29.4.17
«Expresso» - Se são ignorantes, por que não mudam de ofício?
Expresso, 29.04.2017
- Claro que Salazar se encontrou com Paulo VI em Monte Real e até esteve em Fátima.
- Paulo VI veio a Fátima em 1967 e só recebeu os representantes dos movimentos de libertação das colónias três anos mais tarde, em 1970! Estava furioso com o papa, sim, mas porque nunca lhe perdoou que ele tivesse ido a Bombaim, em 1964, por causa da invasão de Goa, que se deu em 1961.
Sem o mínimo de pachorra para tanta incompetência! Se são ignorantes e preguiçosos, por que é que não mudam de ofício?
. No dia em que o Nuno Brederode nos deixa
Vi-o e dei-lhe um beijo há cerca de um mês e não duvidei de que o fim estava para breve. Mas é muito, muito duro saber a notícia. Dói a sério.
Não vou elogiar a sua inteligência, o sentido de humor incomparável, a lendária perspicácia política – muitos o farão. Guardo a recordação de alguém que conheci há muito tempo, de quem fui profundamente amiga, sobretudo desde que retomámos contacto frequente há alguns anos. Almoçávamos quase todas as semanas, trocávamos mails todos os dias (tenho milhares, que guardo preciosamente no meu gmail) e mantínhamos um ritual: durante o dia de Sábado, ele ia partilhando as angústias com que tentava escrever uma crónica a ser publicada no Diário de Notícias do dia seguinte e enviava-me mais tarde o texto para que pudesse divulgá-lo neste blogue. Às vezes não saía – até que um dia desistiu. E «recolheu-se».
Não me apetece escrever mais nada. Mas, em jeito de homenagem, republico o que o Nuno escreveu por ocasião do 40º aniversário do Expresso, recordando a sua crónica preferida: a “Balada do Ornitorrinco”.
Ontem
Se vamos celebrar os quarenta anos de vida do Expresso, cumpre então recordar todos os contributos, por mais pequenos que eles tenham sido. No meu caso, e além de pequenas colaborações em 1974, foram sobretudo dezassete anos de crónicas, primeiro semanais e mais tarde quinzenais, em alternância com o António Pinto Leite.
Dezassete anos dão para falar de tudo, mas reconheço que o tema mais recorrente foi o PSD. Muito particularmente o PSD de Cavaco Silva, já que este tomou a seu cargo dez anos e deu ao partido uma nova natureza.
Deixando de lado o autoritarismo, que é molho para qualquer salada, os governos de Cavaco tiveram por timbre o populismo e a tecnocracia, uma alquimia delicada e incongruente. Porque, em estado puro, são formas divergentes de negação da democracia representativa. O chefe providencial que cavalga uma multidão de descamisados propõe-se salvar a pátria por mera ação do seu carisma. Diferentes são os regimes ‘iluminados’, cujo mito motor é o progresso e cuja credibilidade assenta, mais do que na relação pessoal com o chefe, na crença de ser ele o epicentro da aristocracia conhecedora da ‘ciência e técnica’ da governação.
Assim, o populismo ataca os políticos, acusando-os ora de corrupção ora de inutilidade; a tecnocracia acusa-os de incompetência. Cavaco tinha o instinto tribal do populismo e a experiência vivida da tecnocracia.
Sobre o primeiro escrevi em 1988 a minha crónica preferida: a “Balada do Ornitorrinco”. Tão preferida que logo mandei vir de Londres um bibelot, um ornitorrinco de bico dourado e em louça chinesa, que ciosamente guardo no meu quarto. O texto é uma romagem à Criação e recorda que o ornitorrinco é anfíbio, tem um bico de pato achatado e uma cloaca. Tem a morfologia de um texugo ainda mais acachapado e o corpo coberto de pelos. A estrutura óssea tem elementos próprios dos répteis que nele se encaixam num sistema de mamífero. Mamífero que nele se revela também porque as fêmeas amamentam as crias.
