13.5.23

Painéis

 


Painéis de vidro, Maison Schott, Nancy, França, 1900.
Pintor e vidraceiro: Antoine Bertin.


Daqui.
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13.05.2020 – O dia em que Costa «pré-elegeu» Marcelo para o segundo mandato

 


Agora, aguente...
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Já está

 

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Onde tinha Costa a cabeça para se acorrentar a Galamba?

 


«Por mais voltas que dê à cabeça, não consigo perceber a utilidade estratégica de António Costa ter decidido unir o seu destino político ao de João Galamba. Vindo do imperador da "táctica", a decisão parece abstrusa e um espalhanço ao comprido numa poça cheia de muito mais do que água.

Para fazer frente ao Presidente da República, era preciso isto? O que ganha António Costa quando perde o indiscutível aliado de sete anos? Ainda por cima, o primeiro-ministro poderia ter decidido afrontar o Presidente por uma razão de Estado. Não: fê-lo porque "em consciência" acreditou numa versão bizarra do seu ministro das Infra-estruturas de um "roubo" que afinal não era "roubo", segundo o Conselho de Fiscalização do SIS, que, de resto, apresenta contradições em relação à versão enunciada pelo próprio SIS.

A verdade é que o ministro já não é ministro, por muito que ainda ache ter "imensas condições" e que tenha a bênção de um primeiro-ministro que optou por unir o próprio destino ao seu.

Por muitos panegíricos que tenham sido feitos ao "táctico" Costa, é muito provável que tenha sido este o momento mais deprimente do seu mandato como primeiro-ministro, alienando o Presidente da República em nome de uma trapalhada sem fim e de contornos suspeitos.

É inqualificável o que se passou esta semana, com o Conselho de Fiscalização do SIS a anunciar que a operação foi legal, mas sem explicitar por que é que era legal… e afinal o roubo do computador (palavra usada pelo primeiro-ministro) afinal já não era roubo.

É inaceitável um pedido de intervenção do SIS num caso rocambolesco, mostrando que o Governo está entregue a pós-adolescentes, que acham que podem usar o Estado como se fosse a varanda lá de casa.

As audições da Comissão de Inquérito à TAP da semana que vem – do ministro João Galamba, do ex-assessor Frederico Pinheiro e da chefe de gabinete – prometem afundar ainda mais o Governo e o primeiro-ministro, amarrado a uma história sem pés nem cabeça, enquanto a crise de confiança nas instituições se vai degradando para favorecer quem nós sabemos.

Costa podia estar irritado com Marcelo. É verdade que o Presidente fartava-se de falar em dissolução e, mesmo que fosse para a negar, dava a ideia de que estava a preparar os portugueses para o uso da chamada "bomba atómica".

Mas havia outras formas de mostrar descontentamento sem chegar aqui. No tempo em que o Presidente Soares moía o juízo ao Governo Cavaco, lembro-me da guerra que o PSD (com Pacheco Pereira à cabeça) moveu ao Presidente por, na altura, estar a prejudicar, na óptica cavaquista, a intervenção do Governo. Quem estava na frente da batalha anti-Presidente Mário Soares era o PSD. Cavaco Silva, o primeiro-ministro, nunca se pôs nessa posição, exceptuando no dia em que pronunciou aquela frase indigna – "Temos que ajudar o senhor Presidente a acabar o mandato com dignidade".

Quando Mário Soares promoveu o Congresso "Portugal que Futuro" – talvez a maior acção de combate ao Governo que algum Presidente civil fez –, Cavaco Silva comentou placidamente que iria passar o fim-de-semana no Pulo do Lobo.

Mais tarde ou mais cedo, Costa vai perceber que fez um erro tremendo. E como não irá querer pôr o sucesso eleitoral do PS nas mãos de João Galamba, irá tomar a decisão que se impõe. Enquanto isto, assistimos à continuação em funções do ministro que chama o SIS – mas em óbvio estado de coma.»

Ana Sá Lopes
Newsletter do Público, 12.05.2023 (excerto)
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12.5.23

Varandas

 


Varandas de Hamburgo, 1900.

Daqui.
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Obrigada

 


… João Semedo, Isabel Moreira, José Manuel Pureza e muitos outros.

