«Primeiro vendemos a autonomia financeira do Estado, depois vendemos os bancos e as grandes empresas, a seguir vendemos as dívidas falidas a fundos-abutre por 10%, vendemos a cobrança de impostos a reformados europeus e vendemos-lhes os prédios nas avenidas das cidades, as casas na praia e as quintas no campo, agora vendemos a vergonha e as regras nacionais em troca de barris de cerveja e pires de amendoins, come to Portugal, aqui é very nice, por umas libras é all you can eat com bebidas à parte, abrimos as portas, abrimos os braços e até abrimos as penas, toste o pão e toste ao sol, os nossos baixos salários são o seu paradise, isto sai baratinho, faça o que lhe aprouver, leve o que quiser, deixe like no TripAdvisor — e até à próxima, má frend!
Quero lá saber da Cham¬pions, não dou para o peditório da semana, mais a marquise do Ronaldo, mais fazer de Eduardo Cabrita a pinhata da nação e o embaraço de ouvir o dono da Ryanair mandar o Governo bater a bola baixinho porque traz mais turistas líquidos a Portugal do que a TAP. Eles até estavam todos testados, a julgar pelas notícias houve até mais ingleses assaltados do que infetados no Porto. A questão não é essa, interessa-me mais o que está por detrás do que o que nos põem à frente. E o que está por detrás é um país aflito a governar-se supondo-se governado.
Mais vale dizer a verdade, servimos sardinhadas porque estamos tesos como carapaus, e não se trata de xenofobia invertida, em que tratamos os estrangeiros melhor do que os portugueses, mas de carência-urgência. E por isso os ingleses estão acima das regras sanitárias, os suecos e os finlandeses abaixo da tributação de IRS, a TAP engole três mil milhões porque precisamos dos brasileiros e dos americanos, queremos 27 milhões de turistas daqui a meia dúzia de anos porque isso é o nosso ganha-pão.
São todos bem-vindos, sem ponta de ironia, turistas e capitalistas. Mas assuma-se o modelo. E assuma-se que o modelo é uma economia descapitalizada e sobre-endividada, uma economia desinvestida, uma economia de baixos salários, baixos preços e trabalhos precários, em que o imobiliário é para ricos, em que o interior se esvazia, em que os miúdos têm de rachar a renda da casa primeiro com os colegas de universidade e depois com os colegas de trabalho, em que não somos esquisitos com a origem do capital, em que o PRR é uma galinha já esfolada antes de sair do ovo de ouro, em que o país está de tanga há 20 anos e engolir conversa da tanga há 20 anos, não há plano B, estamos dispostos à barganha, aos vistos gold, aos benefícios fiscais, às negociações discretas, à venda ao melhor preço.
É isto que vemos na Ribeira do Porto, nos jardins de Lisboa ou nas ruas de Albufeira, exceções consentidas à regra porque, dizia Molero, “os camones são uns naifistas do caneco”, têm dinheiro e nós não, e isso justifica uma lei paralela para abrir as portas e fechar os olhos.
Pergunta-se pelo futuro e respondem PRR, questiona-se a dívida e falam de BCE e do adiamento das regras do Pacto Orçamental. Se Costa fosse Durão, pirava-se a tempo para a Europa, como Centeno já se mudou para a filial portuguesa do BCE, e deixava isto ao próximo gestor de falências, que lá engrenará no círculo vicioso do sistema viciado. Assim como assim, nós ficaremos cá, mais abanados que abonados, à espera de um futuro diferente do de sermos a marquise da Europa.»
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