5.6.21

García Lorca nasceu num 5 de Junho

 



Federico del Sagrado Corazón de Jesús García Lorca nasceu em Granada, em 5 de Junho de 1898.

Poeta e dramaturgo, conta-se entre as primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola. Foi fuzilado, com 38 anos, em Agosto de 1936, entre 17 e 19, pelo seu alinhamento político com os Republicanos e por ser declaradamente homossexual.

Todos os anos, nessa data, em Viznar, perto de Granada, ciganos cantam, dançam e dizem poesia em honra de Lorca e de cerca de 3.000 fuzilados pelos franquistas, cujas ossadas se encontram por perto.



Mas um dos seus «cartões de visita» será sempre:


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A indústria de falsificações do Estado Novo

 

Números falsos do Avante!, de O Jovem, da FPLN, e um comunicado com falsas biografias de candidatos da oposição ARQUIVO EPHEMERA.
(Clicar AQUI para ver em tamanho maior)

«Numa altura em que a direita radical tenta recuperar o conjunto da sua história no século XX, ou seja, os 48 anos em que governou Portugal em ditadura, porque precisa de reforçar a sua legitimidade limpando-se do seu passado, para demonizar à vontade o dos “outros”, vale a pena olhar para o que foi esse período negro da nossa vida colectiva. Ou pensam que foi a esquerda que governou de 1926 a 1974? Como se diz em português plebeu, lata para dizerem isso têm.

Uma das técnicas é dizer que o regime da ditadura – a que não chamam assim, como é obvio – foi “indefensável”. De passagem, como se come um peão no xadrez, brevemente e sem consequências na economia do discurso, para depois não dizerem uma linha, uma palavra, um “mas”, mesmo de circunstância, sem mencionar a ditadura, as prisões e a repressão, a censura, e os milhares de mortos da guerra colonial durante a módica quantia de 48 anos. Terra de leite e MEL, com um pequeno problema, que é “indefensável no plano político”, mas nem sequer se diz porquê, porque estragava o resto, o que é “defensável”. O que está implícito é que em muitas outras matérias é “defensável”. Foi isto que fez um académico numa intervenção estritamente política e com muito pouco de académico, Nuno Palma, no MEL. No sentido weberiano percebe-se bem de mais o mecanismo da empatia com aquilo que é eufemisticamente classificado apenas como o Estado Novo. E desafio o Polígrafo a desmentir-me.

O problema do contexto é iludido e, neste caso, o contexto é tudo. Não faltam exemplos do contexto que, esse sim, falta aqui. Só a Censura tinha uma história longa e exemplar para contar, mas não havia só Censura, havia falsificações, fake news, com a publicação pela Legião Portuguesa e pela PIDE de documentos falsos, disfarçados de verdadeiros. Era uma prática muito comum, que abrangia panfletos com assinaturas falsas, exemplares falsos de jornais clandestinos e cartazes com imagens manipuladas, de que os que aqui reproduzo são meros exemplos. Desde Salazar, mentindo publicamente sobre o assassinato de Delgado, ao legionário da esquina, a falsidade era o corrente. A falsidade, a calúnia e a difamação como instrumento de ataque aos opositores.

Dos exemplares que reproduzo acima um é particularmente repulsivo, a “biografia” de Mário Sottomayor Cardia. Cardia é acusado de roubar dinheiro nos vestiários da Cidade Universitária para ir cear ao restaurante Mónaco, de onde saía embriagado, e de ter sido protegido pela PIDE por ter participado num atentado à bomba. Tenho a certeza, mas tenho mesmo a certeza, que haverá quem leia isto hoje e pense: “Se calhar era mesmo verdade.” Hoje, em 2021, porque quando este papel imundo foi feito quem o lia percebia que a PIDE ou a Legião estava a fazer o seu trabalho sujo. Do modo como as coisas estão, era mais inócuo lê-lo em 1969 do que hoje.

A coisa repugna-me em particular, porque Sottomayor Cardia foi nesta altura preso e espancado pela PIDE, provocando-lhe um deslocamento de retina. Cardia era um homem tão franzino, como corajoso, e a violência contra ele é por si só uma “marca de água” da brutalidade da ditadura “indefensável”. Aliás, a mesma propensão dos valentes polícias e pides para baterem em homens de constituição frágil provou-a Urbano Tavares Rodrigues. E, em bom rigor, muitas e muitas centenas de comunistas, anarquistas, oposicionistas, ou inocentes apanhados por engano, como os primeiros acusados do atentado a Salazar que, como é óbvio, “confessaram”.