Aprovada lei da Eutanásia. Marcelo está obrigado a promulgar
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Costa(s) contra Costa(s)

 


António Costa processa Carlos Costa e chama Marcelo como testemunha. Carlos Costa processa António Costa e também chama Marcelo como testemunha.
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Os jovens qualificados num país de tuk-tuks

 


«Portugal registou um surpreendente crescimento económico no primeiro trimestre, o que levou o circunspecto FMI a mais que duplicar a previsão de subida do PIB para 2023. Os salários aceleraram 7,4% também nesse trimestre, o que alimenta o sonho de uma economia capaz de sobreviver sem esmagar os custos de trabalho. A população activa aumentou 0,5% e são quase cinco milhões de portugueses a trabalhar.

Mas… há sempre um “mas” na economia. No último ano, os salários médios líquidos cresceram apenas um euro. Os contratos a termo subiram 7,7%. O desemprego disparou para os níveis da pandemia. A população jovem e qualificada foi particularmente afectada pela evolução negativa deste indicador.

Face a este cenário contraditório, é normal que o Governo sublinhe as coisas boas e que a oposição reafirme as coisas más. Convém, ainda assim, sair desse maniqueísmo para se tentar perceber o que nos dizem estes indicadores sobre o presente e o futuro. Cairemos assim, uma vez mais, nas questões essenciais: o país continua a falhar às novas gerações; o perfil de especialização da economia continua baixo; continuamos a exportar competências e talento e a acolher imigrantes com baixa qualificação.

Se, como já aqui escrevemos, há sinais na economia que sugerem mudança estrutural, há também constrangimentos e amarras ao anacronismo que revoltam e reclamam sentido de urgência. Não haver lugar no país para jovens qualificados é a outra face da moeda dos tuk-tuks ou dos empregados de mesa mal pagos e com contratos a prazo. Cavaco Silva dizia com sabedoria que, na política, a má moeda afasta a boa moeda. Na economia também é assim.

O país não escolhe, deixa andar. Olha sem critério para os sectores exportadores de classe mundial e para os sectores com baixo valor acrescentado. Depois do choque da pandemia, voltou a acreditar no milagre dos fundos europeus. Uma das maiores lacunas do Governo é a sua incapacidade de criar sentido de urgência na batalha pela economia.

É este caldo resignado que afasta os jovens qualificados, que tolera o salário mínimo, que trava o risco e a inovação, que prende a vanguarda da mudança. O aumento do desemprego dos jovens qualificados é um escândalo nacional. Ou talvez não: nas eleições, os pensionistas contam mais do que eles.

Talvez isso aconteça porque os indicadores não justificam o desespero. A notícia média passou a ser um problema. O “antes assim”, o “nunca pior”, o “ao menos isso” consolidam o fatalismo. Portugal, disse-o há anos António Costa, tem pela primeira vez na história a oportunidade de apanhar as carruagens da frente da nova revolução na economia. Por este andar, talvez as carruagens dos tuk-tuks

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11.5.23

Fachadas

 


Fachada da Casa Charlier, Spa, Bélgica. 1900.
Arquitecto: Gustave Charlier.


Daqui.
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11.05.1904 – Salvador Dali

 


Surrealismo não nos falta no pão nosso de cada dia…
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Bem a propósito

 

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Hão-de morrer cheios de saúde, parabéns à prima

 

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Casa da democracia ou dos youtubers?

 


«O Parlamento não é o espelho do país e não é suposto sê-lo. Se o fosse, haveria mais jovens, mais trabalhadores fabris, mais empregados de escritório e alguns agricultores sentados no hemiciclo e certamente menos advogados e menos professores. Num sistema representativo, o que funciona não é a estatística, mas as escolhas que vamos fazendo dos partidos até às eleições legislativas, de onde resulta a selecção dos nossos representantes graças à mais poderosa arma da democracia: o voto.

É suposto que deste processo resulte que, entre aqueles que se sentam em São Bento, estejam alguns dos melhores que a sociedade portuguesa consegue produzir. Infelizmente, o fechamento dos partidos, o afastamento dos cidadãos da vida partidária, a degradação da prática política fazem com que se levantem cada vez mais dúvidas sobre se é o que tem vindo a acontecer nas últimas décadas.

Mas se isto pode não redundar na imagem mais lustrosa da Assembleia da República, o que tem acontecido nas últimas semanas é bastante mais grave, porque passamos do estado de termos uma casa da democracia que não é inspiradora para o estado de sermos envergonhados com o que lá acontece.

