25.3.25

E é azul!

 


Relógio de bolso suíço antigo, azul turquesa, de prata e esmalte guilhoché (ornato composto de traços ondeados que se cruzam e entrelaçam com simetria) Cerca de 1900.
Fauvette HAD.

Daqui.

Os jacarandás e a democracia

 


«Uma petição lançada na sexta-feira contra o abate de jacarandás na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, somava já nesta segunda-feira mais de 20 mil assinaturas. Em causa está a criação de um parque de estacionamento subterrâneo. A Câmara Municipal de Lisboa respondeu que esta via “vai ficar mais verde”, porque serão plantadas mais árvores. Mas o que os peticionantes querem é continuar a ser surpreendidos pela beleza lilás desta árvore, que ilumina as ruas de Lisboa na Primavera e no Verão. (…)

Os partidos e os candidatos a Belém terão de escolher quais são os seus jacarandás – as causas que vão atrair os eleitores até às urnas.»


José Rodrigues dos Santos, ainda

 

Já se esqueceram da indignação que provocou pela reportagem em que referiu os paralíticos gregos, em plena crise daquele país?

Protestámos muito, passaram dez anos e a RTP mantém-no, ufana e altiva.



José Rodrigues dos Santos

 


Que tipo de poder terá José Rodrigues dos Santos na RTP para continuarmos a assistir a prestações execráveis, como a de ontem na entrevista a Paulo Raimundo? Um jornalista americano ao serviço de Trump não faria melhor.


Como morre uma democracia

 


«Ainda haverá perto de 3000 centenários que viram nascer uma ditadura em Portugal. Será mais justo escrever que eram nascidos quando um golpe militar pôs fim à Primeira República e deu início ao movimento que mais tarde faria de Salazar o líder de um regime autoritário.

Não se lembrarão dos primórdios da ditadura e do clima que a antecedeu, mas certamente ouviram muitas histórias e horrores. Como os que estamos a ouvir agora, vindos do outro lado do Atlântico, e que nos dão, pista a pista, o guião para enfraquecer uma democracia liberal.

Pista 1: a Casa Branca passou a escolher os media e os jornalistas que fazem a cobertura mais próxima da Presidência dos EUA. A decisão foi justificada com a necessidade de desmantelar um “monopólio” e abrir a Casa Branca a meios de comunicação alternativos, o que seria até benévolo, não fosse o caso de os briefings diários terem passado a privilegiar os meios alinhados com o poder instituído. É uma machadada na liberdade de imprensa.

Pista 2: a mesma Administração emitiu um conjunto de directrizes que permitiu ao New York Times compilar uma lista de 200 palavras cujo uso em documentos oficiais passou a estar proibido. Palavras/expressões como “mulheres”, “diversidade”, “orientação sexual”, “discurso de ódio”, “Golfo do México”, “poluição”, “prostituta”, “imigrantes” ou “crise climática” são alguns exemplos (vale a pena ver a lista completa). Este cancelamento é um acto de censura com implicações profundas no conhecimento científico e no desenvolvimento da sociedade.

Pista 3: no discurso da posse, Trump disse que os EUA só reconhecerão “dois géneros”: o feminino e o masculino. O que se seguiu pôs em causa a segurança e a dignidade de milhares de cidadãos: o Pentágono avisou que os militares trans em serviço seriam identificados e afastados das Forças Armadas; foi anunciada a eliminação dos programas de diversidade dentro do Exército; e as prisões federais foram incumbidas de alojar mulheres transexuais em celas masculinas.

Pista 4: as autoridades fronteiriças impediram um cientista francês de entrar nos EUA após terem encontrado no seu telemóvel “mensagens trocadas com colegas e amigos em que ele expressava uma opinião pessoal” sobre a Administração Trump. A história põe em causa a liberdade de opinião e roça a perseguição política.

Os exemplos são variados e ainda só passaram dois meses. Marcelo Rebelo de Sousa chamou-lhe “o deslizar da democracia para a ditadura”. Se não é assim que se mata uma democracia, não deve andar muito longe.»


24.3.25

Louçã com Ricardo Araújo Pereira

 


Mais um jarro?