Eu, aos do MEL, do Observador, dos novos think tanks e da galáxia comunicacional cada vez mais vasta, percebo-os bem de mais. Esmagados pela ditadura férrea do PS, do PCP e do BE, e pela inoperância da “direita fofinha”, ou seja, o PSD, o que os irrita é não poderem assumir uma inocência que a sombra dos 48 anos de governo da direita em ditadura lhes tira. Mas em conclave estão cada vez mais à vontade para louvar essa direita não fofinha que nos protegeu do comunismo durante quase todo o século XX.

Eles pensam. que são muito corajosos combatentes contra o ditador António Costa, mas são apenas lampeiros. Grandes palavras tem o português. E ouçam-se as palmas – aliás, o padrão das palmas no MEL é idêntico em todos os oradores, de Ventura a Sérgio Sousa Pinto –, que são o retrato da audiência na sala, do que quer e do que lhe interessa. E esse padrão é muito mais sinistro do que tudo o resto. Não se ponham a pau…»

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4.6.21

Jorge de Sena

 


Jorge de Sena morreu há 43 anos.
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04.06.1989 –Tiananmen e o silêncio

 


Voltei há três anos à Praça Tiananmen. Confirmo que 1989 continua a ser tabu intransponível e retive o silêncio da simpática guia que nos acompanhava. Várias vezes interrogada, foi dizendo que dos acontecimentos de 1989 «nada sabia», que nasceu e vivia então na Manchúria, que nada viu, que não se aprende na escola, que há muitos milhões de chineses que nunca ouviram falar desse não assunto. «Não sei nada, não posso saber, não insistam, por favor.» Calámo-nos – respeitosamente.
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We speak english, pá!

 


«Primeiro vendemos a autonomia financeira do Estado, depois vendemos os bancos e as grandes empresas, a seguir vendemos as dívidas falidas a fundos-abutre por 10%, vendemos a cobrança de impostos a reformados europeus e vendemos-lhes os prédios nas avenidas das cidades, as casas na praia e as quintas no campo, agora vendemos a vergonha e as regras nacionais em troca de barris de cerveja e pires de amendoins, come to Portugal, aqui é very nice, por umas libras é all you can eat com bebidas à parte, abrimos as portas, abrimos os braços e até abrimos as penas, toste o pão e toste ao sol, os nossos baixos salários são o seu paradise, isto sai baratinho, faça o que lhe aprouver, leve o que quiser, deixe like no TripAdvisor — e até à próxima, má frend!

Quero lá saber da Cham¬pions, não dou para o peditório da semana, mais a marquise do Ronaldo, mais fazer de Eduardo Cabrita a pinhata da nação e o embaraço de ouvir o dono da Ryanair mandar o Governo bater a bola baixinho porque traz mais turistas líquidos a Portugal do que a TAP. Eles até estavam todos testados, a julgar pelas notícias houve até mais ingleses assaltados do que infetados no Porto. A questão não é essa, interessa-me mais o que está por detrás do que o que nos põem à frente. E o que está por detrás é um país aflito a governar-se supondo-se governado.

Mais vale dizer a verdade, servimos sardinhadas porque estamos tesos como carapaus, e não se trata de xenofobia invertida, em que tratamos os estrangeiros melhor do que os portugueses, mas de carência-urgência. E por isso os ingleses estão acima das regras sanitárias, os suecos e os finlandeses abaixo da tributação de IRS, a TAP engole três mil milhões porque precisamos dos brasileiros e dos americanos, queremos 27 milhões de turistas daqui a meia dúzia de anos porque isso é o nosso ganha-pão.

São todos bem-vindos, sem ponta de ironia, turistas e capitalistas. Mas assuma-se o modelo. E assuma-se que o modelo é uma economia descapitalizada e sobre-endividada, uma economia desinvestida, uma economia de baixos salários, baixos preços e trabalhos precários, em que o imobiliário é para ricos, em que o interior se esvazia, em que os miúdos têm de rachar a renda da casa primeiro com os colegas de universidade e depois com os colegas de trabalho, em que não somos esquisitos com a origem do capital, em que o PRR é uma galinha já esfolada antes de sair do ovo de ouro, em que o país está de tanga há 20 anos e engolir conversa da tanga há 20 anos, não há plano B, estamos dispostos à barganha, aos vistos gold, aos benefícios fiscais, às negociações discretas, à venda ao melhor preço.

