18.10.25

Vamos indo e vamos vindo

 

«A pobreza está a diminuir (mas ainda afeta dois milhões de pessoas), a economia floresce (em grande medida à custa de salários miseráveis), o turismo continua a alimentar a máquina do PIB (mas os preços cobrados nos restaurantes, cafés e alojamentos subiram em flecha), a habitação é um monstro desenfreado cuja voracidade ninguém controla. Parecemos ricos na vida que levamos, mas somos desesperadamente remediados na vida que efetivamente vivemos. É nesta esquizofrenia que se jogarão os dados nos próximos anos. Sem um real ajuste do poder de compra das classes que fazem mover o barco, corremos o risco de agravar a pobreza estrutural, diminuir drasticamente as oportunidades no acesso à educação e ao emprego qualificado, e, por arrasto, facilitar a debandada dos que encontrarão fora de portas razões de sobra para fugir.»

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18.10.1936 - A viagem dos primeiros presos para o Tarrafal

 


Foi há 89 anos que os primeiros presos saíram de Lisboa, no paquete Luanda, com destino ao que viria a ser o «Campo da Morte Lenta», na ilha de Santiago, em Cabo Verde. O Luanda era normalmente usado para transporte de gado proveniente das colónias e os porões habitualmente utilizados para esse efeito foram transformados em camaratas.

Depois de uma escala no Funchal e de uma outra em Angra do Heroísmo, para recolher mais alguns detidos e / ou largar os menos perigosos, e no fim de uma viagem em condições degradantes, foram 152 os que desembarcaram, no dia 29, em fila indiana, antes de percorrerem os 2,5 quilómetros que os separavam do destino final.

No primeiro volume das suas Memórias, Edmundo Pedro dedica longas páginas à descrição do que foi essa terrível viagem que durou onze dias. (*) O início e o fim:
«E na noite de 18 de Outubro, de madrugada, reuniram-nos em camionetes da GNR. Estas dirigiram-se para o cais de embarque, em Alcântara... No caminho, apesar das ameaças dos soldados, demos largas ao nosso protesto. O nosso vibrante grito de revolta ecoou, ao longo de todo o percurso, nas ruas, desertas, daquela madrugada lisboeta. Cantámos, a plenos pulmões, todas as canções do nosso vasto cancioneiro revolucionário... (...)
A 29 de Outubro de 1936, onze dias depois de termos partido de Lisboa, o velho Luanda fundeou, ao princípio da tarde, na pequena e aprazível baía do Tarrafal. Pouco depois, começou a descarregar a "mercadoria" que transportava nos seus porões... Alguns prisioneiros tinham chegado a um tal estado de fraqueza que só puderam abandonar o barco apoiados nos seus camaradas...»
Depois, foi o que se sabe: histórias de terror, 32 pessoas por lá morreram e o Campo durou até 1954. Foi reactivado em 1961, como «Campo de Trabalho do Chão Bom», para receber prisioneiros oriundos das colónias portuguesas (o ministro do Ultramar era então Adriano Moreira e foi ele que assinou a respectiva portaria) e durou até 1974.

(*) Edmundo Pedro, Memórias, Um Combate pela Liberdade, Âncora Editora, 2007, pp. 350-359.
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PS: assim não vai longe

 


«PS vai apresentar propostas para grupos que há muito beneficiam da atenção positiva do partido de Ventura: bombeiros e ex-combatentes.»

Daqui.

A identidade perdida do PS

 


«No centro da crise da esquerda em Portugal está o PS. O PS, mesmo apesar de as suas políticas reais muitas vezes não se distinguirem das da direita, era o grande depositário dos votos à esquerda em Portugal. Juntava-se-lhe o PCP nos seus tempos passados por baixo, e o Bloco por cima. O PS era o partido da governação, e em determinadas circunstâncias agregava a si o PCP e o Bloco, como a fronteira ao voto no PSD, criando uma separação com a direita e, ocasionalmente, com o centro-direita.

Mesmo quando não tinha o PCP e o Bloco ao seu lado, mesmo quando estes o atacavam, o PS era o muro eleitoral que impedia a direita de chegar ao poder ou a limitava no exercício do poder. Mesmo quando perdia eleições, estava lá e era um muro fiável pela sua dimensão. Tinha fissuras e tentações, mas não era possível o descalabro da esquerda sem o PS tombar. E o PS está a cair, eleitoralmente, politicamente e ideologicamente, e arrasta atrás de si o Bloco e o PCP. Apenas o Livre tem resistido.

A vaga de direita não começou agora, mas de algum modo mudou qualitativamente com a aparição do Chega. O Chega é o grande revolucionário do sistema político-partidário e, embora não tenha acabado com o bipartidarismo, enfraqueceu-o na sua utilidade para o partido do Governo, que agora tem sempre duas opções. Este processo é também favorecido pela deslocação à direita do PSD desde os tempos da troika, com o abandono dos últimos sinais da social-democracia da sua génese. Este processo foi agravado pela tentativa de competir com o Chega, adoptando a sua agenda. Os resultados não têm sido brilhantes.

Há hoje vitórias eleitorais do PSD sobre o PS, a mais importante é a que traduz a ocupação do voto urbano pelo PSD. Mas há igualmente vitórias políticas e ideológicas. A vitória táctica mais relevante foi a de interiorizar no PS os argumentos da direita sobre a crise dos socialistas. A ideia de que o PS tem perdido por causa de uma sua putativa radicalização e esquerdização entrou no lugar-comum, mas está longe de ser verdadeira. O PS não se radicalizou, bem pelo contrário, e mesmo o anterior secretário-geral foi o que inverteu o sentido útil da política de imigração, o que não é de somenos.

