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20.3.21
Primavera?
Com Paris severamente confinado, até dói ouvir isto. Mas que a memória alimente a esperança.
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A nobreza das nações
«Para quem não tenha desistido da decência democrática, a ideologia nacionalista merece bem a designação que Nietzsche lhe deu na década de 1880: uma "doença" (Krankheit), de natureza infecciosa. Nos anos que precederam a unificação da Alemanha sob Bismarck, Nietzsche mostrara satisfação pela ultrapassagem dos vestígios de feudalismo que tanto atrasaram o nascer do Estado alemão. Contudo, o filósofo depressa percebeu que o militarismo e o antissemitismo iriam transformar o nacionalismo germânico numa força desagregadora, não apenas das esperanças universalistas do melhor da cultura alemã, mas também da possibilidade de construir uma civilização europeia cosmopolita e aberta.
Ortega y Gasset, por seu turno, chamava a atenção, antes e depois da II Guerra Mundial, para o facto de que o nacionalismo se tornara um "provincianismo", um inimigo da capacidade que as nações tinham tido no século XIX para se constituírem como veículo de futuro coletivo.
Na verdade, desde que a Jugoslávia se desmoronou, o nacionalismo não tem sido outra coisa do que a confissão - combinando medo, agressividade e ressentimento - da incapacidade de construir um futuro onde todos caibam. A União Europeia transformou-se no asilo de Estados devorados por incertezas existenciais (Itália, Espanha, França). O Brexit provou que a saída do Reino Unido da UE não aliviou, antes pelo contrário agravou, a sua crise de destino. Podemos antecipar que, finda a pandemia, ou a UE ganha o respeito dos cidadãos, oferecendo um horizonte que o paroquialismo nacionalista não vislumbra, ou acabará por ser a maior vítima dessa triste ideologia, devoradora de futuros.
Contudo, as nações, se libertas do vírus do nacionalismo, podem ser vistas como parte da casa comum planetária, como projeto coletivo e fonte de uma identidade - não baseada no "sangue e no chão" - alicerçada naquilo que os cidadãos podem realizar em conjunto, visando o futuro de todos e de cada um. De novo, Nietzsche: a nobreza que conta não é da origem familiar (o "von" dos nomes aristocráticos alemães), mas a nobreza forjada na disciplina e na fidelidade aos sonhos de longo prazo. A nobreza unida pelo "para onde" (wohin), pela transcendência que só os grandes objetivos concitam.
Tivemos recentemente um exemplo intenso de como Portugal ainda faz sonhar, conseguindo receber uma enorme retribuição daqueles que, não tendo raízes antigas no país, ou não tendo mesmo nascido em Portugal, escolheram este país como pátria da razão e do coração. Estou a referir-me a quatro atletas que se distinguiram à escala europeia: Patrícia Mamona, lisboeta de ascendência angolana, que conquistou a medalha de ouro do triplo salto na Polónia, um bom exemplo de que o passado imperial não deixou apenas uma herança negativa; Auriol Dongmo, nascida nos Camarões, e que com menos de um ano na seleção portuguesa ganhou uma medalha de ouro no lançamento de peso, também na Polónia; Pablo Pichardo, nascido em Cuba, naturalizado português desde 2017, que ganhou na mesma competição a medalha de ouro do triplo salto; o malogrado Alfredo Quintana, nascido em Cuba, mas na seleção nacional desde 2014, que mesmo depois da sua trágica morte motivou os seus colegas de equipa a conseguirem a primeira qualificação do andebol luso para os Jogos Olímpicos.
São percursos de vida marcados pelo esforço e pela abnegação. Gente que é o exemplo vivo de que só é nossa aquela nação que pela lealdade e pelo trabalho fazemos por merecer e acrescentar.»
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19.3.21
França e AstraZeneca
De vez em quando ligo para France 24, o que fiz há pouco e ouvi as notícias resumidas nos vídeos incluídos na notícia. Em França, reina uma certa perplexidade: a AstraZeneca começou por ser dada a pessoas com menos de 65 anos, depois a todos, há uns dias foi suspensa como em muitos países e agora… é recomendada apenas para 55+. Porquê? Porque os casos graves de coagulação aconteceram em pessoas com idade inferior.
Tudo há-de ir ao sítio, mas nada disto ajuda.
