«Apesar de ir a votos liderado por um arguido, o PSD conseguiu, ontem, aproximar-se da maioria absoluta e de uma extraordinária vitória. Basta-lhe entender-se com o CDS e a maioria de direita é sólida. O PS, que durante 50 anos foi incapaz de construir uma alternativa ao partido de poder (perdeu essa oportunidade de 2019, quando ficou a dois deputados do PSD), foi ultrapassado, pela terceira vez. Já acontecera com o CDS em 2011 e 2015, anos em que o PS não ultrapassou os 11,5%, e volta a acontecer com o Juntos pelo Povo (JPP). É evidente que Paulo Cafôfo ficará a organizar as duas eleições que faltam e terá de dar lugar a outro. Entretanto, é provável que o JPP se venha a afirmar como bloco aglutinador da oposição.
Por poder ser lido como um aviso das consequências de longos períodos de instabilidade, o paralelo entre as eleições regionais da Madeira e as legislativas de maio é inevitável: quais as consequências eleitorais de uma crise política por causa de suspeitas sobre o seu líder? Pelo mais e pelo menos, o exercício, sendo compreensível, é forçado.
As potencialidades da comparação até são limitadas para o PSD. Luís Montenegro quer mesmo comparar-se a um arguido. É que a situação de Miguel Albuquerque até é mais comprometedora do que a de um primeiro-ministro que, até agora, só tem de lidar com críticas e suspeitas acerca do seu comportamento ético.
Fazendo o ponto da situação, e ignorando o caso da casa de Espinho, o estranho negócio com a gasolineira e as desconformidades no registo na Comissão Nacional de Proteção de Dados, a novidade foi a entrevista de Inês Varejão Borges ao Observador, onde acabou por confirmar aquilo que já me parecia fechado: nas suas próprias palavras, o serviço prestado “era um trabalho que se autogeria" sem necessidade de intervenção da Spinumviva, com o contacto a ser feito diretamente entre os prestadores de serviços e a Solverde. Apesar disto, grande parte do dinheiro foi arrecadado pela empresa de Montenegro, que teve como única função clara captar clientes, mantendo uma avença pela agenda de contactos do primeiro-ministro, mesmo em funções. Albuquerque vai a votos sendo arguido (não acusado) num processo criminal.
Os paralelos acabam aqui. Na Madeira, o PSD controla de forma esmagadora quase todos os domínios da sociedade e economia do arquipélago. Os problemas éticos são constitutivos do regime jardinista e do seu sucedâneo degradado. A tolerância nacional ainda não atingiu os níveis de uma sociedade governada pelo mesmo partido há meio século. A Madeira ainda está na fase do poder quase absoluto do PRI, no México, onde Estado e partido pouco se distinguiam.
Nunca houve, como no resto do país, qualquer tipo de alternância. Nenhum partido tinha, como no País, uma votação aproximada à do PSD. Nem sequer há um partido claramente alternativo, estando esse lugar dividido entre o PS e o JPP, próximos e incapazes de se unirem. Os madeirenses foram votar sabendo que a alternativa era entre a maioria absoluta ao PSD e as crises sucessivas com o PSD.
Esta não é a primeira queda de Albuquerque. É a segunda. E esta foi a terceira eleição a que foi em 18 meses. O país pode vir a estar assim se, daqui a menos de um ano, a oposição fizer cair Montenegro. Isto acontece como constatação de um bloqueio. E, no caso da Madeira, de um bloqueio sem perspetiva de resolução.
Por outro lado, Albuquerque caiu pelas mãos da oposição, através da aprovação de uma moção de censura do Chega (se acontecesse o mesmo em Lisboa, não tenho dúvidas de que o PS seria fortemente penalizado), não por ação do governo, como aconteceu no plano nacional, através da apresentação de uma moção de confiança. Ou seja: sem ter qualquer alternativa de poder maioritária ou mesmo minoritária, a oposição responsabilizou-se pela queda do governo.
Se a Madeira nunca foi barómetro do país, continua a não o ser agora. Pode dar argumentos partidários, mas tem pouca utilidade analítica. Será, quando muito, a repetição de uma lição que sempre soubemos: que não há instabilidade que sempre dure e a solução pode, ao fim de muito cansaço, premiar os que mereceriam, pelo seu comportamento menos ético, castigo. Mais importante: não basta os governos caírem, é preciso que as alternativas se construam.»
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