29.3.25

E são três!

 


Vidro camafeu martelado e esculpido em roda com decoração interna, pintura em esmalte sob invólucro incolor. 1896-1903.
Burgun Schverer & Cie.

Daqui.

Um pouco mais de azul (27)

 




29.03.1974 - “Grândola” no Coliseu pelo fim da ditadura

 


Há 51 anos, o Coliseu de Lisboa assistiu a uma das últimas acções públicas contra a ditadura, durante a qual se cantou, pela primeira vez em público em Portugal, “Grândola, Vila Morena” de José Afonso.

Um detalhado resumo deste acontecimento AQUI.
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Proteger a liberdade do outro de dizer coisas que me indignem

 


«O tema, central em democracia, da liberdade de expressão é, ao mesmo tempo, simples e complexo, dependendo do modo como nos aproximamos dele. Esta é a pior maneira de começar um texto, mas não tenho outra. O modo simples é dizer pela negativa que, quando há ou se sente a censura, e se perde assim a liberdade, cada um, nós, sabe que é assim. Eu tive artigos censurados e livros proibidos antes do 25 de Abril, por isso mesmo sei do que falo. E também sei dos mecanismos mais subtis da autocensura que qualquer pessoa que escreve conhece, mas os únicos que para aqui interessam são os que se traduzem na percepção de que há menos liberdade. Sim, “percepção”, que pode ou não ter sentido factual.

Não vou discutir esta questão em termos jurídicos, mas A minha fonte para entender a liberdade de expressão no seu sentido mais lato é a Primeira Emenda da Constituição americana:

"O Congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de discurso, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao Governo para que sejam feitas reparações de queixas."

Este texto, de 1791, é um dos mais revolucionários da história humana, quer pelo tempo em que foi escrito quer pelo modo como nas emendas posteriores, do período da chamada “reconstrução” posterior à guerra civil americana, foi reafirmado e consolidado. É certo que, como se passa com todas as acções humanas, nem sempre foi devidamente aplicado, em particular no período do macarthismo, como agora na era Trump, talvez o período da história americana em que a liberdade de expressão mais está ameaçada. Seja como for, permitiu a muitos “dissidentes” a protecção constitucional face a perseguições. Mas convém lembrar, para os nossos debates de hoje, que essa protecção é também para o Ku Klux Klan.

Por isso, pergunto-me, sempre que há uma polémica sobre liberdade de expressão em Portugal, se nos EUA isso daria uma condenação, embora saiba que a Constituição portuguesa está longe da amplitude da Primeira Emenda e é muito mais restritiva, em particular quanto ao chamado “discurso de ódio”, traduzido também na legislação europeia. Nesta matéria, estou mais próximo da Primeira Emenda e tenho muitas reservas quanto à condenação do chamado “discurso de ódio”, que penso que pode, de facto, servir para limitar a liberdade de expressão. Aliás, os riscos de uma interpretação extensiva do “discurso de ódio” que habitualmente se considera ter como alvo a extrema-direita podem servir para condenar cartazes em manifestações sobre a habitação que dizem “morte aos senhorios”.

Calúnia, difamação, falsidades podem ser consideradas crimes, mas essa condenação terá sempre de ser feita por um tribunal, porque a única limitação à liberdade de expressão é o crime, mas isso não implica censura prévia. Tudo isto vem a propósito do cartaz do Chega que associa, debaixo da acusação de corrupção, Montenegro e Sócrates, e percebe-se muito bem a indignação do primeiro-ministro, mas tenho a certeza de que, ao abrigo da Primeira Emenda, caberia no âmbito da liberdade de expressão. Aliás, o que é mais grave do ponto de vista político é a referência aos “50 Anos”, ou seja, a associação entre a corrupção e a democracia, o que é falso do ponto de vista factual porque, se tirarmos a manta da censura ao regime da ditadura, aparece corrupção por todos os lados. No entanto, os 50 anos ajudam a perceber a parte da corrupção — para o Chega, o regime democrático é intrinsecamente corrupto.

Para esta discussão, convém lembrar a mais violenta campanha ad hominem da democracia portuguesa, a que ocorreu a partir de 1976 contra Francisco Sá Carneiro, acusado de uma “burla de 33.000 contos”, e de “fraude” nestes exactos termos. O seu autor foi o PCP, utilizando o jornal O Diário, e algumas acusações foram condenadas em tribunal, num processo com várias reviravoltas. Mas se se fizer a mesma pergunta sobre a aplicação da Primeira Emenda, muita coisa que foi desenhada, dita e escrita devia ser protegida pela liberdade de expressão. Na verdade, como em muitos casos concretos, esta é a parte complexa da questão. Seja como for, em caso de dúvida, a liberdade de expressão conta sempre mais.»