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A Europa à deriva no mar das migrações
«Realizou-se nesta semana, por iniciativa da presidência portuguesa, uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna da União Europeia sobre as migrações. A precedente ocorrera em 2015, quando chegaram à Europa mais de um milhão de pessoas, vindas da Síria e de outras partes do Médio Oriente, do Afeganistão e dos países do subcontinente indiano, bem como de África. O longo hiato entre as duas reuniões aconteceu porque as migrações constituem uma problemática muito complexa e fraturante entre os Estados membros da UE. Os líderes têm sistematicamente varrido o imbróglio para debaixo do tapete.
Agora, o encontro foi uma nova tentativa de definir uma política comum. Fizeram-se umas declarações genéricas sobre a necessidade de uma resposta completa e coerente, que combine parcerias de desenvolvimento e de segurança com os países de origem e de trânsito dos migrantes, que abra vias para migrações controladas, que dê prioridade às relações políticas com o norte de África e com a África Ocidental. Tudo muito vago e ao nível de meras lapalissadas. O resultado ficou, uma vez mais, aquém das expectativas.
A Agenda para o Mediterrâneo, proposta em fevereiro pela Comissão Europeia, que era um dos documentos de referência, é igualmente imprecisa. Mete no mesmo saco realidades nacionais completamente diferentes, como se o espaço geopolítico mediterrânico fosse homogéneo. E não faz um balanço crítico do passado. Sugere que se continue e aprofunde um modelo de cooperação que, na realidade, não logrou ajudar a transformar nenhum Estado da região numa nação nem próspera nem democrática.
O facto é que não se consegue chegar a uma posição comum, para além do reforço da Frontex, enquanto Guarda Costeira Europeia e polícia de fronteiras. Essa é a única responsabilidade aceite e partilhada, o menor denominador comum. Quanto ao resto, tudo na mesma como dantes. Será gerido ao acaso dos acontecimentos. Os países de entrada dos imigrantes ilegais continuarão a ter de suportar os custos políticos, humanitários e económicos que resultam do acolhimento dos que aí aportam. Apesar do apelo reiterado do ministro português da Administração Interna, não haverá solidariedade entre europeus nesta matéria.
A grande verdade é que a maioria dos Estados membros não quer receber novas vagas de imigrantes vindos de outras geografias e de culturas diferentes. Mesmo os países que têm sido tradicionalmente o destino dos imigrantes magrebinos, africanos e outros partilham essa posição. Nós, os portugueses, estamos um bocado de fora. Não entendemos bem o peso da pressão migratória na coesão dos tecidos sociais das grandes cidades de França, da Bélgica, dos Países Baixos, da Alemanha, por exemplo. Nem temos uma noção clara do impacto político da presença de vastas comunidades estrangeiras, quando é evidente que não estão integradas nas sociedades que as receberam, sendo assim um argumento facilmente explorado pelos extremistas de direita e por potenciais terroristas.
Nesta matéria, a Europa continuará a falar de modo construtivo e a agir de modo restritivo, repressivo mesmo. As migrações internacionais são um dos dilemas mais complexos que temos pela frente, mas que muitos europeus não querem ter em conta. Apesar do progresso dos valores de tolerância, não estamos inteiramente preparados para a diversidade das culturas e das fisionomias. Quem tiver dúvidas deve visitar os novos guetos étnicos que existem em certas metrópoles europeias. E sem ir mais longe, poderá começar por certos arredores de Lisboa.
Já vimos que o mar não é barreira suficiente para quem está desesperado ou sonha com uma vida melhor. Mas como a intenção de quem manda é a de travar movimentos populacionais que parecem ameaçadores, a Europa irá mais longe. Irá despejar fortunas nos países que têm o potencial de nos enviar novas levas de migrantes - como já está a acontecer com a Turquia. É a aposta do pau e da cenoura. Ora, nesses países, os poderosos ficam sistematicamente com a cenoura, e os pobres e os fracos levam sempre com o pau. Por isso, muitos procuram fugir para a Europa.»
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18.3.21
Eutanásia
Tudo parecido. O caminho faz-se caminhando e chegaremos à meta, é tudo uma questão de tempo e de insistência (ou de «resiliência», para acompanhar a moda).
