2.12.23

Se anda nas compras para o Natal...

 

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Regressa, Solnado

 


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Pedro Tamen

 


Teria chegado ontem aos 89.


Ao Tempo

Heródoto contava a história,
mas nós contamos memória
entre os pontos e os is
daquilo que Deus nos quis.

É o que vale. Senão
amortecia no chão
o diadema do dia
(o que bem apetecia).

Por isso nos ocupamos
em tiritar pelos anos
o frio que vem das horas
no degelo das demoras.

Oh, que tragada perdida
esta de nós pela vida,
mesmo apesar de polícias
e Diário de Notícias.

Senhorio, mas de partes,
artistas, de malas-artes
e capados; nossa sina
parou no Alto de Pina.

Isto é que se nos dá,
e andamos ao deus-dará
por muito que não queiramos.
Isto é: agradeçamos

E metamos por aí,
por entre o ponto e o i.

Pedro TamenPoemas a isto,

Moraes ed., Lisboa, 1962.                                                                                                                             

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A ideologia antidemocrática do justicialismo

 


«Como já se está em plenas campanhas eleitorais, duas pelo menos, a das legislativas e a interna do PS, e há a percepção de que estamos num fim de ciclo, não se discute, como se devia, como chegámos aqui. A tudo isto se soma uma cobardia generalizada face ao Ministério Público, quer porque se tem culpas, quer porque se tem medo. O único actor político que nos últimos tempos mostrou que não tinha esse medo foi Rui Rio, mas lembrá-lo é incómodo, quer para o PS, quer para o actual PSD que o quer esquecido, por ser uma sombra incómoda.

Este silêncio tem também outra razão, sussurrada como um vento forte, mas pouco visível: é que a actual crise política resolveu um problema que a direita nunca tinha sido capaz de resolver, afastar António Costa. É verdade que o PS ajudou, a começar pelo próprio Costa, que sempre escolheu mal à sua volta, e que também o Presidente fez o que pode nos últimos tempos. Mas, se voltarmos atrás, mesmo nos momentos mais complicados para o PS, ou nas relações com o Presidente, Costa parecia atravessar incólume as tempestades.

Não era inteiramente verdade, mas as fragilidades pareciam não atingir o coração da coisa, Costa estava para durar e mesmo aqueles que sonhavam 24 horas por dia em derrubá-lo reconheciam isso. E, de repente, Costa cai não porque os seus inimigos políticos o tivessem derrubado, nem pela luta política normal, mas por uma política anormal em democracia, uma mistura grande de incompetência e irresponsabilidade e uma ideologia corporativa antidemocrática, o justicialismo.

É por isso que se devia falar, e muito, deste evento, porque ele transcende a prática normal da democracia e é relevante para todos, sejam da situação ou da oposição. Porque o justicialismo não é redutível ao confronto partidário, não é do PSD contra o PS, ou vice-versa, não é da direita versus a esquerda, ou vice-versa. É uma intervenção no terreno da política democrática de uma concepção corporativa que encontra legitimação numa ideia de superioridade do seu poder assente numa bondade, honestidade e integridade atribuídas a uma casta, que precisa de ter inimigos para se justificar como superior. E esses inimigos são os políticos em democracia, o “outro” poder.

Detendo poderes consideráveis, uma total independência funcional, e uma completa impunidade, deveriam ter muito mais escrutínio, que os obrigasse a combater mais o crime de forma sólida e competente e com resultados – sim, o crime de colarinho branco, o crime dos políticos, o crime dos empresários, o crime de todos os criminosos. E não serem eles próprios os agentes das fugas de informação sempre sem autor, e os anjos do Bem organizadores de encenações televisivas, que quase nunca levam a nada, mas são do melhor para as audiências.

O justicialismo é uma forma mais sofisticada de populismo, mas muito próxima da substância do populismo que alimenta o Chega. Como se verifica no caso actual, os resultados da sua acção podem ser instrumentalizados, o que faz a direita radical e o lucrativo jornalismo de escândalos, retaliação e vingança, cuja ideologia também mergulha nas mesmas fontes. Mas o mecanismo do justicialismo actua para além dos seus efeitos no equilibro político, no reforço da imagem da casta e na intangibilidade dos seus poderes, sempre apresentados como sendo em nome de um valor maior que superaria os estragos menores que provocam.