Mariana Mortágua versus José Rodrigues dos Santos

 


28.3.25

Sismo 7.7 em Myanmar

 


Passei alguns dias nesse país que ficou na lista dos favoritos que tive a sorte de visitar. Hoje sofreu um terrível terramoto que atingiu também vários países vizinhos.

O epicentro foi em Mandalay, a última capital real da Birmânia, entre 1860 e 1885, e a segunda maior cidade do país. Com um palácio lindíssimo, templos, estupas e pagodes. A maior parte estará agora em detroços.

Há imagens, mas não as mostro. Ponho aqui, sim, esta menina que fotografei, precisamente em Mandalay, há uns 15 ou 16 anos. O seu ar sereno não me sai da cabeça.

Nuno Melo? Not

 


Muito bem!

Mariana Mortágua e Rui Tavares não irão ao debate com Nuno Melo em vez de Montenegro, Inês Sousa Real ainda não decidiu, mas pondera que seja um outro membro da sua lista, e não ela, a estar presente.

Mr. Google

 


Cântico do chocolate negro

 


«Tenho o orgulho de comunicar a todos que sou o José Régio das modas. c Nessa secção do supermercado é que eu, neste momento, não entro mesmo. À cautela, não compro chocolate algum, seja qual for a sua nacionalidade — até porque, em alturas como esta, os outros produtos tentam imitar o produto que está na moda. Vários chocolates adoptam estratégias para passarem a ser semelhantes ou iguais ao chocolate do Dubai, mas eu, além de rejeitar as modas, também rejeito quem adere às modas. Não são só os chocolates. Vários produtos se submetem à moda, e é fatal que apareça café com sabor a chocolate do Dubai, sabonete que cheira a chocolate do Dubai, meias da cor do chocolate do Dubai.

Imagino que este meu nível de sabedoria seja surpreendente. É uma sensatez obtida através da análise das últimas 150 modas parvas, que acabou por me tornar especialista em modas parvas. Assim como não vou ingerir o chocolate do Dubai em 2025, não adquiri um dispositivo giratório de plástico em 2017, não despejei um balde de água gelada sobre mim mesmo em 2014, e não fingi montar um cavalinho imaginário ao som de uma música coreana em 2012. Fui verificando que quem embarca nas modas experimenta uma excitação intensa durante uma semana, e depois mergulha numa melancólica desilusão nos meses seguintes. Mas, ao passo que a excitação é exibida online, a desilusão não beneficia da mesma publicidade. Ninguém deseja confessar que, depois de passar duas horas na fila para comprar chocolate do Dubai, chegou a casa e constatou que aquilo era mesmo muito parecido com qualquer outro chocolate que se deixa remover da prateleira em menos de dois segundos. E aposto que fizeram essa observação introduzindo um quadradinho na boca ao mesmo tempo que contemplavam, abandonado numa prateleira, um tear de loom bands de 2013, cheio de pó, com uma pulseira de elástico inacabada.

A única maneira de obter alguma satisfação é, parece-me, agrupar várias modas parvas, esperando que a acumulação de três ou quatro modas parvas consiga produzir um entretenimento não-parvo. Tenho recomendado às pessoas que me rodeiem que comam o chocolate do Dubai ao mesmo tempo que caçam um Pokémon, enquanto fazem planking. Sugestão que é, invariavelmente, reputada de parva. Logo, pode muito bem ser que se torne moda.»


27.3.25

Uvas

 


Vaso «Uvas», em vidro camafeu soprado em molde. 1920.
Émile Gallé.


Daqui.

Menos impostos ou melhor Saúde?

 

«Lá diz o adágio que não é possível ter sol na eira e chuva no nabal. Aplicando a sabedoria popular às notícias destes dias, não é possível pagar menos impostos e ter um Serviço Nacional de Saúde eficiente. Se pagarmos menos impostos, os serviços públicos terão pior qualidade. Para termos melhores serviços públicos, os impostos terão de ficar no nível em que estão e, provavelmente, teremos até de pagar mais.

Como é evidente, nenhum partido assumirá tal heresia, muito menos em período de campanha eleitoral. Por maiores que sejam as evidências, como se comprova pelo ano que passou: Luís Montenegro prometeu, enquanto candidato, essa quadratura do círculo, mas enquanto primeiro-ministro não cumpriu. É verdade que reduziu alguns impostos (embora a carga fiscal tenha subido), mas continua a aumentar o número de utentes sem médico de família.»