Qualquer pessoa razoável só pode corar perante o que o Chega fez na recepção a um Presidente de um país amigo ou nos termos com que se dirige a quem cabe conduzir os trabalhos no hemiciclo. Uma má educação que também transborda para os corredores, visando os deputados de outros partidos e às vezes mesmo elementos do próprio partido. O mesmo sentimento de vergonha sobrevém perante a ideia da Iniciativa Liberal de convidar um youtuber para visitar o Parlamento, subir ao púlpito e daí dirigir insultos ao primeiro-ministro.

É notório que estes partidos têm as suas raízes nas redes sociais e vão aí buscar algumas das suas forças, mas não é suposto que importem para o Parlamento a linguagem e algumas das práticas selvagens destes espaços. Com isso estão a degradar a democracia.

E se a sociedade vai exigindo às redes sociais sistemas de moderação que permitam conter o discurso de ódio ou mesmo afastar aqueles que não se conseguem comportar de forma aceitável, o mesmo tem de ser exigido ao Parlamento. Por isso, faz bem a quase totalidade das forças partidárias em reforçar o poder de moderação do presidente da Assembleia da República. Porque quem não se dá ao respeito não pode esperar ser respeitado.»

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10.5.23

Lembrei-me desta

 


… a propósito das novas limitações quanto a venda de tabaco. E não sou fumadora.
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A novela do SIS

 


(Expresso, 09.05.2023)
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10.05.1958 – Humberto Delgado: «Obviamente demito-o!»

 


Durante a conferência de imprensa de lançamento da sua campanha para as eleições presidenciais, no Café Chave d’Ouro em Lisboa, Humberto Delgado proferiu uma frase que viria a ficar célebre: «Obviamente, demito-o!»

Interessa o seu significado, independentemente das outras versões da frase em questão, que foram sendo reivindicadas.

«A 10 de maio de 1958, no café Chave d` Ouro, no número 38 do Rossio, em Lisboa, o candidato da oposição às presidenciais deu a conferência de imprensa em que o correspondente em Lisboa da agência noticiosa France Presse (AFP), Lindorfe Pinto Basto, fez a pergunta.
"Senhor general, se for eleito Presidente da República, que fará do senhor Presidente do conselho?", perguntou, depois de ter notado que, num país que vivia em ditadura, os jornalistas "estavam todos `nas encolhas`".
"Vi que os meus colegas estavam todos nas encolhas. Eles não podiam falar. Eu pertencia à France Presse. Fiz a pergunta. Tinha de a fazer. O general parecia que estava à espera", lembrou Lindorfe Pinto Basto numa conversa com Iva Delgado, filha do general que "perdeu" as eleições para o candidato do regime, Américo Thomaz, no meio de acusações de fraude.
"Obviamente demito-o!" foi a resposta usada pelos jornalistas, mas, mesmo passado meio século, as versões não são todas coincidentes, como descreve o neto do general, Frederico Delgado Rocha, no livro "Humberto Delgado - Biografia do General sem Medo" (Esfera dos Livros), agora reeditado por ocasião dos 50 anos do seu assassinato.
A frase, lê-se no livro, foi registada com "nuances" pelos diferentes jornalistas desde a pontuação ao tempo verbal e à própria ordem das palavras.
As duas variações assinaladas no livro são: "Demito-o, obviamente" e "mas obviamente demito-o".
Em 1998, numa conversa com Iva Delgado, Pinto Basto, que era correspondente da AFP desde 1948, registou outra frase: "Demito-o, é óbvio".»

(Fonte)

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O contrário da morte

 


«A melhor maneira de avaliar uma sociedade, por muito faustosa e iluminada que pareça à superfície, é através da maneira como trata os velhos.

E os imigrantes. E os animais. Mas os velhos são mais importantes, porque só as pessoas com azar é que se livram de ser velhas.

Tratar bem os órfãos e as crianças em geral é um investimento: são futuros trabalhadores e pagadores de impostos.

Mas os velhos pagam poucos impostos: dão mais despesa do que custam. Não são um investimento: por definição, são um prejuízo que aumenta com cada ano que sobrevivem. Se amanhã morressem todos de repente, os países ficariam automaticamente mais ricos.

O dinheiro que custam em cuidados de saúde, por exemplo, aumenta muito nos últimos anos de vida. Do ponto de vista frio, racional e desumano, é dinheiro desperdiçado.

É por isso que a maneira como se trata os velhos diz tudo sobre uma sociedade: porque mostra o comportamento moral e logo humano dessa sociedade.

Mostra a gratidão perante vidas passadas a trabalhar e a contribuir, nem sempre com dinheiro, mas com contributos ainda mais úteis e investidores.

