24.10.20

Prémio de consolação de 2020

 


Mais uma horita de sono…
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Rosa Parks morreu num 24 de Outubro

 



Rosa Parks morreu em 24 de Outubro de 2005, com 92 anos. Era costureira, vivia em Montgomery e apanhava todos os dias o mesmo autocarro. A história é conhecida: no dia 1 de Dezembro de 1955, a parte da frente do mesmo, reservada a passageiros brancos, já não tinha nenhum lugar vago e o condutor ordenou que Rosa se levantasse e cedesse o seu. Recusou e foi presa, facto que desencadeou uma reacção em cadeia, nomeadamente o boicote dos autocarros de Montgomery durante um ano.

Mas não se tratou de um impulso isolado: há muito que Rosa se recusava a entrar nos autocarros pela porta traseira e que era activista em outras causas, nomeadamente na luta pelo direito ao voto. Ficou ligada, para sempre, juntamente com Luther King e tantos outros, à luta pela emancipação dos negros, sendo muitas vezes qualificada como «the first lady of civil rights» ou «the mother of the freedom movement».

A conquista de direitos humanos fundamentais nunca está garantida, é necessário lutar para que não seja aniquilada.



Versão Pete Seeger:


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Obrigações e pedagogias

 


Nada tenho de especial contra o uso de máscaras ao ar livre como foi ontem decidido (excepto o facto de não serem gratuitas e o exagero no montante das multas), mas duvido de uma eficácia muito significativa. 

Primeiro, porque muitas pessoas já as usam, embora mal num grande número de casos, e que deixar ao critério de agentes de autoridade, eventualmente mal informados, a decisão das situações em que a obrigatoriedade não se aplica pode ser repetir o erro dos que mandavam imediatamente para casa quem tivesse o cabelo muito branco, confundindo idade de risco com infecção pelo vírus, durante a fase de confinamento. 

Segundo e sobretudo, porque não existiu, nem existe, qualquer campanha de sensibilização adaptada à faixa etária a ter sobretudo em conta neste momento (adolescentes e jovens adultos) e que não é com vinagre que se apanham moscas. Precisam de conviver e, se os perseguem, ampliarão com enormes prejuízos o que já hoje fazem: sem bares nem rua, abastecem-se com antecedência e criam «a noite» em casa ou em barracões – obviamente sem máscaras, nem distâncias, nem gel. 

Já disse isto várias vezes: há discursos a mais e pedagogia a menos (ou marketing, tanto me faz). Estas pessoas não ouvem as conferências de imprensa, os discursos de Costa ou mesmo telejornais. Utilizem futebolistas em muppies, youtubers, campanhas no Instagram, no Tinder, sei lá!... Mas nãos os tratem como se tivessem 60 anos ou quase.
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Desvalorização salarial é erro

 


«Taxas de desemprego de grande dimensão transportam sempre uma forte tendência para a desvalorização salarial. Essa desvalorização e a persistência de desemprego transformam-se em profunda e prolongada crise, em entrave à recuperação económica, e afundam o patamar de desenvolvimento do país. 

Quando observamos a evolução do peso dos rendimentos do trabalho no Produto Interno Bruto (PIB) constata-se uma queda da parte do trabalho, quase contínua, durante duas décadas. Em 2001 esse peso era de 60% e em 2019 de 51%. O enfraquecimento acelerado da negociação coletiva por efeito de disposições introduzidas no Código do Trabalho - em vigor desde 2003 - e o processo de financeirização da economia com alteração do seu padrão de especialização, constituíram causas fundamentais daquele rombo na fatia da riqueza a que os trabalhadores deviam ter direito. Está aí, também, uma fonte das desigualdades que marcam a sociedade portuguesa. 

Só o Governo PSD/CDS, através da aplicação das receitas de desvalorização interna recomendadas pela troika e ampliadas pelo próprio Governo, impôs uma perda superior a cinco pontos percentuais entre 2010 (56,5) e 2015 (51,5). Na legislatura seguinte o Governo do Partido Socialista (PS) travou a queda, mas não encetou a recuperação que se impunha, dado que, em 2019, a parte do trabalho era de 51,44%. 

No contexto em que estamos, ou se segue uma trajetória de coerência e articulação entre as políticas sociais (protegendo todos) e as políticas de emprego, evitando a todo o custo o agravamento do desemprego e, concomitantemente, impulsionando a criação de emprego e a melhoria da sua qualidade, ou marcharemos para o retrocesso. O Governo teima em adotar um rumo que não faz essa necessária articulação: afirma preocupações sociais e adota algumas medidas reparadoras, mas não prepara barreiras que impeçam uma nova vaga de desvalorização salarial. 

