29.11.23

Pedro Nuno Santos e o pior que ainda pode vir

 


«Enquanto o PSD promete quase tudo o que recusava há pouco tempo e celebra a vantagem de um ponto percentual perante um partido sem líder e acabadinho de sair de um escândalo judicial, continua a corrida interna no PS. Não é bem uma corrida, como foi evidente nas entrevistas que fiz aos dois principais candidatos. Enquanto José Luís Carneiro não perde oportunidade para dar bicadas a Pedro Nuno Santos, confirmando assim a sua desvantagem, Pedro Nuno Santos concentra-se em Luís Montenegro, ignorando o seu adversário interno. A não ser que haja uma grande surpresa (não nos têm faltado), a dúvida é a diferença entre os dois candidatos.

Não é por saber que perderia contra Carneiro, como o próprio disse, que a direita aponta as baterias exclusivamente a Pedro Nuno. É porque tem, como todos nós, a forte suspeita de que o vai enfrentar e quer, até com a ajuda do adversário interno, aproveitar este momento para lhe colar o rótulo de “radical”.

Os compreensíveis ataques de José Luís Carneiro são os preliminares do que a direita dirá sobre o Pedro Nuno Santos. Num país onde um partido de centro-direita filiado no PPE se chama “social democrata” (uma aberração histórica nacional, compreensível quando o país estava tão inclinado à esquerda que até o CDS queria ser do “centro”), é natural que um legitimo social democrata seja considerado radical. Mas não é possível encontrar nas propostas ou na governação de Pedro Nuno Santos qualquer coisa de radical. Se fosse radical bem sabemos que nunca venceria as eleições internas do PS, um partido firmemente ancorado, para o bem e para o mal, no regime.

A única coisa que permite colar-lhe essa imagem é a preferência que tem pelas relações com o Bloco de Esquerda e com o PCP (como aconteceu em França, no passado, e acontece hoje em Espanha) e o papel central que, por isso, teve na geringonça. Fazer-lhe esse ataque dificilmente resulta internamente. Todos os socialistas sabem que devem a esses entendimentos o regresso ao poder, em 2015, e poucos têm falta de vergonha que chegue para cuspir no prato onde comeram.

Também é difícil fazer esse discurso para o País. Além da geringonça ter sido o governo mais bem avaliado pela população neste século, a maioria dos portugueses interiorizou, depois dessa experiência e para desespero de quem quer fazer um paralelo entre o Chega, por um lado, e o BE e o PCP, por outro, que os dois partidos não representam qualquer risco para a democracia. Estas coisas fazem-se de experiência, não de palavras. Dirão: veremos então como é com o Chega. Só que a experiência parlamentar, que tornou impossível qualquer debate dentro das regras que eram aceites por todos, também contam. Isso e a debandada de vereadores do partido, o caos nos seus congressos, as mudanças radicais de posição sobre quase tudo.

É mais provável que os problemas de Pedro Nuno Santos venham de alguns traços de personalidade que até permitem ser sintetizados, por perda de significado político da palavra, no tal “radical”. O temperamento impetuoso que, para o bem e para o mal, marcou o seu percurso político. Se o modera demais perde o carisma e a capacidade de mobilização, se o modera de menos a coisa pode ferver numa campanha que se adivinha bastante dura.

Partindo do princípio (sempre arriscado) que Pedro Nuno Santos vence as diretas, o seu maior problema é mesmo se vencer as legislativas (e quanto a isso, não arrisco nem aconselho ninguém a arriscar qualquer prognóstico). Mesmo que aconteça, é muitíssimo difícil, olhando para todas as sondagens, uma maioria de esquerda. O que significa que ou Pedro Nuno Santos não governa – mas não estou a ver como um PSD que não fique em primeiro fará uma geringonça de direita com o Chega, depois de tudo o que Montenegro disse –, ou governa em minoria, condicionado pela direita e totalmente destruído no seu perfil político.

Repito que considero uma solução de bloco central, mesmo informal – um governo do PSD sustentado pelo PSD ou vice-versa –, uma catástrofe política. Afastaria o Chega do poder por uns meses, mas dar-lhe-ia a liderança da oposição, retirando ao segundo maior partido o papel de escape do descontentamento. Criaria as condições para uma tragédia bem maior do que a que tenta evitar. Contra o Chega, só há um remédio: tirar votos ao Chega.

Pedro Nuno Santos a sustentar um governo de Montenegro com ou sem a IL é tão absurdo como Luís Montenegro a sustentar um governo de Pedro Nuno Santos com ou sem o resto da esquerda. E quem pense que a alternativa é José Luís Carneiro sacrificar o PS pelo governo mais à direita que o país conheceu é porque espera ver acontecer ao centro-esquerda português o que aconteceu a boa parte do centro-esquerda europeu, para gáudio da extrema-direita.

Podemos chegar ao absurdo do melhor para Pedro Nuno Santos ser perder por pouco, ficar a liderar a oposição (ninguém pode afastar um líder eleito há três meses depois de um escândalo judicial que fez cair o seu antecessor) a um governo que terá a estabilidade que a geringonça açoriana tem conhecido, para pior. E engana-se quem acha que a IL, perante um governo do PSD que se sabe de transição e tenta conquistar o centro, também não será um problema. A não ser que aconteça qualquer coisa extraordinária, viveremos alguns anos de instabilidade. Isto se não estivermos a entrar num período de instabilidade crónica, como outros viveram. As táticas das lideranças não deixarão de ter isso em conta.

Perante este cenário, vale a pena revisitar a crise política que Marcelo Rebelo de Sousa ameaçou abrir, sem qualquer razão atendível, antes deste processo. Ao contrário do que pensávamos, não temos um Presidente à altura destes tempos. Também temos de contar com isso.»

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