«A direita manteve a oposição ao diploma e insistiu ao longo do processo de aprovação na promulgação de uma lei de cuidados de paliativos, embora nunca a tenha apresentado. O Partido Popular e o Vox, de extrema-direita, já anunciaram que pretendem apresentar recursos a questionar a constitucionalidade da lei para impedir a sua entrada em vigor.»
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Memória histórica
«Nem todos os portugueses partilham o sentimento de hiperidentidade que o Eduardo Lourenço elogiou na passagem da ditadura para a democracia. A crítica histórica é sentida por alguns como um atentado ao ser coletivo, enquanto a crítica literária, inclusive de autores que se distinguiram pelo julgamento corrosivo do seu mundo contemporâneo, como Eça de Queirós, levanta imediatamente um coro de protesto. O património literário ou histórico não é uma relíquia; Eça ironizou sobre o tema. Existe uma hipersensibilidade negativa que não parece espontânea, faz parte do jogo político mais recente.
A crítica é inerente ao devir de uma nação, não existe nem pode existir uma visão uniforme do que somos hoje e do que fomos no passado. Qualquer país é atravessado por divisões sociais com interesses divergentes e mesmo antagónicos, que se refletem em visões conflituosas do passado e do presente. É dessa dinâmica que se faz uma nação enquanto dimensão coletiva de um povo com património linguístico e cultural multidirecional, em permanente construção e reconstrução.
Quando organizei com o Diogo Ramada Curto o livro A memória da nação (1991), a ideia era justamente compreender as múltiplas dimensões de um devir histórico modelado por relações de poder em constante negociação, direitos contra privilégios, regimes de propriedade, formas religiosas e configurações culturais que contribuíram para formas plurais de identidade. Esse projeto era inspirado por três autores, Pierre Nora, que publicara os Lugares de memória, um vasto estudo coletivo do património francês como marca identitária, Alphonse Dupront, interessado na história do mito da cruzada e na fabricação do sentimento nacional, e Eric Hobsbawm, o historiador inglês mais influente do século XX, que estudou processos de invenção do passado. Embora a dimensão de classe social e de construção histórica estivessem presentes, a dimensão de género e a dimensão étnica ou racial não estavam assimiladas.
A diferença entre memória histórica, baseada na análise crítica do passado, e a memória coletiva, necessariamente plural, em permanente mudança em função das realidades do presente, que impõem reorganizações e amnésias na perceção do passado, ficou contudo clara. Existem intersecções entre a memória histórica e a memória coletiva, pois as políticas da memória desenvolvidas pelos poderes públicos procuram celebrar acontecimentos e erigir monumentos que consagrem os fundamentos dos respetivos regimes.
O conflito em torno das comemorações do centenário do Infante D. Henrique em 1960, que deixou traços no Padrão dos Descobrimentos e no arranjo da Praça do Império, opôs uma visão da história baseada na religião e nos homens providenciais, clara apropriação salazarista do passado, a uma visão da história baseada na dimensão coletiva da emigração em massa (um milhão e meio até ao início do século XIX, numa população que variou de um a três milhões), onde os interesses económicos e comerciais desempenharam um papel decisivo, sem esquecer a religião. A visão elitista do salazarismo, que bem cuidou dos interesses dos ricos, como assinalou Eduardo Lourenço, está expressa na fonte da Praça do Império, com os brasões de armas das casas nobres que teriam feito a expansão portuguesa. Nunca defendi a demolição destes monumentos por duas razões: o Padrão dos Descobrimentos foi objeto de um bom trabalho de adaptação, memorialização e atualização de programa, enquanto a fonte deve lá ficar como testemunho de um regime ditatorial e elitista que não pode inspirar ninguém com a cabeça no século XXI. Não falo sequer da proposta de restauro dos jardins kitsch com a heráldica colonial, é simplesmente ofensiva dos países africanos e asiáticos com quem devemos ter boas relações.