Esta semana é um bom exemplo do que estou a falar e, de novo, da cobardia de não discutirmos o que se passa. Uma procuradora escreveu o único artigo de opinião em que, falando explicitamente do que se está a passar, denunciou como actuam os mecanismos de poder internos ao MP, em particular os sindicais, para criar uma muralha de impunidade à volta dos procuradores e impedir o funcionamento de qualquer hierarquia. Foi imediatamente sujeita a um processo interno. Abertura de noticiários na televisão? Nada. Solidariedade? Salvo raras excepções, que incluem a deste jornal, nenhuma. O medo é forte, a utilidade para outrem, muita.

Mas mais coisas aconteceram. Vários inquéritos do MP a políticos, com a habitual fuga de informações para condenar antes de qualquer tribunal, foram arquivados porque não havia prova de crimes. Como aconteceu com Miguel Macedo e Eduardo Cabrita, os estragos estavam feitos e ninguém se responsabiliza. O mais escandaloso foi o inquérito contra a presidente da Câmara de Matosinhos, também arquivado há dias, por ter contratado o seu chefe de gabinete sem concurso público, crime que, pelos vistos, 307 autarcas também cometeram. E a questão é que toda a gente sabia que o arquivamento iria acontecer, porque os chefes de gabinete são escolhidos por confiança pessoal, mas mesmo assim atirou-se com mais uma mancha para a multidão que se alimenta de manchas, em particular nas redes sociais. E se fizesse aqui uma lista sobre os inquéritos que, pressuroso, o MP abre mesmo a coisas que nada têm a ver com crimes mas que aparecem na comunicação social especializada nas malfeitorias, e não levam a lado nenhum, o PÚBLICO não teria espaço. Qual é o mal? É que imediatamente as pessoas se interrogam. Se o MP abre um inquérito, é porque há alguma coisa.

Estou consciente que há muitas vezes uma linha fina entre criticar o MP e querer estar acima da lei e não ver os seus crimes expostos e sujeitos a sanção. Mas aqui não há uma linha fina, há até uma bastante grossa que deveria existir entre a justiça e a política, e o justicialismo apaga-a todos os dias.

Só há uma maneira de salvar a democracia nesta crise, é António Costa (e é só desse que estou a falar) ter mesmo cometido o crime para que se presume que haja “indícios”, e que motivou o célebre parágrafo que provocou a inevitável demissão do primeiro-ministro. Abriu a crise em que estamos apenas a começar a mergulhar.»

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1.12.23

Luzes

 


Candeeiros de vidro pintado, com latão platinado.
Handel Teroma.


Daqui.
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Rosa Parkes

 


1 de Dezembro de 1955, o dia em que Rosa Parks recusou levantar-se para dar o lugar onde estava sentada a um branco, num autocarro de Montgomery.

Ver e ler mais AQUI.
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1º de Dezembro, Badajoz à vista

 


Quando dava aulas na FLUL, tinha de me deslocar ao Ministério da Educação para obter autorização (visto no passaporte) para ir a Badajoz no 1º de Dezembro comprar caramelos.

Sim, porque esta data nunca foi feriado em Espanha (por supuesto...) e era excelente para atravessar o Caia e trazer Solanos, cintos, porta-moedas, muñecas e outras prendas de Natal. Tudo com medo e mil cuidados, não se desse o caso de a mala do carro ser vasculhada por suspeita de contrabando. Dá para imaginar?
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Woody Allen

 


Chega hoje aos 88.
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O corte de Pedro Nuno: carreiras e excedente

 


«Hoje foi o dia dos candidatos à liderança do PS entregarem as suas moções de estratégia. Há um corte epistemológico com o presente na moção de Pedro Nuno Santos: um corte com a santidade dos excedentes orçamentais e com a impossibilidade de devolver o tempo de serviço congelado aos funcionários públicos.

Defender a devolução do tempo de serviço congelado – ainda que faseadamente – a todas as carreiras da função pública, e não apenas aos professores, vai mais além do que alguém imaginaria. António Costa sempre se manifestou contra a devolução do tempo de serviço aos professores, argumentando com a desigualdade com os outros ramos da função pública – e que para compensar todos os ramos não haveria dinheiro.