As forças económicas conservadoras e da Direita ressuscitam as velhas teses de que o importante é criar emprego independentemente da sua qualidade, e que isso se garante entregando dinheiro aos acionistas das empresas. As políticas de baixos salários são apresentadas como inevitáveis e necessárias. Recusam contrapartidas claras e controláveis, designadamente pela assunção de compromissos negociados com os trabalhadores e os seus sindicatos, e muitos ainda pregam a necessidade de se atrair investimento estrangeiro na base da oferta de mão de obra barata. 

Aí está a reposição da cartilha da troika, que se mostrou profundamente injusta e estéril. Acresce que esta crise pandémica afeta profundamente não só a procura interna como, de igual modo, a procura externa. Este facto e a constatação de que a pobreza é impeditiva do desenvolvimento, reforçam a necessidade de um forte combate à desvalorização salarial. 

O Governo e o PS andam mal quando proclamam que os seus interlocutores preferenciais são os partidos à sua Esquerda e, depois, afunilam toda a discussão de políticas com eles em torno do Orçamento, e quando acantonam as suas propostas, nas áreas laborais e sociais, num beco onde dizem não haver razoabilidade e bom senso. 

A proteção social tem mesmo de ser articulada com políticas quantitativas e qualitativas de emprego e de valorização salarial.» 

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23.10.20

Viagens possíveis em tempos de Covid

 

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O adeus político de Mujica

 


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BE e PCP são um terço de uma maioria. Não chegam adornos no OE

 


«Daqui a uns meses, virá uma crise social séria e este Orçamento será uma fisga. Quando esta pandemia passar, a pressão sobre o SNS, com tanta consulta e cirurgia adiada, será brutal. A Escola Pública, se não quiser deixar os mais frágeis para trás, terá de fazer das tripas coração. Serão precisos meios. Apesar disto, o Governo propõe-se manter a despesa quase intacta e baixar o défice no único ano em que a UE, não por acaso, não o exige. A isto, o Governo responde com um investimento público “robusto". Mas o aumento de 20% é ilusão de ótica, porque parte de uma base ridícula. 

Daqui a uns anos, o Fundo de Resolução terá de receber centenas de milhões do Estado para pagar o empréstimo dos bancos, com juros mais altos, para satisfazer um truque retórico que nos diz que o Estado não injeta dinheiro no Novo Banco. O empréstimo contraído conta para o défice e acabará por ser mesmo pago pelo Estado. 

Perante tudo isto, quem viabilizar este Orçamento será justamente responsabilizado. E os primeiros a apontar o dedo ao BE e ao PCP seriam os que agora exigem que o façam. 

Na comunicação social, a proposta do Governo é apresentada como a mais à esquerda de sempre. Bloquista, mesmo. Propor apoios sociais no meio de uma tragédia não é de esquerda. É o óbvio e suponho que consensual. Sobretudo quando, olhando para as letras pequenas do apoio extraordinário, percebemos que, para muitos trabalhadores (sobretudo os independentes com rendimentos médios) ele não passa de uma revisão em baixa do que têm. É aqui que o Governo mostra alguma abertura para negociar, porque é dinheiro europeu. 

Nenhum partido, talvez com exceção do Chega e da Iniciativa Liberal, será contra os apoios sociais propostos pelo Governo. São o mínimo dos mínimos. Se é isso que faz a diferença neste OE, Rui Rio não se oporá. Se é o investimento público, o de Passos foi mais alto. 

Quando, no inicio desta legislatura, Costa fundou uma versão unilateral da geringonça – sem papéis, objetivos ou linhas vermelhas –, quis fazer do resto da esquerda refém. Só que a geringonça nasceu para reverter as medidas da troika. Era esse o seu objetivo. E dele, sobra pouco. Mas até sobra alguma coisa. Pormenores relevantes da lei laboral e, bastante importante para o tempo que aí vem, o subsídio de férias, que nunca voltou à versão anterior à troika. E é exatamente nestes medidas que Costa se recusa a tocar. Ou seja, a suposta geringonça que Costa diz estar viva fica-se pela maioria que permitiria ao PS governar. 

Para a habitual distribuição de lugares, como foi a farsa eleitoral para os presidentes das CCDR, com candidatos combinados entre PS e PSD, há bloco central. Para garantir maioria absoluta ao PS sem que ele tenha de ceder em nada de relevante, outros trouxas que se cheguem à frente. Se os eleitores do BE e do PCP quisessem o PS com maioria absoluta teriam votado no PS. Se o seu voto servir para aprovar o que o PS quer, mais uns troféus simbólicos, terão sido traídos. 

