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21.3.15
Isto não é maneira de abominar jornalistas
Ricardo Araújo Pereira, na Visão de 19 de Março:
«João Araújo, advogado de Sócrates, disse a uma jornalista que "devia tomar mais banho", uma vez que "cheira mal". Não pretendo ser o paladino da boa abominação de jornalistas, mas creio que não é assim que se abomina um jornalista. Tenho muitas dúvidas acerca da introdução de considerações olfactivas no debate público. Primeiro, porque é difícil de provar: na ausência de uma auditoria independente aos sovacos da jornalista, ficamos sem saber se João Araújo é mentiroso ou apenas inconveniente» (etc., etc...)
Na íntegra AQUI.
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Varoufakis, a esquerda e o caviar
«Deu brado a reportagem da Paris Match com o ministro grego das Finanças Yanis Varoufakis. (...) A maioria dos indignados (...) não pode aceitar que um homem que se diz de esquerda tenha uma boa casa, com vista para a Acrópole, e, imagine-se, beba vinho branco à refeição. Para a direita chouriço, embrutecida pelo reaccionarismo, a esquerda caviar, aquela que tem bom gosto, educação, cultura e aprecia os prazeres da vida, é uma afronta.
E porquê? Porque a direita chouriço considera que o povo, e ainda mais o povo de esquerda, deve viver na miséria, não ter dentes, contentar-se com pouco, ou nada. A felicidade é coisa para os muito ricos que a direita chouriço venera e protege custe o que custar. Se a esquerdalha começa a gostar das coisas boas onde é que isto vai parar? (...)
Este preconceito, como tantos, tem pouco a ver com a realidade. A esquerda organiza-se para defender os mais humildes e com menos poder, os descamisados, por imperativo de um pensamento e de uma visão elaborada do mundo. Mais liberdade, mais progresso, em resumo. Na origem das ideias de esquerda estão normalmente homens e mulheres com acesso à educação, algum bem-estar ou mesmo riqueza. Karl Marx nasceu numa família abastada de Trier. O seu parceiro de luta, Friedrich Engels, com quem escreveu o Manifesto Comunista, era rico por via da importante indústria têxtil familiar. O anarquista Mikhail Bakunin tinha ascendência nobre. O pai de Fidel Castro foi um emigrante galego que depressa se tornou num rico produtor de cana do açúcar. Álvaro Cunhal, para citar um comunista português, nasceu numa família da alta burguesia. Mário Soares sempre foi rico. Francisco Louçã nunca foi pobre. (...)
Qualquer sociedade que se preze deve ambicionar o enriquecimento colectivo, seja sob a forma de oportunidades para todos, seja de bem-estar e felicidade geral. A riqueza não é uma mera acumulação de dinheiro. A riqueza é aquilo que permite à espécie humana evoluir, desde o plano individual ao colectivo. Só a riqueza permite realizar as mais arrojadas ambições humanas. Curar todas as doenças, viver para sempre, conquistar o espaço, imaginar o impossível. Já para não falar de garantir condições de vida digna para todos. Por isso, da mesma forma que ser pobre não é sinónimo de ser de esquerda, ser rico não é sinónimo de ser de direita. Aliás, a esquerda é em si mesmo uma importante riqueza das nossas sociedades. Porque quer mudar o que está mal e se bate pelo bem colectivo. Porque é uma força de reforma, inovação e quando necessário de revolução. Porque tem sido, desde sempre, e só pode continuar a ser, o principal motor da melhoria da condição humana. Com ou sem caviar.»
Leonel Moura
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20.3.15
A tal lista
«Querem que acreditemos que foi um miserável quadro das finanças que se lembrou de fazer a lista VIP sem dizer nada a ninguém. Pois, aposto que também criou uma lista de gajas boas. Alguém acredita que o desgraçado fez a lista sem dizer nada ao chefe? Não me digam que um pobre quadro do Fisco estava muito preocupado com os VIP. Só se o "Fama Show" está a dar cabo deste país.
Um problema é que, entretanto, o director-geral diz que ele também não é responsável nem mandou fazer a lista, nem conhece quem tenha mandado. Estamos perante uma lista que surgiu de geração espontânea, um pouco como o Novo Banco. Maria Cavaco ainda vai dizer que a lista era o terceiro segredo de Fátima. (...)