Mostra a inteligência, porque ninguém se livra de ser velho, e faz sentido que os últimos anos de vida, em que finalmente há tempo para nos divertirmos, sejam os mais despreocupados e aprazíveis.

Até pode ser motivador, para os contribuintes mais novos, ver que a vida que os espera é boa e cheia de oportunidades.

A verdade é que nenhuma sociedade trata realmente bem os velhos, porque pensam erradamente que é o contrário do culto de juventude que apaixona e embebeda as sociedades modernas.

Acham que pensar na velhice é como pensar na morte: é deprimente porque é garantida, e é deprimente porque é uma queda de qualidade de vida.

Mas o contrário da morte não é a juventude e o equivalente da morte não é a velhice. Tanto a juventude como a velhice são o contrário da morte.

Porque o contrário da morte é a vida.

E é a vida que se deve celebrar.»

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9.5.23

Hotéis

 


Four Seasons Hotel Gresham Palace, Budapeste, 1904-1906.
Arquitecto: Zsigmond Quittner.


Daqui.
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Isto não se inventa!

 


Existe...
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Humor do melhor? Sabe-se lá!

 

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A promulgação dos estados de alma

 


«A nota da Presidência sobre a promulgação do novo regime de recrutamento e gestão de professores é uma majestosa revelação dos estados de alma de Marcelo Rebelo de Sousa no esplendoroso isolamento da sua nova função presidencial. Na nota, Marcelo dá conta de como tentou substituir-se, sem êxito, ao poder executivo do Governo; deixa no ar remoques por ter de aprovar um diploma que o põe contra os professores; e, no seu habitual tom professoral, deixa avisos sobre as feridas abertas com a “recuperação faseada do tempo docente” ou sobre o temor de “mais um ano acidentado” nas escolas, como os três anteriores.

Quando, a 27 de Abril, o Governo decidiu publicar uma portaria que limitava a vinculação de apenas 2400 dos mais de 10 mil docentes que entrariam no quadro com a promulgação do novo diploma, não se percebeu bem o que estava em causa. João Costa, o ministro da Educação, pode não ser tão retorcido como o seu homónimo António, mas é dono de uma fina intuição política e percebeu que estava na hora de mostrar um amarelo ao Presidente. Depois dessa portaria, Marcelo tinha duas opções: ou chumbava o novo regime e deixava oito mil docentes com a vida adiada, ou promulgava-o a reboque do Governo.

Marcelo percebeu a armadilha e poucas horas depois tratou de explicar que ele até nem acha o novo regime grande coisa, mas não podia congelar a vida de tantos docentes. Esta segunda-feira, o Presidente poderia justificar a promulgação sem euforias do diploma com mil e uma dimensões do seu alcance, dos seus limites, das dúvidas, dos riscos que comporta e por aí a fora. Mas não, o que o Presidente realçou é que ele tentou governar bem e os maus de São Bento não o deixaram. Ele bem que tentou uma “proposta concreta sobre a vinculação dos professores, no sentido de a tornar mais estável” e depois ensaiou até uma proposta “mais minimalista”. Em vão.

Marcelo não sabe o que fazer do papel de tutor do Governo que António Costa tolerou e incentivou durante anos. Os cidadãos percebiam essa relação e a maioria apoiava-a em nome da estabilidade. Mas, nesse affaire, suspeitávamos que o Presidente influenciava o Governo com pedagogia, memória, sabedoria ou sensatez. Não chegava ao ponto de lhe levar propostas de lei alternativas. Agora que a relação está turva, o Presidente empenha-se em dizer que, num estado geral de desgraça, tentou fazer o bem à Educação. Tanto como uma explicação, a nota de Belém é a revelação do estado de alma do Presidente à procura do seu novo lugar na política portuguesa.»

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8.5.23

Nova sondagem (Intercampus)


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08-09.05.1945: O Dia da Vitória




Foi há 78 anos. Os Aliados tinham decidido que a vitória seria celebrada no dia 9 de Maio de 1945, mas os jornalistas anunciaram a rendição alemã mais cedo do que previsto e precipitaram o iníco aas celebrações para o dia 8 (tendo a União Soviética mantido as mesmas para a data previamente combinada).