“A longa querela dos zoólogos para o classificarem não terá contribuído também para lhe insuflar o pundonor. Afinal, decidiram que ele era um mamífero, mas sob um rótulo que não é propriamente uma comenda: ‘monotrémato’. E o nome que reservaram para a espécie evoca-lhe a ave que ele talvez tenha querido ser mas não foi: ‘ornitorrinco’. Discutem se a espécie está extinta ou em vias de extinção. Procuram-no em cada moita ribeirinha dessa Austrália dos paradoxos naturais. Ele espreita as expedições científicas e oculta-se, resvalando no lodo até à água. Não quer ser visto nem estudado, nem compreendido. (...) Sabe que ao falhar a ave, o réptil e quase o mamífero, se tornou, de um bicho, numa questão filosófica. E ele não é filósofo”. Teve, contudo, o seu breve momento de glória. Ansiosa por autonomia, a Natureza pediu um chefe ao Criador e este fez avançar o ornitorrinco. Receberam-no com um triunfo irrepetível. “Só teve de dizer cem vezes: ‘Eu compreendo os bichos da terra, do mar e do ar. A Natureza não pode parar’ — e, no seu êxtase unânime e feérico os animais inventaram o carisma, milénios antes de Max Weber o teorizar.
Foi escolhido por uma mágica maioria. Mas não reinou muito o ornitorrinco. Começaram a corroer-lhe o poder o ceticismo, depois o espanto, enfim a indignação. Falava pouco e rouco, quando dele se esperava a melodia de um chilreio ou a eloquência de um rugido. Não tinha a macrovisão do alto voo, antes se arrastava como se algemado por varizes. Não se reconheceram os peixes do grande oceano em quem não ia além de lentas gincanas de poça de água. Os mamíferos nunca lhe perdoaram o primeiro ovo. (...) Tratou a glória por tu. Triunfou mais do que Pompeu. Interpôs-se entre Deus e a Natureza. Hoje é o último. Resiste ao tempo. E está uma ruína, um destroço, um cavaco”. Sobre a tecnocracia — ainda hoje os governos do PSD refletem essa herança — Cavaco Silva acreditava numa ‘ciência’ da governação e numa casta de iniciados capazes de governar no “interesse geral”.
Não há aqui drama de maior. Grandes espíritos estiveram zangados com a democracia. Platão, por exemplo, teorizou o governo dos sábios na Cidade. Tão lisonjeiro surpreenderia o então primeiro-ministro, “mas não é caso para arraial: fazendo a devida justiça aos dois, nem Platão previu Cavaco, nem Cavaco leu Platão” (1988).
Falo, portanto, não de negações do sistema democrático, mas de desvios à lógica do regime. O que Cavaco pretendia era naturalmente ‘caçar’ votos, e não acabar com eles.
Passado algum tempo sobre Cavaco em São Bento, encontrei uma página do Expresso com a minha fotografia. Emoldurei-a e pendurei-a na parede da sala. Não por narcisismo, mas porque fica bem visível a legenda: “Cavaco faz-me falta”.
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O banqueiro e a neofascista platinada
NOTA PRÉVIA porque estou com pouca pachorra para o maniqueísmo que por aí grassa: votar Macron «la mort dans l’âme» não implica crucificar todos os franceses de esquerda, que venham a decidir não o fazer (embora não escolhendo Le Pen), e, muito menos, culpar por todos os eventuais males Mélenchon que ontem explicou – e bem, no meu entender – a sua posição e os seus motivos.