A meu ver, esta lista VIP é um escândalo que devia fazer rolar cabeças e não a pobre cabecinha do Brigas. Ter uma lista destas é como chegar ao restaurante e ter sala privada porque sou VIP, mas somos todos clientes e donos do restaurante e somos obrigados a ir lá almoçar e jantar. (...) A lógica da lista VIP é a habitual: há cidadãos de categoria A e D. Porque o funcionário das finanças não pode aceder ao ficheiro do PM, mas pode aceder ao da ex-namorada, do vizinho que estende a roupa molhada, ou da próxima que ele quer papar.»
João Quadros
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19.3.15
Grupo contra a violência policial e o racismo institucional
Comunicado de Imprensa
19 de Março de 2015
Vidas Negras Importam | Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial
No próximo sábado, dia 21 de Março, assinala-se o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, em memória do massacre de Sharpeville, cometido pela polícia do regime do apartheid sul-africano, no dia 21 de Março de 1960. Neste dia, 20.000 negros protestavam pacificamente contra a lei do passe em Joanesburgo, quando a manifestação foi violentamente reprimida pelas autoridades, que assassinaram 69 pessoas e feriram 180.
Meio século depois, em Lisboa, atos de tortura e de ódio racial, como os praticados por agentes policiais na esquadra de Alfragide, contra habitantes do Bairro do Alto da Cova da Moura, no passado dia 5 de fevereiro, mostram-nos como pessoas negras desarmadas são vítimas da violência de Estado e simultaneamente bode expiatório desta sociedade, que não só não reconhece esta tragédia, como com o seu silêncio legítima que bairros pobres e periféricos, sejam territórios de excepção de Estado de Direito, onde a polícia espanca e dispara contra pessoas indefesas.
Neste dia de luta, lembramos algumas das vítimas mortais de racismo e violência policial em Portugal – Elson Sanches (KUKU), Carlos Reis (PTB), Diogo Borges (Musso), José Carlos (Teti), Ângelo Semedo (Angoi), Manuel Pereira (Tony) e Nuno Rodrigues (Snake). Recordamos a injustiça do quadro jurídico português, no qual o racismo apenas constitui uma contraordenação, e lamentamos profundamente que ao invés de honrar as memórias das vítimas e proteger as suas famílias, a justiça tenha ilibado os agentes perpetuadores destes crimes.
Nesse contexto, moradores dos bairros periféricos de Lisboa, movimentos e organizações sociais, convocam no dia 21 de Março de 2015 uma ação de protesto contra a violência policial e o racismo institucional, que vai decorrer, a partir das 16.00 horas, em Lisboa, no Largo de São Domingos, que incluirá diversas intervenções de cariz político e artístico.
Porque as Vidas Negras importam, seguiremos lutando contra as estruturas que produzem e favorecem o racismo e a discriminação racial, em Portugal.
Reivindicamos:
- o fim imediato das operações policiais do C.I.R. (Corpo de Intervenção Rápida) nos bairros;
- criminalização dos atos de tortura e de ódio racial, tornando-os crime público com as penastipificadas no Código Penal.
- a demissão do comandante e agentes envolvidos nos atos de tortura ocorridos na esquadrade Alfragide; que violaram claramente os direitos de liberdades e garantias dos cidadãos e cidadãs que vivem nesta comunidade.
- a demissão do comandante e agentes envolvidos nos atos de tortura ocorridos na esquadrade Alfragide; que violaram claramente os direitos de liberdades e garantias dos cidadãos e cidadãs que vivem nesta comunidade.
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18.3.15
As Cidades e as Praças (62)
Praça Maior (Trujillo, 2015)
Para ver toda a série «As Cidades e as Praças», clicar na etiqueta «PRAÇAS».)
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Mérida, ainda, e já sem chuva
Eu sei que já tinha estado em Mérida, mas terá sido há tanto tempo que me lembrava do Templo de Diana e de pouco mais.
Hoje, deliciei-me com o que os romanos deixaram por aqui, desde o ano 25 a.c., e que entretanto foi presevado ou tirado da terra e (bem) reconstituído.
17.3.15
Jornalistas. Solidariedade ou falta dela
Junho de 1980. Jimmy Carter, então presidente dos Estados Unidos da América do Norte, está de visita em Portugal. No Palácio da Ajuda, a segurança americana deixa passar as equipas de televisão do seu país e barra as da RTP. Protestamos e, imediatamente, todos os fotógrafos portugueses, solidários, se recusam a entrar. A segurança cede.