Como é sabido, também se festejou em Portugal. Multidões saíram à rua com bandeiras dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e… do Benfica, estas últimas como substitutas das da União Soviética, obviamente proibidas. Como alternativa, vê-se também, nas fotografias da época, paus sem bandeira.
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Cântico Negro

 

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Keep quiet and carry on

 


«Não ajudei a engrossar o momento mediático global que, ao que parece, ficou aquém do funeral da Rainha. Para quem, como eu, tem de se manter diariamente ligado à atualidade os momentos em que o jornalismo mete folga para dar lugar ao entretenimento são uma pausa excelente. Infelizmente, a festa da família disfuncional de herdeiros, que dá aos britânicos a ilusão de que o seu império ainda existe, lida mal com a contestação política.

É natural que assim seja. A única vantagem daquela monarquia é dar ao privilégio a capa do consenso, entretendo os pobres com a exibição do fausto do poder (a coroação terá custado, em plena crise, mais de cem milhões de euros). Como explicou a jornalista Polly Toynbee, outros monarcas europeus são “mais sábios e humildes”: Margrethe II, da Dinamarca, foi proclamada rainha da varanda de seu palácio pelo primeiro-ministro, e o rei Carlos Gustavo, da Suécia, não foi sequer coroado, limitando-se a assumir o cargo durante uma reunião do gabinete.

Perdi, por distração, a detenção de dezenas de republicanos por uma polícia zelosa em dar à democracia as roupagens falsamente unânimes que as ditaduras adoram. Dezenas súbditos incómodos foram removidos e encarcerados. Não sei se as televisões deram grande atenção ao sucedido. Não costuma caber no espetáculo encenado pelo poder em que participam com empenho.

A polícia twittou, no início da semana passada, que teria uma “tolerância extremamente baixa” para aqueles que procurassem “minar” o dia. A tolerância foi “zero”, na verdade. Graham Smith, líder do movimento “Republic”, foi parado, revistado e detido com outros cinco ativistas quando seguiam atrás de uma carrinha com cartazes, ainda antes do protesto. A razão da detenção terá sido a existência de tiras plásticas que seguravam algumas faixas que supostamente poderiam ser usadas para as pessoas se prenderem às estruturas. Isto num protesto em que a localização e a forma foram longamente negociadas entre a organização antimonárquica e a Scotland Yard. E foram cumpridas. A polícia metropolitana confirmou 52 prisões. Já tinha avisado que “a coroação é um evento único numa geração e essa é uma consideração importante na nossa avaliação”. Ou seja, liberdade, “ma non troppo”.

A Human Rights Watch condenou as detenções: “Os relatos de pessoas presas por protestarem pacificamente contra a coroação são alarmantes. É algo que se esperaria em Moscovo, não em Londres. Protestos pacíficos permitem responsabilizar os que estão no poder, algo a que o Governo parece cada vez mais avesso”. A Amnistia Internacional acompanhou: “Ter um megafone ou cartazes nunca deve ser motivo de prisão (...). A coroação não deve ser mais uma desculpa para minar direitos humanos fundamentais neste país.”

O Ministério do Interior tinha enviado previamente cartas de advertência às organizações republicanas. Um gesto que, vido do Governo, só pode ser visto como forma de intimidação. As cartas recordavam os termos da nova Lei da Ordem Pública, que, apesar de estar programada para meados de junho, foi antecipada para a semana anterior à coroação.

A lei levantou críticas violentas desde o momento em que foi apresentada. Os manifestantes que bloqueiem estradas podem ser condenados a 12 meses de prisão. Quem colar o seu corpo a outras pessoas, objetos ou edifícios poderá ser preso durante seis meses. Muito mais relevante: a polícia pode revistar e mesmo deter manifestantes se suspeitar que pretendem realizar qualquer atividade “disruptiva”. A definição do que é a “disrupção da vida dos cidadãos” é tão vaga, mesmo em protestos pacíficos, que várias associações acusam o Governo de afrontar a democracia. A polícia até pode impedir protestos antes que algo realmente aconteça. Uma espécie de “PreCrime” do filme “Minority Report”.

O propósito puramente político da legislação – feita à medida dos protestos que granjearam atenção a movimentos como Black Lives Matter, Extinction Rebellion e Just Stop Oil – ficou ainda mais evidente quando o diretor da polícia de Londres esclareceu que a polícia não tinha pedido ao Governo poderes adicionais para reprimir os protestos. Pelo contrário, deixou claro que tinha poderes suficientes. A nova lei deixa-os numa situação difícil, tendo de adivinhar quem pode vir a cometer um crime e a agir ou tarde demais ou em abuso de poder.

Leis deste tipo (ou para o envio de refugiados para o Ruanda) têm uma função para os conservadores: desviar o debate para a segurança ou a imigração, fugindo da catástrofe que têm sido os seus governos. Para não lhes fazerem o favor, os trabalhistas não se têm empenhado na resistência a sucessivos ataques a direitos fundamentais, banalizando-os.