A chantagem política e ideológica do aparelho comunicacional da direita, cada vez mais forte, passa pelo apoio às claras ou disfarçado a José Luís Carneiro, a António José Seguro e, nas autárquicas, a Ricardo Leão, em Loures, e, pela divisão em Lisboa, a João Ferreira, do PCP. A que se soma uma clara chantagem política sobre o Orçamento e, em linhas gerais, a qualquer entrave que o PS possa colocar às políticas do Governo.

Hoje, a mínima afirmação de qualquer política que pareça vagamente merecer o nome de socialista é imediatamente classificada de “ideológica” versus técnica, e “radical”. E quando se analisa o conteúdo dessas políticas hoje consideradas “radicais”, são políticas que não são mais do que de centro-esquerda ou sociais-democratas, que há alguns anos ninguém classificaria como “radicais”.

E o PS, mais por inacção do que por acção, tem-se deixado manietar por este cerco, que inclui o domínio cada vez maior da direita pela capacidade de classificar, nomear, “chamar nomes”. Uma comunicação social, hoje muito dominada pela direita, funciona como megafone para as classificações. O Chega insulta, o PSD e o CDS nomeiam, e o PS passa da afirmação à justificação.

É certo que há um vento de direita nas democracias que o populismo faz soprar mais forte, mas é também verdade que a esquerda tem muita responsabilidade na criação de condições para esse vento, em particular em Portugal. O resto da esquerda abriu também caminho para esta perda de identidade e correlativa fragilização. O Bloco nunca deixou de ser um partido de elite com causas de elite, e o seu abandono da luta social a favor das “causas fracturantes” ajudou a criar um mundo de espectáculo muitas vezes afrontoso ao cidadão comum. O PCP, que tinha na esquerda um quase monopólio da luta social, tornou-se um sindicato médio, preso nas suas metacausas pela posição a favor da rendição da Ucrânia, a que chama “paz”.

A actual crise da esquerda portuguesa não passa apenas pela sua crise de identidade, passa também por uma perda de coragem política, pela sua moleza numa ecologia política muito agressiva à direita. Como os democratas americanos face a Trump, que só agora começam a perceber que o medo e a voz baixa só fortalecem uma política que assume hoje a forma dominante de bullying.

Por tudo isto, ideias, políticas e métodos, a direita domina a governação e a política, o Chega controla a agenda e a “narrativa”, o PS voa tão baixinho que dizer que voa é um exagero, e hoje o consumo da política, fundamental, em democracia mudou-se para locais mal requentados como as redes sociais. Uma geração está a crescer nesta ecologia e não vai ser grande coisa.

Resistir é o único verbo com dignidade, vai ser duro, leva tempo e faz estragos, mas é a única maneira de travar a ascensão da brutalidade, da ignorância e de uma sociedade de pobres e excluídos, perdidos na sua invisibilidade.»


17.10.25

Hoje, só me sai isto

 


Assim vamos, cada vez pior e com as trincheiras – direita/esquerda – bem definidas

 


«A proposta do Chega teve o apoio do PSD, Iniciativa Liberal e CDS e contou com votos contra do PS, Livre, PCP e Bloco de Esquerda. PAN e JPP abstiveram-se.»


Junta-se a fome com a vontade de comer

 


Daqui.

Eufemismos

 


Eleições de Schrödinger: todos ganharam, todos perderam?

 


«Na noite das eleições autárquicas, liguei a RTP Notícias e, a dado momento, dei por mim a deixar de ouvir realmente o conteúdo das intervenções do comentariado político-partidário presente no estúdio, mas antes a forma, previsivelmente entediante, com que todos se proclamavam vencedores, celebrando com regozijo as derrotas dos adversários. Parecia um concurso televisivo cuja única regra era: “Digam o que disserem, mas façam com que pareça que ganhámos a taça.” Um número de contorcionismo (in)digno do Cirque du Soleil.

Que me perdoe quem tem expertise em física quântica pela (des)apropriação científica, mas lembrou-me o gato de Schrödinger: simultaneamente morto e vivo, e cada um assegurava ter aberto a caixa relatando o que vira em relação ao seu partido. O seu gato estava vivíssimo; o do adversário, morto. Esquecendo o essencial: o gato no interior da caixa não deveria ser o partido, mas as pessoas que os partidos dizem representar e cuja vida afirmam pretender melhorar.

Vários dias depois, continuo a ler artigos de opinião sobre as eleições que parecem tratados de matemática. E o povo?, pergunta a poeta. E nós?, pergunta o povo. Não meço a vitória dos partidos pela votação obtida, seja ela mais ou menos elevada, se aumentaram os números, se resistiram, se diminuíram. Já o repeti por aqui, e não só: nenhum partido me interessa enquanto fim, mas enquanto meio. Portanto, meço vitórias a partir do impacto sobre a vida das pessoas. Não é demagogia, é pragmatismo.

Um partido pode subir a sua votação, mas se isso não lhe permite fazer aquilo para o qual deveria existir, perdeu, por muita atividade autossatisfatória exibida em praça pública.

Olhemos para Lisboa. As pessoas do Bairro da Serafina, da Liberdade ou do Bairro da Boavista, aos quais o Dr. Carlos Moedas vai “regularmente tomar cafezinhos” fictícios, estão-se a marimbar para a cozinha eleitoral, e por muito que seja um problema, nem a questão do lixo é a sua prioridade.

As prioridades são as casas onde chove lá dentro; crianças com problemas asmáticos e a humidade nas paredes; habitações sem luz, sem água ou casa de banho; casas minúsculas; rendas indecentes que estrangulam as famílias, que as obrigam a ir para ainda mais longe do seu trabalho e abandonar décadas, gerações de história familiar, afetiva num território; prédios altos com elevadores avariados; canalizações precárias, com um fiozinho de água, cuja pressão, por vezes, nem dá para relançar a água quente — e isto quando o esquentador ainda funciona —; transportes insuficientes para ir para o trabalho, escola, centro de saúde, correios; manutenção dos espaços públicos intermitente e escassa, ao ponto de passarem a ser espaços inutilizáveis ou perigosos, nomeadamente para as crianças e pessoas idosas. Uma descentralidade perpetuada de forma voluntária.