«1. Os partidos de governo reduzidos a 26% dos votos, 50% se lhes somarmos Macron, o seu subproduto. Em 2012 eram 65%. Hollande e Valls (e, com eles, Macron) destruíram o PS francês, como se antevia; a direita clássica (Fillon, 20%) ficou atrás da extrema-direita (21%). (…) Depois da Grécia, Espanha, Itália, a Europa Centro Oriental e parte da Europa do Norte, a França vem juntar-se aos países onde os partidos tradicionais da direita e da social-democracia liberalizada já não capazes de convencer a maioria da sociedade que tudo se resolve entre eles e se vêem obrigados a inventar o "novo" (Macron, os Ciudadanos em Espanha...) ou a integrá-lo no seu seio (Trump, Modi na Índia), para, encenando um registo "anti-sistema", impedir a formação de uma alternativa. Para se perceber bem o "bloco central" de Macron, é só esperar para ver com quem se coligará ele nas legislativas.
Com a sua passagem à segunda volta (24% não é nenhum triunfo), confirma-se também esta nova moda: uns quantos ricos deixaram de pagar as campanhas eleitorais dos seus testas-de-ferro e atiram-se eles próprios para a frente. Macron é só mais um, depois de Berlusconi, Trump, Piñera (no Chile), Macri (na Argentina)... É a onda dos milionários que, por cima dos partidos tradicionais, vêm propor-se como ídolos do sucesso "ao alcance de todos" (slogan de Macron), como quem melhor entende o descontentamento dos pobres! (…)
2. Consolida-se, sem crescimento, o espaço eleitoral da extrema-direita e a sua capacidade de contágio das agendas da direita clássica e dos neoliberais em campos como a discriminação dos imigrantes e o discurso securitário. Marine Le Pen dá à FN o seu melhor resultado em presidenciais (+3,5% que em 2012), mas ele é pior que o de todas as eleições (europeias, municipais, regionais) dos últimos cinco anos. (…)
3. Mais de sete milhões de franceses votaram Mélenchon, o dobro de há cinco anos. Os seus 20% reconstituem o antigo espaço eleitoral que o PCF mobilizava até há 35 anos, um bloco popular que venceu a extrema-direita e Macron nos bairros populares da região parisiense, em Marselha, em Toulouse, em Lille, no coração que ainda bate da França trabalhadora que Hollande e Sarkozy quiseram fazer parar e que, ao contrário de Macron, é limpidamente anti-racista e antifascista. Muitos deles, "la mort dans l'âme", votarão Macron contra Le Pen. Que muitos deles não estejam disponíveis para um banqueiro que lhes propõe pior que Hollande é um puro ato de autodeterminação democrática.»
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Dívidas externa e pública – O relatório
Não será o alfa e o ómega, mas é certamente um passo em frente.
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28.4.17
Ouvir Mélenchon
Requisitos: 32 minutos, saber francês (tocar piano não é necessário) e não gostar de mandar bocas em vão.
. Há 50 anos: Salazar e a primeira vinda de um papa a Fátima
No dia em que o nosso insigne ditador completaria 128 anitos, recordo como foi nulo o entusiasmo com que encarou a visita de Paulo VI a Fátima por ocasião do 50º aniversário das alegadas «aparições» e retomo excertos de um texto retirado do meu livro Entre as brumas da memória – Os católicos portugueses e a ditadura, Âmbar, 2007:
Na segunda metade do ano de 1966, começou a ser ventilada a hipótese de Paulo VI se deslocar a Fátima por ocasião do cinquentenário das aparições, em 13 de Maio de 1967.
Em Novembro de 1966, a Conferência Episcopal dirigiu- lhe um convite formal nesse sentido, mas só em 1 de Maio de 1967 é que foi oficiosamente comunicada a decisão definitiva à embaixada de Portugal no Vaticano. Viria a ser oficialmente confirmada pelo próprio Papa, dois dias depois, na Basílica de S. Pedro.