Sobre os protestos, o deputado Lee Anderson, vice-presidente dos conservadores, que defende o regresso da pena de morte, escreveu: “Não é o meu Rei? Se não quer viver numa monarquia a solução não é vir com cartazes tontos. A solução é emigrar.” Um tweet que vale mil palavras sobre o amor que esta degenerescência conservadora tem à democracia.

O problema do “brexit” não foi dar ao povo o direito soberano a decidir de que união faz ou não parte. Assim devia ser em todo o lado. E se o significado de "take back control" fosse isto estaria alinhado com o que de mais profundamente democrático pode existir. Só que se tratou, como a campanha liderada pelo xenófobo Nigel Farage e pelo pantomimeiro Boris Johnson deixou evidente, de uma deriva autoritária que teve como primeiro mas não último alvo os imigrantes. Não vou repetir o "primeiro levaram os refugiados para o Ruanda e eu não liguei, porque não sou refugiado..." Já conhecem.

Quando se compra o ódio na política é certo que acabará por vir com o pacote completo. Começa a endurecer leis contra jovens ativistas pela justiça climática e acaba a remover preventivamente republicanos da rua, em dia de festa de “unidade nacional”, o sonho de toda a direita autoritária. Começa a meter refugiados em aviões para África e acaba a apontar o mesmo caminho para todos os que destoem da opinião “verdadeiramente nacional”.

O equívoco sobre a ascensão da extrema-direita é achar que o perigo é a sua chegada ao poder. O perigo é o que os seus vizinhos políticos estão dispostos a fazer e a dizer para o evitar. É por isso que, para além de umas bolsas resistentes na traumatizada Alemanha, a direita está a ficar cada vez mais parecida com a sua extrema. Até ser indiferente se esta chega ao poder, porque as suas ideias chegam lá antes disso.

Repito o que já tantas vezes escrevi: não há polarização na política europeia e americana. Há uma perigosa rampa deslizante para a direita. Na realidade, até fazia falta alguma polarização. Algum atrevimento na resistência, pelo menos.»

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7.5.23

Vasos

 


Vaso de esmalte de prata dourada e «plique-à-jour» Fabergé, São Petersburgo, 1895.
Responsável pelo trabalho: Alexander Petrov.

[Sobre a técnica «plique-à-jour», ler aqui.]


Daqui.
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07.05.1925 - Luiz Pacheco



Faria hoje 98 anos e, se ainda por cá andasse, o Luiz Pacheco seria certamente tão irreverente como sempre foi. Alguma dúvida?

Para compreender melhor a sua pessoa e a sua obra, a leitura de Puta que os pariu! – A biografia de Luiz Pacheco, de João Pedro George, é absolutamente obrigatória.



Texto de uma intervenção pública de Luiz Pacheco:

O QUE É O NEO-ABJECCIONISMO

Chamo-me Luiz José Machado Gomes Guerreiro Pacheco, ou só Luiz Pacheco, se preferem. Tenho trinta e sete anos, casado, lisboeta, português. Estou na cama de uma camarata, a seis paus a dormida. É asseado, mas não recebo visitas. Também não me apetece fazer visitas. A Ninguém. Estou bastante só. Perdi muito. Perdi quase tudo.

Perdi mãe e perdi pai, que estão no cemitério de Bucelas. Perdi três filhos – a Maria Luísa, o João Miguel, o Fernando António –, que estão vivos, mas me desprezam (e eu dou-lhes razão). Perdi amigos. Perdi o Lisboa; a mulher, a Amada, nunca mais a vi. Perdi os meus livros todos! Perdi muito tempo, já. Se querem saber mais, perdi o gosto da virilidade; se querem saber tudo, perdi a honra. Roubei. Sou o que se chama, na mais profunda baixeza da palavra, um desgraçado. Sou, e sei que sou.

Mas, alto lá! sou um tipo livre, intensamente livre, livre até ser libertino (que é uma forma real e corporal de liberdade), livre até à abjecção, que é o resultado de querer ser livre em português.