Aliás, toda a gente se lembra de quando Costa ameaçou demitir-se quando uma "coligação negativa", que incluía o PSD de Rui Rio, aprovou na Assembleia uma proposta de devolução do tempo de serviço aos professores.

Mas esta promessa de Pedro Nuno Santos é indissociável de uma outra, que é resumida sob o título "Política Orçamental: um novo equilíbrio entre a redução da dívida e o investimento público e o estímulo à economia".

O que se propõe é combater a estratégia de excedentes orçamentais à conta da fraqueza dos serviços do Estado e dos ordenados dos seus antigamente chamados "servidores": "A estratégia de descida da dívida é essencial, mas ela não pode ser vista como uma prioridade isolada; necessita sempre de ser avaliada e ponderada face a outros objectivos e necessidades que o país enfrenta. Uma política de excedentes orçamentais acelera a redução da dívida pública, mas pode reduzir excessivamente o espaço orçamental que o governo precisa para fazer o investimento público em infraestruturas e em serviços públicos e para apoiar as famílias e as empresas".

Aqui está o princípio de um programa verdadeiramente social-democrata, uma política que ajudou a fundar a União Europeia e os estados sociais, mas que foi progressivamente perdendo terreno para políticas mais liberais e economicamente ortodoxas.

Ao anunciar estes dois princípios – e só me restrinjo a estes dois – Pedro Nuno Santos pode vir a ser capaz de dar o tal "novo impulso" de que o PS precisa para ir às eleições de 10 de Março. É que até o próprio António Costa reconhece que é preciso "um novo impulso" e a coisa não vai ser fácil.

Ao apresentar-se como o candidato da continuidade (mas só dos últimos anos da herança costista, já que rejeita repetir a geringonça) e ao escrever na sua moção que o PS será sempre "garante da governabilidade", só se pode concluir que, quando José Luís Carneiro admitiu na sua primeira entrevista viabilizar um governo minoritário do PSD, estava mesmo a falar a sério. Não se tratou de "um momento infeliz", como Maria da Luz Rosinha, da equipa de coordenação da campanha de Carneiro, tentou justificar.

O PS tem duas estratégias à escolha. E há ainda Daniel Adrião, o único que, de facto, não esteve durante um minuto ao lado de António Costa.»

Ana Sá Lopes
Newsletter no Público, 30.11.2023
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30.11.23

Espelhos

 


Espelho e vitrais, Museu de Arte Americana Charles Hosmer Morse, Winter Park, Flórida, 1906.
Desenho de Abel Landry.

Daqui.
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100 anos, uma vida sinistra… e um Prémio Nobel da Paz

 

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Os eleitores e os eleitos: um divórcio crescente

 


«Depois da demissão do primeiro-ministro e do anúncio da iminente dissolução da Assembleia da República, estamos em plena campanha eleitoral a caminho de eleições legislativas.

As campanhas eleitorais são períodos de dúvida para os eleitores, pelo que ouvem e nem sempre compreendem. Candidatos, sejam eles do partido que se recandidata à governação, ou dos partidos que partem da oposição, desdobram-se em propostas e promessas sobre benefícios que até então não foram opção, seja ela politica ou económica. Estamos a assistir a isso mesmo, com medidas como o recuo que o Governo teve face ao IUC ou as propostas da oposição sobre o Complemento Solidário para Idosos. De repente, na euforia eleitoral, nem os milhões de receita prevista no primeiro são, afinal, necessários, nem a despesa que a segunda adiciona é preocupante.

Esta "tradicional" forma de fazer política pelos partidos do chamado "arco do poder" está a afastá-los do eleitorado, cansado de promessas não-cumpridas e de discursos que muitas vezes não coincidem com a prática que se lhes segue. E até a justificação para que tal não aconteça é quase sempre o facto de o Governo anterior ter deixado uma situação pior que a que se pensava. É claramente uma conversa a precisar de reciclagem.

Este modus operandi é um dos contributos para o crescimento dos partidos fora do "arco do poder" ou, quem sabe, mesmo nesse espaço. Fenómenos do passado, com a ASD ou o PRD, podem ter tido uma contribuição desta volatilidade discursiva dos candidatos ao poder. Já quanto ao aparecimento e florescimento de partidos nos extremos do arco político, é praticamente inevitável a sua associação ao divórcio entre o prometido e o realizado.