É isto que vemos na Ribeira do Porto, nos jardins de Lisboa ou nas ruas de Albufeira, exceções consentidas à regra porque, dizia Molero, “os camones são uns naifistas do caneco”, têm dinheiro e nós não, e isso justifica uma lei paralela para abrir as portas e fechar os olhos.

Pergunta-se pelo futuro e respondem PRR, questiona-se a dívida e falam de BCE e do adiamento das regras do Pacto Orçamental. Se Costa fosse Durão, pirava-se a tempo para a Europa, como Centeno já se mudou para a filial portuguesa do BCE, e deixava isto ao próximo gestor de falências, que lá engrenará no círculo vicioso do sistema viciado. Assim como assim, nós ficaremos cá, mais abanados que abonados, à espera de um futuro diferente do de sermos a marquise da Europa.»

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3.6.21

Do passado que passou

 


Há oito anos, andava por Barcelona e passei uma hora de 3 de Junho na fila para conseguir entrar na Sagrada Família e muito mais tempo para rever esta extraordinária obra de Gaudí, que me arrasa sempre.

Em 2021?... Por aqui, em Benfica, sinceramente não sabendo se estou em Situação de Calamidade ou de Alerta, sem que essa ignorância me afecte minimamente. E quanto a catedrais, só me resta ir à marquise (sim, eu tenho uma marquise) e olhar para a do Glorioso, tristemente silenciosa e vazia.
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Cabrita: pior é sempre possível

 


(Daqui)
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35 milhões para perseguir migrantes

 


Assim vai a UE...
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Três anos



 

«O abismo está aí. O envelhecimento e o despovoamento são uma ameaça. E as assimetrias são evidentes. As regiões mais próximas da raia estarão, em 2050, entre as mais envelhecidas da União Europeia. À região das Beiras e Serra da Estrela caberá, dentro de menos de 30 anos, o pouco apetecível título de região mais envelhecida de Portugal.

No que diz respeito à demografia, o país não avança, apenas recua. Mas até nesta matéria a evolução é desigual: a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve serão as únicas regiões que estarão abaixo da média dos 50 anos de idade, em 2050.

O que parece ser de desesperança é de esperança para o primeiro-ministro, como o próprio sublinhou na conferência dos 133 anos do JN. António Costa olha para um interior sem fronteiras, mais próximo da Europa, mesmo que pareça longe de tudo. E para o Plano de Recuperação e Resiliência como uma verdadeira oportunidade.

Mas o verdadeiro salto, num ano de transição no poder autárquico, dar-se-á com o tempo. Avaliar a descentralização, dar competências às comissões de coordenação regional, e se, completa o primeiro-ministro, e se for tudo pelo melhor, dentro de três anos avançar para um processo de regionalização.

Vale a pena reter alguns números, antes dessa longa espera, durante a qual grande parte dos fundos do PRR já estarão gastos. A Administração Local tem pesado, nos últimos anos, 12% a 14% da despesa pública - estamos, portanto, ao nível de estados tão centralizados quanto a Hungria ou o Reino Unido. E muito longe de países como a Alemanha, que entrega à administração local e regional 35% da sua despesa pública, ou de Espanha, que permite que sejam as comunidades e as autarquias a gerirem 33% do total da despesa do Estado.

Somos um dos países mais centralizados da Europa, apesar de ser evidente que o Estado é bastante menos eficaz quando está em causa gastar o dinheiro dos contribuintes. E mais um dado objetivo para reflexão: apesar de as autarquias receberem cerca de 14% das receitas, são responsáveis por 52% do investimento público.

Sem cair na tentação de julgar que as câmaras são capazes de resolver todos os problemas, não deixa de ser urgente e necessário promover reformas políticas de fundo - chamem-lhe descentralização, desconcentração ou um outro nome qualquer que não assuste tanto o Terreiro do Paço como pelos vistos sucede com a regionalização.

E daqui a três anos pode ser tarde.»

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2.6.21

O futebol é o nosso pão e o que nos «induca»

 


«Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Felipe VI e Pedro Sánchez vão juntar-se em Madrid na sexta-feira para apoiarem as candidaturas das respectivas Federações de Futebol ao Mundial de 2030.»

(Expresso, 01.06.2021)
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Julio Cortázar

 

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Ronaldo cansou-se...