O projeto de 1991, que recusava a apropriação da linguagem da nação pela extrema-direita nostálgica, que eu distingo da direita liberal, precisa de ser atualizado. Nos últimos 30 anos Portugal aprofundou a sua relação com a União Europeia, embora a economia tenha registado uma relativa estagnação desde os anos 2000, agravada pela crise financeira de 2008 e pela crise da covid-19 em 2020. Esta relativa estagnação tem suscitado tensões numa população que criou expectativas de uma vida melhor que não têm sido satisfeitas. A desigualdade económica e social entre ricos e pobres, que se atenuou até ao final dos anos de 2000, aumenta de novo, com a apropriação de boa parte da riqueza por 1% da população mais rica. A emigração tem tido altos e baixos, mas em relação ao total da população Portugal tem uma das taxas mais elevadas de saídas acumuladas. Por fim, a imigração, que teve um pico com a independência dos PALOP, continua a fluir para cobrir as necessidades de trabalho agrícola que não atraem os portugueses, responder a condições políticas insuportáveis noutros países, e aproveitar as novas oportunidades de Visa Gold e impostos preferenciais para reformados estrangeiros.
Embora não existam estatísticas sobre a nova realidade racial da população portuguesa, é evidente que o impacto de duas gerações de imigrantes com diferentes origens exige um esforço de integração. A memória histórica das realidades da nossa própria emigração multicontinental pode ajudar. O debate em torno do racismo não pode ser varrido como um problema artificial, tornando equivalentes racistas e antirracistas, manobra maliciosa de naturalização e justificação da discriminação. Acusar de fratura da identidade nacional a denúncia do racismo é uma tentativa de calar os que sofrem e estão do lado da lei. Os últimos estudos económicos sobre discriminação racial, como o de Heather McGhee em relação aos Estados Unidos, certamente com problema mais fundo, mostram a importância de políticas de desenvolvimento integradas.
Todos conhecemos as sondagens europeias mais recentes que indicam 60% da população portuguesa com opiniões racistas. A minha definição de racismo envolve duas componentes, preconceito contra descendência étnica combinado com ação discriminatória. A maioria da população não está envolvida na discriminação de minorias, mas o problema deve ser tratado com toda a seriedade, pois existem crimes racistas regulares, como o assassinato recente de Bruno Candé, os constantes ataques físicos e verbais a dirigentes associativos e jogadores de futebol, as pichagens insultuosas nas paredes de associações e escolas, a interrupção de sessões escolares com mensagens racistas. As crianças devem ser protegidas de traumatismos que ficam para a vida.
As sondagens revelam, antes de mais, a ignorância da norma antirracista que prevalece no mundo desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948, a qual influenciou a nossa constituição e legislação penal, baseadas na noção de dignidade e igualdade de todos os seres humanos. Trata-se de uma falha clamorosa de educação cívica para a qual o Conselho de Educação já alertou e que exige ação do ministro responsável.»
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17.3.21
17.03.1945 – Elis Regina
Elis Regina chegaria hoje aos 76 e morreu com apenas 36.
Viveu os «Anos de chumbo» da ditadura brasileira e não lhes passou ao lado, participando em vários movimentos culturais e políticos. Uma das suas canções – «O bêbado e o equilibrista» – funcionou como uma espécie de hino pela amnistia de exilados brasileiros. Notável também, nessa mesma linha, «Aos nossos filhos».
E, como não podia deixar de ser, o seu ícone:
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Quanto custa uma vida
«Um vírus mortal assolou o mundo, por volta de 1910, sendo responsável por epidemias que se tornaram eventos comuns, principalmente nas cidades, durante os meses de verão, deixando milhares de crianças e adultos paralíticos.
Foi a descoberta, em 1952-55, da vacina, por Jonas Salk, que reduziu a incidência da doença de centenas de milhares de casos para menos de um milhar por ano e, no início dos anos sessenta, Albert Sabin, médico polaco, descobriu uma vacina oral, as célebres gotinhas, que ainda hoje fazem parte do plano de vacinação e que quase conseguiu eliminar a poliomielite em todo o mundo. Este médico renunciou aos direitos de patente, o que facilitou a utilização da vacina em todo o Mundo.
Nessa altura trabalhava-se em nome da ciência e da humanidade.
Certamente, os CEO (Chief Executive Officer) das multinacionais farmacêuticas diriam agora “que a investigação de novos fármacos é muito dispendiosa e com a existência das patentes podem recuperar os custos e continuar a inovar”.
A investigação é de facto muito cara. Contudo, as grandes empresas farmacêuticas deixaram há muito de fazer investigação e compram-na às universidades ou empresas mais pequenas.
Foi o que se passou com as vacinas contra a covid-19, com a agravante que a investigação foi paga com dinheiros públicos.