Os eleitores descontentes, ou incrédulos, durante muito tempo manifestaram-se com um aumento crescente da abstenção, sem que isso induzisse uma alteração na forma de fazer política. Aos incrédulos juntaram-se os revoltados, que não deixam de votar, mas fazem-no optando pelos partidos nos extremos do arco político e mesmo, como vem acontecendo recentemente, esticando o arco para fora dos limites da democracia.

Como se diz em educação, é sempre bom aprender com os erros dos outros, embora neste caso tal não tenha acontecido. Não aprendemos em tempo suficiente e estamos numa curva ascendente desses fenómenos, correndo o risco de ser acelerada.

Temos até 10 de março para abrandar o fenómeno de crescimento da extrema-direita. É preocupante ouvir jovens que, tendo nascido 10 ou 20 anos depois do 25 de Abril, querem uma alternativa e esperam encontrá-la dando votos à extrema-direita.

Temos todos obrigação de contribuir para mudar o sistema, lutando por ele e não abandonando-o à sua sorte, ou seja, empurrando-o para fora do arco democrático. Isso faz-se votando pela positiva e não usando o voto para "bater" nos políticos que "nos enganaram".»

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Lá chegaremos

 

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29.11.23

Mais uma famosa janela

 


Casa Romulus Porescu, Bucareste, 1905.
Arquitecto: Dimitrie Maimarolu.


Daqui.
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Legislativas de Março

 


O vencedor das próximas Legislativas acordará num 11 de Março.
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OE2024 – É isto

 


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Pedro Nuno Santos e o pior que ainda pode vir

 


«Enquanto o PSD promete quase tudo o que recusava há pouco tempo e celebra a vantagem de um ponto percentual perante um partido sem líder e acabadinho de sair de um escândalo judicial, continua a corrida interna no PS. Não é bem uma corrida, como foi evidente nas entrevistas que fiz aos dois principais candidatos. Enquanto José Luís Carneiro não perde oportunidade para dar bicadas a Pedro Nuno Santos, confirmando assim a sua desvantagem, Pedro Nuno Santos concentra-se em Luís Montenegro, ignorando o seu adversário interno. A não ser que haja uma grande surpresa (não nos têm faltado), a dúvida é a diferença entre os dois candidatos.

Não é por saber que perderia contra Carneiro, como o próprio disse, que a direita aponta as baterias exclusivamente a Pedro Nuno. É porque tem, como todos nós, a forte suspeita de que o vai enfrentar e quer, até com a ajuda do adversário interno, aproveitar este momento para lhe colar o rótulo de “radical”.

Os compreensíveis ataques de José Luís Carneiro são os preliminares do que a direita dirá sobre o Pedro Nuno Santos. Num país onde um partido de centro-direita filiado no PPE se chama “social democrata” (uma aberração histórica nacional, compreensível quando o país estava tão inclinado à esquerda que até o CDS queria ser do “centro”), é natural que um legitimo social democrata seja considerado radical. Mas não é possível encontrar nas propostas ou na governação de Pedro Nuno Santos qualquer coisa de radical. Se fosse radical bem sabemos que nunca venceria as eleições internas do PS, um partido firmemente ancorado, para o bem e para o mal, no regime.

A única coisa que permite colar-lhe essa imagem é a preferência que tem pelas relações com o Bloco de Esquerda e com o PCP (como aconteceu em França, no passado, e acontece hoje em Espanha) e o papel central que, por isso, teve na geringonça. Fazer-lhe esse ataque dificilmente resulta internamente. Todos os socialistas sabem que devem a esses entendimentos o regresso ao poder, em 2015, e poucos têm falta de vergonha que chegue para cuspir no prato onde comeram.

Também é difícil fazer esse discurso para o País. Além da geringonça ter sido o governo mais bem avaliado pela população neste século, a maioria dos portugueses interiorizou, depois dessa experiência e para desespero de quem quer fazer um paralelo entre o Chega, por um lado, e o BE e o PCP, por outro, que os dois partidos não representam qualquer risco para a democracia. Estas coisas fazem-se de experiência, não de palavras. Dirão: veremos então como é com o Chega. Só que a experiência parlamentar, que tornou impossível qualquer debate dentro das regras que eram aceites por todos, também contam. Isso e a debandada de vereadores do partido, o caos nos seus congressos, as mudanças radicais de posição sobre quase tudo.

