entre as regiões maioritariamente brancas e que odeiam o nordeste negro, o setor evangélico da sociedade, transversal em termos de classe, mas dominado pelas elites, defensor de uma virada conservadora em matéria de costumes para o país e da confluência entre Estado e Igreja, e as classes sociais mais baixas não-evangélicas, a esquerda progressista e os setores militantes e ativistas LGBT+ e antirracistas. Deu-se a batalha pelo coração do Brasil, com a direita radicalizada e arregimentada em torno de Bolsonaro, e que fez uso da corrupção que envolveu os governos do PT para implementar as pautas de costumes e a pauta neoliberal na economia, com uma vocação de privatização e exploração dos recursos naturais, como o desmatamento da Amazónia. O eixo Boi-Bala-Bíblia criou as condições para que o bolsonarismo se tornasse vigorante.

A base desta força reside na classe média, que sempre frequentou as melhores universidades (e que em alguns casos se viu ultrapassada por jovens mais aptos oriundos das classes baixas em razão das políticas sociais dos governos PT), que trabalha nos principais jornais das grandes cidades como São Paulo, que viu a sua capacidade de exploração da mão-de-obra pobre diminuída pela legislação laboral do PT que impôs garantias aos trabalhadores. De forma categórica pergunta Jessé Souza, em A Elite do Atraso, “[c]omo alguém que explora as outras classes abaixo dela sob a forma de um salário vil, de modo a poupar tempo nas tarefas domésticas, e apoia a matança indiscriminada de pobres pela polícia, ou até a chacina de presos indefesos, consegue ter a pachorra de se acreditar moralmente elevado?” O facto é que pode e canalizou esse sentimento de superioridade para o bolsonarismo.

Ora, o cruzamento entre sentimento de injustiça por perda de privilégios de classe, o natural desagrado com a corrupção estrutural (verdadeiramente estrutural, na medida em se encontra na própria formação do Brasil como Estado), a importação das mais alienadas teorias conspiratórias e populistas trumpistas e a profunda crença messiânica num chefe providencial e num povo eleito (eles mesmos), produz uma massa de eleitores com uma missão, que por considerarem providencial não deve qualquer respeito à Constituição e às regras democráticas. Tendo ensaiado uma postura trumpista ambígua de derrota sem derrota, Bolsonaro alimentou as hostes, deixando marinar a crença de fraude eleitoral, a que o seu partido deu continuidade e ampliação.

Podemos afirmar, sem receios, que estamos diante de um movimento de natureza fascista do tipo caudilho, que recusa resultados eleitorais, que não aceita a democracia, que quer uma identidade única para o país (ideologia da nação), centralizada num aparelho de Estado forte, de “lei e ordem”, fortemente classista e racial, e profundamente conservador-religioso (evangélico). A provável repressão militar para repor o normal funcionamento das instituições não é garantia de sobrevivência do regime. Lula é o anti-Cristo e precisa ser derrotado, de qualquer maneira. O avanço das forças de segurança poderá ser lido como um sinal de avanço dos romanos sobre os cristãos, e os bolsonaristas poderão assumir-se como mártires da sua causa patriótica.

O discurso de Lula de reação à invasão do Congresso, do Planalto e do Supremo Tribunal Federal pouco sanará a situação, ao reforçar o combate entre a esquerda e a direita, ao acusar Bolsonaro de ser “genocida”, ao forçar a divisão social e ao colocar um peso negativo sobre os apoiantes bolsonaristas, ao chamá-los de “fascistas fanáticos”. A frieza de Estado que se poderia exigir deu lugar à continuidade da rutura social e da luta ideológica.

A teoria dos “dois Brasis” está agora posta à prova, como nunca. Daqui para a frente a “guerra cultural” terá uma dimensão de confrontação civil. Resta saber em que termos e escala. Das famílias divididas ao país partido a marcha segue. A tese de uma divisão real do país, de uma desagregação da União Federal está em cima da mesa. Num cenário mais mitigado, as forças de segurança serão capazes de evitar a escalada e deixar a democracia segura, todavia num estado de alerta permanente cujos efeitos políticos no Senado são ainda difíceis de prever.