De Novembro a Maio, subsistiu a dúvida e a posição de Salazar foi clara: «Não devemos dar um único passo ou ter um gesto que o Papa possa interpretar como significando interesse da nossa parte em que venha a Fátima.» (1) O ressentimento [devido à ida do Papa a Bombaim, em 1964, considerada como uma afronta depois da anexação de Goa pela União Indiana] não tinha passado. Mas quando a decisão foi conhecida, o governo afirmou que, «seguro de interpretar os sentimentos profundos de todos os portugueses, quer nesta ocasião expressar a honra e o júbilo da Nação Fidelíssima perante este acontecimento da maior relevância histórica» (2). (…)
Aproximava-se o dia 13 de Maio. Soube-se que o Vaticano tinha «despolitizado» a viagem: o Papa não viria a Lisboa (o avião papal aterraria em Monte Real), não condecoraria ninguém (em Bombaim, o presidente da União Indiana tinha recebido a mais alta condecoração concedida pelo Vaticano a não cristãos), não seria hóspede do governo mas sim do bispo de Leiria.
Sabe-se agora que, cerca de uma semana antes da viagem, o governo recebeu uma informação da Embaixada de Portugal em Madrid, segundo a qual se preparavam atentados contra personalidades portuguesas de vulto e contra o próprio Papa. De Nova York, terá vindo uma outra notícia dizendo que um grupo de oficiais estava a organizar um golpe de estado contra Salazar. Estes boatos obrigaram a um reforço das medidas de segurança em Fátima, impedindo, por exemplo, que Paulo VI fizesse alguns percursos a pé, como inicialmente previsto. (…)
Nos bastidores do poder, passaram-se episódios que só muito mais tarde viemos a conhecer. Com a aversão que tinha a Paulo VI e com a sua proverbial misantropia, Salazar ficou furioso quando soube, na véspera das comemorações e já em Monte Real, que o Papa queria que a irmã Lúcia estivesse presente, porque considerou tratar-se de um acto puramente demagógico. Ameaçou mesmo regressar imediatamente a Lisboa, mas acabou por ficar – no Hotel de Monte Real, onde a estadia, com meia pensão, custou 220$00…
Para Franco Nogueira, «foi um dia de grande emoção popular, de grande espectáculo, de grande política para a ala conservadora da Igreja.» (3)
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(1) Franco Nogueira, Salazar, Vol. VI – O Último Combate (1964 – 1970), 3ª edição, Civilização, Coimbra, 2000, p. 275.
(2) Idem, ibidem, p. 278.
(3) Franco Nogueira, Um político confessa-se – Diário (1960-1968), Civilização, Porto, 1986, p. 236.
. Um Estado laico-intolerante
«Eu estava convencido de que o Estado era laico. Afinal, é laico-intolerante. Esta mania de o nosso PM estar de bem com Deus e o Diabo ainda vai dar mau resultado.
Faz-me muita confusão ver tolerância de ponto por causa da visita do Papa. Quando veio cá o Dalai Lama, ninguém lhe ligou nenhuma. Nem o governo anterior decretou tolerância de ponto quando veio cá a Angela Merkel e sabemos que, para eles, a palavra dela é sagrada e que a austeridade era uma religião para aquela gente. (…)
Ainda sou do tempo (Cavaco) que a visita do Papa, além de tolerância de ponto, dava perdão das multas de trânsito. Isso é que era! O que eu gostava mesmo é que o Papa ainda fizesse aquele milagre de tirar multas de trânsito quando vinha a Portugal. Era espectacular. Fosse pecador, ou não, lá iam várias multas de estacionamento para o inferno. Seis meses antes da visita do Papa, eu estacionava em cima de estátuas porque já sabia que aquilo ia ser tudo desculpado graças a um senhor que vivia num bairro chique em Roma. (…)
Vivemos num Estado laico em que, no Prós e Contras, na televisão pública, vão padres debater o casamento homossexual, o aborto e a eutanásia e onde um ex-Presidente da República atribuía o sucesso nas reuniões com a troika a Nossa Senhora. Temos uma TV de um Estado laico que anuncia, com ar sério, a canonização de pastorinhos. Eu sou grande apreciador de ficção científica, mas fora dos noticiários.»