A eficácia dos deputados do BE e do PCP, que representam quase metade da votação do PS (16%-36%), não se mede em derrotas ou vitórias na comunicação social. Mede-se em conquistas concretas para a vida das pessoas. Se viabilizarem este Orçamento, não poderão fazer oposição séria. Mesmo que António Costa faça o que fez com o último: não o cumprir. Todos lhes lembrarão que a coisa é deles. Incluindo os seus eleitores. Por isso, é bom que seja mesmo deles, na proporção que lhes cabe. Para quem não saiba fazer contas, essa proporção é quase um terço da maioria de esquerda. Não chegam os adornos que lá conseguiram pôr.» 

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TIME

 



Pela primeira vez, a TIME mudou o seu logótipo na capa, num apelo ao voto. 
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22.10.20

22.10.1921 – Georges Brassens

 


Georges-Charles Brassens nasceu em 22 de Outubro de 1921, em Saint-Gély-du-Fesc, um porto de pesca francês banhado pelo Mediterrâneo. Aos 18 anos foi para Paris, regressou às origens quando a capital francesa foi bombardeada em 1940, mas para lá voltou poucos meses depois para mergulhar na leitura de grandes clássicos: Baudelaire, Verlaine, Victor Hugo...

Ainda durante a guerra, foi forçado a trabalhar numa fábrica na Alemanha, mas acabou por fugir e se manter escondido em Paris até ao fim do conflito. No início dos anos 50 fez umas incursões sem grande sucesso em cafés parisienses, mas foi avançando e, em 1972, viu editados 11 álbuns, acompanhados de um livro com todos os seus textos e poemas.

Com várias doenças pelo meio, acaba por morrer de cancro poucos dias depois de fazer 60 anos.

Entretanto, vai resistindo através de muitas gerações de fãs incondicionais e nunca é dispensável recordá-lo.








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Nova Iorque 1919 versus Pequim 1920

 


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Aceitar viver moderadamente

 


«Não vale a pena dourar a pílula. Os números são claros e correspondem, aliás, ao que se tinha previsto que aconteceria neste inverno. Uma segunda vaga mais forte do que a primeira sem a possibilidade de confinamento, bala que só podíamos usar uma vez. Com o aumento exponencial e previsível dos infetados, é provável que o Serviço Nacional de Saúde entre em ruptura e mais do que certo que o sector privado tentará ficar com a parte barata – os doentes não-covid –, para compensar as perdas financeiras que teve durante a pandemia. Já se sabe que as crises para muitos são sempre oportunidades para alguns. 

Valem pouco os gestos dramáticos, as medidas radicais, os abanões. Isso serve para acalmar os mais nervosos e proteger os responsáveis políticos do escrutínio público, transferindo para os cidadãos as responsabilidades do que corra mal. São precisas medidas permanentes, fáceis de entrar na rotina e sem mensagens contraditórias. Há as óbvias, como o uso de máscara. Mas a mais relevante é a redução drástica de contactos. Isto não passa por confinamentos, que teriam efeitos sociais, económicos e de saúde pública devastadores. Não passa pelo isolamento de grupos de risco, porque isso teria efeitos terríveis, como já percebemos pelo que aconteceu nos lares. 

Este objetivo exige uma postura diferente da que tem sido exibida por António Costa. O desnorte, com o avanço e recuo na proposta da StayAway Covid, gera desconfiança nas autoridades. E a saída também não é instalar o pânico. Para isso já temos os dois bastonários-abutres que regressam de cada vez que sentem que podem tirar algum proveito político (e no caso da Ordem dos Médicos, também uma ajudinha ao sector privado) das dificuldades. O pânico pode provocar reações imediatas, mas leva a uma fadiga emocional que, ao fim de poucas semanas, tem efeitos contrários aos desejados. Não precisamos, quase meio ano depois deste massacre ter começado, de sustos. É precisa a ideia de um rumo partilhado. Isso passa por regras de convivência que entrem na rotina e pela redução de contactos supérfluos, sem excessos asfixiantes e impraticáveis por muito tempo. 