Nunca me esquecerei da alegria quando soubemos da construção do parque recreativo do Alto da Serafina e de como, de forma estratégica, não foi feita uma entrada segura para as crianças do bairro, demasiado pobres, demasiado escuras, fazendo-nos sempre sentir como clandestinos naquele (para os nossos olhos) espaço burguês. Quantas vezes tive de responder à pergunta: “Mas a Serafina e a Boavista ficam em Lisboa?”

/ Tantas contas continuam a fazer os partidos, 8%, 6%, 2%... e pouca importância parece ser dada à abstenção. Ah, mas foi mais baixa do que nas anteriores! Que bom! Palminhas! O gato está vivo! Mais de 40%. Esquerda(s), não será o momento de deixarem de se focalizar em migalhas e refletir em como trazer estas pessoas às urnas? Não será o momento de preparar já as próximas autárquicas em vez de fazer tudo à pressa, esquecendo o caráter local das eleições autárquicas e da importância do tempo longo, da proximidade com as populações e com as associações de terreno? As pessoas sabem quem por lá anda e quem só aparece em tempos de eleições. Não será o momento de divergir e negociar em privado e de se concentrar nos verdadeiros adversários em público? Não será o momento de reanimar o gato?»


16.10.25

Luzes bem coloridas

 


Candeeiro Cogumelo com decoração de videira, no topo e no pé, Cerca de 1900.
Émile Gallé.

Daqui.

16.10.1968 - Jogos Olímpicos do México

 




Jornalismo nos EUA

 


«As principais marcas americanas de comunicação social mostram-se unânimes na crítica ao Ministério da Defesa norte-americano, liderado por Pete Hegseth, depois de terem recebido deste departamento novas “regras” para o acompanhamento noticioso do que se passa no Pentágono. Em consequência, dezenas de repórteres entregaram os seus “passes” de acesso ao edifício e decidiram abandonar os seus postos, em protesto.»


16.10.1982 – 43 anos sem Adriano

 


Adriano Correia de Oliveira tinha apenas 40 anos quando morreu. Estudante de Direito em Coimbra, aderiu ao PCP na década de 60, foi activista na crise académica de 1962 e participou num elevado número de actividades culturais, sobretudo naquela cidade universitária.

«Trova do vento que passa», com poema de Manuel Alegre, viria a tornar-se uma espécie de hino da resistência dos estudantes à ditadura. 





Muitos outros temas se juntaram, de um dos nossos mais célebres cantores de intervenção, antes e depois do 25 de Abril.






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Um Nobel para Trump. E um Óscar, também

 


«Vai ser difícil explicar esta aos vindouros. O mundo está num estado de insanidade tal que foi Donald Trump — Donald Trump! — a dizer: bom, vamos lá parar com esta loucura. Bem sei, bem sei. Ainda há pouco tempo ele estava empenhado na construção de um grande empreendimento imobiliário de luxo no local onde decorria uma catástrofe e numa operação de limpeza que implicava a remoção de milhares de pessoas para longe da sua terra. Enfim, pormenores.

Mas de repente resolveu envolver vários países da região em negociações que resultaram num acordo de paz. Há quem diga que só tomou essa decisão por vaidade. O seu único objectivo, dizem os críticos, era vencer o Prémio Nobel da Paz. Por mim, não o censuro. Se ele obtiver uma paz minimamente estável e duradoura naquela região, acabando com o horror a que todos assistimos nos últimos anos, proponho dar-lhe não apenas o Nobel da Paz mas também o Óscar de Melhor Actor. O Nobel da Paz para premiar os esforços levados a cabo para a obtenção da paz; o Óscar de Melhor Actor para premiar o modo como fingiu que a sua principal preocupação era a obtenção da paz.

Além disso, fico feliz que Donald Trump tenha interesse neste tipo de galardão. É importante não esquecer que ele foi eleito manifestando desprezo pelas instituições “do sistema”. Parte do fascínio que o seu discurso exerce sobre o eleitorado tem a ver com essa crítica às elites que atribuem estes prémios. Que ele esteja interessado em ser distinguido por essa elite malvada pode contribuir para pacificar a sociedade. Por mim, recebia também o Nobel da Medicina pela sua brava luta contra o paracetamol.

Na verdade, o que interessa a motivação de uma pessoa se o importante é o resultado obtido? Quando temos um filho pré-adolescente que não quer estudar e lhe prometemos uma viagem à Disneylândia se ele passar no exame de Matemática, queremos mesmo saber se ele se esforçou por amor à aquisição de conhecimento ou por afeição ao Mickey? Sei que a comparação com um pré-adolescente é injusta, dado que, em termos de maturidade, as crianças pré-púberes estarão num patamar superior ao do Presidente dos EUA, mas talvez a solução para todos os problemas do mundo seja prometer a Donald Trump uma viagem ao destino que, para ele, equivale à Disney. Que é, provavelmente, a ilha de Jeffrey Epstein. Há que perceber se é possível reabrir aquilo, com nova gerência.»


15.10.25

Estas fachadas…

 


Tournai, Bélgica, 1903.
Arquitecto: Georges de Poore.


Daqui.

A lentidão dos gabinetes

 

«Em março, o Parlamento aprovou uma lei que deu origem a 302 novas freguesias. O objetivo foi permitir (como aconteceu) a eleição dos órgãos das freguesias desagregadas, com um calendário adequado ao trabalho político e à operacionalização no terreno. Chegados a meados de outubro, sete meses depois, ouve-se o alerta do ministro da Coesão Territorial de que o pagamento de salários a funcionários das novas freguesias poderá estar em risco a partir de novembro.