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Se fosse só parolice futebolística

 

Octávio Passos
 

«Não correu “na perfeição”, diz o primeiro-ministro, dois dias depois. É uma expressão económica para explicar a evidência de uma inevitabilidade: as claques dos clubes finalistas da Champions só podiam pavonear-se na cidade, testar as polícias, ensaiar o seu ballet porradístico e emborcar litros de cerveja. Suponho que nenhuma autoridade ignorava que assim seria, mas, como foi explicado pelo secretário de Estado do Desporto, o evento estava destinado a prestigiar a Federação de Futebol e melhorar o seu ranking, além de deixar alguns trocos nos lojistas do Porto.

Aceitando o evento com somente duas semanas de antecipação, Portugal mostraria uma faceta acolhedora e complacente, que não deixará de sensibilizar os grandes do futebol, repete o secretário. Falhou a “bolha”, como não podia deixar de ser, parece que não conhecem as claques inglesas, mas teria ficado o prestígio.

Nada disto surpreende. Há aqui uma mistura entre parolice desportiva, aceitando que o poder dos clubes e eventos internacionais é um território de exceção (já foi assim com a Fórmula 1 no Algarve no verão passado), e a submissão ao turismo como o desígnio nacional. Venho porque Portugal é um país barato, repetem os desembarcados, e nós sabemos o que isso quer dizer. O Ministério discute as listas verdes e amarelas do Reino Unido como se fosse a prioridade da nossa diplomacia. Os noticiários festejam o número de charters de cada dia.

O turismo tornou-se o alfa e o ómega da economia: disfarça as estatísticas das exportações, o que fica sempre bem, cria uma rede de serviços sem valor acrescentado mas com liquidez imediata e alimenta uma cultura de conformismo e deslumbramento para com os visitantes, mesmo que para muitos destes seja indiferente se os vapores etílicos são absorvidos em Albufeira ou em qualquer outra latitude. Como é evidente, esta mistura entre subserviência futebolística internacional e contabilidade de turistas só podia dar asneira.

Os clubes nacionais protestaram e têm razão. Mesmo descontando o estilo atrabiliário de Pinto da Costa, como não reconhecer que, se pode haver público num jogo internacional, é absurdo proibir o público num jogo nacional? São as normas que tornam legível uma estratégia de combate à pandemia que exige a medida do nosso comportamento e, por isso, ao aceitar e mesmo promover a sua violação, as autoridades portuguesas colocaram-se numa situação impossível, não querem ser levadas a sério.

Se as regras têm aplicações distintas em função da nacionalidade do peão, então não são regras sanitárias, são truques económicos. Depois disto, a correr atrás do prejuízo, o governo pode vir a abrir a possibilidade de público em alguns acontecimentos desportivos ou outros. O que lhe coloca outro problema, esse pior: e os Santos Populares? O Governo dirá que não pode ser, e toda a gente pensará que se se puser a falar inglês talvez se safe e possa ir para a rua beber cerveja ou comer sardinhas.

Com a enorme vontade de retomar o convívio social, com os jovens a quererem voltar para a rua, o Governo teria que tratar com pinças os sinais que dá e criar as melhores condições para esse regresso à vida, rápido e seguro. Precisamos disso. O que não podemos ter é um passo atrás, sobretudo se resultar de erros evitáveis. No momento atual, o desastre da Champions tornou as autoridades sanitárias suspeitas e as imagens da pândega na Ribeira do Porto relativizaram todos os seus avisos e precauções. Assim, não sei se o Governo se dá conta da profundidade da mágoa que criou. Talvez ache mesmo que não foi tudo uma “perfeição” mas que a Federação está bem vista pelo jeitinho que deu aos seus parceiros europeus e segue jogo.»

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1.6.21

Desapareceu um símbolo

 


Morreu Carlos Alberto Ferreira, o homem que subiu sozinho a Avenida da Liberdade no 25 de Abril de 2020. Esta imagem pode ficar como um símbolo de perseverança num mundo que tende a não se recompor e a pouco aprender.
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Porto: isto não se inventa


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Um de dois caminhos

 


«Em Portugal, mais de um em cada dez trabalhadores está em situação de pobreza. Mais de dois em cada dez trabalhadores por conta de outrem recebem apenas o salário mínimo nacional. E somos dos países da Europa com mais trabalho precário, que agora ganhou novas formas, com a proliferação de plataformas que quebram as relações laborais e tratam trabalhadores mal pagos como se de empresários se tratassem.