 


Jarro decorado com insectos no meio de folhagens. De vidro fumado, transparente, esmaltado e dourado, com pega aplicada a quente. Nancy, França, 1890.
Émile Gallé.

Daqui.

A Espanha aqui tão perto

 

«Mais do que um verdadeiro ímpeto reformista, este Governo nasceu com a pressa de fazer coisas. De resolver problemas. De dar prova de vida. O tempo sempre foi o seu principal inimigo. Não passava na discussão do programa. Não resistia na discussão do Orçamento. Talvez sobrevivesse a Marcelo. Mas nunca sobreviria ao próximo Presidente. Ou ao próximo Orçamento. Os mais otimistas davam-lhe dois anos de vida. Não chegou a um. O anterior Governo tinha maioria absoluta e durou dois anos. Antes desse, o segundo de António Costa, sobreviveu dois anos e cinco meses. Por este caminho nem para resolver problemas há tempo. Reformas, nem pensar.

Portugal aguenta? Como diria Fernando Ulrich “ai aguenta, aguenta”. Vejamos o caso de Espanha. Tem um Governo, o ‘governo Frankenstein’, praticamente paralisado desde a sua investidura, a 21 de novembro de 2023. Entrou em 2025 sem Orçamento o mesmo acontecendo em sete comunidades autónomas. Pedro Sánchez vai prorrogando o orçamento anterior com receio de cair na discussão do novo. A instabilidade política é total. Apesar disso, toda a gente se rende ao milagre económico espanhol. A revista “The Economist” considerou que a economia espanhola é a mais pujante da OCDE. E o jornal “Financial Times” considera-a a “nova estrela económica da Europa”. Política e Economia nem sempre se cruzam. Já tinha acontecido em Itália, no pós-guerra.»


Não chegámos à Madeira. Ainda...

 


«Apesar de ir a votos liderado por um arguido, o PSD conseguiu, ontem, aproximar-se da maioria absoluta e de uma extraordinária vitória. Basta-lhe entender-se com o CDS e a maioria de direita é sólida. O PS, que durante 50 anos foi incapaz de construir uma alternativa ao partido de poder (perdeu essa oportunidade de 2019, quando ficou a dois deputados do PSD), foi ultrapassado, pela terceira vez. Já acontecera com o CDS em 2011 e 2015, anos em que o PS não ultrapassou os 11,5%, e volta a acontecer com o Juntos pelo Povo (JPP). É evidente que Paulo Cafôfo ficará a organizar as duas eleições que faltam e terá de dar lugar a outro. Entretanto, é provável que o JPP se venha a afirmar como bloco aglutinador da oposição.

Por poder ser lido como um aviso das consequências de longos períodos de instabilidade, o paralelo entre as eleições regionais da Madeira e as legislativas de maio é inevitável: quais as consequências eleitorais de uma crise política por causa de suspeitas sobre o seu líder? Pelo mais e pelo menos, o exercício, sendo compreensível, é forçado.

As potencialidades da comparação até são limitadas para o PSD. Luís Montenegro quer mesmo comparar-se a um arguido. É que a situação de Miguel Albuquerque até é mais comprometedora do que a de um primeiro-ministro que, até agora, só tem de lidar com críticas e suspeitas acerca do seu comportamento ético.

Fazendo o ponto da situação, e ignorando o caso da casa de Espinho, o estranho negócio com a gasolineira e as desconformidades no registo na Comissão Nacional de Proteção de Dados, a novidade foi a entrevista de Inês Varejão Borges ao Observador, onde acabou por confirmar aquilo que já me parecia fechado: nas suas próprias palavras, o serviço prestado “era um trabalho que se autogeria" sem necessidade de intervenção da Spinumviva, com o contacto a ser feito diretamente entre os prestadores de serviços e a Solverde. Apesar disto, grande parte do dinheiro foi arrecadado pela empresa de Montenegro, que teve como única função clara captar clientes, mantendo uma avença pela agenda de contactos do primeiro-ministro, mesmo em funções. Albuquerque vai a votos sendo arguido (não acusado) num processo criminal.

