«O crescimento da economia portuguesa tornou-se uma busca pelo Santo Graal. A aventura é menos divertida do que o filme homónimo dos Monty Python e menos excitante do que as sagas de Indiana Jones. Em comum têm a obsessão dos protagonistas por um qualquer elemento mágico, capaz de trazer a prosperidade a quem dele se apodere.
A preocupação com o crescimento do país tem razão de ser. Entre 2000 e 2022, segundo os dados da Comissão Europeia, Portugal foi a terceira economia da UE que menos cresceu em termos reais (cerca de 0,8% ao ano, em média). Pior só a Itália e a Grécia, onde hoje se cria por ano quase a mesma riqueza que se criava na viragem do século.
Por estranho que pareça, não há ainda um consenso sobre a razão desta paralisia. C
As narrativas motivadas pela disputa partidária ou por questões ideológicas são tão eficazes nas redes sociais quanto incapazes de oferecer uma explicação convincente para o fenómeno em causa. Exemplos não faltam.
No período da troika, a elevada dívida pública era vista como a raiz dos nossos problemas. Mas antes da crise financeira internacional de 2007/2008 a dívida do Estado em percentagem do PIB era bastante moderada (72,7%) e alinhada com a média europeia. Acresce que a maioria dos países que sofreram intervenções externas no período tinha rácios de dívida pública inferiores ao português e abaixo da média da UE. De resto, o aumento da dívida pública dos países é quase sempre um sintoma das suas dificuldades económicas – e não apenas uma causa. Se queremos perceber por que razão a dívida portuguesa é tão elevada, temos de perceber porque é que a economia não cresce – tanto ou mais do que o inverso. Fazer da redução do rácio da dívida o Santo Graal da economia portuguesa não nos levará longe.
Dez anos passados, é mais habitual apontar-se a elevada “carga fiscal” (isto é, o valor das receitas fiscais e contributivas em percentagem do PIB) como factor decisivo do baixo crescimento. No entanto, durante a primeira década do século, quando a estagnação portuguesa foi mais acentuada, a “carga fiscal” manteve-se estável e abaixo da média da UE, bem como de vários países de dimensões semelhantes que tiveram desempenhos económicos muito mais favoráveis no período (como a Áustria e a República Checa, por exemplo). Por contraste, depois de a “carga fiscal” em Portugal ter aumentado muito em 2013, para fazer face à explosão da dívida pública durante a crise, a economia nacional cresceu a ritmos modestos mas muito superiores aos da década anterior. Quem quer fazer da redução da “carga fiscal” o Santo Graal da economia portuguesa talvez precise de olhar melhor para os números.
Outra explicação popular – e populista – para a estagnação da economia portuguesa é a corrupção. Pela sua natureza, medir a corrupção é um problema: depende mais de percepções do que de factos objectivos. É sintomático que os inquéritos internacionais revelem uma desproporção enorme entre a percentagem de pessoas que consideram existir muita corrupção em Portugal e aquelas que alguma vez tiveram conhecimento de um caso concreto em primeira mão. Tendo isto presente, vale a pena assinalar que Portugal aparece numa posição mais favorável no índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional do que a generalidade dos países da Europa de Leste, cujo crescimento foi muito superior ao português na última década. Isto não significa que a corrupção é irrelevante em Portugal ou que faz bem às economias, muito menos às democracias. Significa apenas a necessidade de produzir explicações mais elaboradas para um processo que não é simples.
Segundo uma análise menos simples mas mais coerente com os factos, a estagnação da economia portuguesa desde 2000 é explicada pela combinação de três factores principais: o perfil de especialização de partida, a liberalização financeira da década de 1990 e a sucessão de choques externos ocorridos desde então.
Desde a década de 1960, a economia portuguesa funcionou como reserva de mão-de-obra barata da Europa Ocidental. Foi uma estratégia eficaz mas desqualificada de industrialização, que deixou marcas negativas duradouras e foi deixando de funcionar à medida que a globalização avançava e o próprio país se desenvolvia. No final da década de 1980, as elites locais optaram pela liberalização geral da economia, com o sector financeiro à cabeça. A explosão de crédito que se seguiu traduziu-se em ritmos de crescimento notáveis. Mas deixou atrás de si um lastro de dívida privada, que era já muito acentuada na viragem do século. Nos anos seguintes, o que poderia correr mal correu mesmo: a China invadiu a UE de produtos que concorriam directamente com a indústria portuguesa; o alargamento a Leste afastou do país o tipo de investimento estrangeiro que era mais frequente por estas bandas; a forte apreciação do euro entre 2002 e 2008 dificultou ainda mais a vida à indústria nacional; a crise energética de 2004-2008 (com o preço do barril de petróleo a atingir 140 dólares) e a crise financeira internacional que se seguiu deram a estocada final numa economia já muito endividada perante o exterior. Desde aí temos estado a recuperar lentamente, à boleia de uma sobre-especialização arriscada no turismo e enfrentando uma pandemia e a guerra na Ucrânia.
Apesar de tudo, a economia portuguesa dá hoje sinais de estar mais bem preparada do que no passado para lidar com os desafios actuais: nas qualificações das pessoas, nos níveis de capitalização das empresas, nas dinâmicas de inovação e internacionalização, e não só. Mas as debilidades da sua estrutura produtiva persistem. A isso acresce um endividamento externo que é hoje muito superior ao de 2000 e uma situação demográfica desfavorável. Lidar com tudo isto não vai ser fácil. Exige um rumo claro, persistência nas opções estratégicas, capacidade e disponibilidade para identificar e corrigir erros – e esperar que os choques futuros não sejam demasiado violentos. Seria mais fácil oferecer-vos aqui um qualquer Santo Graal como solução para o crescimento da economia portuguesa, mas tenho de vos contar uma coisa: o Santo Graal não existe.»
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