15.2.25

Charka?

 


Charka montada em prata com forma de pássaro, São Petersburgo, 1896.
Carl Fabergé.

Daqui.

O tempora, o mores

 


O território de um povo não é imobiliário transacionável

 


Perdido no seu labirinto de mitómano e saído do mundo dos reallity shows, Trump rodeou-se de um naipe de aventureiros plutocratas parecidos consigo em matéria de desígnio, ou seja, abocanhar o melhor, mesmo à custa de tempestades de pobreza como se está verificando no DOGE encabeçado por Musk para despedir centenas de milhar de funcionários, substituindo-os pela IA.»

Domingos Lopes

Com que então Trump não ia fazer o que dizia que ia fazer?

 


«Este era o argumento dos minimizadores de Trump que, ou com manifestações de simpatia envergonhada ou alta ciência académica, diziam que não havia preocupações com Trump, porque aquilo que ele dizia era retórica eleitoral e, quando chegasse lá, seria “moderado”, até porque estava mais preparado do que em 2016 e tinha uma equipa.

Claro que há coisas que ele disse que ia fazer que já se sabia que eram impossíveis, a maioria das promessas para o “primeiro dia” em que seria “ditador”. Outras implicavam tal desordem nacional e mundial que eram também praticamente impossíveis. Mas eu – dou agora um tom pessoal à coisa, porque tive de ter tanta paciência para ouvir os minimizadores de Trump – sempre disse que, mesmo que não fizesse exactamente como prometia, ia tentar e, nessas tentativas, ia fazer enormes estragos. Outras ia fazer mesmo, logo que pudesse.

O que se passa nos EUA é uma verdadeira revolução que não é conservadora, nem reaccionária, nem fascista, a não ser que consideremos que esta é a forma do fascismo no século XXI. Não queria muito ir por aí, porque o remake dessas classificações tende a valorizar o que é semelhante e ocultar o que é diferente, e é ao que é diferente que temos de dar atenção. Mais: se queremos fazer parte da “resistência”, é o que é diferente que temos de combater.

Num certo sentido, é fácil definir o que aconteceu. Numa democracia e, no essencial, com as regras democráticas, Trump, com o seu movimento MAGA, ganhou as eleições de forma significativa para todas as instituições nacionais que vão a votos nos EUA: Presidência, Câmara dos Representantes e Senado. Isso por si só não garantia o quase poder absoluto que Trump tem hoje, se não existisse uma maioria “trumpista” no Supremo Tribunal. Essa maioria foi constituída num processo com muitos aspectos irregulares durante a anterior presidência de Trump, com a nomeação de juízes que mentiram nas suas intenções durante as audiências prévias e foram escolhidos pela fidelidade ao programa político MAGA. Se não fosse assim, Trump nunca teria condições para concorrer a eleições, porque teria sido condenado em vários processos, o que não aconteceu porque o Supremo Tribunal lhe deu imunidade absoluta. Ao fazer isso durante a presidência Biden, bloqueou o funcionamento do aparelho judicial em todas as questões decisivas e abriu portas aos abusos de poder de Trump.

Eleito com uma maioria significativa, não aquela de que ele se gaba, Trump disse ao que vinha – antes, durante, e depois, se houver um depois. O que ele disse põe em causa a democracia americana, o primado da lei e o funcionamento regular de todas as instituições e, se há coisa pela qual ele não pode ser criticado, é por não ter dito ao que vinha. Quem votou nele sabia o que ele ia fazer e, por isso, assume uma responsabilidade directa no que está a acontecer. A ideia de que não se pode criticar as opções populares numa democracia é absurda, quando essa opção põe em causa a própria democracia. Foi assim com Hitler, com Perón, com Milei, com Trump, como com os eleitores da Frente Nacional, da AfD, do Vox, etc., por uma razão muito simples: é que a democracia parte da vontade popular, mas implica o primado da lei, os direitos humanos, a igualdade dos homens e das mulheres, a recusa do racismo. Ou é o pacote completo ou não é democracia. E o que Trump está a fazer nada tem que ver com a democracia.

Há toda uma discussão séria sobre porque é que isto aconteceu, a responsabilidade dos democratas, as imbecilidades vanguardistas woke, que também nada têm de democrático, as características do sistema eleitoral americano, o desprezo elitista pela dignidade dos de “baixo”, os que acham que a imigração não é problema, os abusos do capitalismo do “sistema”, por aí adiante, mas essa discussão, a ter e a haver, não pode servir para ocultar debaixo do manto da culpa o combate ao que está hoje no poder. E é por isso que os minimizadores de Trump, apanhados agora pela realidade do “trumpismo”, fazem parte do problema e não da solução.