É mais provável que os problemas de Pedro Nuno Santos venham de alguns traços de personalidade que até permitem ser sintetizados, por perda de significado político da palavra, no tal “radical”. O temperamento impetuoso que, para o bem e para o mal, marcou o seu percurso político. Se o modera demais perde o carisma e a capacidade de mobilização, se o modera de menos a coisa pode ferver numa campanha que se adivinha bastante dura.

Partindo do princípio (sempre arriscado) que Pedro Nuno Santos vence as diretas, o seu maior problema é mesmo se vencer as legislativas (e quanto a isso, não arrisco nem aconselho ninguém a arriscar qualquer prognóstico). Mesmo que aconteça, é muitíssimo difícil, olhando para todas as sondagens, uma maioria de esquerda. O que significa que ou Pedro Nuno Santos não governa – mas não estou a ver como um PSD que não fique em primeiro fará uma geringonça de direita com o Chega, depois de tudo o que Montenegro disse –, ou governa em minoria, condicionado pela direita e totalmente destruído no seu perfil político.

Repito que considero uma solução de bloco central, mesmo informal – um governo do PSD sustentado pelo PSD ou vice-versa –, uma catástrofe política. Afastaria o Chega do poder por uns meses, mas dar-lhe-ia a liderança da oposição, retirando ao segundo maior partido o papel de escape do descontentamento. Criaria as condições para uma tragédia bem maior do que a que tenta evitar. Contra o Chega, só há um remédio: tirar votos ao Chega.

Pedro Nuno Santos a sustentar um governo de Montenegro com ou sem a IL é tão absurdo como Luís Montenegro a sustentar um governo de Pedro Nuno Santos com ou sem o resto da esquerda. E quem pense que a alternativa é José Luís Carneiro sacrificar o PS pelo governo mais à direita que o país conheceu é porque espera ver acontecer ao centro-esquerda português o que aconteceu a boa parte do centro-esquerda europeu, para gáudio da extrema-direita.

Podemos chegar ao absurdo do melhor para Pedro Nuno Santos ser perder por pouco, ficar a liderar a oposição (ninguém pode afastar um líder eleito há três meses depois de um escândalo judicial que fez cair o seu antecessor) a um governo que terá a estabilidade que a geringonça açoriana tem conhecido, para pior. E engana-se quem acha que a IL, perante um governo do PSD que se sabe de transição e tenta conquistar o centro, também não será um problema. A não ser que aconteça qualquer coisa extraordinária, viveremos alguns anos de instabilidade. Isto se não estivermos a entrar num período de instabilidade crónica, como outros viveram. As táticas das lideranças não deixarão de ter isso em conta.

Perante este cenário, vale a pena revisitar a crise política que Marcelo Rebelo de Sousa ameaçou abrir, sem qualquer razão atendível, antes deste processo. Ao contrário do que pensávamos, não temos um Presidente à altura destes tempos. Também temos de contar com isso.»

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28.11.23

Fogões de sala

 


Fogão de sala da Villa Ritten. Termonde, Bélgica, 1915.

Daqui.
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Directas no PS

 

Não votarei no PS, mas claro que escolheria Pedro Nuno Santos para SG, e candidato a PM, se fosse militante do dito partido. Ouvi estas duas longas conversas com os dois candidatos e penso que os hipotéticos eleitores deveriam ter paciência para fazer o mesmo.

Confesso que senti uma espécie de vergonha alheia ao ouvir um deles como possível sucessor na «evolução na continuidade» de António Costa, por muitos erros que este tenha feito sobretudo no desperdício da maioria absoluta.




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Onde está ao homem?

 


Desaparecido em combate? Não fala…
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Da Argentina a Portugal: Milei e o voto jovem

 


«Depois de irromper no firmamento mediático argentino, em 2016, com afirmações inusitadas e inflamadas, Javier Milei tornou-se o economista mais entrevistado nas televisões e rádios do país, bem como a personalidade mais pesquisada na Internet pelos seus compatriotas. Entre a tragédia e a farsa, o economista pop, celebridade mediática e influencer digital conquistou a presidência com a sua excentricidade visual, comportamental e ideológica.