João Quadros
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Dica (535)
The Centrist Cul-de-Sac. (Jonah Birch e Jason Farbman)
«Macron is the ultimate monument of a neoliberal, ruling-class, consensus choice. He’s way ahead in polls, but there is a danger that even if he wins, five more years of neoliberalism will only further increase support for the National Front. Until now the NF has had very limited representation in the French Parliament.»
. 27.4.17
26.04.1974 – «Declaração de Entrega dos Ex-Membros do Governo»
(Clicar duas vezes na imagem para ler melhor.)
No dia 26 de Abril de 1974, «foram entregues» no Funchal, pelo comandante do avião que as levou de Lisboa, as «seguintes entidades»: Américo Tomás, Marcelo Caetano, Silva Cunha e Moreira Baptista.
O governador militar assina a aceitação da «mercadoria» e o Chefe do Estado Maior / CTIM autentica. Tudo ordeiramente, na maior das legalidades – estranho ou não, mas foi assim.
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E pachorra para Francisco Assis?
No Público de hoje, Francisco Assis, diz ter esperança de que «a reorganização da esquerda democrática», que a eleição de Macron trará «certamente», chegue a Portugal, «como é costume, com alguns anos de atraso — espero que poucos, a bem do interesse geral do país e do interesse específico da esquerda mais inovadora em particular.»
E pachorra para isto?! (Nem ponho link para o jornal…)
. 26.4.17
Para os juízes implacáveis de Mélenchon
«Dans le texte qui accompagne la consultation proposée aux militants de La France insoumise en vue du second tour de la présidentielle, Jean-Luc Mélenchon précise que "le vote pour la candidate d'extrême droite ne saurait représenter une option". »
. Papa com tolerância de ponto
Mas, PORQUÊ? Temem-se engarrafamentos em Miranda do Douro e em Loulé? Os funcionários públicos, que irão a Fátima, não podem gastar um dia de férias? É para poderem ver tudo na TV, assim que acordarem, quando o papa só chega a Monte Real pelas 16:00?
Enfim… tudo como dantes.
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A doce e amarga França
«A função presidencial em França foi feita à medida de Charles De Gaulle. A maioria era formada em função do Presidente. "Eu sou a República", diria mais tarde De Gaulle, talvez ecoando a vertigem de Luís XIV: "O Estado Sou Eu." Nada que tivesse exasperado os franceses, muitas vezes seduzidos pelo sonho do homem providencial. Não admira porque o Estado é tão incontornável em França. Mas os tempos de De Gaulle evaporaram-se: a "Doce França" que cantava Charles Trenet transformou-se num campo minado: uma dívida colossal e um défice excessivo (que a "punitiva" Europa só encontra nos países do Sul mas se esquece de ver em Paris), um desemprego brutal, uma economia anémica, uma classe política exangue e uma sensação de insegurança (derivada da emigração e do terrorismo) que cresce. Há barris de pólvora com menos hipóteses de explodir. A Europa bem comportada pensa, com a provável vitória de Macron, que as sombras do apocalipse foram afastadas. Estão equivocados. Nem Macron já ganhou, porque estamos a sobrevalorizar o sentido da lógica neste mundo cada vez mais extremado, nem Marine Le Pen pereceu em combate. Tudo por uma simples razão: Le Pen tem um projecto mobilizador, Macron tem uma salada russa de ideias feitas à vontade dos fregueses.
A colisão dos titãs na doce França pode ter sido retardada, mas vai acontecer: as forças do nacionalismo e do elitismo centralizado (disfarçado de liberalismo) estão à espera da batalha final. Os adeptos desta Europa mais ou menos unida pelo euro podem achar que uma vitória de Macron será uma trégua definitiva entre as duas visões da sociedade. Não é. O radicalismo poderia ajudar o poder europeu (e a elite que se acolhe atrás de Macron) a regenerar-se, ou seja a reformar as instituições políticas e a actualizar o contrato da sociedade de bem-estar. Não parece que estejam dispostos a isso. Por isso, a tendência para o desastre vai crescer, porque Macron parece representar mais do mesmo, ainda que com artimanhas de marketing. A doce França está cada vez mais amarga.»
