29.4.17

O banqueiro e a neofascista platinada


NOTA PRÉVIA porque estou com pouca pachorra para o maniqueísmo que por aí grassa: votar Macron «la mort dans l’âme» não implica crucificar todos os franceses de esquerda, que venham a decidir não o fazer (embora não escolhendo Le Pen), e, muito menos, culpar por todos os eventuais males Mélenchon que ontem explicou – e bem, no meu entender – a sua posição e os seus motivos.

«1. Os partidos de governo reduzidos a 26% dos votos, 50% se lhes somarmos Macron, o seu subproduto. Em 2012 eram 65%. Hollande e Valls (e, com eles, Macron) destruíram o PS francês, como se antevia; a direita clássica (Fillon, 20%) ficou atrás da extrema-direita (21%). (…) Depois da Grécia, Espanha, Itália, a Europa Centro Oriental e parte da Europa do Norte, a França vem juntar-se aos países onde os partidos tradicionais da direita e da social-democracia liberalizada já não capazes de convencer a maioria da sociedade que tudo se resolve entre eles e se vêem obrigados a inventar o "novo" (Macron, os Ciudadanos em Espanha...) ou a integrá-lo no seu seio (Trump, Modi na Índia), para, encenando um registo "anti-sistema", impedir a formação de uma alternativa. Para se perceber bem o "bloco central" de Macron, é só esperar para ver com quem se coligará ele nas legislativas.

Com a sua passagem à segunda volta (24% não é nenhum triunfo), confirma-se também esta nova moda: uns quantos ricos deixaram de pagar as campanhas eleitorais dos seus testas-de-ferro e atiram-se eles próprios para a frente. Macron é só mais um, depois de Berlusconi, Trump, Piñera (no Chile), Macri (na Argentina)... É a onda dos milionários que, por cima dos partidos tradicionais, vêm propor-se como ídolos do sucesso "ao alcance de todos" (slogan de Macron), como quem melhor entende o descontentamento dos pobres! (…)

2. Consolida-se, sem crescimento, o espaço eleitoral da extrema-direita e a sua capacidade de contágio das agendas da direita clássica e dos neoliberais em campos como a discriminação dos imigrantes e o discurso securitário. Marine Le Pen dá à FN o seu melhor resultado em presidenciais (+3,5% que em 2012), mas ele é pior que o de todas as eleições (europeias, municipais, regionais) dos últimos cinco anos. (…)

3. Mais de sete milhões de franceses votaram Mélenchon, o dobro de há cinco anos. Os seus 20% reconstituem o antigo espaço eleitoral que o PCF mobilizava até há 35 anos, um bloco popular que venceu a extrema-direita e Macron nos bairros populares da região parisiense, em Marselha, em Toulouse, em Lille, no coração que ainda bate da França trabalhadora que Hollande e Sarkozy quiseram fazer parar e que, ao contrário de Macron, é limpidamente anti-racista e antifascista. Muitos deles, "la mort dans l'âme", votarão Macron contra Le Pen. Que muitos deles não estejam disponíveis para um banqueiro que lhes propõe pior que Hollande é um puro ato de autodeterminação democrática.»

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