Temos por cá vários minimizadores da coisa, embora alguns sejam apenas minimizadores porque têm vergonha de serem “trumpistas”, mas, no fundo, gostam do que ele está a fazer. O grupo mais numeroso é o dos que ficam felizes com a vitória de Trump porque ele amesquinhou e humilhou a esquerda, da esquerda moderada aos radicais woke. Há quem também ache que ele está a fazer o que eles gostariam de fazer, a despedir funcionários públicos, a cortar despesas a eito, a acabar com programas sociais. São os “liberais” de hoje, que gostariam de ter um Elon Musk a mandar, à falta de um Milei. E são os nacionalistas do Chega, que são antiglobalistas e antieuropeus e querem a perseguição dos muçulmanos e dos imigrantes “monhés”. E várias variantes de reaccionários, desde os integristas religiosos aos pais que acham que as escolas depravam as suas crianças com ideias perigosas sobre o sexo. E, por fim, os pró-russos, comunistas e outros, gostam de Trump, e não é pouco, e querem ver a Ucrânia derrotada em toda a linha.

Do Governo, em particular no Ministério dos Negócios Estrangeiros, ao secretário-geral do PSD, do PCP ao CDS, passando pelo previsível Chega, nos comentadores universitários sempre a tentar “teorizar” e racionalizar a coisa, há um amplo leque de minimizadores que hoje deviam dizer que ou estão a favor ou se enganaram, o homem está a fazer o que disse que ia fazer.

Os discípulos de Neville Chamberlain são sempre os mais perniciosos quando há resistência a ter face ao mal agressivo. Não há que ter ilusões: o trumpismo está cá e os minimizores são o instrumento para alargar a sua influência.»


Um pouco mais de azul (24)

 




14.2.25

Regressam os vasos

 


Vaso em vidro castanho alaranjado opaco, com decoração de motivos florais, feita com ácido, e inserido numa montagem avermelhada. Cerca de 1885-1900.
Émile Gallé e Gustave-Roger Sandoz.

Daqui.

AR: assim, NÃO

 


Ou se trava o nível a que ontem se chegou, fazendo tudo o que for necessário para que isso aconteça, ou assistiremos à possível aceleração do fim da nossa democracia.


Dia dos Namorados?

 


E quando a IA controlar o botão nuclear?

 


«Os EUA não querem só anexar a Gronelândia e o Canadá ou transformar a Faixa de Gaza numa espécie de Riviera. Querem estender o império à inteligência artificial (IA), a todo custo e sem qualquer controlo.

Sem rodeios, o recado foi dado pelo vice-presidente J. D. Vance aos líderes mundiais e grandes empresários presentes na cimeira de Paris sobre IA. “A Administração Trump está preocupada com os relatórios de que alguns governos estrangeiros estão a considerar apertar a vigilância às empresas de tecnologia dos EUA com presença internacional. A América não pode e não vai aceitar isso”, avisou.

Nesse sentido, recusou-se a assinar a declaração internacional para uma inteligência artificial aberta, inclusiva e ética, subscrita por mais de 60 países. O Reino Unido também ficou de fora, alegando que o acordo não está em linha com os interesses do país. Surpreendentemente, a China comprometeu-se com o documento que apela também a uma IA sustentável para as pessoas e para o planeta, que proteja os direitos humanos, a igualdade de género, a diversidade linguística e a propriedade intelectual. A tal China diabolizada pelo seu DeepSeek, mas que escolheu aliar-se à Europa para irritar ainda mais os EUA.

A cimeira de Paris deixou claro que não haverá consenso quanto aos limites da IA, nem quanto a um entendimento global, que os EUA e a China continuarão a sua guerra tecnológica e que a Europa reconhece que se preocupou mais em legislar e menos a inovar. Por isso, o presidente francês e a presidente da Comissão Europeia anunciaram muitos milhões e parcerias com grandes grupos internacionais para recuperar o tempo perdido.

De pouco valeu o alerta de Fei-Fei Li, uma das principais investigadoras de IA, que no arranque da cimeira desafiou governos e tecnológicas a construir “uma inteligência artificial que seja uma força para o bem, centrada no ser humano”.»


13.2.25

13.02.1965 – Humberto Delgado foi assassinado há 60 anos

 


Foi há pouco tempo, faz parte da nossa História recente. É bom não esquecer.

𝐆olfo da América?

 


Experimentei agora: Google Earth refere os dois nomes. Fica, para já, «em cima do muro»?


