Junho de 1980. Jimmy Carter, então presidente dos Estados Unidos da América do Norte, está de visita em Portugal. No Palácio da Ajuda, a segurança americana deixa passar as equipas de televisão do seu país e barra as da RTP. Protestamos e, imediatamente, todos os fotógrafos portugueses, solidários, se recusam a entrar. A segurança cede.
Novembro do mesmo ano. Aeroporto de Lisboa. Rodada de perguntas a Henry Kissinguer, então consultor de uma companhia farmacêutica, mas anteriormente Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado dos presidentes Nixon e Ford. Faço-lhe uma pergunta a que recusa responder e passa a palavra a um jornalista norte-americano. E este diz: “A minha pergunta é a da jornalista portuguesa a que o senhor não respondeu. ”
Passaram 35 anos, ou foram séculos? Ontem vi um advogado – que, seja dito entre parêntesis, respeito e estimo – dirigir-se de forma insultuosa a uma jornalista em serviço, primeiro, ao grupo profissional, depois. E, para meu espanto – mas como o vi pela televisão, não sei se houve excepções – nenhum dos presentes recusou continuar a reportagem.
O tema – a decisão do Supremo sobre o habeas corpus interposto pela defesa do engenheiro José Sócrates – era importante, sem dúvida. Mas nada justifica a ausência de um protesto colectivo, de uma posição conjunta dizendo: “O senhor advogado é livre de não prestar declarações, não é livre de nos insultar. Se não quer ser assediado por nós, envie-nos, no final de cada sessão de julgamentos que envolvam o ex-primeiro-ministro, o comunicado da defesa.”
À noite, num jornal televisivo, o advogado em causa explicou que há jornalistas e órgãos de informação que o enervam e que, não sendo servidor público, não é obrigado a responder-lhes. Admito. Acontece-me muitas vezes enervar-me ao ver, ouvir e ler trabalhos de camaradas meus, e a recíproca será, certamente, também verdadeira. Mas há formas e formas de criticar. Falar de “jornalismo que fede” é diferente de dizer a um ou uma jornalista que cheira mal. Falar de “jornalismo de matilha” é diferente de chamar “canzoada” a um grupo de jornalistas. Apontar erros e abusos numa cobertura jornalística é diferente de humilhar publicamente jornalistas.
O que o senhor advogado – que, repito, respeito e estimo – fez é inaceitável, embora tenda a generalizar-se. Mas mais inaceitável é que o grupo profissional não reaja, na hora, em solidariedade com o jornalista atacado. Mesmo da concorrência, mesmo que não gostemos do que faz.
Chama-se solidariedade. E, também, dignidade. Aquela curiosa palavra que torna diferente negociar com funcionários da troika ou com os dirigentes das instituições da troika...
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2 comments:
Ainda existem jornalistas? Anda tudo atrás das migalhas do dono como recompensa que já nem se nota.
Tenho pena por aqueles que ainda tentam fazer alguma coisa pelo mundo, mas já não posso acreditar neles.
A escola, a família e a sociedade está a cultivar o egocentrismo. Logo, cada jornalista, vergonhosamente horas a fio à porta da prisão, como se fossem reclusos externos, está a marcar a sua própria posição. Os colegas, pouco lhes interessam e se forem excluídos da concorrência tanto melhor. Infelizmente sucede em qualquer situação, desde exames a qualquer tipo de concurso. Solidariedade é palavra a retirar dos dicionários, por não necessária.
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