O abismo para onde se estão a atirar vários governos europeus rebenta com os consensos indispensáveis para lidar com esta pandemia nos próximos meses. O que defendo vai contra o ar deste tempo, em que nada pode existir entre o “confina tudo” e o “isto é tudo uma grande aldrabice”. É preciso ganhar a esmagadora maioria das pessoas para comportamentos preventivos voluntários que não destruam as suas vidas, o seu estado mental e o que resta da economia. Reduzirmos drasticamente contactos sem deixarmos de viver. Escolher o que achamos fundamental. Vivermos um pouco menos sem deixarmos de viver. E, em vez de nos darem abanões ou de desatarmos aos gritos uns com outros, dividindo o país entre “histéricos” e “irresponsáveis”, aceitarmos viver moderadamente durante uns meses.» 

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21.10.20

François Truffaut morreu num 21 de Outubro





François Truffaut nasceu em Paris em 6 de Fevereiro de 1932. Morreu muito cedo, em 21 de Outubro de 1984, mas deixou-nos 26 filmes que o mantêm connosco. Com uma infância atribulada, que acaba por retratar parcialmente em «Les quatre cents coups», Truffaut fundou um cineclube aos 15 anos e foi rapidamente descoberto por André Bazin que viria a ter uma influência decisiva na sua carreira, introduzindo-o junto dos grandes nomes da época e nos celebérrimos «Cahiers du Cinéma». Tornou-se um dos principais representantes da «Nouvelle Vague» francesa e, nesses tempos áureos do cinema francês, era sempre com ansiedade que se aguardava a estreia de um novo título.

Foi um dos meus cineastas de referência. Quando Paris era a nossa praia de liberdade, vi Baisers Volés três vezes seguidas, sem sair da sala.

Entre muitos inesquecíveis: «Baisers Volés» (1968) e «Les quatre cents coups» (1959):






Last but not the least, esta canção inesquecível de «Jules et Jim»:


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Francisco e os homossexuais

 



“As pessoas homossexuais têm o direito de pertencer a uma família. Eles são filhos de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deve ser expulso ou ser miserável por isso”. (…) “O que temos que criar é uma lei da união civil. Dessa forma, eles estarão legalmente abrangidos. Eu defendo isso”, afirma o Papa citado pela Reuters.»
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Sobre a proposta de um não referendo à eutanásia

 


«No dia 23 de Outubro o Parlamento vai decidir pela não realização do referendo sobre a despenalização da morte antecipada em Portugal. Já todos adivinhamos que vai ser esse o sentido de voto da maioria, a mesma maioria que aprovou o que agora se pretende referendar. Porquê, então, esta questão agora? 

Entendo que a resposta deve estar relacionada com a evocação de um último argumento contra a despenalização da morte medicamente antecipada. Propõe-se o referendo, este não é aprovado, e poderá sempre argumentar-se que a maioria dos portugueses seria contra este processo retirando legitimidade à aprovação de uma Lei neste sentido. 

Discordo em absoluto desta ideia. Entendo que um referendo sobre um tema tão complexo não legitima, antes dicotomiza ainda mais a sociedade sobre o tema. Na generalidade, as pessoas tomam decisões a partir das suas crenças, desejos e preconceitos, o que normalmente não resulta bem em decisões difíceis com enormes repercussões sociais. Um referendo colocaria as pessoas ainda mais barricadas atrás das suas certezas, num dos lados e, por defensivas, sem capacidade de dialogar com o outro lado. O que creio precisarmos aprender num tema como este é a lidar com as dúvidas que um processo de antecipação da morte de alguém nos tem que colocar, nomeadamente como encontrar soluções que nos ajudem a diminuir as margens de erro das decisões a tomar. 

A lógica da democracia representativa, que como sabemos é um sistema com defeitos e limitações, é eleger pessoas com sensibilidades diversas, para pensarem, ouvindo contributos técnicos, e fazerem escolhas responsáveis sobre assuntos complexos a partir dessa diversidade. E a antecipação da morte a pedido do próprio deve ser dos assuntos mais complexos e difíceis de considerar. Há vários anos que me debruço sobre este tema, procurando contribuir com conhecimento científico e fugindo da dimensão opinativa. Tenho medo daqueles que afirmam posições definitivas e “certas”. Essas opiniões apenas servem para polarizar a discussão e reduzir a mesma a uma dicotomização falaciosa de favor ou contra, altamente condicionadora da capacidade de compreender as diversas perspectivas de um problema como este. 