13.2.25 Dia Mundial da Rádio

 


Recordo uma rádio que ouvíamos, em tempos negros, com a gravação da voz de Manuel Alegre, mais do que provavelmente na emissão do dia em que Salazar morreu: era segunda-feira, nesse 27 de Julho de 1970, um dos dias da semana em que a Rádio emitia.

Dá-se conta também, entre outras notícias, do acidente aéreo em que tinham morrido quatro deputados da Ala Liberal alguns dias antes.

Ouvir Manuel Alegre, nesse dia, AQUI.
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Make Europe Great Again... nem que seja à cacetada

 


«1. Make Europe Great Again. Foi o mote para o encontro da extrema-direita europeia, em Madrid. Para os desatentos, uma cópia mal-amanhada do MAGA (Make America Great Again) de Donald Trump. Mal-amanhada porque é uma contradição absurda. Os que juntam a Europa no slogan são os que a querem destruir enquanto união económica, política e social. O comício que juntou líderes como Orbán, Le Pen, Wilders, Salvini, Abascal ou Ventura foi um tributo à insanidade, à mentira, à xenofobia e a teorias da conspiração delirantes. Família, só a “tradicional e normal, com pai, mãe e muitos filhos”, dizia um. Trump é o “companheiro de armas na batalha pelo bem”, dizia outro. Alguns vergastaram os “fascistas liberais” que substituíram a civilização cristã por uma “utopia satânica doentia” e querem “transformar os nossos filhos em aberrações trans”. Uma atacou as políticas de migração dos liberais, socialistas e centro-direita, que “esvaziam os nossos cofres e enchem as nossas prisões”. E finalmente, o que enalteceu a “Reconquista” em curso, a exemplo da que ocorreu em Espanha (Portugal e Ventura contam pouco ou nada) e expulsou os muçulmanos, já lá vão mil anos. No fundo, são os novos cruzados, com a mesma cegueira e violência.

2. Cada um tem a extrema-direita que merece. E em Portugal, pelos vistos, o que merecemos é o Chega. Os nossos cruzados, liderados por Ventura, têm currículo invejável para nos libertar das impurezas. Um rouba malas nos aeroportos, outro paga para ter sexo com adolescentes, um conduz embriagado, há o que bate no árbitro de 18 anos num jogo de futebol de crianças, o que é detido por imigração ilegal, o que não paga as dívidas, o condenado por violência doméstica e o condenado por gamanço em casas e igrejas. E finalmente, como pode ler na sua edição do JN, o que abalroa um adversário político na estrada, o ameaça de morte com uma faca na mão, e lhe destrói o carro à marretada. Gente qualificada para implementar políticas de segurança, ou já agora quaisquer outras. E capazes de fazer Portugal (e a Europa, se for preciso) grande outra vez. Nem que seja à cacetada.»


12.2.25

Personalidades portuguesas lançam petição pela Palestina

 


«A petição já foi assinada por cerca de 600 personalidades, entre políticos (Pedro Bacelar de Vasconcelos, Francisco Louçã, Albano Nunes, Joana Mortágua, Ana Gomes ou Margarida Marques), académicos (Manuel Loff, Miguel Cardina, Fernando Rosas ou Alice Samarra) e militares (Matos Gomes, Pezarat Correia ou Martins Guerreiro).

O abaixo-assinado dirigido ao Governo e às Nações Unidas (https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT124129) foi rubricado também por muitos estudantes das crises académicas dos anos 1960 (Maria Emília Brederode Santos, Joana Lopes, Alfredo Caldeira ou Daniel Branco Sampaio) e jornalistas (Adelino Gomes, Zé Rebelo, Alexandre Manuel, Anabela Fino, Pedro Caldeira Rodrigues ou Diana Andringa).»

Mais informação, com link para a Petição, que ainda pode ser assinada, AQUI.

12.02.1929 - Nuno Bragança

 


Eu já divulguei, mais de uma vez, quase tudo o que digo neste texto. Mas faz-me alguma impressão pensar que o Nuno chegaria hoje aos 96, quando ainda o revejo sempre com 30 e tal ou 40.

Morreu com 56 e vale a pena voltar a ouvir um notável documentário que a RTP tem online, com curtos extractos de uma entrevista e, sobretudo, com depoimentos de um conjunto de pessoas que o conheceu bem: Pedro Tamen, Maria Velho da Costa (depoimento interessantíssimo do ponto de vista literário), António Alçada Baptista, Nuno Teotónio Pereira, Carlos Antunes, Maria Belo e Fernando Lopes – todos menos um já desaparecidos.

Mas retomo também as minhas recordações pessoais, ainda bem vivas. De uma colheita anterior à minha, foi sempre reconhecido por todos como absolutamente excepcional, mesmo antes, bem antes, de A Noite e o Riso por aí aparecer com estrondo.