Continuar a ler AQUI.

Fernando Rosas

 




A quem empresta o almirante a farda?

 


«Gouveia e Melo disse, na semana passada, não querer "emprestar a farda” e a sua “autoridade” a extremos. O problema começa aqui: Gouveia e Melo não pode emprestar a farda a ninguém. Ela não é sua. É do Estado e foi-lhe emprestada na condição de não ser politicamente transacionável. Nem para os extremos, nem para a moderação.

O problema de Gouveia e Melo não é ser um ex-militar, é ter feito a sua pré-campanha fardado, pondo a Armada a promover a sua imagem com fins políticos. Desdobrando-se em inusitadas entrevistas, reportagens e aparições nas televisões que extravasavam claramente as suas funções. Antes e depois de ter sido nomeado Chefe do Estado Maior da Armada. E ter alimentado a ideia de uma candidatura quando ainda era militar no ativo.

Nunca achei que Gouveia e Melo fosse um extremista. As poucas entrevistas que deu, a sua proximidade com a maçonaria e os apoios que vai somando, em que destaco Isaltino Morais e Alberto João Jardim (como aprendemos com Cavaco Silva, o político “austero” tende a encontrar as piores companhias), não o indiciam. A direita está lotada, a esquerda está minguada e o almirante sabe onde está o voto que lhe pode dar a vitória: no PSD, com um péssimo candidato, e no PS, com candidato nenhum. Para quê criar anticorpos?

Colocando-se ao centro sem ter os apoios do centrão, tem as vantagens de estar dentro e de estar fora do “sistema”. A ausência de rasto permite um luxo que qualquer candidato desejaria: decidir o lugar onde fará a campanha. Que candidato desdenharia desse invulgar benefício da virgindade?

Compreendo e até tenho defendido a vantagem de, no atual cenário, um Presidente não ter filiação partidária. O descrédito dos partidos não exige que sejam tratados como um problema, mas exige que se apercebam do problema, e não faz mal que levem um abanão democrático. O bloqueio do nosso sistema partidário (cá e na maioria das democracias europeias) aconselha algum distanciamento do “árbitro”. E o cargo não tem de ser, como tem sido, feudo dos dois principais partidos políticos – o único Presidente sem partido acabou por criar um.

Também concordo com Henrique Gouveia e Melo quando diz que não se tem de ser político profissional para chegar a Presidente da República. Mas vou mais longe: não se tem de ser político profissional para ser político. Quem tem atividade cívica pública, que implica expor, ao longo do tempo, posições sobre o que se passa na comunidade, tem atividade política. E é isso, e não vir de fora da “classe”, que me inquieta em Gouveia e Melo: nunca teve atividade cívica. Dirão: não podia, era militar. É a vida. Teria sempre de fazer o seu percurso civil para ganhar o mínimo de currículo, sem precisar de ser profissional. Ter rasto cívico e posições escrutináveis. Com as devidas diferenças, não se chega a general sem ter feito a recruta.

A inexperiência e a incógnita são ainda mais perigosas quando Gouveia e Melo parece defender um perfil mais intervencionista do Presidente da República, ao ponto de defender o poder de demitir o governo quando haja “um desfasamento grave entre os objetivos-prática do Governo e a vontade previamente sufragada pelo povo”. Quando o governo não cumpra suas promessas. Uma avaliação totalmente subjetiva que não tem respaldo na nossa Constituição.

O que eu acho assombroso é que alguém que nunca teve qualquer tipo de intervenção cívica (já nem digo política) se ache preparado para nada mais, nada menos do que ocupar o lugar cimeiro da política. Assusta-me a inexperiência. Assusta-me a insegurança de termos um vencedor à partida sem sequer sabermos ao certo o que pensa. E, ainda por cima, sabemos que é volúvel: recuou na defesa do Serviço Militar Obrigatório e dos cortes nas despesas sociais para aumentar despesas militares quando percebeu que era impopular. Mas o que realmente me perturba é a soberba.

A soberba de alguém que quer começar a sua vida cívica pelo topo tem de estar associada a uma vaidade muitíssimo intensa. O que, em política, tem os seus perigos. Ao ver a capa da Revista da Armada, em que o ainda Chefe do Estado-Maior da Armada era comparado (seguramente com a sua autorização) a D. João II, obtemos um pequeno vislumbre desse perfil.