Não, não estamos perante uma escolha simples entre respeitar a vontade da pessoa ou colocar em causa o respeito pela vida humana. Sim, estamos perante uma escolha que implicará compreender o papel do Estado e quais os custos para as pessoas e para a sociedade de, por um lado, prolongar a vida das pessoas e, muitas vezes, o seu sofrimento, ou, por outro, terminar a vida de alguém prematuramente, a seu pedido. Sim, estamos perante uma discussão que pretende ajudar a compreender até que ponto as decisões das pessoas podem estar assentes em medos irrealistas, em convicções mal construídas, ou até em pressões de terceiros. Sim, estamos perante a dificuldade de sabermos até que ponto o desejo de morrer, numa pessoa com doença terminal ou lesão definitiva, se altera ao longo do tempo, e em caso afirmativo, saber como, quando, porquê e qual deve ser o impacto daí resultante. Sim, estamos essencialmente perante um problema complexo de tomada de decisão que queremos que seja o mais representativa possível do melhor interesse do doente. Porque todos já tomamos decisões das quais nos arrependemos depois. 

Por isso mesmo me é absolutamente incompreensível como tão pouco se tem estudado sobre o processo de tomada de decisão na eutanásia ou no suicídio assistido. Como também não consigo compreender como podem os psicólogos serem tão pouco parte de um processo como este, quando a maior complexidade não está relacionada com a definição do diagnóstico ou a técnica de antecipação da morte, mas sim com a decisão e as condições de decisão do doente, com o facto de estarmos seguros de que ao acedermos ao pedido do doente estaremos de facto a fazer aquilo que é melhor para ele. 

Apelo a que não se tente diluir a responsabilidade de uma decisão destas num referendo. Não se procure politizar ou promover ideologias num tema tão difícil. Vamos procurar, sim, encontrar soluções que limitem e previnam ao máximo potenciais erros de avaliação e que valorizem a relação e a confiança entre profissionais de saúde e doentes. Vamos procurar compreender melhor porque é a evolução do desejo de morrer distinta num doente terminal face a uma pessoa com uma lesão definitiva. Vamos criar condições para que as pessoas possam reflectir, livremente e sem juízos de valor, sobre as suas decisões e receios com alguém capaz de a ouvir e de a compreender, sem com isso (a) julgar. Vamos, portanto, procurar soluções que humanizem os cuidados de saúde e promovam, de facto e deste modo, a dignidade da pessoa.»

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O Bloco e o OE2021

 

Catarina Martins foi ontem longamente entrevistada na Rádio Observador (por jornalistas que não foram propriamente «meigos»…). Neste momento político importante, quem estiver interessado em conhecer a posição exacta do Bloco pode estar interessado em ouvir: 


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20.10.20

Sondagem Legislativas



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E se ESTA proposta de OE2021 não passar na generalidade?

 



Eis o que penso há semanas: se este OE não passar na generalidade, o governo não pode apresentar outro? É uma fatalidade ter de governar por duodécimos? Em nome de…?
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Reforçar o SNS para além dos anúncios

 


«Não foi preciso uma pandemia para compreendermos que o SNS, para se fortalecer como pilar da nossa democracia, precisa de profissionais, de investimento, mas também de uma estratégia. O modelo que vigorava desde os anos 90 enfraquecia o serviço público que se tornava numa plataforma de contratação a privados, sem ganhos, quer na qualidade dos cuidados, quer na poupança de recursos financeiros. Esta foi a debilidade que António Arnaut e João Semedo fizeram questão de expor, quando escreveram um projeto de nova Lei de Bases da Saúde. 

A nova Lei de Bases foi um trabalho difícil, exigiu negociações duras com o PS, mas produziu alguns instrumentos para a organização futura do SNS. O passo seguinte seria, tal como previsto em 2019 e inscrito no Orçamento para 2020, um reforço em 8400 profissionais adicionais, o início da definição de um regime de exclusividade no SNS e a aquisição de meios de diagnóstico. São medidas óbvias, se pensarmos que o SNS gasta milhões a contratar fora os profissionais e meios de que não dispõe. Medidas que a pandemia tornou ainda mais urgentes. 

Apesar deste compromisso, assente num diagnóstico consensual, em 2020 o SNS está a perder quase mil médicos, nada se avançou no regime de exclusividade e pouco foi feito para internalizar os meios de diagnóstico. 

Os concursos abriram já perto do fim do ano e enfrentam duas dificuldades que põem em causa toda a sua eficácia. A primeira é que, face às condições laborais e remuneratórias, o SNS não consegue atrair e fixar os profissionais necessários. Veja-se que ficaram por preencher mais de 100 vagas para médicos de família, apesar de termos mais de um milhão de pessoas sem médico de família. A segunda dificuldade, que se aplica em particular aos médicos especialistas, resulta do poder da Ordem dos Médicos para limitar artificialmente o número de vagas disponíveis para formação, pondo em causa a quantidade de especialistas futuros. 