A questão não é, obviamente, de falta de verbas. Elas existem e estão orçamentadas, porque estamos a falar apenas de uma transferência de funcionários que saem de uma União e entram nos novos órgãos que agora irão tomar posse. Como se explica, então, esta dificuldade? Importa recuperar algumas datas que parecem demonstrar que, mesmo quando as questões estão identificadas, tudo se faz com uma lentidão incompreensível.»

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Assim é

 


O PCP e a doença infantil do comunismo

 


«Mesmo tentando disfarçar ter perdido, nestas eleições, mais 11 câmaras (tinha 34 há pouco mais de uma década, passando, nesse período, de 213 para 93 vereadores) com a reconquista de Sines, Montemor, Mora e Aljustrel, o PCP foi um dos maiores derrotados do último domingo. Porque nem as quatro novas autarquias compensam a perda de Setúbal (passa de primeira para quarta força, com menos de um terço da percentagem) ou de Évora (passa de primeiro para terceiro, com quase metade da percentagem), mais um recuo no Alentejo e o quase desaparecimento das suas já muito frágeis posições no Norte e no Centro.

O maior problema do PCP é quando se olha para o interior da sua derrota, não ficando apenas pelo deve-haver das câmaras. Não tanto no Alentejo, em que a CDU tem 9% no distrito de Portalegre (cai 5pp, é ultrapassado pelo Chega), 20% no distrito de Évora (cai 4pp, mantém-se como segunda força e mantém o número de câmaras, apesar de a troca ser de Évora por Montemor, com o mesmo autarca) e 27% no distrito de Beja (cai 5pp, mantém-se como segunda força e perde uma câmara). Aí, tendo em conta a mudança sociológica a que temos assistido na região, os comunistas caem mais um pouco, mas resistem. Porque, em meios mais pequenos, o Chega esbarra com a sua falta de quadros e implantação. Por isso teve um quarto das câmaras da CDU. Mas elegeu 137 vereadores, mais 44 do que o PCP.

Cada vez menos popular

O relevante nem foi o Alentejo. É nas zonas suburbanas do norte de Lisboa e na Margem Sul.

Em Almada, o PCP perde um terço dos votos, com o Chega e o PSD a morderem-lhe os calcanhares. No Seixal, que segurou sem dificuldades, o Chega passa a ser a alternativa. No Barreiro, a CDU perde 9pp, ficando praticamente empatada com o Chega. Na Moita, perde outros 9pp, ficando atrás do Chega. No Montijo, passa de 19% para 7%, da terceira para a quinta posição, com o Chega a três pontos de vencer. Mesmo Sesimbra e Palmela são ganhas por menos de 200 votos. E Setúbal foi o desastre que se viu.

Nos subúrbios a norte já não há tanto para cair, mas as quedas relativas até são mais significativas, porque também já não há voto útil para ganhar: a CDU desce quase para metade em Odivelas; de 10% para 7% na Amadora; de quase 30% para 11% em Loures; de 22% para 13% em Vila Franca. Em todas elas ficou atrás do Chega. Se formos ver as freguesias mais populares, a tragédia é ainda maior. É aqui que se dá a decadência do PCP. O que conta é a perda do voto popular que o PCP segurava.

Há sinais de uma tendência estranha, se olharmos para a evolução da votação dos comunistas na cidade de Lisboa, onde resistiram. Mantêm uma junta, mas, mais uma vez, é efeito do candidato local – a vitória com 42% em Carnide cai para 14% no voto para a câmara. A CDU passou, na cidade, de 10,5% para 10,9%. Sobe, em percentagem para a câmara, no Lumiar, Alvalade, Areeiro, Penha de França, Arroios, Avenidas Novas ou Campo de Ourique. Desce, em percentagem para a câmara, nos Olivais, em Marvila, Santa Clara, Carnide, Beato, Santa Maria Maior, Misericórdia, Ajuda, Benfica, Campolide. Algumas delas são exatamente onde o Chega mais cresce. Há alguns resultados menos alinhados, mas, para quem conhece a cidade, a dinâmica na mudança do tipo socioeconómico de voto é evidente.

Quem vê no resultado lisboeta da CDU uma resposta popular ao descontentamento decidiu pegar na lupa e ignorar o que aconteceu à volta e até a natureza deste voto. A inconsequência é da natureza social deste voto, o que pode oferecer-nos um mapa do futuro político dos comunistas, bem diferente do seu passado.

A cegueira da ressaca da geringonça

Este resultado do PCP acontece em simultâneo com a mudança sociológica na cidade, que assiste à expulsão das classes populares e das classes médias. Digo-o há uma década e há uma década que se confirma, com freguesias que antes eram populares ou de classe média-baixa a tornarem-se bairros “finos". Nos últimos oito anos, Lisboa perdeu 30 mil eleitores, passando de 493 mil eleitores para 463 mil. São quase 3500 pessoas a menos por cada ano que passa, numa altura em que a população da cidade se encontra estável. A explicação é simples: as classes médias estão a ser expulsas da cidade onde cresceram, ou para onde vieram trabalhar, enquanto bairros como Campo de Ourique, a baixa da cidade, Belém ou as Avenidas Novas se encontram cheios de reformados franceses ou nómadas digitais endinheirados. É por causa dessa transformação que estas eleições correspondiam a uma enorme urgência. Sem travar a sangria de classe média-baixa, a esquerda arriscar-se-ia a nunca mais vencer a capital, crescentemente transformada num condomínio.

O PCP sabia-o e, ainda assim, recusou participar numa coligação com toda a esquerda com a candidata mais à esquerda que o PS poderia arranjar. Era uma luta contra o tempo em que a esquerda, no seu conjunto, valerá cada vez menos na cidade. Que, perante isto, o grande argumento seja “mas o João Ferreira era melhor” é dos raciocínios mais ausentes de reflexão política que se pode ouvir de um marxista. Será um excelente vereador sem pasta, sem poder, sem relevância para o futuro da cidade e do PCP. Parabéns e que guarde a taça na prateleira das vitórias morais.