Novembro do mesmo ano. Aeroporto de Lisboa. Rodada de perguntas a Henry Kissinguer, então consultor de uma companhia farmacêutica, mas anteriormente Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado dos presidentes Nixon e Ford. Faço-lhe uma pergunta a que recusa responder e passa a palavra a um jornalista norte-americano. E este diz: “A minha pergunta é a da jornalista portuguesa a que o senhor não respondeu. ”
Passaram 35 anos, ou foram séculos? Ontem vi um advogado – que, seja dito entre parêntesis, respeito e estimo – dirigir-se de forma insultuosa a uma jornalista em serviço, primeiro, ao grupo profissional, depois. E, para meu espanto – mas como o vi pela televisão, não sei se houve excepções – nenhum dos presentes recusou continuar a reportagem.
O tema – a decisão do Supremo sobre o habeas corpus interposto pela defesa do engenheiro José Sócrates – era importante, sem dúvida. Mas nada justifica a ausência de um protesto colectivo, de uma posição conjunta dizendo: “O senhor advogado é livre de não prestar declarações, não é livre de nos insultar. Se não quer ser assediado por nós, envie-nos, no final de cada sessão de julgamentos que envolvam o ex-primeiro-ministro, o comunicado da defesa.”
À noite, num jornal televisivo, o advogado em causa explicou que há jornalistas e órgãos de informação que o enervam e que, não sendo servidor público, não é obrigado a responder-lhes. Admito. Acontece-me muitas vezes enervar-me ao ver, ouvir e ler trabalhos de camaradas meus, e a recíproca será, certamente, também verdadeira. Mas há formas e formas de criticar. Falar de “jornalismo que fede” é diferente de dizer a um ou uma jornalista que cheira mal. Falar de “jornalismo de matilha” é diferente de chamar “canzoada” a um grupo de jornalistas. Apontar erros e abusos numa cobertura jornalística é diferente de humilhar publicamente jornalistas.
O que o senhor advogado – que, repito, respeito e estimo – fez é inaceitável, embora tenda a generalizar-se. Mas mais inaceitável é que o grupo profissional não reaja, na hora, em solidariedade com o jornalista atacado. Mesmo da concorrência, mesmo que não gostemos do que faz.
Chama-se solidariedade. E, também, dignidade. Aquela curiosa palavra que torna diferente negociar com funcionários da troika ou com os dirigentes das instituições da troika...
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Em Espanha, (quase) debaixo de água
Seria bem mais interessante andar pela Estremadura espanhola, numa curta escapadinha da pátria, se neste primeiro dia não tivesse chovido a cântaros – de Lisboa a Mérida, onde estou agora. Corajosamente, sempre fui revendo esta bela terra e alguns das belas pegadas que a História por cá deixou.
Dizem que amanhã haverá Sol…
Um pequeno apontamento: nos idos da minha juventude, quando dava aulas em Letras, precisava de autorização do ministério da Educação para sair do país e vir comprar caramenlos a Badajoz. Hoje, nem dou pela fronteira mas não posso guiar do lado de cá. Porquê? Porque há meses que espero por uma carta de condução renovada e, com o A4 que a substitui, nem há Schengen que me valha: só posso guiar dentro desse rectângulo, os meus direitos de condutora param em Elvas. Estranho progresso.
. 16.3.15
A situação é desesperada mas não é grave
E não se diga que as conclusões são más por se basearem na opinião de (12.000) leitores das Selecções do Readers' Digest. Penso até que se trata de uma amostra qualitativamente acima da média nacional: trata-se de gente QUE LÊ!
. Um 16 de Março a caminho da liberdade
Há 41 anos, o golpe falhado das Caldas foi um passo importante para a queda da ditadura. Medeiros Ferreira disse um dia que o 16 de Março esteve para o 25 de Abril como o 31 de Janeiro esteve para o 5 de Outubro, facto que tem sido injustamente esquecido.
Quem quiser recordar a sequência dos factos, pode recorrer a esta descrição: A coluna militar que marchou sozinha para fazer um 25 de Abril 40 dias antes.
Foi esta a nota oficiosa difundida pelo governo:
«Na madrugada de Sexta-feira para Sábado, alguns oficiais em serviço no Regimento de Infantaria 5, aquartelado nas Caldas da Rainha, capitaneados por outros que nele se introduziram, insubordinaram-se, prendendo o comandante, o segundo comandante e três majores e fazendo em seguida sair uma Companhia autotransportada que tomou a direcção de Lisboa.
O governo tinha já conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas, e fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras unidades não tinham tido êxito.
Para interceptar a marcha da coluna vinda das Caldas foram imediatamente colocadas à entrada de Lisboa forças de Artilharia 1, de Cavalaria 7 e da GNR. Ao chegar perto do local onde estas forças estavam dispostas e verificando que na cidade não tinha qualquer apoio, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por Unidades da Região Militar de Tomar.