O problema é que a Big Pharma não quer só recuperar os custos da investigação, mas alcançar grandes lucros a curto prazo.
Os CEO contestam e afirmam que fixam o preço tendo em conta o “valor” que os seus produtos têm, um grande valor terapêutico, e salvam muitas vidas, e é por isso que têm de ser caros.
Interrogamo-nos assim: quanto é que custa uma vida? Todas as outras medidas realizadas nos hospitais, no ambulatório e na saúde pública, até mesmo a oferta da água potável, também salvam vidas e o seu preço não é inflacionado.
As empresas aumentam os preços das suas mercadorias convertendo-as em produtos financeiros para especulação nos mercados.
Os maiores acionistas de muitas das grandes empresas farmacêuticas, que são empresas de investimento, geram ativos importantes como os fundos de pensões, a dívida pública, os patrimónios pessoais, etc., com valores várias vezes superiores ao nosso PIB.
No meu entender, a isto se deve os preços dos medicamentos e a proteção das patentes por oito a 12 anos.
Se não mudarmos este modelo não vamos usufruir das inovações terapêuticas no futuro próximo, como agora os países mais pobres não irão receber suficientes vacinas contra a covid-19.
O monopólio das patentes é muito bom para as empresas, mas muito mau para os serviços de saúde.
A afirmação de políticos e comentadores mediáticos de que a União Europeia devia ter pago mais às grandes empresas farmacêuticas com a frase “o barato sai caro" é, sem dúvida, uma inversão de valores. Estes deveriam, sim, defender as propostas da OMS de suspensão das patentes.
Segundo as Nações Unidas, “milhões de pessoas são deixadas para trás quando se trata do acesso aos medicamentos e tecnologias que podem assegurar a sua saúde e bem-estar. O fracasso em reduzir os preços dos medicamentos patenteados está a dar como resultado que a milhões de pessoas se lhes negue o tratamento para salvar a sua vida em doenças como a sida, tuberculose, malaria, hepatites virais, doenças não contagiosas e doenças raras (High Level Panel, 2015)”. Impõem-se exigir, pelo menos, a suspensão das patentes durante a pandemia.
Numa carta dirigida ao governo, em novembro passado, a Associação de Médicos pelo Direito à Saúde (AMPDS) associou-se a mais de 370 organizações internacionais exigindo a limitação da atribuição de patentes sobre as vacinas e medicamentos para a covid-19, tendo em conta os seus valores de defesa intransigente do direito à saúde, como um direito humano fundamental e da dignidade profissional dos médicos.
No entanto, vários governos, entre os quais os dos Estados Unidos, Japão e outros países ricos, votaram contra a suspensão das patentes das vacinas para a covid-19 durante a pandemia, numa reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Sendo as vacinas e os medicamentos um bem público, de carácter universal, instamos o nosso governo para que vote um plano de suspensão das patentes nas vacinas contra o SARS-CoV-2, na próxima reunião da OMC.
Igualmente, alertamos para a necessidade de uma cobertura universal da vacina, não deixando para trás uma grande parte da população dos países pobres, de acordo com as posições da União Europeia e das Nações Unidas, particularmente a da Organização Mundial da Saúde.»
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16.3.21
16.03.1974 – O falhanço das Caldas
Há 47 anos, o golpe falhado das Caldas foi um passo importante para a queda da ditadura.
Em 2014, por ocasião do 40º aniversário dos acontecimentos, o Diário de Notícias ocupou duas páginas com vários textos sobre «A coluna rebelde que Spínola e Costa Gomes impediram de ocupar o Aeroporto de Lisboa». Excertos:
«A imagem que ficou na memória dos portugueses sobre a intentona tentada pelo Regimento de Infantaria N. º 5 das Caldas da Rainha no dia 16 de Março de 1974 foi a de uma coluna militar que ficou parada às portas de Lisboa. Ilustrava perfeitamente o golpe militar frustrado, que só teria o seu epílogo a 25 de Abril, e que logo deu origem a uma anedota bastante popular. A de que os camiões com 200 militares que iriam ocupar o Aeroporto de Lisboa teriam parado às portas de Lisboa porque o então presidente da República, Américo Tomás, ameaçou que o primeiro a chegar à capital seria obrigado a casar com a sua filha. (...)
