26.3.20

A morte não espera pela cura e a economia não espera pelos burocratas



«O conceito de "risco de vida" é, nos dias que correm, muito mais amplo do que podemos imaginar. Ele não se aplica apenas aos infetados com o novo coronavírus. Há um grupo de risco, muito mais alargado, que, tendo a sorte de escapar à Covid-19, pode não sobreviver a um outros vírus, com poderes igualmente letais: o vírus do Estado, dos bancos e dos burocratas. E, nesse grupo, estamos todos. Os doentes e os saudáveis.

Que esta pandemia vai ter consequências económicas brutais, ninguém duvida. Pela escala, mas, sobretudo, pela imprevisibilidade da sua duração no tempo, nenhum cenário de curto ou médio prazo é particularmente animador. Pelo contrário, são todos muito feios. Por isso, não adianta muito fazer perguntas para as quais ainda ninguém tem resposta. Mas é urgente começar a responder a tudo o resto. Como se, de facto, estivéssemos em estado de emergência.

Se às pessoas se pede que fiquem em casa e às empresas que fechem as portas, há, desde logo, várias perguntas de resposta fácil: se uns não compram e outros não vendem, como podem uns pagar salários aos outros que vivem do trabalho? A resposta é simples: não podem. E quem não recebe salário pode pagar as suas despesas, ir de férias, consumir? A resposta volta a ser fácil: não pode. O ciclo tem tanto de vicioso como de dramático, e não quebra com um martelo de sisal.

Mantenham-se calmos que o Estado já entrou em cena.

A primeira resposta do Governo português a esta pandemia, na frente económica - ainda antes de ser decretado o estado de emergência -, foi prescrever uma espécie de paracetamol. Uma linha de crédito de 200 milhões de euros fazia-nos acreditar que esta pandemia não passava de uma constipaçãozita, sem gravidade de maior para a economia. Uma semana depois, o ministro das Finanças e o da Economia apresentavam ao país um novo pacote de medidas que previam, entre outras coisas, a prorrogação do pagamento de vários impostos (como se alguém conseguisse antecipar a duração e a extensão da crise) e uma injeção de mais de nove mil milhões de euros na economia portuguesa.

Calma. Os bancos estão aqui para ajudar a economia.

O decreto presidencial previu quase tudo ao nível da limitação de direitos: de circulação, de iniciativa económica privada, dos direitos dos trabalhadores, da liberdade de reunião, manifestação e de culto e até de resistência. Só não previu o direito de o Estado se impor aos bancos numa situação de estado de emergência. Porque, na verdade, os bancos continuam a ser uma espécie de Estado dentro do Estado, que apenas respondem ao todo poderoso Banco Central Europeu, excepto quando precisam de ser salvos pelos contribuintes.

A financiarem-se muitas vezes a taxas negativas, enquanto cobram spreads de dois, três e quatro por cento, em situação de emergência os bancos acedem a ajudar, desde que o Estado dê garantias públicas e que as empresas atestem que não estão em dificuldades. Porque haveriam de estar? E assim passou mais uma semana. Já lá vão três.

Calma. Os burocratas de Bruxelas estão aí para nos salvar.

Os bancos portugueses, tal como o Governo, justificar-se-ão sempre com as regras europeias. E o pior é que, em muitos casos, têm razão, porque é, de facto, em Bruxelas e em Frankfurt que está a origem do problema.

A resposta da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, até agora, podia ser anedótica, se isto desse vontade de rir a alguém. Resume-se a isto: 7,5 mil milhões de euros que cabem na cova de um dente - e que nem sequer é dinheiro novo - e o fim do limite dos 3% de défice, que, durante anos, só alguns é que estavam obrigados a cumprir.

Devagar - muito devagarinho -, Bruxelas começa a retomar uma discussão que começou com a crise de 2008, sobre a mutualização da dívida e a que agora chamaram os "coronabonds". Mas sem pressa, que não há motivos para alarme.

O Banco Central Europeu, que promete fazer tudo o que for preciso, ainda não mexeu uma palha. Estará, provavelmente, à espera de saber o que vai fazer a Reserva Federal Americana, o Banco da China e talvez ainda aguarde para ver o que vai fazer o Japão e o Brasil.

Não entre em pânico, mas prepare-se para o embate.

A economia tem que começar a ser salva já e não depois da pandemia, sob pena de a cura chegar depois da morte. E a resposta, na frente económica, não pode ser apenas nacional. Tem mesmo de ser europeia. Corajosa, sem tibiezas ou meias medidas. A crise de 2008, sendo muito diferente da que se avizinha, deixou várias lições que, se não tiverem sido aprendidas, podem ferir de morte o projeto europeu. Desta vez, não há bons e maus alunos nem países que só querem sol, copos e mulheres. Desta vez, a solução não pode resumir-se a acrescentar mais dívida em cima da que já existe e nunca vai ser paga. Não podem ser os mercados ou bancos a governar os Estados, têm de ser os políticos. Caso contrário, as consequências, que já vão ser grandes, podem ser desastrosas.»

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