Na era da economia da atenção e da crise de representatividade, Milei apresentou-se com uma performance diferenciadora. O homem praticante de cosplay e com tiques de roqueiro fez da cabeça do leão a sua imagem de marca (a farta cabeleira lembra uma juba e recorda que ele aspira a dominar, qual rei da selva) e da motosserra o símbolo do seu plano político (destruir o banco central, a moeda nacional e a maioria dos ministérios). Num tempo em que as margens das vitórias são cada vez mais reduzidas, venceu com 11 pontos de diferença. O oponente ajuda a explicar o resultado: Sergio Massa é ministro de um governo com uma das popularidades mais baixas do mundo e ocupa a pasta da Economia num país em colapso económico. Por outro lado, sabemos como a incapacidade crónica de os sistemas democráticos gerarem soluções beneficia candidatos anti-sistema.

Será importante sublinhar o papel dos jovens nesta mudança radical; de facto, o extremismo de Milei parece ter conseguido cativar uma geração que encontrou esperança naquele discurso demolidor. O que este apoio revela acerca de uma parte significativa da juventude argentina ultrapassa as fronteiras do país: as especificidades nacionais são impossíveis de ignorar, mas interagem com factores internacionais e canais globais de comunicação que aproximam a juventude argentina da de outras geografias, como Portugal.

Nas sociedades em processo de “desconsolidação” democrática, encontramos uma geração que, em maior ou menor grau, cresceu em contextos de crise crónica: económica, política, de refugiados, climatérica, pandémica, inflacionária, etc. Não conheceram outra realidade e chegaram à maioridade sem expectativas de estabilidade profissional e financeira numa sociedade agressiva e impiedosa. Por isso, muitos destes jovens não acreditam no sistema político mainstream: acham-no envelhecido, corrompido e incapaz de atender às suas necessidades e interesses. Por aversão à política formal, envolvem-se noutras formas de participação, como o protesto violento ou a desobediência civil. Agem investidos da legitimidade da frustração e imbuídos da lógica das redes sociais.

Usam as redes para socialização, entretenimento, informação e politização, e fazem-no de modo interligado: ao mesmo tempo que vêem um vídeo divertido no TikTok e recebem a notificação de um reels, lêem algo sobre o mais recente acontecimento político e põem um like numa fotografia de um colega de faculdade. Em vez de notícias, preferem ler os comentários dos amigos ou de influenciadores a essas notícias. Estes atalhos informativos têm implicações na sua politização: os conteúdos que consomem estão permeados de opiniões alheias sem verificação e autoridade, o que aumenta a probabilidade de terem pouca qualidade ou estarem impregnados de desinformação. Com a organização algorítmica dos fluxos informacionais, aprenderam que a política é um campo de batalha indissociável das dinâmicas da polarização: é divisão, agressão e intransigência.

Estes jovens procuram o que lhes parece autêntico, novo e diferente do institucional – diferente do que provém de instituições que não respeitam. Gostam da política antielitista e provocadora, jovial (independentemente da idade dos políticos) e bem-humorada. Querem ser arrebatados por performances aguerridas e politicamente incorrectas ao abrigo da liberdade de expressão individual – valor central para estes jovens e que tantas vezes consideram ser a única forma de definir a democracia. Isto torna-os vulneráveis a propostas mascaradas de liberdade, mas verdadeiramente perigosas. Javier Milei é a caricatura sul-americana da política anti-sistema em expansão pelo mundo e que as dinâmicas informacionais e de politização dos jovens através das redes sociais ajudaram a ganhar. Parte da juventude portuguesa está “no ponto” e apenas à espera de quem a saiba armadilhar.»

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Leva outro amigo também

 

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27.11.23

Periquitos

 


Taça Periquito em vidro opalescente.
René Jules Lalique.


Daqui.
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Para a Europa, o crime é resgatar vidas no Mediterrâneo?

 


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A hipérbole “moderada” do vendedor de promessas

 


«Na desesperada tentativa de recuperar o voto dos reformados, que tão maltratou, o PSD promete aumentar as pensões mais baixas para um valor igual ao que é hoje o salário mínimo nacional. Valor que resulta, é bom recordar, de sucessivos aumentos a que se opôs, garantindo que teria um efeito desastroso no emprego e nas empresas. Agora, mais perto das eleições, diz que foi boa ideia.