A humilhação pública a que sujeitou os seus subordinados (que, bem ou mal, viriam a ser castigados pela disciplina militar) em frente a câmaras de televisão (seguramente convocadas para o espetáculo), enquanto se tinham de manter em disciplinado silêncio, traça os limites do que está disposto a fazer pela sua imagem. Sei quase nada sobre ele. Mas esse dia, apesar de até ter criticado aqueles homens, foi determinante para a avaliação que posso, com tão pouco que nos deu, fazer do seu perfil. Até porque corresponde a um padrão: já o fizeram num centro de vacinação, com os seus funcionários. Sou dos que acha que um líder critica os que lidera dentro de portas, defende-os fora delas.

Se há coisa que este tempo dispensa, é mais um egomaníaco na política. Já nos basta o que acha que foi Deus que determinou a sua missão política.»


26.3.25

Montenegro e as entrevistas para as Legislativas

 


Os líderes destes três partidos deviam debater com Nuno Melo como se ele fosse candidato a primeiro ministro, tendo como base o programa eleitoral do PSD já que é apenas um substituto de Luís Montenegro.
Seria mais divertido se esse substituto fosse Gonçalo da Câmara Pereira do PPM…

Hoje temos caixinhas

 


Caixas de vidro esmaltado Arte Nova.
Moser.


Daqui.

Dupla punição da pobreza

 

«Ana Paula, Yara, Sofia. As histórias de mães que relatam ter sido ameaçadas com a retirada dos filhos por não terem habitação digna foram expostas na comunicação social, mas serão apenas uma pequena amostra de um cenário alargado em que os diagnósticos sociais estão a fazer uma associação indevida entre pobreza e risco para as crianças.

Os alertas vêm de dentro do próprio sistema: há técnicos de comissões de proteção a denunciar a tentativa de utilizar as CPCJ para atuar junto de famílias que, apesar de trabalharem e terem rendimentos, não conseguem ter autonomia habitacional. A carência económica não justifica, em caso nenhum, a retirada de crianças – nem a lei poderia prevê-lo.»

Continuar a ler AQUI.

O que acha Aguiar-Branco do cartaz do Chega?

 


«É óbvio que o cartaz do Chega sobre Montenegro é indecoroso e insultuoso. Não tanto como anos de perseguição e ódio a quem menos se pode defender, mas inaceitável. Compreenderia, por isso, um processo crime ou cível. Tenho muitíssimas dúvidas quanto ao recurso a uma providência cautelar para retirar, em pré-campanha, um cartaz de um partido da oposição que critica o primeiro-ministro. Forma tão expedita para um precedente tão grave só poderia ser usada com uma segurança férrea, o que não é o caso. E precisava, já agora, de alguma coerência por parte do queixoso.

Não sou dos que acham que a liberdade de expressão não tem limites, mas seria extraordinário que, depois de tanta propaganda com discurso de ódio, fosse o bom nome do primeiro-ministro a abrir este precedente complicado. Felizmente, os tribunais portugueses têm sido sensíveis à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, equilibrado na defesa da liberdade de expressão e dos direitos dos cidadãos. Espero que a tenham em conta.

Tenho curiosidade por conhecer a posição de José Pedro Aguiar-Branco sobre os limites da liberdade de expressão do Chega. Será que o que se permite a Ventura no Parlamento é proibido na rua? Seria uma visão extraordinária do debate político, de facto.

Nada tenho contra a propaganda negativa. É normal que a oposição a faça. Pode ser mau ou bom para ela, mas é expectável que o tema que levou Luís Montenegro a impor umas eleições esteja presente na propaganda dos partidos. Nada tenho contra a propaganda negativa pessoalizada, tantas vezes usada pela Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e, com menor frequência, pelo PCP. E pelas JSD e JS, para pouparem os partidos de poder ao desgaste desta linguagem.

Detesto o estilo (e o conteúdo) da comunicação do Chega, mas não é novo. Suponho que ainda se lembram do “Portugal precisa de uma limpeza” com cruzes que eliminavam caras de Ricardo Salgado, José Sócrates, António Costa e Fernando Medina. O paralelo, com que o PSD sempre flirtou, não incomodou então Luís Montenegro.

O problema não pode ser, portanto, a comparação com Sócrates. Até porque, no que à justiça diz respeito, Sócrates ainda é, aos olhos estritos da lei, tão inocente como Montenegro (ou como eu). Ser arguido ou acusado não é uma pré-condenação. E o próprio Montenegro, para poder partilhar a vitória de Miguel Albuquerque na Madeira, comparou a sua situação política à de um arguido.