Errando pelos mesmos meios oposicionistas, os destinos juntaram-nos também em casa de amigos comuns, onde passámos longas semanas de férias – nos tais anos sessenta que por cá também foram loucos embora só para minorias, em plena Serra da Arrábida, sem electricidade e quando um gira-discos a pilhas, vindo da América, fez figura do mais sofisticado robô. Um pouco mais tarde, viria a acampar, no sentido estrito da palavra, no minúsculo apartamento em que o Nuno viveu vários anos em Paris. E confirmo o que a lenda conta: saía de casa por volta das cinco da manhã para escrever durante algumas horas antes de iniciar mais um dia de trabalho.

Para a História ficou sobretudo o escritor e o excelente documentário U Omãi Qe Dava Pulus, de João Pinto Nogueira. Eu registo também o católico resistente, boémio e espartano, fundador de «O Tempo e o Modo», membro do MAR (Movimento de Acção Revolucionária), colaborador das Brigadas Revolucionárias, o conspirador por feitio e por excelência – neste caso, não tanto A Noite e o Riso, antes Directa e Square Tolstoi.

Reencontrei há alguns anos esta velha fotografia de um jantar colectivo, onde fiquei sentada quase em frente do Nuno. Quase todos os que lá estavam já se foram embora. Mas devo-lhes muito do que hoje sou. Muito, mesmo.



Ajude a Dinamarca a comprar a Califórnia

 


«Milhares de pessoas já assinaram uma petição online que se propõe a comprar a Califórnia a Donald Trump para se tornar na “Nova Dinamarca”. A iniciativa satírica é uma resposta às intenções do Presidente dos EUA quanto à Gronelândia. (…)

A Califórnia passará a ser “Nova Dinamarca” e Los Angeles transformar-se-á em “Løs Ångeles”. E os cidadãos locais podem contar que os novos donos da sua terra levarão para lá os “valores dinamarqueses”. (…)

E, claro, pela Disneyland que seria rebaptizada de “Hans Christian Andersenland” – estão a imaginar o “Rato Mickey com capacete viking”?»

Notícia completa AQUI.

Julio Cortázar (26.08.1914 - 12.02.1984)

 



Todos os homens como ilhas



 

«Os pais de Sewell Setzer, um adolescente suicida, processaram uma plataforma online. Conta a família que o jovem de 14 anos passou os últimos dez meses da sua vida em diálogo com bots criados por Inteligência Artificial, a quem contava tudo, incluindo os problemas de saúde mental que escondia dos pais.

Os processos contra estas empresas avolumam-se, com relatos de casos em que estes “amigos” fictícios disseram a um jovem para matar os seus pais depois deles terem limitado o tempo de telefone, ou com conselhos agravam o risco de anorexia. Os utilizadores destas plataformas passam, em média, 93 minutos diários à conversa com bots e a maior destas plataformas, a Character.AI, tem dezenas de milhões de utilizadores. A forma como a empresa anuncia os seus serviços é esclarecedora: “converse com milhões de personagens de IA a qualquer hora e em qualquer lugar. Bots de conversação superinteligentes que o ouvem, o compreendem e se lembram de si”.

No século antissocial, como lhe chamou Derek Thompson, num magnífico e detalhado trabalho jornalístico na revista “The Atlantic”, essas promessas encontram um eco crescente em milhões de pessoas desligadas fisicamente de qualquer rede de amizade.

Um estudo anual do Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA mostra que o tempo passado a socializar presencialmente caiu, entre 2003 e 2023, mais de 20%. Um declínio superior a 35% entre homens solteiros e jovens com menos de 25 anos. O fenómeno não é episódico nem resulta apenas da pandemia. A tendência é anterior e continua a acelerar. Na Europa é igual: nos últimos vinte anos, os jovens europeus que não socializam uma vez por semana passaram de um em cada dez para um em cada quatro. Os adolescentes e jovens na casa dos vinte têm hoje os mesmos níveis de socialização presencial que as pessoas com mais de 30 anos tinham há apenas uma década ou duas.

O isolamento reflete-se até nos hábitos mais banais. Nos EUA, o número de reservas para apenas uma pessoa efetuadas em restaurantes cresceu 29%. Um estudo recente de Patrick Sharkey, sociólogo da Universidade de Princeton, concluiu que os americanos passam mais 99 minutos em casa, a cada dia da semana, quando comparado com 2002. Para onde quer que olhemos, há sinais de que a sociedade se está a reorganizar para que cada um possa viver no seu casulo, sem precisar de interagir presencialmente com ninguém.