Já ouvimos estas promessas muitas vezes. Depois de feitas, em campanha, o PSD chega ao governo e explica-nos que terá de ser tudo ao contrário. Foi assim com Passos Coelho, que mentiu durante a campanha, dizendo que nunca faria o que sabia perfeitamente que iria fazer. Já tinha sido assim com Durão Barroso, que inventou uma crise artificial com o discurso da “tanga”, cometendo a proeza de, com uma austeridade desnecessária, colocar Portugal em recessão, quando Espanha, o nosso maior parceiro económico, crescia quase 3%. Ainda se lembram do choque fiscal? Nunca o viram, claro está.

Se alguém acredita numa expansão do Estado Social com um governo com a Iniciativa Liberal atrelada e liderado por um passista é porque quer mesmo ser enganado. Serão os mesmos partidos que se opuseram aos sucessivos aumentos do salário mínimo nacional que farão a pensão chegar onde achavam que o salário não podia ir? Alguém acredita nisto?

No que toca a ideias, estamos conversados: as promessas de sempre, que serão esquecidas como sempre. Montenegro também não faz mira ao PS por causa do processo judicial. Não é que eu ache que devesse fazê-lo, mas conhecendo a história do PSD sabemos que, se este líder se sentisse confortável no debate ético, não perderia esta oportunidade. Deixará isso para outros, que nunca se preocupam com os seus telhados de vidro, porque se sentem inimputáveis. Como em oito anos os portugueses ainda “não absorveram na sua plenitude a força do PSD”, Luís Montenegro resolveu regressar à receita que, nestes oito anos, nunca parece ter resultado, talvez porque seja contraditória nos seus termos: a arte da hipérbole para mostrar “moderação”. É ela que, na realidade, exibe a radicalização da direita.

Para Montenegro, entre 2015 e 2019, para ficar pelos primeiros quatro anos de estabilidade, crescimento económico e satisfação popular de uma geringonça regulada por acordos em boa hora assinados, vivemos um período de “gonçalvismo”. Esse terrível governo que registou, segundo o barómetro do European Social Survey que mede a satisfação dos cidadãos de 31 países com as suas instituições, a melhor avaliação desde o início do século. Na realidade, o único governo com avaliação positiva desde 2002.

Se aquilo que vimos foi o PREC, tempo longínquo que parece excitar cada vez mais uma direita presa nos fantasmas do passado (até os seus líderes do passado parecem ser os únicos capazes de mobilizar a militância e os eleitores), é natural que ache as tímidas propostas do governo, a léguas do que tantas democracias europeias experimentam perante a crise da habitação, “soviéticas”. É natural que quem perdeu de tal forma o sentido da proporção das palavras ache que qualquer proposta que se afaste das suas é radical. Se discorda, estamos a um passo da ditadura.

Já ouvimos esta conversa em 2015, quando Paulo Rangel andava pelos corredores de Bruxelas a pressionar para o chumbo do Orçamento português na Comissão Europeia e Pedro Passos Coelho anunciava o diabo. Também então, o radicalismo e a moderação foram o centro do debate e o PSD afundou-se no vazio das propostas para o país, enquanto o tal governo gonçalvista fez um trabalho que o povo apreciou. Foi quando o governo se tornou supostamente mais moderado, com a maioria absoluta, que as coisas começaram a correr mal. Porque a questão nunca foi moderação ou radicalismo. Dentro das baias europeias, a escolha nunca vai tão longe. Foi cumprir, por uma vez, as promessas que se fizeram na oposição. E naqueles quatro anos foi isso que se fez.

Hoje, o partido que se apresenta como casa segura para moderados é dirigido por uma figura do tempo em que se quis ir para além da troika, quer uma coligação pré-eleitoral com uma Iniciativa Liberal que, se impusesse as suas propostas fiscais e sociais delirantes, rebentaria com o Estado Social num mandato e mantém, nos Açores, uma aliança com o Chega e com a IL que ao fim de três anos vive crises que a geringonça nacional só conheceu depois de seis. Porque os partidos com que se entendeu são bem mais intransigentes nos seus programas de rutura social e política do que foi a geringonça. Provavelmente, até são radicais.