Para os vinte mil votos que faltaram, os 26 mil da CDU chegavam e sobravam, sendo até previsível alguma mobilização extra com a dinâmica de vitória. E se olharmos para a estrutura de voto do Chega, percebemos que o mesmo fenómeno nunca aconteceria à direita. Nem o eleitorado centrista o aceitaria, nem o voto do Chega vem esmagadoramente da direita.

Mesmo que a coligação tenha tido menos votos do que a soma dos partidos nas autárquicas anteriores, fosse por causa da candidata, por perda de voto do PS para o Chega ou porque a base eleitoral da cidade mudou no contínuo processo de gentrificação (não se podem fazer comparações de resultados ignorando a mudança de universo), não há como negar que o voto comunista chegaria para fazer a diferença, até porque algum terá vindo dos que votaram no Bloco ou no PS há quatro anos. As análises não podem, aliás, ignorar as dinâmicas que a unidade cria e as que a divisão alimenta. Nem o papel empenhado de desgaste que João Ferreira teve na candidatura e na imagem de Alexandra Leitão.

Como escrevi, a recusa do PCP, a quem foi oferecida a vice-presidência e participação ativa no programa, nada teve a ver com a justa crítica às viabilizações de orçamentos de Moedas, que o PCP também garantiu em várias autarquias de que é crítico. O PCP recusou todas as alianças, fosse com quem fosse (a não ser com o PEV, criação sua). Porque a recusa veio de uma decisão nacional. O PCP tirou uma lição da geringonça: as convergências matam.

O erro dos comunistas, típico de quem perdeu massa crítica para a decisão tática mais fina, é não ter a capacidade de compreender os momentos e os lugares em que a regra não funciona, porque nada sobreviverá pela aplicação cega do dogma. Lisboa era, definitivamente, o caso. Como era Albufeira, contra o Chega, e seguramente Loures, contra o candidato chegano do PS. A luta pela sobrevivência não pode matar as condições para essa sobrevivência. E sem esquerda o PCP não sobreviverá. Nem para bater no resto da esquerda.

Recordar 1989

Em 1989, o PCP teve a inteligência de perceber a excecionalidade que a política sempre contempla. Fez uma aliança com o PS e depois com o resto da esquerda, prescindindo da liderança autárquica, apesar de ser mais forte do que o PS na cidade. A péssima gestão de Abecassis (não tão má como a de Moedas) seria uma razão, mas a compreensão da situação nacional também foi determinante: o país atravessava o primeiro longo domínio de uma direita a meio de uma maioria absoluta que mudaria a política portuguesa para sempre. No contexto internacional, os comunistas viviam o pior ano das suas vidas. Aquela brecha era, foi mesmo, muitíssimo importante. Como foi a vitória de Sampaio contra Cavaco, nas presidenciais, também com o apoio dos comunistas. As similitudes são imensas, o PCP é que não é o mesmo.

Apesar de ter mais 1200 votos, o resultado da CDU correspondeu à perda de um vereador, à queda para o quarto lugar e, mais importante, à perda da que pode ter sido a última oportunidade para tirar a direita da liderança da capital com a frente mais ampla e mais à esquerda que Lisboa conheceu. João Ferreira concluiu, depois de garantir a vitória a Moedas, que o PCP é quem melhor resiste à direita, como se a resistência fosse uma prova de esforço, ausente de objetivos políticos concretos.

O que mudou? Os partidos com implantação social são sensíveis aos impulsos das bases. Têm massa crítica para compreender a realidade e, mesmo definindo uma regra, fazer-lhe acertos. O PCP era, ao contrário do que tantas vezes se diz, um partido pragmático. Veja-se a segunda volta das presidenciais de 1986. Esse pragmatismo tinha uma razão: a busca do poder. É isso que dá consistência, não a pureza ideológica. O PCP já não luta pelo poder, luta pela sobrevivência, pela preservação da identidade, pelo património. Um partido não serve para isso. Para isso erguem-se museus. É esta ausência de pragmatismo que o impede de adaptar a regra à situação, o medo à necessidade.

O quadrado que se estreita

Muitos elogiam a afirmação de princípios vazia de objetivos, confundindo cegueira com coragem. O PCP não é menos sectário hoje do que no passado. O sectarismo passou da tentação de impor uma hegemonia, em que fazia cedências se isso estivesse ao serviço desse objetivo, para um isolamento defensivo. Álvaro Cunhal tinha um termo para esta inconsequência com aparência de firmeza ideológica: “radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista”. Lenine chamava-lhe a “doença infantil do comunismo”. Os seus maiores inimigos aplaudem porque, como se viu, tiram daí dividendos.

Isto não acontece apenas na frente eleitoral. O que o PCP está a fazer na CGTP, afastando os poucos resquícios de pluralismo que existiam na direção, no momento em que os sindicatos, no osso, mais precisam dele, é um crime. Custaacreditar que seja possível um partido que vale 3% nas legislativas comandar a maior central sindical do país e afastar as minorias da direção sem que isso a asfixie. Já não é o partido que tinha 200 mil militantes e mais de um milhão de eleitores a abusar da sua posição dominante nos sindicatos, é um partido com 180 mil votantes, em legislativas, a fazê-lo. O primeiro mata o pluralismo sindical, o segundo mata os sindicatos.

A frase estafada "o PCP não faltará, como nunca faltou, às soluções" fazia sentido nos anos 80 e 90 ou até em 2015. Hoje é um bordão sem conteúdo. Falta cegamente. Nunca faltou tanto. Falta porque já não move a luta por uma hegemonia política que assustava a direita. Move-se pela defesa de um património que a direita acha genuíno, porque belamente derrotado. Não é que o PCP não conte, é que não quer contar.