A falta de interação social tem consequências devastadoras. Um jovem que cresce sem um espaço real para partilhar emoções, dúvidas e frustrações é presa fácil da ansiedade, da depressão e da baixa autoestima. O aumento do tempo passado sozinho correlaciona-se diretamente com o declínio da satisfação com a vida entre jovens adultos nos últimos 15 anos, como indica o Financial Times com uma profusa sucessão de gráficos e dados. E os jovens até aos 30 anos sabem-no. As atividades que lhes consomem cada vez mais tempo, como os jogos e interação online, são exatamente a que eles indicam como dando-lhes menor satisfação.

Adolescentes e jovens estão presos numa armadilha digital que os condiciona a repetir um comportamento que os faz sentir pior. Como acontece com qualquer adição. Porque a economia digital da atenção é orientada por algoritmos desenvolvidos para hiperestimular o cérebro e ativar o seu circuito de recompensa através da libertação de dopamina. E é uma adição coletiva e é como tal que temos de a enfrentar.

UM EXÉRCITO DE SOLITÁRIOS FURIOSOS

Os efeitos deste século antissocial não se ficam pelo seu impacto no bem-estar e saúde mental, especialmente dos mais jovens. Quando milhões passam pelo mesmo processo, os impactos tornam-se políticos. A frustração acumulada, a ausência de conexões reais e a perceção de que o mundo os abandonou fazem crescer uma raiva latente que se transforma em ressentimento. E essa raiva, explorada pela extrema-direita, ajuda a explicar a atração da juventude pela desumanização do outro. Indivíduos isolados têm maior predisposição para culpar terceiros pela sua insatisfação e a desenvolver atitudes agressivas em relação a grupos que percecionam como “inimigos”. Esta predisposição para procurar bodes expiatórios e abraçar teorias da conspiração é amplificada pelos algoritmos das redes sociais, que apresentam conteúdos cada vez mais polarizados e extremados.

Michael Bang Petersen, um cientista político dinamarquês citado pela “The Atlantic”, diz que são os que tendem a sentir-se socialmente isolados que mais reforçavam uma necessidade de caos e destruição. A política deixa de ser um exercício de construção e passa a ser um palco de destruição. O outro não é um adversário, mas um inimigo. E quando a única via de escape parece ser a implosão do sistema, o populismo radical oferece exatamente isso: um refúgio emocional, uma catarse coletiva, a promessa de que o caos será a resposta para a dor.

Um estudo recente, desenvolvido por investigadores da Universidade de Amesterdão e Instituto de Psicologia Leibniz, com 41 mil participantes de nove países europeus, indica que os solitários têm uma maior propensão para apoiar a extrema-direita. A solidão e o isolamento reforçam o sentimento de alerta e a crença na ameaça externa, gerando indivíduos mais recetivos ao discurso nativista (que vê imigrantes e minorias como ameaças) e populista (que culpa as elites políticas e económicas). A oferta de uma ideia de comunidade, que se vem perdendo com o declínio das formas tradicionais de intermediação como a religião, sindicatos e estruturas associativas, cria um sentimento de pertença atraente para quem se sente isolado.

O mecanismo pode ser bidirecional: a solidão tanto pode aumentar a predisposição para apoiar a extrema-direita, como ser o apoio a grupos radicais aumentar o isolamento social, devido à estigmatizarão social dos apoiantes desses grupos. É um ciclo dinâmico, onde fatores emocionais e políticos se alimentam mutuamente.

Tenho defendido de forma crescentemente empenhada a necessidade de limitar os telefones nas escolas. Faço-o, consciente que a dopamina libertada pela economia da atenção das redes sociais limita a capacidade de atenção necessária para pensamentos complexos, mas também para impedir que as crianças cresçam sem desenvolver interações sociais reais. Os dados que começam a surgir nos revelam que temos de o fazer também para proteger o bem-estar da comunidade. Ou enfrentamos o problema de frente, ou entregamos o futuro a uma geração de jovens isolados, viciados em dopamina digital e prontos para se agarrar à primeira ideologia que lhes oferecer um sentido de pertença – mesmo que esse sentido venha embrulhado em ódio. Se não reconstruirmos o tecido social, a extrema-direita fá-lo-á por nós.

De pouco vale tentar travar a extrema-direita e o ódio se não retomarmos os espaços de socialização que nos permitem viver em comunidades empáticas. A radicalidade democrática passa pelo desmame, no espaço escolar e familiar, de uma adição coletiva feita para nos escravizar. A começar pelos nossos filhos e netos. Depois, pela regulação da IA e das redes, retirando a oligarquia tecnológica do volante das nossas sociedades. Por fim, a reconstrução do espaço público como espaço de encontro físico. Tudo isto seria absolutamente revolucionário. E já não se trata de construir um mundo novo, mas de salvar o que de humano existe na humanidade.»