Se queremos reforçar o SNS e garantir que ele enfrenta a pandemia sem descuidar todos os outros serviços, não basta abrir concursos. É preciso defender as condições de trabalho e dedicação dos profissionais ao serviço público de saúde. Por isso, o Bloco quer que o Governo contrate os profissionais com que se comprometeu, detalhando o calendário e localização destas contratações, mas essa medida só será efetiva se for acompanhada de outras, que fixem os profissionais no SNS, como o regime de exclusividade e a criação da carreira de técnico auxiliar de saúde. Estas medidas, que nos separam do Governo no Orçamento, não são detalhes. Não podemos aceitar um compromisso que sabemos que o Governo não tem instrumentos para cumprir. Responsabilidade é olhar para o SNS, compreend.er o que correu mal e propor medidas para que não se repita.» 

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19.10.20

Autoritarismo e desorientação

 



«“A história ensina-nos que nunca se consegue combater com eficácia uma crise sanitária com medidas repressivas”, diz o presidente do Conselho Nacional de Saúde, um órgão consultivo do Governo.» 

«“São medidas altamente autoritárias. Isto é um sinal evidente de uma imensa desorientação, não é política baseada na evidência, é política para tentar criar evidência. Isto indigna-me não só pelo lado autoritário, mas também pela estupidez, porque a história ensina-nos que nunca se consegue combater com eficácia uma crise sanitária com medidas repressivas”»
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Marcelo – isto não se inventa!


 

Foi levar a vacina contra a gripe e deixou-se fotografar e filmar assim. E Putin lá tão longe!

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19.10.2012 – O dia em que ficámos sem Manuel António Pina





Manuel António Pina morreu há oito anos e a memória do que representou com tudo o que lhe devemos deve manter-se intacta, sem deixarmos que vá sendo apagada pelo tempo que passa.

A ler: uma entrevista que Anabela Mota Ribeiro fez quando MAP tinha 65 anos.

A ver ou rever: um pequeno excerto de um excelente filme de Ricardo Espírito Santo.



A não esquecer: «A pensar de pernas para o ar»:

Pensar de pernas para o ar
é uma grande maneira de pensar
com toda a gente a pensar como toda a gente
ninguém pensava nada diferente

Que bom é pensar em outras coisas
e olhar para as coisas noutra posição
as coisas sérias que cómicas que são
com o céu para baixo e para cima o chão
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Como Trump fortaleceu a China

 


«No dia 21 de Setembro, num comício em Dayton, Ohio, proclamou Donald Trump: “Se Biden vencer, a China vence. Se nós vencermos, vence o Ohio e, com plena justiça, vence a América.” É oportuno perguntar que o pensam os chineses do assunto. Não é saber se Xi Jinping “vota Trump” ou “vota Biden”. É a sua percepção dos quatro anos da presidência de Donald Trump. 

Resume Yan Xuetong: “Trump arruinou o sistema de alianças dos Estados Unidos” e deu lugar ao “período de melhor oportunidade estratégica para a China desde o fim da Guerra Fria”. Cito Yan porque é um dos mais escutados especialistas chineses, na Ásia e no Ocidente, decano do Instituto de Relações Internacionais Modernas, da Universidade Tsinghua, de Pequim, e presidente do Carnegie-Tsinghua Center for Global Policy. 

Explicitou numa entrevista: “A China tem a oportunidade de reduzir a diferença de poderio em relação aos EUA. (…) O Presidente Trump confirmou claramente que a liderança global é um fardo ruinoso para os EUA.” Note-se que Yan não pensa que Pequim esteja a caminho da hegemonia nos próximos tempos: “Só quando a comunidade internacional reconhecer que a China é um Estado mais responsável do que os EUA, a China será capaz de substituir os EUA na liderança do mundo.” 

Diz um documento oficial do Partido Comunista Chinês (PCC): “Apesar de os regimes ocidentais parecerem deter o poder, a sua vontade e a capacidade de intervir nos assuntos mundiais está em declínio. Os Estados Unidos já não podem ser o garante da segurança global e da prosperidade, pelo contrário, prosseguem uma política externa unilateral e inclusive nacionalista.” 

Esta opinião não é unânime dentro das elites chinesas. Mas está largamente difundida. “Muitos chineses anónimos desejam que Trump vença, porque pensam que ele destruiu o sistema americano e as suas alianças”, diz à Time Wang Yiwei, director do Instituto de Assuntos Internacionais da Universidade Renmim, de Pequim. “Se Trump continuar a fazer o mesmo pode haver novas oportunidades para a China.” 