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«A imagem que ficou na memória dos portugueses sobre a intentona tentada pelo Regimento de Infantaria N. º 5 das Caldas da Rainha no dia 16 de Março de 1974 foi a de uma coluna militar que ficou parada às portas de Lisboa. Ilustrava perfeitamente o golpe militar frustrado, que só teria o seu epílogo a 25 de Abril, e que logo deu origem a uma anedota bastante popular. A de que os camiões com 200 militares que iriam ocupar o Aeroporto de Lisboa teriam parado às portas de Lisboa porque o então presidente da República, Américo Tomás, ameaçou que o primeiro a chegar à capital seria obrigado a casar com a sua filha. (...)
A anteceder o 16 de Março tinham-se verificado mais dois factos políticos que fizeram o presidente do Conselho hesitar: a 22 de Fevereiro dera-se o lançamento do livro Portugal e o Futuro, do general Spínola, que defendia uma solução política e não militar para a guerra no Ultramar; a 14 de Março, o Governo demitira os generais Spínola e Costa Gomes dos cargos de chefe e vice- chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, devido à ausência no evento em que as chefias militares se solidarizavam com Caetano, numa cerimónia definida como representativa da “Brigada do reumático”.
A demissão dos dois generais espoletou a Intentona das Caldas e criou esse acto militar falhado.»
A nota oficiosa difundida pelo governo foi esta:
«Na madrugada de Sexta-feira para Sábado, alguns oficiais em serviço no Regimento de Infantaria 5, aquartelado nas Caldas da Rainha, capitaneados por outros que nele se introduziram, insubordinaram-se, prendendo o comandante, o segundo comandante e três majores e fazendo em seguida sair uma Companhia autotransportada que tomou a direcção de Lisboa.
O governo tinha já conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas, e fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras unidades não tinham tido êxito.
Para interceptar a marcha da coluna vinda das Caldas foram imediatamente colocadas à entrada de Lisboa forças de Artilharia 1, de Cavalaria 7 e da GNR. Ao chegar perto do local onde estas forças estavam dispostas e verificando que na cidade não tinha qualquer apoio, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por Unidades da Região Militar de Tomar.
Após terem recebido a intimação para se entregarem, os oficiais insubordinados renderam-se sem resistência, tendo imediatamente o quartel sido ocupado pelas forças fiéis, e restabelecendo-se logo o comando legítimo. Reina a ordem em todo o País.»
Alguns dias depois (em 22 de Março), na sua última «Conversa em Família», foi assim que Marcelo Caetano se referiu ao golpe das Caldas:
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Eutanásia: um suposto revés que é um passo em frente
«Numa visão muitíssimo superficial, o Parlamento teria sofrido esta segunda-feira um revés, com o chumbo do Tribunal Constitucional (TC) da lei da eutanásia que levou ao veto por inconstitucionalidade por parte do Presidente da República. Mas o suposto “cartão vermelho”, como lhe chamou o líder do CDS, acabou por encerrar a questão que realmente mobiliza os opositores deste avanço na liberdade individual, autonomia e direito à dignidade das pessoas.
Mesmo a oposição política de Marcelo Rebelo de Sousa a esta lei era de fundo e, tal como a Igreja Católica, centrava-se na questão do direito à vida. Sendo um constitucionalista experiente, percebeu o enorme risco em insistir na inconstitucionalidade da lei com esse argumento, tendo escolhido outra abordagem no seu pedido de fiscalização. Mas, sem que lhe fosse perguntado, o Tribunal Constitucional fechou o debate constitucional essencial: "O direito à vida não pode transfigurar-se num dever de viver em qualquer circunstância.”
Quando digo que fechou o debate, refiro-me ao debate constitucional, não ao debate moral e político. Esse pode e vai continuar, como continua o da interrupção voluntária da gravidez. Mas ele não se transpõe para a contenda constitucional porque, como diz o comunicado de imprensa do Tribunal Constitucional, a Constituição permite ponderar a proteção da vida com a autonomia pessoal de quem é seu dono. Os deputados têm a legitimidade do voto para encontrar o equilíbrio entre estes dois valores. Este é o debate que ficou resolvido.
