Feyisa Lilesa ganhou a medalha de prata nos Jogos Olímpicos e, ao cruzar a meta, levantou os braços e cruzou as mãos acima da cabeça,
numa manifestação contra o seu governo, que pode custar-lhe a vida. Um gesto que ficará para a história actual da resistência desse magnífico país que é e Etiópia, até há pouco exemplo de paz em África e que passa agora por um período terrível de perseguições.
Estive lá há três anos. Parecia ser um oásis naquele Corno de África, entre países em permanente conflito, e era centro de onde irradiavam esperanças de conciliação e de progresso.
Tristíssimo que tenha chegado a sua vez de contrariar expectativas, esperemos que apenas por pouco tempo e episodicamente, o que não parece ser o caso.
A Etiópia é um país muito extenso e tem por isso regiões com características muito diferentes. Tudo é muito pobre, as casas são absolutamente rudimentares, pessoas e animais inundam as estradas e andam grandes distâncias a pé. (Conta-se como piada que os etíopes ganham tantas medalhas em maratonas e não só porque, desde crianças, se habituam a correr quilómetros para chegar à escola.)
Embora o país seja praticamente autossuficiente em termos alimentares, tendo de importar muito pouco, tem falta de quase tudo o resto em infraestruturas e tecnologia. E aí é que as coisas se complicam, não só por problemas políticos num país que é governado há vinte e cinco anos praticamente em regime de partido único, com as inevitáveis consequências em termos de corrupção, como pelo facto de a moeda nacional ser tão fraca que tudo o que tem de vir do exterior tem um peso difícil de suportar.
Em todo o caso, aparentemente vai-se (ou ia-se?) progredindo, por exemplo através de um interessante sistema de cooperativas. E, ao contrário dos seus vizinhos da Eritreia e da Somália, é raro que etíopes fujam por essa África abaixo para se afogarem às portas da Europa. Em 2015, o PIB terá aumentado 8,7%, uma das maiores taxas de crescimento do mundo.
A paisagem é magnífica, mas não é tudo. Há também um povo altivo, orgulhoso da sua etnia («a Norte temos os árabes, a Sul os negros, nós estamos no meio»...), do facto de nunca ter sido colonizado e da sua História e das suas lendas sem fronteiras muito distintas.
Aguardemos o que aí vem, com a esperança que um povo sofrido merece.
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