Enquanto desanca em tudo que se mova à esquerda, acusando todos de traição, o PCP é hiper-reativo a qualquer crítica. Mas devia ouvi-las: está a tornar-se um problema para a esquerda, mesmo que nela só incluam os que estão à esquerda do PS. Esta parte da esquerda terá de se reconstruir, se quer existir, como existe em França. Olhando para o PCP, não me parece que tenha interesse em fazer parte disso. Duvido, aliás, que um Livre que sonha capitalizar os despojos das esquerdas derrotadas e um BE moribundo tenham vontade para tanto.

No caso do PCP, a sobrevivência do partido tornou-se no princípio e no fim da sua ação política. Como se a ela fosse indiferente o contexto que ajuda a criar. Não haverá PCP num deserto à esquerda. Essa estratégia morrerá quando não tiver mais edifícios para vender e autarquias para perder. Quer defender o seu quadrado, não percebendo que, assim, ele será cada vez mais estreito. E isso, mesmo que se recusem a ver, ficou evidente nestas autárquicas.»


14.10.25

Se vier aí o frio…

 


Lareira Arte Nova: nogueira, cerâmica e cobre. Cerca de 1900.
Hugnet Frères (designer), Emile Muller (ceramista e escultor), Charles Gréber (ceramista).

Daqui.

Lisboa, voto urbano

 


«PS, PSD e Chega subiram as suas votações na Área Metropolitana de Lisboa - mas com o partido de Ventura a reforçar-se em mais de 200% dos votos, esmagadoramente acima, em termos percentuais, do crescimento registado por socialistas (5%) e sociais-democratas (17%).»


14.10.1964 – Nobel da Paz para Luther King

 




Excertos do discurso:

«Aceito o Prémio Nobel da Paz num momento em que 22 milhões de negros nos Estados Unidos estão envolvidos numa batalha criativa para encerrar a longa noite da injustiça racial. Aceito este prémio em nome de um movimento de direitos civis que está avançando com determinação e um majestoso desprezo pelos riscos e perigos de estabelecer um reino de liberdade e um sistema de justiça. Estou ciente de que uma pobreza debilitante e asfixiante aflige o meu povo e o acorrenta ao degrau mais baixo da escala económica. Portanto, devo perguntar porque é que este prémio está a ser concedido a um movimento que é comprometido com uma luta incessante; a um movimento que não conquistou a própria paz e fraternidade que é a essência do Prémio Nobel. Depois de pensar a esse respeito, concluí que este prémio que recebo em nome desse movimento é um reconhecimento profundo de que a não-violência é a resposta à questão moral e política crucial de nosso tempo: a necessidade do homem superar a opressão e a violência sem recorrer à violência e à opressão (...).

Ainda creio que superaremos tudo isso. Essa fé dá-nos a coragem de enfrentar as incertezas do futuro. Dá forças aos nossos pés cansados enquanto continuamos a nossa marcha rumo à cidade da liberdade. Quando os nossos dias se tornarem lúgubres e cobertos por nuvens e as nossas noites se tornarem mais escuras que mil meias-noites, saberemos que estamos vivendo no tumulto criativo de uma civilização genuína que luta para nascer.»

Recordar nem sempre é reviver

 


As percepções das autárquicas

 


«Há eleições que revelam o país todo, e há eleições que o revelam em partes. As autárquicas pertencem, quase sempre, à segunda categoria. São uma soma de geografias e de personalidades, de afetos antigos e fidelidades locais. A tentação de lhes extrair um mapa nacional é antiga, mas, como todos os vícios políticos, resiste à evidência.

Veja-se Viseu. Laranja durante décadas, o Cavaquistão caiu agora para o Partido Socialista. Seria um sismo ideológico, não fosse o facto de ter nome próprio: Fernando Ruas. A derrota deve-se menos à erosão nacional do PSD do que à fadiga de um poder local sobranceiro.

Ainda assim, o saldo global é inequívoco: foi uma vitória clara do PSD. Recuperou, doze anos depois, a Associação Nacional de Municípios e conquistou as cinco maiores câmaras do país. Carlos Moedas assegurou o segundo mandato, Pedro Duarte venceu no Porto, Luís Filipe Menezes regressou a Gaia, Marco Almeida derrotou a ministra Ana Mendes Godinho em Sintra, e Carlos Carreiras, em Cascais, perdeu a maioria mas manteve o poder (com a grande surpresa a ser João Maria Jonet que, sozinho, conseguiu ultrapassar o Chega). Se é imprudente tirar conclusões nacionais de resultados locais, permitam-me uma excepção: esta foi também uma vitória pessoal de Luís Montenegro. Apostou o capital político do governo para proteger Moedas e dar lastro a Pedro Duarte, e saiu-lhe bem. Foi, em tudo, uma segunda volta simbólica das legislativas. Montenegro não só sobreviveu ao governo, como acabou de ser reeleito pelo país.

Mas há outra leitura, menos triunfalista. O PSD venceu porque aprendeu a falar a língua do tempo. E o tempo é securitário. Pedro Duarte, no Porto, preferiu as percepções aos dados e tratou a insegurança como um rumor palpável. Moedas, que já tinha o discurso oleado a esse propósito, fez o mesmo em Lisboa. Em Sintra, Marco Almeida contou com o selo de Passos Coelho e levou até ao voto a tese de que as linhas vermelhas já não servem para nada. Foi uma vitória do pragmatismo, mas também do mimetismo: o PSD passará agora a acreditar que a forma mais eficaz de neutralizar o Chega é repetir-lhe o léxico, limando-lhe o excesso.