Entre 2015 e 2019, o Bloco apoiou um Governo que cumpriu o acordo que fizemos: travar o empobrecimento e recuperar os rendimentos cortados pela troika. Eliminou-se cortes salariais, aumentou-se as pensões e os apoios sociais, reviu-se, ainda que modestamente, os escalões do IRS. Mas não se tocou na lei laboral, que é uma das principais razões dos baixos salários de que o país está refém.

O desmantelamento dos mecanismos de proteção coletiva dos trabalhadores, combinado com a facilitação do despedimento e com a proliferação de contratos temporários, funcionam como uma tenaz sobre os rendimentos do trabalho. Não é por acaso que a troika e a direita os impuseram como parte de um plano de empobrecimento generalizado. Sim, porque não esquecemos que havia quem, como Passos Coelho e Paulo Portas, acreditasse que só empobrecendo o povo se recuperaria a economia. O resultado foi mais pobres e menos economia.

A eliminação da terrível marca da troika também da lei laboral é, por estas razões, uma das prioridades que o Bloco elegeu para a legislatura. E embora o PS tivesse criticado, na oposição, muitas destas medidas, em 2019 rejeitou qualquer alteração ao Código de Trabalho. Essa foi, aliás, a sua principal justificação para a recusa de celebrar com o Bloco um acordo escrito para estes quatro anos. Recusa que manteve em 2020 e que impediu um acordo sobre o Orçamento do Estado.

Como pode um partido que se intitula de esquerda formar um Governo que diz querer governar à esquerda, liderado por um primeiro-ministro que afirma querer entendimentos com os partidos à sua esquerda, não aceitar tocar na lei laboral que a direita deixou? Ainda mais sendo o trabalho uma área central na intervenção para qualquer partido de esquerda? E como pode depois acusar o Bloco de má vontade por não aceitar um acordo que exclua a lei laboral? A incoerência é óbvia. E para tentar lidar com ela, o PS pode escolher um de dois caminhos. O primeiro é alterar a lei da troika e criar um regime verdadeiro de proteção laboral dos trabalhadores das plataformas. O segundo, muito mais frágil, é formular um discurso redondo sobre intenções vagas, enredar a opinião pública num debate sobre uma proposta que parece fazer o que não faz e, no fim, acusar o Bloco de má vontade.

"O PS deve assumir a revisão da legislação laboral". Todos os jornais noticiaram a frase de António Costa na sua moção ao congresso do PS como se fosse novidade. O resto da moção, no entanto, já conhecíamos. Nem compromissos sobre o reconhecimento do vínculo dos trabalhadores das plataformas, nem limitações ao trabalho temporário e muito menos a eliminação das normas da troika da lei laboral. Esperamos para ver a que caminho conduzirá a vontade do PS.»

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31.5.21

Santos populares?

 


Sim, nós podemos?

(Pedro Vieira no Facebook)
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Cristiano Ronaldo: e atrás da marquise?

 


Em 2015, CR comprou um apartamento em Nova Iorque por mais de 18 milhões de dólares e eu encontrei neste blogue a fotografia de uma das salas – que mete medo ao susto, na minha opinião.
Deixem lá a marquise, pode ser que esteja linda com móveis da IKEA.
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Párias por efeito do complexo da pequenez

 


«Os britânicos voltaram a gozar de privilégios no Porto que se julgavam extintos há séculos. Como outrora, tiveram por estes dias direito a leis exclusivas e a estatutos de excepção. Puderam fazer o que os indígenas não podem, como reunir-se aos magotes com cerveja na mão, assistir a um jogo de futebol ao vivo, deambular em hordas pela rua e, aqui e a ali, dar largas ao mau feitio estimulado pelo álcool. Tinham prometido que nada disto aconteceria, que eles viriam e iriam numa bolha de segurança, que teriam os movimentos condicionados por “fanzones”, que haveria a garantia de que todos tinham feito testes e seriam acompanhados. Era mentira.

Os jovens que jogaram a final do campeonato de râguebi acreditaram que a recusa da DGS da presença de 500 espectadores se baseava na aplicação de um critério universal, como manda o Estado de direito. Os jovens que noite sim, noite não são convidados pela polícia a desamparar os miradouros, também. Os donos dos restaurantes que correm com os clientes que se atrasam na sobremesa à hora do fecho, também. Os adeptos do futebol que sonharam com uma última jornada com duas ou três mil pessoas nos estádios, também. Quem se sujeita ao cumprimento da lei não pode aceitar que o Estado o trate como um pária no seu próprio país.