Um conselho útil

 


11.2.25

Olhem para os seis milhões de mortos no Congo

 


«A guerra do leste do Congo é a pior guerra desde a Segunda Guerra Mundial. A pior. Memorizem este facto. Então, porque é que ninguém fala sobre o Congo? Porque é que na Ucrânia, Palestina e em tantas outras guerras – uns mais do que outros, é certo – conseguem ver que lá há seres humanos, e depois, nas profundidades de África, não vêem ser humano nenhum? Se isto não é racismo e xenofobia, é o quê?

Eu conheço relativamente bem a história deste conflito interminável, e invisível ao mundo, mas ficaria contente se memorizassem esta premissa de tomada de consciência: o Congo tem o conflito mais mortífero (estima-se seis milhões de mortos) desde a Segunda Guerra Mundial e “ninguém” sabe nada e “ninguém” quer saber do sofrimento destas pessoas. Depois da tomada de consciência, virá a ação, ou mais ação humanitária. (…)

São racistas? São xenófobos? Então olhem para o mundo, como se fossem os vossos, e comecem pelos que mais sofrem, e desde 1994, ninguém sofre mais do que os congoleses.»


Temos de ter uma conversa (6)

 


v

11.02.2007 – A vitória da IVG

 




De peito cheio

 


«Trump entrou de peito cheio há uma semana, quando decidiu impor tarifas sobre as importações de produtos dos seus três principais parceiros comerciais, México, Canadá e China, com a curiosidade de que, para os dois países amigos e aliados, o agravamento foi de 25%, enquanto para o rival geoestratégico de 10%. A Casa Branca está a ameaçar impor tarifas protecionistas generalizadas sobre os produtos farmacêuticos, o alumínio, o aço e o cobre, entre outros, e, sem um prazo definido, tarifas sobre a União Europeia, abrindo uma guerra comercial sem sentido que poderá prejudicar gravemente a economia mundial, incluindo a dos Estados Unidos.

“Make America great again”: poderá sair o tiro pela culatra. É que as tarifas causarão enormes distorções nas empresas, mas também afetarão diretamente os nossos bolsos ao estenderem-se aos produtos. Ao mesmo tempo, o aumento dos preços provocará inflação e poderá obrigar a Reserva Federal norte-americana a manter as taxas de juro elevadas durante mais tempo, e o próprio Banco Central Europeu a interromper as descidas das taxas. Trump defende que os americanos não precisam de importar nada porque têm tudo e ignora a riqueza que o comércio internacional gerou para os Estados Unidos.

O presidente dos EUA implementa a sua política protecionista da pior forma possível, porque, em vez de negociar, age com ameaças e impulsos, sem respeitar os acordos e tentando intimidar os outros países. Para ele, o equilíbrio entre importações e exportações é um jogo de soma zero. Mas a economia não funciona assim. A sorte do Mundo é que Trump acredita piamente no comportamento dos mercados bolsistas e cambiais e estes responderam da pior maneira às suas decisões de impor tarifas a torto e a direito, ao terem uma queda significativa na última semana. Será a fraca resposta do mercado à guerra das tarifas que atuará como um travão a medidas mais agressivas de Trump.»


Meme dos bons

 


10.2.25

Na mesa

 


Centro de mesa Arte Nova, tijela com decoração recortada em tripé folheado e perfurado.
WMF Jungendstil.

Daqui.

Isto tem tudo para acabar mal

 


Paulo Baldaia

Vamos longe com este presidente da AR!

 


Notícia AQUI.

Ganhem vergonha

 


Democracias de todo o mundo, uni-vos!

 


«Quando o presidente Trump tomou posse no seu primeiro mandato e anunciou que iria “put America first”, o presidente chinês foi a Davos defender que uma globalização regulada era benéfica para a economia mundial. Na altura, muitas vozes comentaram que quando a China defende a abertura dos mercados e os Estados Unidos a criticam, alguma coisa nova estava a acontecer. No entanto, entre a resiliência dos mecanismos institucionais da democracia americana e o impacto da pandemia, nunca chegámos a perceber o alcance e a dimensão das políticas propostas pelo presidente americano.