O precedente do Capitólio abriu espaço para esta réplica. O que se pode e deve temer é a replicação pelo Ocidente, nas próximas eleições em vários países europeus, onde os populismos, vários de inspiração autoritária, se afirmam a voz do povo. Não podemos deixar de lembrar as palavras de Georges Duhamel: “Os maiores tiranos do povo saíram quase todos do povo”. Para já, o Brasil é a bomba-relógio, o laboratório mais evidente das guerras culturais e da alienação ideológica. Desta feita será o setor trumpista dos Estados Unidos a olhar para o Brasil como laboratório de potencialidades. A forma como a situação se desenrolar no Brasil terá efeitos nos caminhos vindouros das democracias Ocidentais mais polarizadas.»

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8.1.23

Entretanto no Brasil

 


Tarde de 08.01.2023: invasão do Congresso, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal pelos bolsonaristas.

O que se seguirá?
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08.01.1969 – Marcelo Caetano: A primeira «Conversa em Família»

 


Há 54 anos, Marcelo Caetano dirigiu a primeira das dezasseis «Conversas» ao país.

Uns anos depois, em 28 de Março de 1974, já depois do golpe falhado das Caldas, ele não sabia – e nós também não – que nunca mais teríamos aqueles cinzentos e sinistros serões na sua companhia. (Vídeo desta última «conversa» AQUI.)
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Poupança


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Não dar o ouro ao bandido

 


«O lamaçal político que se vem formando na vida política portuguesa pode provocar uma acelerada erosão da confiança dos portugueses no Governo e perigos para a democracia. Se o primeiro-ministro não quiser reconhecer os seus erros, focar-se nas respostas aos problemas das pessoas e do país e abandonar vícios negativos - se for um problema de húbris será difícil -, e se o Partido Socialista (PS) não for capaz de estancar a incompetência, a incúria e cegueira que marcam vários planos da governação, o cheiro a traição política começará a ser forte.

As dinâmicas conservadoras e fascistas, que atravessam a organização e funcionamento da sociedade, aproveitam aquele sentimento e fazem-no confluir com os objetivos estratégicos que prosseguem, encurtando perigosamente a distância entre o golpe e o derrube constitucional do Governo.

A Direita não tem um programa político alternativo porque a hipótese de se alcandorar ao poder, no atual contexto, impõe a todas as suas componentes uma estratégia de não exposição do fundamental das políticas que implementariam. A aparente incapacidade da liderança do PSD é uma decorrência dessa realidade e do jeito que lhes dá o pântano dos "casos" políticos.

Observando todo o espectro político nacional e a influência da conjuntura europeia e internacional, podemos ter a certeza de que uma solução política alternativa ao atual Governo, por agora, só pode vir da Direita e nela estará seguramente a extrema-direita, que tem sempre programa preparado: aniquilar o regime democrático. E temos um presidente da República, cuja "atuação peculiar" é bem mais propensa à gestão de "casos", que à defesa consequente da democracia e de direitos fundamentais dos cidadãos.

O que mais contribuiu para a formação da maioria absoluta, conquistada pelo PS no ano passado, foi o objetivo de barrar o caminho à Direita, em particular à extrema- -direita. Por outro lado, é preciso relembrar que a esmagadora maioria dos portugueses (as sondagens provavam-no) fazia um balanço positivo das políticas do Governo, que eram apresentadas como políticas de Esquerda. António Costa e o PS acordam para os desafios que se colocam a um grande partido da democracia, ou dispõem-se a dar o ouro ao bandido?

António Costa teve desprezo pelo espaço e pelos fundamentais objetivos programáticos dos seus parceiros da "geringonça", que claramente não eram empecilho a uma boa governação. Abusou de descomedimentos e em certas situações foi arrogante. Agora parece prosseguir com a mesma atitude, mas dirigida diretamente aos cidadãos que lhe deram a maioria absoluta.

Hoje não chega dizer que se entregue à justiça o que é da justiça e à política o que é da política e ficar à espera. O neoliberalismo entranhou-se, vai negando espaço à ética, apostando forte na judicialização da política e reclamando a gestão do Estado com regras do privado. A apropriação indevida de riqueza (o roubo) é, no essencial, legal. Grandes atores económicos e gestores apresentados como modelo são valorizados pela capacidade de fazerem negociatas escondidas, por fugirem ao Fisco, por serem capazes de despedir barato e impor baixos salários.

Não estranha, pois, que candidatos a governantes se esqueçam das exigências éticas. Contudo, é doloroso ver ministros na mesma onda, insistindo na valorização dos currículos dos "talentosos quadros" impedidos de governar.»

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