O problema que sobra é a acusação de corrupção. E é difícil ignorar o que Pedro Nuno Santos recordou: o cartaz que a AD mandou pôr nas ruas na última campanha, depois da demissão de António Costa por uma suposta e nunca confirmada suspeita. “Corrupção e falta de ética já não dá para continuar”, lia-se. Até a expressão final era um sinónimo de “chega”.

É verdade que, ao contrário do cartaz simultâneo do Chega, o da AD não tinha a cara de António Costa no seu. Mas, se nos queremos prender ao formalismo, o atual cartaz do Chega também fala dos últimos 50 anos, indo para lá daquelas figuras. O objetivo e o significado do cartaz da AD eram precisamente os mesmos: o PS é corrupto e não tem ética. Num e noutro caso, joga-se com a ideia de corrupção moral para insinuar mais do que isso. Não é difícil adivinhar o que diria hoje Montenegro se o PS fizesse um cartaz a falar de corrupção, como a AD fez há um ano. Que usava a linguagem do Chega.

O PSD está a reescrever a sua própria história recente ao tentar interditar mensagens mais agressivas sobre este caso. Foi o próprio Luís Montenegro que, no rescaldo da demissão de Costa, acusou o PS de ceder “a esquemas de compadrio político”. Montenegro sempre centrou a sua oposição em casos e questões éticas.

Compreendo a indignação de Luís Montenegro. Mas nem bate certo com a doutrina do PSD e de Aguiar-Branco, quando eram outros os alvos do Chega, nem com o comportamento da AD na última campanha, depois da demissão de Costa.»


Marisa Matias

 


25.3.25

E é azul!

 


Relógio de bolso suíço antigo, azul turquesa, de prata e esmalte guilhoché (ornato composto de traços ondeados que se cruzam e entrelaçam com simetria) Cerca de 1900.
Fauvette HAD.

Daqui.

Os jacarandás e a democracia

 


«Uma petição lançada na sexta-feira contra o abate de jacarandás na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, somava já nesta segunda-feira mais de 20 mil assinaturas. Em causa está a criação de um parque de estacionamento subterrâneo. A Câmara Municipal de Lisboa respondeu que esta via “vai ficar mais verde”, porque serão plantadas mais árvores. Mas o que os peticionantes querem é continuar a ser surpreendidos pela beleza lilás desta árvore, que ilumina as ruas de Lisboa na Primavera e no Verão. (…)

Os partidos e os candidatos a Belém terão de escolher quais são os seus jacarandás – as causas que vão atrair os eleitores até às urnas.»


José Rodrigues dos Santos, ainda

 

Já se esqueceram da indignação que provocou pela reportagem em que referiu os paralíticos gregos, em plena crise daquele país?

Protestámos muito, passaram dez anos e a RTP mantém-no, ufana e altiva.



José Rodrigues dos Santos

 


Que tipo de poder terá José Rodrigues dos Santos na RTP para continuarmos a assistir a prestações execráveis, como a de ontem na entrevista a Paulo Raimundo? Um jornalista americano ao serviço de Trump não faria melhor.


Como morre uma democracia

 


«Ainda haverá perto de 3000 centenários que viram nascer uma ditadura em Portugal. Será mais justo escrever que eram nascidos quando um golpe militar pôs fim à Primeira República e deu início ao movimento que mais tarde faria de Salazar o líder de um regime autoritário.

Não se lembrarão dos primórdios da ditadura e do clima que a antecedeu, mas certamente ouviram muitas histórias e horrores. Como os que estamos a ouvir agora, vindos do outro lado do Atlântico, e que nos dão, pista a pista, o guião para enfraquecer uma democracia liberal.

Pista 1: a Casa Branca passou a escolher os media e os jornalistas que fazem a cobertura mais próxima da Presidência dos EUA. A decisão foi justificada com a necessidade de desmantelar um “monopólio” e abrir a Casa Branca a meios de comunicação alternativos, o que seria até benévolo, não fosse o caso de os briefings diários terem passado a privilegiar os meios alinhados com o poder instituído. É uma machadada na liberdade de imprensa.

Pista 2: a mesma Administração emitiu um conjunto de directrizes que permitiu ao New York Times compilar uma lista de 200 palavras cujo uso em documentos oficiais passou a estar proibido. Palavras/expressões como “mulheres”, “diversidade”, “orientação sexual”, “discurso de ódio”, “Golfo do México”, “poluição”, “prostituta”, “imigrantes” ou “crise climática” são alguns exemplos (vale a pena ver a lista completa). Este cancelamento é um acto de censura com implicações profundas no conhecimento científico e no desenvolvimento da sociedade.