Após terem recebido a intimação para se entregarem, os oficiais insubordinados renderam-se sem resistência, tendo imediatamente o quartel sido ocupado pelas forças fiéis, e restabelecendo-se logo o comando legítimo. Reina a ordem em todo o País.»
Alguns dias depois (em 22 de Março), na sua última «Conversa em família», foi assim que Marcelo Caetano se referiu ao golpe das Caldas:
Um mês e pouco depois, não houve falhanço.
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Dica (16)
O entreguismo europeu.
«Os Senhores da Europa tiveram na Grécia, e não deixarão de ter nos restantes países europeus, vítimas das mesmas políticas pusilânimes, a devida resposta eleitoral por parte dos cidadãos. E os partidos do “centrão” europeu não deixarão de pagar nas urnas a alienação que os fez sucumbir aos interesses do poder económico e dos mercados financeiros e os conduziu ao afastamento da única fonte de legitimidade política admissível em democracia: o povo.»
(Quem escreve isto é um militante de um dos partidos do dito «centrão. E quem sou eu para o contradizer!)
. Portugal, agência de viagens
«Durante os últimos anos o Governo foi a maior agência de viagens "low-cost" do mundo. Conseguiu expulsar centenas de milhares de portugueses de Portugal. Promovendo viagens só de ida a custo zero. Agora, pelas bondosas palavras do secretário de Estado, Pedro Lomba, o Governo pretende promover o repatriamento dos que fugiram à miséria e à ausência de futuro.
A acção é típica de um curso de ilusionismo para crianças comprado na Internet. O comprador adquire algo fantástico mas não sabe ler as instruções. E depois, convencido de que já sabe transformar coelhos em pombos, vai à televisão fazer um espectáculo de magia.
É claro que o grande desígnio nacional para fazer regressar os emigrantes que foram humilhados pelo Governo do seu país é uma mão cheia de areia e outra de maionese. Pedro Lomba começa por nem sequer saber quantos portugueses debandaram para o estrangeiro. Ou seja, promove uma política com base numa ideia e não em factos. (...)
Seja como for é um incentivo com futuro: dentro de 8750 anos teremos recuperado os 350 mil emigrantes que saíram deste quintal à beira-mar especado. Sobre esta acção ridícula estamos conversados. Só com uma economia a crescer a sério os portugueses regressarão. E não com folclores como este. A ideia de Lomba é assim um "boomerang": vai e volta. E acerta na cabeça de quem a criou e aprovou.»
Fernando Sobral
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15.3.15
Pensar de pernas para o ar
Pensar de pernas para o ar
é uma grande maneira de pensar
com toda a gente a pensar como toda a gente
ninguém pensava nada diferente
Que bom é pensar em outras coisas
e olhar para as coisas noutra posição
as coisas sérias que cómicas que são
com o céu para baixo e para cima o chão
Manuel António Pina, in O país das pessoas de pernas para o ar
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Dica (15)
É a coragem que conta.
«Não é nada fácil estar na situação do actual governo grego porque enfrenta muitas dificuldades logo à partida. O governo do Syriza optou pelo caminho mais difícil. Como podem ser criticados por não cederem à tentação do facilitismo, de obedecer às ordens que emanam de fora e de não se preocuparem com o destino de uma larga fracção dos seus concidadãos?
A lição a tirar é outra. É que o tipo de promessas feitas pelo Syriza exige muita preparação, muito realismo e pouca polémica. Exige um plano A e, pelo menos, um plano B. A ver vamos se o Syriza consegue dar a volta às negociações. Mas só falhará se compactuar com o destino a que a Europa quer condenar a Grécia. E mesmo se falhasse — que não vai — outros países devedores não devem utilizar o exemplo da Grécia para nem tentar sequer renegociar com os seus credores.»
. Uma agenda para a Europa
Yanis Varoufakis apresenta uma agenda para a Europa. Texto para leitura longa, numa tarde de Domingo.
«The time has come to stop thinking of Europe’s recovey as a zero-sum game, where the interests of one nation are to be served by having some other nation pay. Europe has immense developmental potential which, however, requires an immediate paradigm shift within the existing Treaties and rules. Our generation has the duty to make that shift so that future generations can say that we enabled them to live in a truly united Europe; a Europe of shared prosperity in which being Greek or Italian or German is a cultural identity rather than a politically significant datum.»
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