Se os últimos 20 dias são uma amostra do que nos espera nos próximos quatro anos, muito está a acontecer. Por um lado, Trump claramente percebeu que a Constituição e a lei poderiam dificultar ou impedir a sua visão de “put America first” e está a desmantelar os instrumentos federais que limitam o poder da Casa Branca. Por outro lado, Trump está a retirar os Estados Unidos da Comunidade Internacional, quer pela anunciada imposição de tarifas alfandegárias que poderão levar a uma guerra comercial de onde ninguém se sairá bem, quer pelo abandono ou pela asfixia financeira das organizações internacionais que tentam, melhor ou pior - e na feliz expressão de ex-secretário-geral da ONU Dag Hammarskjöld - “evitar que a Humanidade acabe no inferno” ou quer ainda pelas propostas para o Canadá, a Gronelândia, o Panamá e Gaza, que ignoram todas as regras e procedimentos que estão na base das relações internacionais que nos regem nos últimos 80 anos.

Ao mesmo tempo, Moscovo, que é um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU (UNSC) e, portanto, tem responsabilidades especiais na promoção do Direito Internacional, resolve rasgar a Carta das Nações Unidas e invadir a Ucrânia. E, juntando insulto à infâmia, fê-lo enquanto exercia a presidência rotativa do UNSC.

Paralelamente o Médio Oriente está a ferro e fogo, com violações constantes e sistemáticas do Direito Internacional, do direito da guerra e dos Direitos Humanos. E, embora esquecidos dos meios de comunicação social, os conflitos no Corno de África, nos Grandes Lagos, no Sahel e em partes do Magreb continuam há anos sem um fim à vista.

Finalmente, do outro lado do mundo, a China apresenta uma narrativa que vem ganhando adeptos, com um número cada vez maior de países que têm em Pequim o seu principal parceiro comercial e que estão a aderir à organização económica de países em desenvolvimento, alguns deles representando as principais democracias da América Latina, da Ásia e de África.

E tudo isto se passa quando um conjunto cada vez mais significativo de Estados-membros da União Europeia têm lideranças que se aproximam da visão que Trump e (alguns) Putin têm do mundo e da Comunidade Internacional.

O mundo está, de facto, de cabeça para baixo e terá chegado o momento de reconhecer que precisamos de um fórum internacional que reúna as democracias de todo o mundo, onde possamos ter as conversas difíceis, mas necessárias, para salvarmos o muito que o modelo do pós-guerra nos deu e mudar o outro tanto que já não corresponde às exigências do séc. XXI. Se não formos capazes de mobilizar os países que respeitam o Direito Internacional e, internamente, promovem os direitos individuais e coletivos das pessoas, o Estados de Direito, o controlo democrático das instituições e que escolhem as suas lideranças através de eleições livres e justas, acabaremos a olhar para o passado com saudades e para o futuro com angústia.»


Essa é que é essa

 


9.2.25

Azulejos

 


Azulejos de padrão com decoração relevada constituída por flor de nenúfar no centro do padrão, donde irradiam folhas de nenúfar com rãs pousadas, alternando com juncos. Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha. Início do século XX.
Rafael Bordalo Pinheiro.

Daqui.

Meio milhão de motivos

 



Pedro Ivo Carvalho

Pela Palestina – Petição

 


Pela Palestina
Para: ONU e Governo
ABAIXO-ASSINADO PELA PALESTINA

«Perante a ameaça do atual Presidente dos EUA de que este país deva apoderar-se da faixa de Gaza, expulsar a população palestiniana que nela sobrevive (cerca de 2.5 milhões de pessoas) e transformar o território num vasto resort aberto à especulação imobiliária e turística, os abaixo assinados.

Saúdam o Povo da Palestina e a sua heroica resistência;

Condenam a agressão genocida do Estado de Israel;

Protestam contra as propostas intoleráveis da administração norte-americana.

Entendemos urgente a denúncia e a desmistificação das tentativas anexionistas dos Estados Unidos da América e das tropas de ocupação israelitas dirigidas contra o território da Palestina.

Insistimos em recordar a limpeza étnica levada a cabo, os cerca de 50.000 mortos em Gaza – dos quais 70% mulheres e crianças – a destruição da maioria das infraestruturas civis, designadamente hospitais e escolas, a deslocações forçadas da população sujeitando-a a fome e doenças.

Apelamos ao posicionamento inequívoco dos Estados e das organizações nacionais e internacionais em defesa do martirizado Povo Palestiniano, apoiando a posição do Secretário-Geral da ONU, reafirmando a solução de dois Estados, preservando a unidade, contiguidade e integridade do Território Palestiniano Ocupado e assegurando a recuperação e reconstrução de Gaza.

Exigimos do governo português e da União Europeia que ajam em consonância com essa posição, pondo fim à ambiguidade e manifestando o seu repúdio pelas revoltantes propostas norte-americanas.»