Foi isso que aconteceu. O que os portugueses não podem fazer outros podem. Aquilo que os portugueses têm de cumprir os ingleses não têm. O estado de calamidade só vincula os nacionais. As medidas de protecção, os avisos, os apelos, as matrizes existem para que o vírus não se transmita de uns para outros, mas essa hipótese não existe com adeptos do Chelsea ou do City. Tanto como a mentira da bolha de segurança, a subserviência ante a UEFA, a corrosão da autoridade do Estado ou o descontrolo e indecisão que este domingo assinalámos neste espaço, o complexo da pequenez face à final europeia causa um dano grave. Quem for rico e vier de fora fica imune à situação de calamidade.

Portugal precisa de turismo e para o ter precisa de mostrar ao mundo um certo ar de normalidade. Uma final da Champions serviria para esse fim, sem dúvida. Mas há um equilíbrio obrigatório entre os eventuais ganhos de imagem lá fora e o insulto à dignidade dos portugueses cá dentro. Um país decente não ajusta nem suspende as regras em vigor. Nem para os adeptos do Sporting, como aconteceu no final do campeonato nacional, nem para estrangeiros. Todos são iguais perante a lei. O Governo deixou essa regra basilar em pousio. Deslumbrou-se com a final e cometeu um erro grave.»

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30.5.21

Este é o tempo

 

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Resposta óbvia



 

- Com a sua idade respeitável, se pudesse optar entre Parkinson e Alzheimer, o que escolheria?
- Parkinson, obviamente. Prefiro entornar metade do vinho do que não me lembrar onde pus a garrafa.
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Pontapé na bolha



 

«O primeiro remate desenquadrado com a baliza na final da Liga dos Campeões foi feito pelo Governo. Anunciou uma bolha que não existiu e teimou nessa mensagem quando centenas de ingleses já se divertiam e andavam à cacetada pelas ruas do Porto.

Ironicamente, já durante a tarde de ontem, a Proteção Civil enviou uma SMS aos portugueses alertando para a necessidade do uso da máscara e do distanciamento social e relembrando que é proibido beber álcool na via pública!

Voltamos, portanto, à questão da comunicação, o verdadeiro calcanhar de Aquiles do Governo de António Costa durante a longa gestão da pandemia. E voltamos a uma política de dois pesos e duas medidas.

O problema nem foi tanto a presença dos adeptos do Chelsea e do Manchester City no Porto, até porque todos tiveram de ser testados à covid-19 antes de embarcarem. O problema foi mesmo a embrulhada de palavras, ou melhor, o anúncio do plano do Executivo para a organização da prova em condições de segurança.

Recordemos as declarações de Mariana Vieira da Silva, ministra de Estado e da Presidência, sobre as medidas preparadas pelo Governo para receber os mais de 16 mil adeptos britânicos que viajaram até à Invicta. "As pessoas que vierem à final da Liga dos Campeões virão e regressarão no mesmo dia, com teste feito, em situação de bolha, ou seja, em voos charter, com deslocações para uma zona de espera. Daí irão para o estádio e depois para o aeroporto, estando em território nacional menos de 24 horas, numa permanência em bolha e com testes obrigatórios, feitos, em princípio, antes de entrarem no avião", prometeu.

Mas só se engana quem quer ser enganado e nem mesmo aqueles que não acompanham fenómenos desportivos desta natureza achariam possível que os adeptos ingleses viessem ao Porto e não se juntassem para beber cerveja nas esplanadas e trocar mimos pelas ruas. Ainda por cima com o tempo a ajudar à festa.

Seguem-se as declarações da UEFA a explicar que seria apenas aconselhável e não obrigatório que os adeptos viajassem no próprio dia do jogo. Depois, ficamos a saber que os clubes ingleses também não impuseram restrições de viagens aos apoiantes na compra dos bilhetes. E já com os ingleses em força no Porto, a PSP esclarece que o termo bolha "não faz parte do léxico policial. Não há limitação de movimentações de adeptos. Se estiverem espalhados pela cidade, vamos ter de nos adaptar a essa circunstância", disse o responsável pela operação.

O país percebeu rapidamente que não havia qualquer plano para conter e evitar algum exagero entre os ingleses. Não havia bolha. Nem estratégia. A única que o país viu foi a dos adeptos a comer, a beber e a confraternizar com os amigos.

É certo que não há melhor marketing para o turismo do que esta ilusão de que em Portugal já está tudo ok. Mas não há nada pior que, depois do caso de Alvalade, voltar a passar a ideia de que no nosso país há dois pesos e duas medidas.»

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