Os paralelos acabam aqui. Na Madeira, o PSD controla de forma esmagadora quase todos os domínios da sociedade e economia do arquipélago. Os problemas éticos são constitutivos do regime jardinista e do seu sucedâneo degradado. A tolerância nacional ainda não atingiu os níveis de uma sociedade governada pelo mesmo partido há meio século. A Madeira ainda está na fase do poder quase absoluto do PRI, no México, onde Estado e partido pouco se distinguiam.

Nunca houve, como no resto do país, qualquer tipo de alternância. Nenhum partido tinha, como no País, uma votação aproximada à do PSD. Nem sequer há um partido claramente alternativo, estando esse lugar dividido entre o PS e o JPP, próximos e incapazes de se unirem. Os madeirenses foram votar sabendo que a alternativa era entre a maioria absoluta ao PSD e as crises sucessivas com o PSD.

Esta não é a primeira queda de Albuquerque. É a segunda. E esta foi a terceira eleição a que foi em 18 meses. O país pode vir a estar assim se, daqui a menos de um ano, a oposição fizer cair Montenegro. Isto acontece como constatação de um bloqueio. E, no caso da Madeira, de um bloqueio sem perspetiva de resolução.

Por outro lado, Albuquerque caiu pelas mãos da oposição, através da aprovação de uma moção de censura do Chega (se acontecesse o mesmo em Lisboa, não tenho dúvidas de que o PS seria fortemente penalizado), não por ação do governo, como aconteceu no plano nacional, através da apresentação de uma moção de confiança. Ou seja: sem ter qualquer alternativa de poder maioritária ou mesmo minoritária, a oposição responsabilizou-se pela queda do governo.

Se a Madeira nunca foi barómetro do país, continua a não o ser agora. Pode dar argumentos partidários, mas tem pouca utilidade analítica. Será, quando muito, a repetição de uma lição que sempre soubemos: que não há instabilidade que sempre dure e a solução pode, ao fim de muito cansaço, premiar os que mereceriam, pelo seu comportamento menos ético, castigo. Mais importante: não basta os governos caírem, é preciso que as alternativas se construam.»


BE: surpresa nas Legislativas?

 


Talvez se comece por estranhar, mas entranha-se rapidamente. Os que são hoje grisalhos não são menos aptos do que os mais jovens, nem menos necessários.

Notícia AQUI.

23.3.25

Hoje há perfumes

 


Frascos de perfume Arte Nova de vidro esmaltado. Cerca de 1890.
Émile Gallé.

Daqui.

A fluidez da ética

 

«Numa interessante entrevista concedida pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social ao jornal “Público” e à Rádio Renascença, publicada na passada quinta-feira, esta afirmou, a propósito de uma pergunta sobre o comportamento do primeiro-ministro (PM) no processo político que conduziu à convocação de eleições legislativas para o próximo dia 18 de maio: “Nós não temos que nos sujeitar a juízos de ética para além daquilo que corresponde ao cumprimento escrupuloso da lei”.

A senhora ministra sabe que jamais a ética se limita a esse cumprimento escrupuloso. Quem tem de lidar com problemas do trabalho, da proteção social ou das causas e consequências da falta de meios para acesso a uma habitação digna, confirma o elevado valor do cumprimento da lei, mas também a imprescindibilidade do respeito por princípios éticos, na formulação e aplicação das leis. (…)

Desengane-se quem raciocina no pressuposto de que o voto popular pode lavar mais branco. O lastro da vida política corre o risco de acabar negro. Nenhum democrata, de qualquer quadrante, pode cair nessa ilusão. O recurso a princípios éticos é indispensável: vivemos num tempo em que a apropriação indevida da riqueza, em dimensão nunca antes vista, é imoral, mas é legal.»


Cá vamos

 


A chocante revolução cultural dos EUA

 


«Há quem diga que a guerra civil nos Estados Unidos já começou ou, ainda, quem diga que a Terceira Guerra Mundial também já começou. Nenhuma destas duas convicções me parece muito disparatada.