A percepção chinesa do declínio americano não se deve apenas à errática política chinesa e asiática de Trump. Pequim olha atentamente as vicissitudes domésticas americanas e, em particular, o estrondoso fracasso na luta contra a pandemia da covid-19. Encara os EUA como uma nação dividida, decadente e em risco de crise institucional. Esta percepção não é apenas chinesa. Preocupa também, e muito, os ocidentais. “Por razões de orgulho ou estratégia pode ser correcto entrar em confronto com a China”, escreve Janah Ganesh, analista do Financial Times. O problema é isso coincidir “com a mais fracturante época na vida nacional desde há meio século”. Consequência? “Uma América dividida não pode competir com a China num duelo de superpotências.” 

Equívocos estratégicos 

A percepção que uma potência tem da força ou fraqueza dos rivais é determinante na sua estratégia. A actual e mais agressiva política externa chinesa reflecte em larga medida a sua análise da América. Ao mesmo tempo que falam no declínio americano, os líderes chineses crêem que os EUA tentarão desesperadamente conter a ascensão da China. Daqui as discussões em torno da chamada “nova guerra fria” e o risco de um choque entre as duas potências. 

Donald Trump chegou ao poder propondo-se “meter a China na ordem”, em nome do slogan America First. Ao fim de quatro anos, há uma geral percepção de que os Estados Unidos estão a perder influência, enquanto a China promoveu o seu estatuto internacional. A relação bilateral entre Washington e Pequim é a mais importante do mundo de hoje, não afecta apenas as duas potências mas o futuro da ordem internacional. 

O conflito sino-americano não é uma invenção de Xi e Trump, é algo de natureza estrutural e longa duração, que se desenvolve em distintas etapas desde o início do século. Novos líderes não vão alterar a natureza irremediavelmente competitiva da rivalidade entre as duas potências. Mas podem regulá-la. Para a China, continua a ser primacial anular a supremacia americana na Ásia. Para os EUA, isso está fora de causa. 

Teóricos de estratégia americanos apontam pesados erros à Administração Trump. Um artigo de Lawrence D. Kaplan no Washington Post, significativamente intitulado “How Trump is losing Asia” ("Como Trump está a perder a Ásia"), resume esses argumentos. Trump abandonou a Parceria Transpacífico enquanto a China acelerava a Nova Rota da Seda; e pôs em causa as garantias de segurança aos seus aliados, em especial o Japão. Não é apenas Pequim que ganha margem de manobra na Ásia, são os aliados que perdem a confiança nos Estados Unidos. Escreve Kaplan: “Pela primeira vez, desde a II Guerra Mundial, o Presidente dos EUA abalou a essência dessa confiança. A China está a promover uma visão, certamente imperfeita e coerciva, enquanto os EUA nada têm para oferecer.” Sem aliados e apoio local, os Estados Unidos não podem permanecer uma potência influente na Ásia. 

Diga-se, de passagem, que a grande perturbação lançada por Trump deriva em grande parte dele reduzir a política externa a instrumento da política doméstica. Isto é patente desde a sua campanha eleitoral de 2016 e tem efeitos perversos. 

Melhor do que Xi 

O sinólogo britânico Steve Tsang, director da Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS), de Londres, declara ao FT: “Desde que Trump se tornou Presidente, fez mais do que ninguém, incluindo Xi, para tornar a China grande de novo, dando a Xi o que ele desejava para a promoção global da China. A balança de poder no mundo oscilou mais a favor da China.” 

Que expectativas há em Pequim sobre o desfecho da eleição americana? Chen Zhiwu, da Universidade de Hong Kong, diz ao mesmo jornal que haverá uma diferença de estilo entre Trump e Biden. “Uma Administração Biden pode facilitar a vida à China durante um ou dois anos, mas a longo prazo levantará desafios mais duros à China.” 

O analista Yu Jie, do think tank Chatham House, de Londres, faz uma distinção: “Uma vitória de Trump pode ser temível para a China mas também um presente político para Xi. Quanto mais os EUA demonizarem a China, mais os cidadãos chineses – mesmo os que discordam da liderança de Xi – se unirão à sua volta.” 

Sublinhado final: outro problema preocupante é o risco de a China calcular mal a dimensão do “declínio americano”. Mas não é a matéria desta análise. Aguardemos os resultados do 3 de Novembro.» 

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18.10.20

Se a app quando nasce é para todos…

 


«Podem fazer o download da app nos vossos telemóveis, sim senhores, têm o software necessário. Multa de 100 para cada um.»
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Paulo Portas - Sempre, sempre, com vichyssoise à vista

 


Entrevista a Paulo Portas no Público. Sempre, sempre, com vichyssoise à vista.