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25.4.17
25 de Abril – As estórias que a História não conta
Duas organizações - «É Apenas Fumaça» e «Divergente» reuniram quatro pessoas à volta de uma mesa «para conversar sobre o outro lado do 25 de Abril». Fui uma dessas pessoas e convido-vos a reservar algum tempo (a conversa foi longa…) para nos ver e ouvir.
Daqui, onde existe uma versão apenas em som.
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Cidade ocupada e radiosa
«A cidade apareceu ocupada e radiosa. Deparámos com colunas militares inundadas de sol; e povo logo a seguir, muito povo, tanto que não cabia nos olhos, levas de gente saída do branco das trevas, de cinquenta anos de morte e de humilhação, correndo sem saber exactamente para onde mas decerto para a LIBERDADE!
Liberdade, Liberdade, gritava-se em todas as bocas, aquilo crescia, espalhava-se num clamor de alegria cega, imparável, quase doloroso, finalmente a Liberdade!, cada pessoa olhando-se aos milhares em plena rua e não se reconhecendo porque era o fim do terror, o medo tinha acabado, ia com certeza acabar neste dia, neste Abril, Abril de facto, nós só agora é que acreditávamos que estávamos em primavera aberta depois de quarenta e sete anos de mentira, de polícia e ditadura. Quarenta e sete anos, dez meses e vinte e quatro dias, só agora.»
José Cardoso Pires, Alexandra Alpha
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24.4.17
E agora, povo português?
Nunca pensei viver para ver isto:
a liberdade – (e as promessas de liberdade)
restauradas. Não, na verdade, eu não pensava
– no negro desespero sem esperança viva –
que isto acontecesse realmente. Aconteceu.
E agora, meu general?
Tantos morreram de opressão ou de amargura,
tantos se exilaram ou foram exilados,
tantos viveram um dia-a-dia cínico e magoado,
tantos se calaram, tantos deixaram de escrever,
tantos desaprenderam que a liberdade existe –
E agora, povo português?
Essas promessas – há que fazer depressa
que o povo as entenda, creia mais em si mesmo
do que nelas, porque elas só nele se realizam
e por ele. Há que, por todos os meios,
abrir as portas e as janelas cerradas quase cinquenta anos -
E agora, meu general?
E tu povo, em nome de quem sempre se falou,
ouvir-se-á a tua voz firme por sobre os clamores
com que saúdas as promessas de liberdade ?
Tomarás nas tuas mãos, com serenidade e coragem,
aquilo que, numa hora única, te prometem ?
E agora, povo português?
Jorge de Sena, 40 anos de servidão
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Gostam muito do novo? Aqui têm o novo
José Pacheco Pereira no Público de hoje:
«Macron e Le Pen passam à segunda volta com uma diferença mínima, ambos acima dos vinte por cento. Pelo caminho ficam, pesadamente derrotados, os socialistas e os gaulistas. O candidato da esquerda radical teve praticamente os mesmos votos que Fillon, o gaulista. Tudo isto era mais ou menos previsível, mas é no seu conjunto uma mudança importante na política francesa, tanto mais importante quanto vai no sentido de mudanças idênticas noutros países como a Holanda. (…)
Macron, que tudo indica vai ser o próximo presidente da França, é o retrato do medo dos franceses, o candidato que não é carne nem peixe, e por isso mesmo o único obstáculo a Marine Le Pen. Verdade seja que Le Pen deve meter medo, muito medo, mas mesmo perdendo, ganha. O que é preocupante, não é o facto dos candidatos da Frente Nacional, Le Pen, pai e a filha, nunca ganharem na segunda volta das presidenciais, é que reforçam significativamente a sua posição. Hoje a Frente Nacional é o primeiro partido francês, e a sua candidatura presidencial tem um partido por trás, enquanto que a de Macron não tem. (…)
A novidade da actual situação geoestratégica torna por isso as eleições francesas não só relevantes para a Europa, quer a geográfica, quer a institucional, mas também para o mundo. E a situação é tanto mais nova, quanto uma candidata da extrema-direita como Le Pen, vai ao Kremlin, sem temer pela sua reputação anticomunista que, quer se queira quer não, ainda está associada à Rússia e a Putin. E Trump, um Presidente da democracia americana, não tem pejo de apoiar a mais proeminente representante na política europeia do radicalismo de direita que seria pestífera para qualquer outro Presidente americano.