Esta é uma das principais características da direita atual: a radicalização do discurso serve para tentar mudar o lugar da moderação. Até lá caber quem festeja a vitória de um louco extremista na Argentina, mas não um socialista democrático, militante do PS desde os 14 anos. Não querem moderar a política, querem que pareça moderado o que nunca o foi.»

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Isto é Gozar com Quem Trabalha

 


É «obrigatório» ver o programa de 26.11.2023. Está AQUI.
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26.11.23

Oito vasos oito

 


Conjunto de vasos de vidro azul Arte Nova com montagens de estanho, Áustria, cerca de 1900.
Loetz.

Daqui.
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26.11.1967 – As cheias de Lisboa

 


Na madrugada do dia 26 de Novembro de 1967, a região de Lisboa foi palco da ocorrência de fortes chuvadas que originaram centenas de mortos, milhares de desalojados e a destruição de inúmeras habitações.

Uma breve descrição na imprensa da época e um vídeo AQUI.
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Prioridades da Nação


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Já é Domingo, mas ainda vão a tempo

 

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Fabricar um passado à medida

 


«Passaram quase 50 anos, durante essa eternidade ninguém, nem o engenheiro Carlos Moedas, sentiu uma grande necessidade de comemorar o 25 de Novembro de 1975 e muito menos de o erigir em momento fundador da liberdade em Portugal.

Ninguém convocou, em quase meio século, uma manifestação popular para vitoriar os vencedores do 25 Novembro, num país em que até os admiradores do golpe de 28 de Maio, que nos condenou a 48 anos de ditadura, fizeram jantares ou iniciativas alusivas à data ou ao nascimento do ditador António Oliveira Salazar.

Resumindo, ninguém se sentiu compelido, até muito recentemente, a discutir com paixão um dia que tinha ficado arrumado no passado.

É verdade que os setores políticos que triunfaram a 25 de Novembro tinham pouco a ver com os que hoje se atrelam, com ansiedade e fervor, à data. Mas isso não explica tudo.

A história costuma ser feita pelos vencedores, mas quem ganhou naquele dia tinha coisas mais urgentes em que pensar, e não viu necessidade de mudar a importância histórica do dia para que ficasse um momento diferente e muito mais importante do que tinha sido.

Aquilo que se verifica agora tem pouco a ver com recuperar o passado esquecido. Não se trata de ir assinalar uma data importante a que, por uma razão ou por outra, antes não se tinha dado o seu verdadeiro valor histórico. O que se faz, neste momento, é uma fabricação da história para a encaixar na nova correlação política de forças existentes, com o crescimento significativo de uma extrema-direita assumidamente contra o 25 de Abril. Estamos em plena criação de um passado feito à medida de uma operação política.

Do que nos querem convencer é que temos democracia apesar da Revolução do 25 de Abril de 1974 e não democracia porque houve a Revolução de Abril. Esta manobra permite excluir muitos e recuperar alguns para o eixo da governação. Fazer com que aqueles que combateram a ditadura portuguesa de 48 anos passem a ser vistos como revolucionários e poucos democráticos; e aqueles que se reconhecem no antigo regime sejam vistos, afinal, como uns democratas que pregavam a evolução na continuidade da ditadura para a democracia.

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, aproveitou a convocação de uma comemoração, organizada pela edilidade, sobre o 25 de Novembro, para convocar a erupção de um "ativismo moderado". Esse apelo permitiu-lhe não ouvir o discurso de Luís Montenegro, em que este afirmou que Pedro Nuno Santos era "gonçalvista"; mas politicamente significou uma manobra arriscada do ponto de vista político.

Adotar ideias históricas ou partes programáticas da extrema-direita, para travar o seu aumento e incorporar os seus votos nunca costuma resultar. Os eleitores conseguem distinguir a cópia dos originais e votar nestes últimos. Aquilo que costuma fazer é normalizar pontos de vista que antes era inaceitáveis.

Namorar setores anti-25 de Abril pode construir maiorias parlamentares aritméticas, mas pode, também, levar os autores a deitarem pela borda fora a história desta democracia. Esta iniciou-se a 25 de Abril de 1974 e com milhares de portugueses a irem para rua saudar os carros de combate que derrubavam a ditadura.»

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