No Partido Socialista, o dilema é outro. José Luís Carneiro tinha duas candidaturas-símbolo à prova. Alexandra Leitão, em Lisboa, apostou na coligação à esquerda e perdeu, embora por pouco. Ricardo Leão, em Loures, cultivou uma retórica de ordem e autoridade. Chegou aliás a ser atacado pelo ex-secretário geral, António Costa, por ofender “gravemente os valores do PS”. E ganhou. Não se trata apenas de sociologia local. É um sinal de que também nos socialistas o centro de gravidade se desloca. José Luís Carneiro perceberá o que os resultados insinuam: o discurso que rende hoje não é o da pureza ideológica, é o da estabilidade. A vitória de Leão pode tornar-se a gramática da nova esquerda governamental ao invés de uma esquerda que se apresenta como a última reserva moral da moderação.

No fim, as autárquicas deixaram o retrato de um país menos radical do que o medo sugeria, mas mais conservador do que a retórica admite. O Chega não destruiu o bipartidarismo, mas contaminou-o. A extrema-direita não conquistou o poder, mas mudou a gramática de quem o exerce. O mapa político português continua dividido a meio. Mas o vocabulário com que o descrevemos deslocou-se alguns graus à direita.»


13.10.25

13.10.1941 – Paul Simon

 


Confesso que continuo com dificuldade em «desgarrar» Simon de Garfunkel que conheceu quando ambos tinham 10 anos e com quem iniciou exibições aos 13.

Bridge Over Troubled Water (1970), o último álbum antes de se separarem, inscreve-se na lista dos mais vendidos de sempre. Voltaram a reunir-se pontualmente, como no célebre Concerto de 1981, no Central Park de Nova Iorque.

Mas Simon continuou sozinho como um dos grandes artistas do século XX, sendo de realçar Graceland (1986), que é talvez o seu álbum com mais sucesso, e Sete Salmos, o seu último álbum, que lançou em 2023:


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Lisboetas: Na CML, ficámos com os “Trocos”.

 


Tristeza…

13.10.1921 – Yves Montand

 


Yves Montand, de facto Ivo Livi, nascido italiano e naturalizado francês, cantor e actor, formou um dos pares mais célebres do cinema francês quando se casou com Simone Signoret em 1951.

Pretexto para recordar algumas das suas interpretações, entre muitas.

Paris, Paris:






Porque é tempo delas:




E, inevitavelmente:


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O anúncio da morte do bipartidarismo foi francamente exagerado

 


«À hora que escrevo, ainda nem todos os resultados estão fechados. Há troca de vitórias e derrotas entre o PS e o PSD. Sendo verdade que o PSD passa a ter as cinco maiores câmaras do País – Lisboa, Porto, Sintra, Gaia e Cascais –, conquistando três delas, e passa a ser o partido com mais autarquias (pouca diferença), não é menos verdade que o PS consegue ganhar novas capitais de distrito como Faro, Évora, Coimbra, Viseu e Bragança – Beja é perdida para o PSD, que também ganha Setúbal, à boleia de Dores Meira. O PS não venceu, mas é, destacadamente, a segunda força nacional.

Ao contrário do que muitos vaticinavam, o bipartidarismo não foi beliscado. As grandes disputas continuaram a ser entre os dois grandes e, apesar das importantes conquistas de Albufeira (o sétimo maior orçamento do país), o Chega fica-se por três câmaras, muito abaixo do PCP e até do CDS, e a léguas do que tinha conseguido em legislativas. Quando Ventura não é o candidato o Chega não penetra.

Quanto ao PCP, os ganhos (Sines, Montemor, Aljustrel e Sesimbra) não compensam as perdas. Não me refiro à perda de Serpa, Alcácer-do-Sal, Grândola ou Benavente, mas das duas únicas capitais de distrito que mantinha – Évora e Setúbal –, o que faz desta uma das piores noites autárquicas dos comunistas. Olhar para os resultados da CDU nas autarquias suurbanas de Lisboa também nos diz alguma coisa sobre a transformação do seu eleitorado. Irónico, é que o seu bom resultado em Lisboa tenha sido, numa noite má, determinante para a reeleição de Carlos Moedas (aliado ao resto da esquerda, haveria uma maioria absoluta para governar a cidade). Talvez volte a isto e ao instinto suicida de esquerda noutro texto.

Seja como for, a grande notícia desta noite eleitoral é que, havendo muitas notícias, não houve qualquer terramoto e o país mudou menos do que as legislativas faziam pensar.»


Com raiva e com esperança

 


12.10.25

12.10.1960 – A sapatada de Nikit

 


Quem tem idade para tal lembra-se certamente deste episódio cujas imagens deram volta ao mundo, quando este era muito mais politicamente respeitador do que hoje: durante uma agitadíssima Assembleia Geral da ONU, Nikita Kruschev tirou um sapato e bateu furiosamente com ele na sua bancada.

O incidente produziu-se num momento de grande tensão na Guerra Fria, cinco meses depois de um avião-espia americano ter sido abatido em território soviético e quando o recentíssimo governo de Fidel Castro se aproximava cada vez mais da URSS.

Na origem do gesto de Kruschev esteve uma intervenção do representante das Filipinas, em que este acusou a União Soviética de «colonizar» os países da Europa de Leste e os privar de direitos civis e políticos.

Seguiu-se uma sequência rocambolesca: Nikita protestou com o sapato, o presidente da Assembleia tentou controlá-lo batendo na mesa com um martelo, partiu-o, apagou a comunicação das traduções simultâneas e interrompeu a sessão.


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12.10.1972 - O dia em que a PIDE assassinou Ribeiro dos Santos



No dia 12 de Outubro de 1972, a PIDE assassinou José António Ribeiro Santos, militante do MRPP.

Quando ia realizar-se um «meeting contra a repressão» em Económicas, gerou-se uma confusão quando foi identificado, junto das instalações da Associação de Estudantes, um desconhecido que analisava cartazes e tomava apontamentos. Seguiu-se uma série de episódios, resumida por Jorge Costa em texto publicado há alguns anos e mais tarde retomado, que culminou em disparos de revólver por um agente da PIDE – António Gomes da Rocha –, que mataram Ribeiro dos Santos e feriram José Lamego, também ele militante do MRPP (que esteve internado sob prisão no Hospital de S. José, até ser levado para Caxias e aí ser sujeito à tortura do sono).