(AQUI, só para assinantes)
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Sobre as apps covid: “La technologie est la société rendue durable”



 

«A polémica com as aplicações móveis para rastreamento digital de contactos continua com a recente proposta de tornar a sua instalação obrigatória. A intenção do Governo tem tanto de inaceitável como de compreensível. Perante o aumento de casos, e a mais que previsível sobrecarga dos serviços de saúde, o Governo esgota todas as alternativas. Não para evitar o que parece inevitável, mas provavelmente para justificar e preparar a população para um novo estado de emergência. Quanto estivermos novamente confinados, com tudo o que isso significa em termos económicos e sociais, o Governo poderá sempre dizer que a instalação massiva da app teria evitado um mal maior. 

Tal como escrevi aqui em Maio, o principal obstáculo às aplicações covid-19 não é a segurança ou a privacidade, mas sim a sua utilidade numa lógica de cidadania. Uma aplicação que se instala sem ter qualquer interactividade não permite que os utilizadores criem um bom modelo mental sobre o seu funcionamento. O célebre episódio de Rui Rio tornou pública a dúvida que persiste em grande parte das pessoas, incluindo as que acham que a instalação do StayAway Covid é um acto de cidadania digital. Todos criamos modelos mentais a partir das nossas crenças e usamos esses modelos para nos orientarmos no mundo que nos rodeia. Os computadores usam modelos mentais de ficheiros, pastas, tampos de secretária e baldes de lixo para permitir que as pessoas possam lidar facilmente com conceitos complexos dos sistemas informáticos como sistemas de ficheiros, permissões, dispositivos de armazenamento, etc. Infelizmente, as app de rastreamento não desenvolvem qualquer modelo mental. Ficam suspeitamente ligadas (ou não) até que algo aconteça! 

As apps de rastreamento digital foram desenvolvidas com base em duas premissas erradas. Primeiro, que o principal objectivo seria servir as autoridades de saúde ajudando-as a refazer os processos tradicionais de rastreamento. Segundo, foram desenvolvidas por equipas de engenharia muito competentes nos algoritmos de segurança e privacidade, mas sem qualquer competência em interacção. O resultado é uma aplicação tecnicamente impecável, mas completamente incompreensível para o comum dos cidadãos (e admito que para os próprios profissionais de saúde). Ao desenvolver uma solução focada na autoridade de saúde criaram-se expectativas erradas sobre a sua eficácia. Ao não apostar na adopção, na interactividade e no feedback aos utilizadores (tal como fazem as aplicações de exercício físico), alimentam-se todo o tipo de especulações e aproveitamentos políticos. 

Provavelmente, o grande contributo destas apps será o debate público sobre a cidadania digital. Esta questão fez-me lembrar a célebre frase de Bruno Latour (sempre ele) sobre a agência dos objectos inanimados: “La technologie est la société rendue durable.” No exemplo clássico de Latour, é o chaveiro pesado que se encontrava em muitos hotéis e que induzia os hospedes a deixar a chave na recepção. O chaveiro de Latour é assim um exemplo de um objecto inanimado que transporta simbolicamente uma regra. O desconforto de carregar um pesado chaveiro para fora do hotel é muito mais eficaz do que qualquer mensagem escrita. O valor desta inovação é claro, mas naturalmente tem um preço. Primeiro, o hotel tem que se aliar a quem consegue produzir a inovação que, por sua vez, se tem que aliar a quem sabe fazer chaveiros pesados e desconfortáveis. Segundo, a regra “deixe a chave na recepção” deixa de ser uma regra para passar a ser um acto muitas vezes não intencional nem consciente dos clientes. 

O que torna o exemplo de Latour interessante é que antes da introdução da inovação apenas o gerente do hotel estava interessado em que os clientes deixassem a chave na recepção. Com a introdução das chaves pesadas e desconfortáveis, o gerente e os clientes passaram a concordar que o mais conveniente para todos seria que as chaves ficassem na recepção. Ao contrário do exemplo de Latour, as apps de rastreamento digital acabam por não servir as intenções do Governo e das autoridades ao não criarem o movimento necessário para que os cidadãos, por conveniência ou utilidade, decidam contribuir sem serem obrigados. 

P.S.: Uma palavra de apreço à equipa do INESC-TEC pelo esforço e competência e ao Rui Oliveira pela coragem de assumir que não concorda que a aplicação seja tornada obrigatória.» 

Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico; Presidente do Instituto de Tecnologias Interativas do LARSyS
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