Le Pen é, como Trump, a face da mudança nas actuais eleições presidenciais e tem votos só por isso, pelo cansaço enorme do eleitorado em relação aos partidos tradicionais. Vai ser ela a ter o voto de protesto, que hoje a esquerda europeia parece incapaz de conseguir, pela combinação da decadência dos partidos socialistas, com o acantonamento da esquerda mais radical, embora esta tenha em França um candidato que sobrevive mais do que os socialistas à hecatombe da esquerda.»
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23.4.17
Cúpulas, muitas cúpulas (1)
Catedral da Assunção, Kremlin, Moscovo (Rússia, 2012)
(Série que já teve alguma vida no «Brumas», agora selecionada e actualizada.)
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23.04.1936 – Tarrafal, 81 anos
O «Campo da Morte Lenta» foi criado em 23.04.1936, encerrado em 1954, reactivado em 1961 por portaria assinada por Adriano Moreira, então Ministro do Ultramar, com o nome de «Campo de Trabalho do Chão Bom», para receber prisioneiros da Guerra Colonial. Durou até 1974.
Ler aqui um post do ano passado.
. Macron, a ascenção inquietante de um homem do sistema
Procurei em vão, na imprensa portuguesa, um texto «decente» sobre aquele que tem mais hipóteses de vir a ser o próximo presidente de França. Encontrei, sim, tanto em jornais como nas redes sociais, os velhos arautos do «voto útil» na primeira volta de hoje, sobretudo em eleitores do PS, que ainda não terão entendido onde esse dito não levou a grande maioria dos partidos socialistas europeus – com o gritante falhanço do francês e do seu candidato Hamon. Tivesse ele desistido a favor de Méchenlon – como devia – e estaríamos hoje com uma esperança diferente para a França e para a Europa.
No Público.es, este texto sublinha bem alguns aspectos «interessantes» da ascenção de Macron.
«La comisión Attali permitió a Macron codearse con grandes empresarios, como el propietario de la compañía de seguros Axa, Claude Bébéar; el presidente de Nestlé, Peter Brabeck; o el gestor de fondos de inversiones Serge Weinberg. De hecho, este último lo promocionó como gerente asociado del Banco Rothschild en Francia.
Tanto como inspector de finanzas o banquero, “Macron siempre supo destacar por encima de sus compañeros y esto le ha permitido rellenar su agenda de contactos”, afirma Endeweld. Unos vínculos con las élites económicas que se estrecharon durante su paso por el Ministerio de Economía.
Por este motivo, no sorprende la simpatía que despierta la candidatura de Macron entre buena parte de los dirigentes del Cac40 (la bolsa de París). (…) Dirigentes de multinacionales francesas componen, asimismo, el equipo de campaña de Macron.
Los responsables de En Marche! han reunido una parte significativa de sus fondos a través de fiestas privadas muy chic en las que piden donaciones a los invitados. (…) A través de un préstamo bancario de 8 millones de euros más las donaciones privadas, el líder centrista “ha prácticamente alcanzado los 21 millones, el presupuesto máximo de un candidato a las presidenciales”. Gracias a sus contactos con las élites políticas y económicas, el joven Macron ha puesto en marcha toda una máquina electoral.»
Estamos conversados?
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