Até aos trinta e sete anos, até há bem pouco tempo ainda, portanto, julguei que podia, era possível, ser livre e salvar-me sozinho, no meio de gente que perdeu a força de ser (livre e sozinha), e já não quer (ou mui pouca quer) salvar-se de maneira nenhuma. Julgava isto, creiam, e joguei-me todo e joguei tudo nisto. Enganava-me. Estou arrependido. Fui duro, fui cruel, fui audaz, fui desumano. Fui pior, porque fui (muitas vezes) injusto e nem sei bem ao certo quando o fui. Fui, o que vulgarmente se chama, um tipo bera, um sacana. Não peço que me perdoem. Não quero que me perdoem nada. Aconteceu assim.

Eu para mim já não quero nada, não desejo nada. Tenho tido quase tudo que tenho querido, lutei por isso (talvez o merecesse). Agora, já não quero nada, nada. Já tudo, tanto me faz; tanto faz.

Agora, oiçam: tenho dois filhos pequenos, o Luis José, que é o meu nome, e a Adelina Maria, que era o nome de minha Mãe. O mais velho tem 4, a pequenita dois, feitos em Fevereiro, a 8. Durmo com uma rapariga de 15 anos, grávida de sete meses, e sei que ela passa fome. É natural que alguns de vocês tenham filhos. Que haja, talvez, talvez por certo, mães e pais nesta sala. Não sei se já ouviram os vossos filhos dizerem, a sério, que estão com fome. É natural que não. Mas eu digo-lhes: é essa uma música horrível, uma música que nos entra pelos ouvidos e me endoidece. Crianças que pedem pão (pão sem literatura, ó senhores!) pão, pãozinho, pão seco ou duro, mas pão, senhores do surrealismo, e do abjeccionismo, e do neo-realismo e mesmo do abstraccionismo! Este mês de Março que vai acabar ou já acabou, pela primeira vez, eu ouvi os meus filhos com fome. E pela primeira vez, não tive que lhes dar. Perdi a cabeça, para lhes dar pão (ainda esta semana). Já não tenho que vender, empenhei dois cobertores, e um nem era meu. Tenho uma máquina de escrever, que é a minha charrua, e não a posso empenhar porque não a paguei; e tenho uma samarra, que no prego não aceitam porque agora vai haver calor e a traça também vai ao prego… Já não tenho mais nada. Tenho pedido trabalho a amigos e a inimigos. Humilhei-me, fiz sorrisos. Senti na face, expelido com boas palavras e sorrisos, o bafo da esperança, da venenosa esperança; promessas; risinhos pelas costas. Pedi trabalho aos meus amigos: Luís Amaro, da Portugália Editora; Rogério Fernandes, de Livros do Brasil; Artur Ramos; Eduardo Salgueiro, da Inquérito; dr. Magalhães, da Ulisseia; e Bruno da Ponte, da Minotauro, aqui presente, decerto. Alguns têm-me ajudado; mas tão devagarinho! tão poucochinho!

Sim, porque eu não faço (já agora, na minha idade!) todos os trabalhos que vocês querem! Só faço, já agora, coisas que sei e gosto: escrever umas larachas; traduzir o melhor que posso; mexer em livros, a vendê-los ou a fazê-los.

Nem quero vê-los a vocês, todos os dias! Ah! Não! Era o que me faltava! Vocês têm uma caras! Meu Deus, que caras que nós temos! Conhecem a minha? Vão vê-la ali ao canto, na folha rasgada do meu passaporte (sim, porque viagens ao estrangeiro (uma…) também já por cá passaram…) Viram? É horrível!… A mim, mete-me medo! Mas é uma cara de gente. E isso não é fácil.

Dizia eu: eu quero trabalhar na minha máquina, sozinho, ou rodeado da minha Tribo: os miúdos, uma mulher-criança, grávida. E, às tardes, ir passear pela Avenida Luísa Todi ou na ribeira do Sado. Acho que nem era pedir muito. E para mim, é tudo.

Já pedi trabalho a tanta gente, que já não me custa (envergonha) pedir esmola. Confesso-lhes: até já o fiz, estendi a mão à caridade pública, recebi tostões de mãos desconhecidas, de gente talvez pobre. E tenho pedido emprestado, com a convicção feita que não o poderei pagar. É assim.

Eu para o Luiz Pacheco, repito, não quero nada, não desejo nada, não preciso de nada; mas para os bambinos! E para o bebé que vai nascer! Roupas; leite; pão; um brinquedo velho… Dêem-me trabalho! Ou: dêem-me mais trabalho.

E para findar esta Comunicação, remato já depressa:

Peço uma esmola.
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07.05.1974 – A absolvição das três Marias

 


Não tivessem os capitães acabado com a ditadura duas semanas antes e Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta teriam vivido um desfecho bem diferente do julgamento que decorria no Tribunal da Boa-Hora, em que eram rés e que terminou em 7 de Maio de 1974 com a absolvição das três.

