«A nota da Presidência sobre a promulgação do novo regime de recrutamento e gestão de professores é uma majestosa revelação dos estados de alma de Marcelo Rebelo de Sousa no esplendoroso isolamento da sua nova função presidencial. Na nota, Marcelo dá conta de como tentou substituir-se, sem êxito, ao poder executivo do Governo; deixa no ar remoques por ter de aprovar um diploma que o põe contra os professores; e, no seu habitual tom professoral, deixa avisos sobre as feridas abertas com a “recuperação faseada do tempo docente” ou sobre o temor de “mais um ano acidentado” nas escolas, como os três anteriores.
Quando, a 27 de Abril, o Governo decidiu publicar uma portaria que limitava a vinculação de apenas 2400 dos mais de 10 mil docentes que entrariam no quadro com a promulgação do novo diploma, não se percebeu bem o que estava em causa. João Costa, o ministro da Educação, pode não ser tão retorcido como o seu homónimo António, mas é dono de uma fina intuição política e percebeu que estava na hora de mostrar um amarelo ao Presidente. Depois dessa portaria, Marcelo tinha duas opções: ou chumbava o novo regime e deixava oito mil docentes com a vida adiada, ou promulgava-o a reboque do Governo.
Marcelo percebeu a armadilha e poucas horas depois tratou de explicar que ele até nem acha o novo regime grande coisa, mas não podia congelar a vida de tantos docentes. Esta segunda-feira, o Presidente poderia justificar a promulgação sem euforias do diploma com mil e uma dimensões do seu alcance, dos seus limites, das dúvidas, dos riscos que comporta e por aí a fora. Mas não, o que o Presidente realçou é que ele tentou governar bem e os maus de São Bento não o deixaram. Ele bem que tentou uma “proposta concreta sobre a vinculação dos professores, no sentido de a tornar mais estável” e depois ensaiou até uma proposta “mais minimalista”. Em vão.
Marcelo não sabe o que fazer do papel de tutor do Governo que António Costa tolerou e incentivou durante anos. Os cidadãos percebiam essa relação e a maioria apoiava-a em nome da estabilidade. Mas, nesse affaire, suspeitávamos que o Presidente influenciava o Governo com pedagogia, memória, sabedoria ou sensatez. Não chegava ao ponto de lhe levar propostas de lei alternativas. Agora que a relação está turva, o Presidente empenha-se em dizer que, num estado geral de desgraça, tentou fazer o bem à Educação. Tanto como uma explicação, a nota de Belém é a revelação do estado de alma do Presidente à procura do seu novo lugar na política portuguesa.»
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