Não sobra, em relação ao que é fundamental nesta lei, nenhuma dúvida constitucional. As dúvidas que o Presidente da República levantou são as que qualquer defensor de uma lei que regule e autorize a eutanásia poderiam levantar: os limites rigorosos em que a eutanásia pode acontecer. Marcelo considerava que os conceitos de “situação de sofrimento intolerável” e de “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico” eram demasiado imprecisos. Os juízes não concordaram com ele no primeiro caso: acham que ele é possível determinar “pelas regras da profissão médica”. Quanto ao conceito de “lesão definitiva de gravidade extrema”, parece-me não terem seguido propriamente a argumentação do Presidente, que julgo estar preocupado com a possibilidade de alguém recorrer à eutanásia por ter uma lesão definitiva, sem estar a morrer. Se compreendi as objeções dos juízes, consideraram não estar determinado com rigor o que é “consenso científico” neste caso. Como deixaram alternativas que permitem encontrar na lei portuguesa ou no Direito Comparado formulações mais rigorosas, os deputados só terão de as aproveitar. As restantes normas só são consideradas inconstitucionais em consequência desta. A lei pode, por isso, ser alterada.
Não me parece mau que este recuo obrigue a debater de forma ainda mais apertada, com ainda mais cautelas, as condições em que um passo definitivo e complexo como este é dado. Afastado o fantasma da inconstitucionalidade de sermos donos da nossa própria vida, usado para impor à lei e ao conjunto dos cidadãos concessões religiosas da vida, aclara-se o debate em torno do que é prático nesta lei. Uns verão um recuo, mas é um avanço fundamental.
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15.3.21
Portugal: orgulhosamente sós?
«Alemanha, Itália e França juntam-se à Noruega, a Áustria, Estónia, Lituânia, Letónia, Luxemburgo e Dinamarca, que já interromperam o uso desta vacina, após a deteção de casos graves de coágulos sanguíneos em pessoas que foram vacinadas com doses da AstraZeneca.» (Espanha e Irlanda também)
P.S. - Entretanto, Portugal também já decidiu suspender a administração da vacina.
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Desconfinados?
Além do café ao postigo e do corte de cabelo, já têm um novo piercing? (Necessidade definida como prioritária a partir de hoje!)
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“A ideia de ausência de racismo e de exploração na relação colonial tem grande continuidade até hoje”
«Como é que a Guerra Colonial e o fim do império marcaram a nossa identidade colectiva?
A continuidade da associação entre império colonial africano e identidade nacional foi determinante na cultura de elites e de massas muito para além do colonialismo tardio e das guerras coloniais da década de 1960. Com a descolonização e a adesão à União Europeia as elites políticas portuguesas conseguiram associar desenvolvimento a Europa, mas a “identidade imaginada” dos portugueses ainda está muito ligada ao espaço pós-colonial. O “lusotropicalismo” não foi apenas um “sucesso” do salazarismo na sua transposição para a cultura das elites políticas governantes e de massas, na democracia. A ideia da ausência de racismo e de exploração na relação colonial de Portugal é mais antiga e com grande continuidade até hoje.
Vamos demorar o mesmo tempo a reconhecer os crimes do colonialismo que a Igreja Católica demorou a reconhecer os seus?
Depende de que memória falamos. Se for a memória oficial, a que é expressa pelo Estado e Governos, ou seja, pelas instituições políticas, o panorama não se apresenta favorável. Em 1974 e 1975 existiu uma forte dinâmica política e cultural anticolonialista. Uma parte significativa das elites políticas de esquerda formaram-se no activismo antiditatorial e anticolonial, na fase final do Estado Novo e o processo de transferência do poder para os movimentos de libertação foi realizado quase unanimemente, apoiado mesmo pelos partidos de direita.
Com a consolidação democrática, os governos do PS e do PSD construíram um duplo discurso oficial: uma relação cultural pós-colonial e politicamente pragmática e de “esquecimento” do colonialismo tardio e da Guerra Colonial, da responsabilidade da ditadura. Por outro lado, convém não esquecer que os actores do 25 de Abril foram os militares da Guerra Colonial, o que talvez explique porque é que o ajuste de contas com o Salazarismo, não teve correspondência em igual ajuste com a Guerra Colonial e o colonialismo.
Acresce que a guerra se dá em contexto autoritário. O colonialismo foi assim obra do Estado Novo, com a qual a democracia rompeu. O contexto pós-colonial de guerras civis, Estados fracos, e dinâmicas cleptocráticas das elites, não ajudou. Na conjuntura actual da chegada das “guerras memoriais” e de eventual mobilização da direita populista, tenho grandes dúvidas sobre qualquer avanço nessa direcção no campo da memória oficial.