A primeira edição de «Novas Cartas Portuguesas», em 1972, foi recolhida e destruída três dias depois de ser lançada (mas eu tenho o meu exemplar, bem velhinho...), foi instaurado a seguir um processo judicial por o conteúdo ser considerado «insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública», com acusação por «pornografia, obscenidade, atentado à moral pública», a que se seguiu o julgamento que teve início em 25 de Outubro de 1973. 

Informação mais detalhada neste post do ano passado.
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A outra geringonça

 


«Afinal, a real geringonça sempre foi Costa-Marcelo, uma espécie de sistema sofisticado de gestão do poder que, durante seis anos, habitava os mecanismos internos dessa "máquina maljeitosa, que ameaça desconjuntar-se" como diz o dicionário, mas que garantiu uma estabilidade improvável. Onde Costa não podia, Marcelo ia pelos bastidores, palavrinha aqui e acolá, desbloqueando, tornando possível, fazendo surgir as contrapressões onde era necessário para mitigar a força do PCP e do Bloco, e apertando-os até para não chumbarem Orçamentos. Um sucesso.

Como sabemos, o Bloco e o PCP desistiram de ir no reboque dessa engenhoca de direção desalinhada, sempre a pender mais para a direita, na qual António Costa tinha as costas respaldadas pelo guarda-chuva de Belém. Desde logo, por interesse também de Marcelo. Na verdade, o Presidente da República tem um ideário pessoal muito claro desde sempre: é de direita. E calhou-lhe em sorte a novidade PCP-Bloco na esfera do poder. O que fez o Presidente? Atenuou, mitigou, recusou até medidas -- em nome do centro. Equilibrou, exceto em questões mais ideológicas como a da legislação sobre a morte medicamente assistida, em que empatou a decisão durante seis anos para dar um sinal ao seu eleitorado conservador. Estou aqui, vigilante. E assim se reelegeu. Monarca útil.

Com a maioria absoluta, o cenário mudou. O Presidente abandonou a geringonça e conduz agora, em viatura própria, o seu ímpeto contra o poder absoluto do PS. Os apelos ao regresso de Pedro Passos Coelho, via televisões -- mas interpelando até publicamente o próprio -- iniciaram o fim do seu papel de moderador do sistema. É aquilo que sempre se teme: Marcelo a boicotar o Presidente. Passou também a anunciar diariamente os piores defeitos do primeiro-ministro: dificuldade em escolher boas equipas, incapacidade de acelerar a governação.

Na verdade, foi o primeiro-ministro que escolheu para si este papel subalterno, ao colocar os delfins no comando, pairando como um pai distante. Depois, claro, é sempre o último a saber. Dois exemplos de um certo desgoverno: o "Mais Habitação" é um pacote com algumas medidas desnecessariamente ideológicas, produzido nas catacumbas da máquina do PS-Pedro Nuno Santos, que deixa por estimular o motor principal -- investimento privado a produzir mais casas.

Segundo exemplo: a importância de Galamba. A fação Pedro Nuno Santos criou uma Comissão Técnica Independente (CTI) sobre o aeroporto e a presidente vem secundando publicamente as opções do ex-ministro -- Montijo e/ou Alcochete. Ou seja, a CTI existe para avaliar o real confronto quanto ao custo e impacto ambiental destas escolhas, mas os 25 estudos que faltam encomendar parecem inúteis. Não querem poupar tempo e dinheiro? Como dizia o constitucionalista Vital Moreira no seu blogue Causa Nossa, não se compreende como Rosário Partidário tem o antecedente de ter pertencido à equipa da proposta LNEC/Alcochete do tempo Sócrates e agora é a n.º 1 deste júri independente. Mas nas Infraestruturas deste Governo tudo parece possível.

Deste divórcio Costa-Marcelo sai ainda uma consequência política maior: a agonia do centro. O líder do PS sabe que esta maioria não é repetível e que a nova geração socialista vive bem com o regresso à velha geringonça PS-Bloco-PCP. O futuro do PS é sem dúvida mais à esquerda, através dos seus PNS-Galambas. Marcelo, na sua ânsia de defenestrar Costa, está a reerguer do túmulo a geringonça que ele tanto detestou. Portanto, dissolver não é hipótese. Presidente, se houver eleições, qual é a maioria parlamentar que não depende do Chega?»

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