Pista 3: no discurso da posse, Trump disse que os EUA só reconhecerão “dois géneros”: o feminino e o masculino. O que se seguiu pôs em causa a segurança e a dignidade de milhares de cidadãos: o Pentágono avisou que os militares trans em serviço seriam identificados e afastados das Forças Armadas; foi anunciada a eliminação dos programas de diversidade dentro do Exército; e as prisões federais foram incumbidas de alojar mulheres transexuais em celas masculinas.

Pista 4: as autoridades fronteiriças impediram um cientista francês de entrar nos EUA após terem encontrado no seu telemóvel “mensagens trocadas com colegas e amigos em que ele expressava uma opinião pessoal” sobre a Administração Trump. A história põe em causa a liberdade de opinião e roça a perseguição política.

Os exemplos são variados e ainda só passaram dois meses. Marcelo Rebelo de Sousa chamou-lhe “o deslizar da democracia para a ditadura”. Se não é assim que se mata uma democracia, não deve andar muito longe.»


24.3.25

Louçã com Ricardo Araújo Pereira

 


Mais um jarro?

 


Jarro decorado com insectos no meio de folhagens. De vidro fumado, transparente, esmaltado e dourado, com pega aplicada a quente. Nancy, França, 1890.
Émile Gallé.

Daqui.

A Espanha aqui tão perto

 

«Mais do que um verdadeiro ímpeto reformista, este Governo nasceu com a pressa de fazer coisas. De resolver problemas. De dar prova de vida. O tempo sempre foi o seu principal inimigo. Não passava na discussão do programa. Não resistia na discussão do Orçamento. Talvez sobrevivesse a Marcelo. Mas nunca sobreviria ao próximo Presidente. Ou ao próximo Orçamento. Os mais otimistas davam-lhe dois anos de vida. Não chegou a um. O anterior Governo tinha maioria absoluta e durou dois anos. Antes desse, o segundo de António Costa, sobreviveu dois anos e cinco meses. Por este caminho nem para resolver problemas há tempo. Reformas, nem pensar.

Portugal aguenta? Como diria Fernando Ulrich “ai aguenta, aguenta”. Vejamos o caso de Espanha. Tem um Governo, o ‘governo Frankenstein’, praticamente paralisado desde a sua investidura, a 21 de novembro de 2023. Entrou em 2025 sem Orçamento o mesmo acontecendo em sete comunidades autónomas. Pedro Sánchez vai prorrogando o orçamento anterior com receio de cair na discussão do novo. A instabilidade política é total. Apesar disso, toda a gente se rende ao milagre económico espanhol. A revista “The Economist” considerou que a economia espanhola é a mais pujante da OCDE. E o jornal “Financial Times” considera-a a “nova estrela económica da Europa”. Política e Economia nem sempre se cruzam. Já tinha acontecido em Itália, no pós-guerra.»


Não chegámos à Madeira. Ainda...

 


«Apesar de ir a votos liderado por um arguido, o PSD conseguiu, ontem, aproximar-se da maioria absoluta e de uma extraordinária vitória. Basta-lhe entender-se com o CDS e a maioria de direita é sólida. O PS, que durante 50 anos foi incapaz de construir uma alternativa ao partido de poder (perdeu essa oportunidade de 2019, quando ficou a dois deputados do PSD), foi ultrapassado, pela terceira vez. Já acontecera com o CDS em 2011 e 2015, anos em que o PS não ultrapassou os 11,5%, e volta a acontecer com o Juntos pelo Povo (JPP). É evidente que Paulo Cafôfo ficará a organizar as duas eleições que faltam e terá de dar lugar a outro. Entretanto, é provável que o JPP se venha a afirmar como bloco aglutinador da oposição.

Por poder ser lido como um aviso das consequências de longos períodos de instabilidade, o paralelo entre as eleições regionais da Madeira e as legislativas de maio é inevitável: quais as consequências eleitorais de uma crise política por causa de suspeitas sobre o seu líder? Pelo mais e pelo menos, o exercício, sendo compreensível, é forçado.

As potencialidades da comparação até são limitadas para o PSD. Luís Montenegro quer mesmo comparar-se a um arguido. É que a situação de Miguel Albuquerque até é mais comprometedora do que a de um primeiro-ministro que, até agora, só tem de lidar com críticas e suspeitas acerca do seu comportamento ético.