O país já estava isolado internacionalmente quando a Guerra Colonial começa e, no entanto, ainda dura 13 anos. Isso significa que a ditadura teve uma enorme capacidade de resistência?
O colonialismo tardio, algumas dinâmicas de modernização (bem estudadas por Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro), associado à natureza ditatorial do regime representou uma grande capacidade de resistência à descolonização.
Claro que daqui um século, a descolonização portuguesa, será um pequeno capítulo da dinâmica global de descolonização dos impérios europeus. 13 anos não serão nada. Mas o que gostaria de sublinhar é que a natureza da resistência militar da década de 60 foi um “sucesso” do Salazarismo: o ditador venceu o Golpe de Estado de Botelho Moniz em 1961, restabeleceu o controlo político dos militares e avançou para uma Guerra Colonial em três frentes. Como a guerra coincide com um período de crescimento económico, ainda por cima tem dinheiro para isso. O aparente isolamento internacional, não o impede de ter o apoio militar e a neutralidade política dos seus aliados europeus da NATO, nomeadamente da França, da RFA, e da Grã Bretanha.
No quadro da “Guerra fria”, sobretudo na fase em que os movimentos de libertação já eram claramente alinhados com outros blocos, os aliados da Ditadura não tinham pressa. A muralha protectora da NATO diminuiu o isolamento internacional. A eficácia militar do PAIGC e mini-Vietname da Guiné-Bissau ditou o fim surpreendente do Regime. Convém aliás salientar as guerras coloniais de Portugal não eram de grande importância para nenhum dos blocos. Tudo muda com o 25 de Abril, sobretudo em Angola.»
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14.3.21
#masporquêporquêporquê???
«Um mês depois de ter sido anunciada a testagem em massa de vários locais de potencial risco de contágio do novo coronavírus ou instituições que acolhem populações vulneráveis ao mesmo, a estratégia quase não saiu do papel. Unidades de cuidados continuados, cadeias, lares, instituições de acolhimento de menores ou refugiados e locais de trabalho com maior risco de transmissão continuam sem realizar os rastreios com testes rápidos de antigénio de 14 em 14 dias que estão previstos na norma actualizada pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) a 11 de Fevereiro e cujas alterações deveriam ter entrado em vigor três dias depois.»
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Fala-me ao postigo
«Este fim-de-semana é para esquecer. O dia importante é amanhã, segunda-feira. Porque é amanhã que volta o postigo.
O postigo é o filho pródigo da pandemia. À volta do postigo, os portugueses podem pegar num café, segurá-lo nas mãos e, enquanto beberricam, congregar.
O português é postigueiro porque o português é gregário. O postigo está-nos no sangue. Parece uma coisa boa - se não fosse boa não a tinham proibido - mas é ancestral.
Nem toda a gente tem a sorte de morar em cidades e poder patrocinar quiosques. Os quiosques são os Jerónimos dos postigos.
Aliás, os quiosques são os Jerónimos não só dos postigos como dos balcões. É verdade que há quiosques que têm umas mesitas e cadeiras mas nunca houve, que se saiba, português algum que se tenha lá sentado.
Os quiosques são para estarmos de pé, usando o balcãozito para pousar o braçolo em momentos de discussão futebolística.
Há-de reparar-se que, mesmo em restaurantes finos onde só há mesas, só os portugueses degenerados é que se sentam.
Os genuínos encostam-se ao que houver. À copa, se não houver balcão. À máquina de tabaco, se não houver copa. E, se não houver máquina de tabaco, à boa, velha parede.
O renascimento do postigo veio despertar um atavismo que julgáramos perdido. Tinha florescido com a cultura do guichet - o postigo do funcionalismo, no sentido antropológico da palavra - mas a introdução das esplanadas e de outros lamentáveis estrangeirismos veio acabar com os nossos doces hábitos congregativos.
Agora a questão é saber se o postigo poderá sobreviver à pandemia. É que o pessoal reapaixonou-se pelos postigos, pelas conversas e pelo delicioso vai-e-vem que só os postigos proporcionam.
Será difícil arrancá-los outra vez dos nossos cotovelos.»
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