Nos EUA, o conflito da Administração Trump com o poder judicial é exuberante e cada dia se aproxima mais de um choque aberto, que se irá materializar numa desobediência assumida do Presidente a decisões judiciais. No caso das deportações dos alegados membros de um gang criminoso da Nicarágua, efectuadas à margem da lei e que o juiz James Boasberg tinha bloqueado, a Administração Trump ainda se procurou defender, pelo menos inicialmente, do facto de ter concretizado as deportações, alegando que a decisão judicial chegara tarde demais, quando os deportados já estavam no ar e não era possível o seu regresso. De seguida, foi recusada ao tribunal a informação respeitante ao voo, por ser considerada informação confidencial…

Aí, de alguma forma, a Administração Trump ainda procurou apresentar argumentos formais e processuais para encobrir a desobediência, mas, muito em breve, teremos uma desobediência clara com base numa posição assumidamente radicalizada quanto aos poderes da presidência. Embora Karoline Leavitt, a porta-voz da Casa Branca, tenha inicialmente, à volta da desobediência, procurado fazer uma distinção quanto ao valor legal das ordens verbais e das ordens escritas dos tribunais, Stephen Miller, chefe de gabinete da Trump e um conhecido partidário da linha dura quanto à imigração, não poupou nas palavras ao afirmar que os tribunais não têm quaisquer poderes para restringir as actividades do Presidente, na prossecução da política externa dos Estados Unidos no âmbito do Alien Enemies Act. Miller declarou expressamente: “Este juiz violou a lei. Violou a Constituição. Desafiou o sistema de governo que temos neste país.”

Apoiado ou mesmo blindado na decisão proferida no caso Trump v. United States (2024), que lhe deu uma amplíssima imunidade criminal, Trump não hesita em procurar o confronto com o poder judicial, tendo classificado o juiz James Boasberg como um juiz de Obama, lunático e de extrema-esquerda que deveria ser afastado (impeached). As palavras de Trump levaram a que John Roberts, o juiz presidente do Supremo Tribunal – que foi o juiz relator no caso Trump v. United States (2024) –, tenha feito uma, pouco habitual, declaração pública em que, embora não referindo o nome de Trump, lembrou que, quando não se concorda com uma decisão judicial, não se pede o afastamento do juiz, recorre-se. Trump já respondeu, agravando o confronto, e a Administração Trump já iniciou o processo legal para afastar o juiz.

Mas o terramoto norte-americano não atinge só as questões político-constitucionais ou geopolíticas, já que são valores básicos da chamada "civilização ocidental" que estão em causa com a revolução trumpiana que vale a pena ler à luz de Mao Tsetung, como sugere Jorge Almeida Fernandes.

Acompanhar a alucinante coreografia de Elon Musk no palco norte-americano e mundial não é agradável, mas é bem esclarecedor da desumana revolução cultural que se está a viver nos EUA. Numa entrevista de três horas, com o podcaster Joe Rogan, embora Musk tenha declarado que nos devemos preocupar com os outros, afirmou expressamente que “a fraqueza fundamental da civilização ocidental é a empatia, a exploração da empatia”, que terá sido transformada numa arma pelos pobres, pelos imigrantes nomeadamente explorando “um bug na civilização ocidental”. Entre outras coisas, Musk esclareceu que considera a Segurança Social uma espécie de esquema Ponzi, seguramente prefigurando os cortes que ambiciona vir aí a efectuar.

Como é fácil de descortinar, como pano de fundo do pensamento de Musk e de muitos bilionários e políticos da entourage de Trump, há a convicção de que são seres superiores às pessoas comuns, que, na prática, os exploram e à sua riqueza ao beneficiarem de apoios do Estado, tais como as pensões.

Nesse aspecto, vale a pena acompanhar a evolução do projecto das Freedom Cities apresentado pela elite tecnobilionária como uma solução urbanística e política, miraculosa para o desenvolvimento e promoção da liberdade económica, através do afastamento das intervenções regulatórias do Estado nessas novas “cidades da liberdade”. No entanto, na prática, mais não seriam do que cidades sem democracia, controladas pelos tecnobilionários, fora das leis norte-americanas, “um neofeudalismo” e “um plano para acabar com o conceito de cidadania e fazer de cada trabalhador um servo cuja vida inteira é controlada pelos caprichos do seu patrão”, nas palavras de Armanda Marcotte, na revista Salon. A realidade quer ultrapassar o visionário George Orwell.»