Fazendo o ponto da situação, e ignorando o caso da casa de Espinho, o estranho negócio com a gasolineira e as desconformidades no registo na Comissão Nacional de Proteção de Dados, a novidade foi a entrevista de Inês Varejão Borges ao Observador, onde acabou por confirmar aquilo que já me parecia fechado: nas suas próprias palavras, o serviço prestado “era um trabalho que se autogeria" sem necessidade de intervenção da Spinumviva, com o contacto a ser feito diretamente entre os prestadores de serviços e a Solverde. Apesar disto, grande parte do dinheiro foi arrecadado pela empresa de Montenegro, que teve como única função clara captar clientes, mantendo uma avença pela agenda de contactos do primeiro-ministro, mesmo em funções. Albuquerque vai a votos sendo arguido (não acusado) num processo criminal.

Os paralelos acabam aqui. Na Madeira, o PSD controla de forma esmagadora quase todos os domínios da sociedade e economia do arquipélago. Os problemas éticos são constitutivos do regime jardinista e do seu sucedâneo degradado. A tolerância nacional ainda não atingiu os níveis de uma sociedade governada pelo mesmo partido há meio século. A Madeira ainda está na fase do poder quase absoluto do PRI, no México, onde Estado e partido pouco se distinguiam.

Nunca houve, como no resto do país, qualquer tipo de alternância. Nenhum partido tinha, como no País, uma votação aproximada à do PSD. Nem sequer há um partido claramente alternativo, estando esse lugar dividido entre o PS e o JPP, próximos e incapazes de se unirem. Os madeirenses foram votar sabendo que a alternativa era entre a maioria absoluta ao PSD e as crises sucessivas com o PSD.

Esta não é a primeira queda de Albuquerque. É a segunda. E esta foi a terceira eleição a que foi em 18 meses. O país pode vir a estar assim se, daqui a menos de um ano, a oposição fizer cair Montenegro. Isto acontece como constatação de um bloqueio. E, no caso da Madeira, de um bloqueio sem perspetiva de resolução.

Por outro lado, Albuquerque caiu pelas mãos da oposição, através da aprovação de uma moção de censura do Chega (se acontecesse o mesmo em Lisboa, não tenho dúvidas de que o PS seria fortemente penalizado), não por ação do governo, como aconteceu no plano nacional, através da apresentação de uma moção de confiança. Ou seja: sem ter qualquer alternativa de poder maioritária ou mesmo minoritária, a oposição responsabilizou-se pela queda do governo.

Se a Madeira nunca foi barómetro do país, continua a não o ser agora. Pode dar argumentos partidários, mas tem pouca utilidade analítica. Será, quando muito, a repetição de uma lição que sempre soubemos: que não há instabilidade que sempre dure e a solução pode, ao fim de muito cansaço, premiar os que mereceriam, pelo seu comportamento menos ético, castigo. Mais importante: não basta os governos caírem, é preciso que as alternativas se construam.»


BE: surpresa nas Legislativas?

 


Talvez se comece por estranhar, mas entranha-se rapidamente. Os que são hoje grisalhos não são menos aptos do que os mais jovens, nem menos necessários.

Notícia AQUI.

23.3.25

Hoje há perfumes

 


Frascos de perfume Arte Nova de vidro esmaltado. Cerca de 1890.
Émile Gallé.

Daqui.

A fluidez da ética

 

«Numa interessante entrevista concedida pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social ao jornal “Público” e à Rádio Renascença, publicada na passada quinta-feira, esta afirmou, a propósito de uma pergunta sobre o comportamento do primeiro-ministro (PM) no processo político que conduziu à convocação de eleições legislativas para o próximo dia 18 de maio: “Nós não temos que nos sujeitar a juízos de ética para além daquilo que corresponde ao cumprimento escrupuloso da lei”.

A senhora ministra sabe que jamais a ética se limita a esse cumprimento escrupuloso. Quem tem de lidar com problemas do trabalho, da proteção social ou das causas e consequências da falta de meios para acesso a uma habitação digna, confirma o elevado valor do cumprimento da lei, mas também a imprescindibilidade do respeito por princípios éticos, na formulação e aplicação das leis. (…)

Desengane-se quem raciocina no pressuposto de que o voto popular pode lavar mais branco. O lastro da vida política corre o risco de acabar negro. Nenhum democrata, de qualquer quadrante, pode cair nessa ilusão. O recurso a princípios éticos é indispensável: vivemos num tempo em que a apropriação indevida da riqueza, em dimensão nunca antes vista, é imoral, mas é legal.»


Cá vamos

 


A chocante revolução cultural dos EUA

 


«Há quem diga que a guerra civil nos Estados Unidos já começou ou, ainda, quem diga que a Terceira Guerra Mundial também já começou. Nenhuma destas duas convicções me parece muito disparatada.