O assassinato de Ribeiro dos Santos despoletou uma grande reacção em todo o movimento estudantil e marcou-o até ao 25 de Abril. Ainda na noite do dia 12, foi tomada em plenário de estudantes a decisão de paralisar a universidade para permitir a participação no funeral. Este deu lugar a uma forte carga policial, à saída da casa dos pais de Ribeiro dos Santos, perto da igreja de Santos, com a polícia a impedir que os colegas carregassem-se a urna, a pé, até ao cemitério da Ajuda. Houve feridos, algumas detenções e os distúrbios continuaram mais tarde pela cidade.

O que se seguiu? Cito Jorge Costa: «Nos dias seguintes, a universidade está parada. Face ao crescendo de manifestações, são emitidos mandados de captura contra os quatro primeiros dirigentes da AE de Ciências e da direcção cessante da AEIST. Alguns conseguem escapar e permanecer na sombra. Os plenários de 19 e 20 de Outubro são impedidos e toda a cidade se encontra super-policiada. A DGS realiza buscas nas casas de dirigentes associativos e muitos são levados para Caxias. Em Novembro, multiplicam-se as greves estudantis. Para impedir a agitação contínua, Sales Luís encerra o Técnico. Farmácia e Letras também fecham. Muitos dos estudantes suspensos são incorporados no exército colonial. Há muitos estudantes do ensino secundário entre os presos, em Lisboa e no Porto (...). No final de 1972, os estudantes estão em todas as batalhas da "quarta frente" da guerra que condena a ditadura.»
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Porque é que Trump nunca, jamais, em tempo algum, deveria ter o Nobel da Paz

 


«Embora o mundo esteja bizarro, caótico, esquisito, acreditei sempre que seria um absurdo se gente civilizada e com um módico de lucidez desse o Prémio Nobel da Paz a Donald Trump. Felizmente tal não aconteceu e eu imagino a raiva do próprio e dos seus pela recusa, depois de passar um ano a pressionar tudo e todos a renderem-se ao seu narcisismo agressivo. Trump nunca fez nada pela paz, fez tudo pelo Prémio Nobel, o que não é de todo a mesma coisa. E como há sempre um esforço dos “cientistas políticos” para encontrarem racionalidade no que ele faz, faz-se tábua rasa de que o seu único argumento é a força, a ameaça, e a pressa (para o Nobel), e isso pode aparentar resultados a curto prazo, mas nada que se sustente no tempo. Aliás, só quem não conhece o Médio Oriente pode confundir o que é um plano de rendição do Hamas com um plano de paz para a Palestina, como se verá a curto prazo.

No entanto, havia dez grandes razões para não dar a este homem violento e ameaçador o Prémio Nobel. Aqui vão:

1. Viola todas as leis, organiza a violência, deporta pessoas sem julgamento para prisões em ditaduras que suborna, cria um ambiente de guerra civil.

2. Conduz uma guerra contra aquilo a que chama o “inimigo interno”, os americanos que dele discordam e exercem os seus direitos cívicos debaixo da ameaça de despedimentos, espancamento, prisões. A classificação de “guerra” é dele.

3. Mudou o nome do Departamento de Defesa para Departamento da Guerra, introduzindo uma linguagem bélica nas forças armadas americanas muito para além das ameaças à segurança americana.

4. Conduz uma nova guerra contra a Venezuela a pretexto de combater os cartéis da droga, procedendo a execuções extrajudiciais, e criando um risco, por exemplo, para os pescadores venezuelanos que temem sair para o mar e serem tomados por barcos de drogas.

5. Nunca seria possível Israel ter feito o que fez em Gaza sem o apoio de Trump. O que ele agora diz que quer “remediar” para haver “paz” foi aquilo que ele incentivou, consentiu e a que fechou os olhos. Se há genocídio em Gaza há dois responsáveis: Trump e Netanyahu.

6. Traiu e trairá aos soluços a defesa da Ucrânia de uma invasão estrangeira, impedindo a sua defesa eficaz e estendendo o tapete a Putin, que ameaça sem nunca cumprir. A defesa da paz implica que nunca haverá vantagem para o infractor, e Trump é mais hostil ao invadido do que ao invasor.

7. Ameaçou invadir a Gronelândia, o Canal do Panamá, e outros territórios soberanos, não de forma simbólica, mas real. Nunca afirmou que não usará a força para os subjugar.

8. A maioria das guerras com que ele diz ter “acabado” não sabe quais são, nem se existiam à data em que “acabou” com elas, ou se continuam, haja ou não haja acordo assinado na Casa Branca, apoiado por subornos e ameaças, as suas armas principais. Uma, entre o Egipto e a Etiópia, não existia; outra, entre a Sérvia e o Kosovo, está longe de acabar, embora o truque que ele usa seja chamar “guerras” a todos os conflitos, mesmo que não tenham expressão militar ou que, se a tiverem, se tratem de pouco mais do que escaramuças fronteiriças, que se repetem periodicamente e que tornarão a repetir-se.

9. Nalguns casos, como no conflito entre a Índia e o Paquistão, os responsáveis indianos literalmente gozaram com a afirmação de Trump de que tinha sido ele a “acabar” com o conflito. Na verdade, na Casa Branca devem andar a ver catálogos de conflitos pelo mundo inteiro para que o Presidente tenha mais uma “guerra” com que “acabar”.

10. Sim, acabou com uma guerra, a que disse que existia entre o Camboja e Arménia, como ele afirmou no seu discurso nas Nações Unidas. Acontece que essa guerra não existia, e seria absurda se alguém visse um mapa ou tivesse a mínima noção de geografia. Se houver algum dia uma guerra entre o Camboja e a Arménia, então merece mesmo o Prémio Nobel da Paz porque acabou com ela por antecedência.»