«O conceito de "risco de vida" é, nos dias que correm, muito mais amplo do que podemos imaginar. Ele não se aplica apenas aos infetados com o novo coronavírus. Há um grupo de risco, muito mais alargado, que, tendo a sorte de escapar à Covid-19, pode não sobreviver a um outros vírus, com poderes igualmente letais: o vírus do Estado, dos bancos e dos burocratas. E, nesse grupo, estamos todos. Os doentes e os saudáveis.
Que esta pandemia vai ter consequências económicas brutais, ninguém duvida. Pela escala, mas, sobretudo, pela imprevisibilidade da sua duração no tempo, nenhum cenário de curto ou médio prazo é particularmente animador. Pelo contrário, são todos muito feios. Por isso, não adianta muito fazer perguntas para as quais ainda ninguém tem resposta. Mas é urgente começar a responder a tudo o resto. Como se, de facto, estivéssemos em estado de emergência.
Se às pessoas se pede que fiquem em casa e às empresas que fechem as portas, há, desde logo, várias perguntas de resposta fácil: se uns não compram e outros não vendem, como podem uns pagar salários aos outros que vivem do trabalho? A resposta é simples: não podem. E quem não recebe salário pode pagar as suas despesas, ir de férias, consumir? A resposta volta a ser fácil: não pode. O ciclo tem tanto de vicioso como de dramático, e não quebra com um martelo de sisal.
Mantenham-se calmos que o Estado já entrou em cena.
A primeira resposta do Governo português a esta pandemia, na frente económica - ainda antes de ser decretado o estado de emergência -, foi prescrever uma espécie de paracetamol. Uma linha de crédito de 200 milhões de euros fazia-nos acreditar que esta pandemia não passava de uma constipaçãozita, sem gravidade de maior para a economia. Uma semana depois, o ministro das Finanças e o da Economia apresentavam ao país um novo pacote de medidas que previam, entre outras coisas, a prorrogação do pagamento de vários impostos (como se alguém conseguisse antecipar a duração e a extensão da crise) e uma injeção de mais de nove mil milhões de euros na economia portuguesa.
Calma. Os bancos estão aqui para ajudar a economia.
O decreto presidencial previu quase tudo ao nível da limitação de direitos: de circulação, de iniciativa económica privada, dos direitos dos trabalhadores, da liberdade de reunião, manifestação e de culto e até de resistência. Só não previu o direito de o Estado se impor aos bancos numa situação de estado de emergência. Porque, na verdade, os bancos continuam a ser uma espécie de Estado dentro do Estado, que apenas respondem ao todo poderoso Banco Central Europeu, excepto quando precisam de ser salvos pelos contribuintes.
A financiarem-se muitas vezes a taxas negativas, enquanto cobram spreads de dois, três e quatro por cento, em situação de emergência os bancos acedem a ajudar, desde que o Estado dê garantias públicas e que as empresas atestem que não estão em dificuldades. Porque haveriam de estar? E assim passou mais uma semana. Já lá vão três.
Calma. Os burocratas de Bruxelas estão aí para nos salvar.
Os bancos portugueses, tal como o Governo, justificar-se-ão sempre com as regras europeias. E o pior é que, em muitos casos, têm razão, porque é, de facto, em Bruxelas e em Frankfurt que está a origem do problema.
A resposta da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, até agora, podia ser anedótica, se isto desse vontade de rir a alguém. Resume-se a isto: 7,5 mil milhões de euros que cabem na cova de um dente - e que nem sequer é dinheiro novo - e o fim do limite dos 3% de défice, que, durante anos, só alguns é que estavam obrigados a cumprir.
Devagar - muito devagarinho -, Bruxelas começa a retomar uma discussão que começou com a crise de 2008, sobre a mutualização da dívida e a que agora chamaram os "coronabonds". Mas sem pressa, que não há motivos para alarme.
O Banco Central Europeu, que promete fazer tudo o que for preciso, ainda não mexeu uma palha. Estará, provavelmente, à espera de saber o que vai fazer a Reserva Federal Americana, o Banco da China e talvez ainda aguarde para ver o que vai fazer o Japão e o Brasil.
Não entre em pânico, mas prepare-se para o embate.
A economia tem que começar a ser salva já e não depois da pandemia, sob pena de a cura chegar depois da morte. E a resposta, na frente económica, não pode ser apenas nacional. Tem mesmo de ser europeia. Corajosa, sem tibiezas ou meias medidas. A crise de 2008, sendo muito diferente da que se avizinha, deixou várias lições que, se não tiverem sido aprendidas, podem ferir de morte o projeto europeu. Desta vez, não há bons e maus alunos nem países que só querem sol, copos e mulheres. Desta vez, a solução não pode resumir-se a acrescentar mais dívida em cima da que já existe e nunca vai ser paga. Não podem ser os mercados ou bancos a governar os Estados, têm de ser os políticos. Caso contrário, as consequências, que já vão ser grandes, podem ser desastrosas.»
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