Nos EUA, o conflito da Administração Trump com o poder judicial é exuberante e cada dia se aproxima mais de um choque aberto, que se irá materializar numa desobediência assumida do Presidente a decisões judiciais. No caso das deportações dos alegados membros de um gang criminoso da Nicarágua, efectuadas à margem da lei e que o juiz James Boasberg tinha bloqueado, a Administração Trump ainda se procurou defender, pelo menos inicialmente, do facto de ter concretizado as deportações, alegando que a decisão judicial chegara tarde demais, quando os deportados já estavam no ar e não era possível o seu regresso. De seguida, foi recusada ao tribunal a informação respeitante ao voo, por ser considerada informação confidencial…

Aí, de alguma forma, a Administração Trump ainda procurou apresentar argumentos formais e processuais para encobrir a desobediência, mas, muito em breve, teremos uma desobediência clara com base numa posição assumidamente radicalizada quanto aos poderes da presidência. Embora Karoline Leavitt, a porta-voz da Casa Branca, tenha inicialmente, à volta da desobediência, procurado fazer uma distinção quanto ao valor legal das ordens verbais e das ordens escritas dos tribunais, Stephen Miller, chefe de gabinete da Trump e um conhecido partidário da linha dura quanto à imigração, não poupou nas palavras ao afirmar que os tribunais não têm quaisquer poderes para restringir as actividades do Presidente, na prossecução da política externa dos Estados Unidos no âmbito do Alien Enemies Act. Miller declarou expressamente: “Este juiz violou a lei. Violou a Constituição. Desafiou o sistema de governo que temos neste país.”

Apoiado ou mesmo blindado na decisão proferida no caso Trump v. United States (2024), que lhe deu uma amplíssima imunidade criminal, Trump não hesita em procurar o confronto com o poder judicial, tendo classificado o juiz James Boasberg como um juiz de Obama, lunático e de extrema-esquerda que deveria ser afastado (impeached). As palavras de Trump levaram a que John Roberts, o juiz presidente do Supremo Tribunal – que foi o juiz relator no caso Trump v. United States (2024) –, tenha feito uma, pouco habitual, declaração pública em que, embora não referindo o nome de Trump, lembrou que, quando não se concorda com uma decisão judicial, não se pede o afastamento do juiz, recorre-se. Trump já respondeu, agravando o confronto, e a Administração Trump já iniciou o processo legal para afastar o juiz.

Mas o terramoto norte-americano não atinge só as questões político-constitucionais ou geopolíticas, já que são valores básicos da chamada "civilização ocidental" que estão em causa com a revolução trumpiana que vale a pena ler à luz de Mao Tsetung, como sugere Jorge Almeida Fernandes.

Acompanhar a alucinante coreografia de Elon Musk no palco norte-americano e mundial não é agradável, mas é bem esclarecedor da desumana revolução cultural que se está a viver nos EUA. Numa entrevista de três horas, com o podcaster Joe Rogan, embora Musk tenha declarado que nos devemos preocupar com os outros, afirmou expressamente que “a fraqueza fundamental da civilização ocidental é a empatia, a exploração da empatia”, que terá sido transformada numa arma pelos pobres, pelos imigrantes nomeadamente explorando “um bug na civilização ocidental”. Entre outras coisas, Musk esclareceu que considera a Segurança Social uma espécie de esquema Ponzi, seguramente prefigurando os cortes que ambiciona vir aí a efectuar.

Como é fácil de descortinar, como pano de fundo do pensamento de Musk e de muitos bilionários e políticos da entourage de Trump, há a convicção de que são seres superiores às pessoas comuns, que, na prática, os exploram e à sua riqueza ao beneficiarem de apoios do Estado, tais como as pensões.

Nesse aspecto, vale a pena acompanhar a evolução do projecto das Freedom Cities apresentado pela elite tecnobilionária como uma solução urbanística e política, miraculosa para o desenvolvimento e promoção da liberdade económica, através do afastamento das intervenções regulatórias do Estado nessas novas “cidades da liberdade”. No entanto, na prática, mais não seriam do que cidades sem democracia, controladas pelos tecnobilionários, fora das leis norte-americanas, “um neofeudalismo” e “um plano para acabar com o conceito de cidadania e fazer de cada trabalhador um servo cuja vida inteira é controlada pelos caprichos do seu patrão”, nas palavras de Armanda Marcotte, na revista Salon. A realidade quer ultrapassar o visionário George Orwell.»