Pode ser assinada AQUI.

Agora sim, é preciso polarizar

 


«Donald Trump associa a violência desumanizadora a uma visão empresarial da política. Associa a forma como trata os imigrantes que deporta (como outros deportaram), exibindo-os de mãos e pés algemados, ao sonho de transformar Gaza numa nova Riviera ou às suas ambições para a Gronelândia. Para Trump não há história, não há povos, não há soberania alheia. Há uma excelente parcela de terra à beira-mar e o acesso às rotas para norte e às matérias-primas que os EUA precisam. Há negócios. Sendo uma potência imperial desde a passagem do século XIX para o século XX, nada disto é uma novidade para os EUA. Ontem foram ocupações, hoje são tarifas. Também não me parece que Israel alguma vez tenha olhado para os palestinianos de forma diferente de Trump. Mais uma vez, é o colorido que muda. Onde uns veem espaço para expandir o seu território e construir colonatos, outro vê um negócio imobiliário. Para os dois, o povo de sub-humanos que ali vive há séculos é um obstáculo a ser removido, sem que tenha sequer o direito moral à resistência.

Se juntarmos à lógica empresarial de Trump a sua aliança com a oligarquia tecnológica, concluímos que ele não é uma excrescência do sistema, é o ponto a que o sistema chegou. Ele representa, com excessos folclóricos, o pensamento hegemónico num mundo onde as criptomoedas e a inteligência artificial sem regulação darão um novo impulso ao caos. Não é por acaso que teve o apoio de Silicon Valley. O problema nunca são os avanços tecnológicos. É o contexto institucional em que eles acontecem. E, neste contexto, restará pouco espaço para a democracia.

Reagan e Thatcher também causaram choque, à sua época. A política deslocou-se de tal forma que hoje quase parecem centristas. O incómodo com Trump vai passar e, com menos espetáculo, a sua forma de ver o mundo e o Estado tenderá a tornar-se mainstream. Porque é a mais próxima do capitalismo emergente. É verdade que guerra tarifária, usada como estratégia de terror para conquistar melhores condições, lhe parece contrária. Mas a ideia do mercado global aberto nunca passou disso mesmo — uma ideia. A mesma Europa que perora sobre as desvantagens deste tipo de confrontos impôs, há poucos meses, pesadas tarifas aos carros elétricos chineses para manter os europeus agarrados aos motores de combustão interna, onde domina e cujo fim adiou para depois de 2035. As regras sempre foram adaptáveis porque, no essencial, não é a ideologia, mas os interesses que determinam o comportamento dos Estados. Por isso, todas as supostas regras liberais foram sendo destruídas por supostos liberais. Na prática, vivem bem com a concentração monopolista (económica e cultural), aplaudem derivas securitárias e não se indignam quando um empresário que adoram tem acesso a poderes internos ao Estado. Por isso, não é estranho partilharem com Trump um grande entusiasmo com Javier Milei, um lunático neoliberal de perfil autoritário. Ele é a síntese do lugar político para onde se encaminham. Um lugar onde a importação de reclusos pode ser um negócio, como El Salvador mostrou a Marco Rubio.

Poderíamos perguntar se faz sentido manter uma aliança militar com uma potência que ameaça usar a força para tomar um território de um aliado e promete uma guerra tarifária contra quase todos os membros da NATO. Mas a pergunta partiria do princípio que a Europa existe, enquanto entidade exterior às suas fronteiras. Alguém acredita que a Alemanha e a França, depois das próximas eleições, estarão em condições de manter um braço de ferro comercial com Trump? Basta ouvir Mark Rutte, que anda a pedir aos Estados-membros para aumentarem o investimento numa defesa comum com os EUA, fingindo que está tudo na mesma, para perceber que a negação dará lugar à cedência negociada.

Depois do primeiro susto, teremos os acordos desejados, como aconteceu com o Panamá, e, no meio de foguetório, mentiras e contradições, Trump voltará a conseguir o que quer. Porque o que ele representa já venceu fora da política. E é por isso que a oposição ao mundo que Trump anuncia não virá do mainstream político e cultural, que já se começou a vergar, mas de uma nova radicalidade. O que está a acontecer desfaz, aliás, a ideia de que assistíamos a uma polarização entre extremos. É exatamente o oposto: faltou o outro polo. Assistimos, desde a queda do Muro de Berlim, a uma rampa deslizante que levou as forças progressistas a assumirem o essencial do neoliberalismo, seja na economia, seja na redução da política a direitos identitários, com a destruição de qualquer ideia coletivista e comunitária. Agora, talvez faça falta uma verdadeira polarização que ajude a puxar as coisas para o meio.»