15.3.21

“A ideia de ausência de racismo e de exploração na relação colonial tem grande continuidade até hoje”

 


«Como é que a Guerra Colonial e o fim do império marcaram a nossa identidade colectiva?
A continuidade da associação entre império colonial africano e identidade nacional foi determinante na cultura de elites e de massas muito para além do colonialismo tardio e das guerras coloniais da década de 1960. Com a descolonização e a adesão à União Europeia as elites políticas portuguesas conseguiram associar desenvolvimento a Europa, mas a “identidade imaginada” dos portugueses ainda está muito ligada ao espaço pós-colonial. O “lusotropicalismo” não foi apenas um “sucesso” do salazarismo na sua transposição para a cultura das elites políticas governantes e de massas, na democracia. A ideia da ausência de racismo e de exploração na relação colonial de Portugal é mais antiga e com grande continuidade até hoje.

Vamos demorar o mesmo tempo a reconhecer os crimes do colonialismo que a Igreja Católica demorou a reconhecer os seus?
Depende de que memória falamos. Se for a memória oficial, a que é expressa pelo Estado e Governos, ou seja, pelas instituições políticas, o panorama não se apresenta favorável. Em 1974 e 1975 existiu uma forte dinâmica política e cultural anticolonialista. Uma parte significativa das elites políticas de esquerda formaram-se no activismo antiditatorial e anticolonial, na fase final do Estado Novo e o processo de transferência do poder para os movimentos de libertação foi realizado quase unanimemente, apoiado mesmo pelos partidos de direita.

Com a consolidação democrática, os governos do PS e do PSD construíram um duplo discurso oficial: uma relação cultural pós-colonial e politicamente pragmática e de “esquecimento” do colonialismo tardio e da Guerra Colonial, da responsabilidade da ditadura. Por outro lado, convém não esquecer que os actores do 25 de Abril foram os militares da Guerra Colonial, o que talvez explique porque é que o ajuste de contas com o Salazarismo, não teve correspondência em igual ajuste com a Guerra Colonial e o colonialismo.

Acresce que a guerra se dá em contexto autoritário. O colonialismo foi assim obra do Estado Novo, com a qual a democracia rompeu. O contexto pós-colonial de guerras civis, Estados fracos, e dinâmicas cleptocráticas das elites, não ajudou. Na conjuntura actual da chegada das “guerras memoriais” e de eventual mobilização da direita populista, tenho grandes dúvidas sobre qualquer avanço nessa direcção no campo da memória oficial.

O país já estava isolado internacionalmente quando a Guerra Colonial começa e, no entanto, ainda dura 13 anos. Isso significa que a ditadura teve uma enorme capacidade de resistência?
O colonialismo tardio, algumas dinâmicas de modernização (bem estudadas por Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro), associado à natureza ditatorial do regime representou uma grande capacidade de resistência à descolonização.

Claro que daqui um século, a descolonização portuguesa, será um pequeno capítulo da dinâmica global de descolonização dos impérios europeus. 13 anos não serão nada. Mas o que gostaria de sublinhar é que a natureza da resistência militar da década de 60 foi um “sucesso” do Salazarismo: o ditador venceu o Golpe de Estado de Botelho Moniz em 1961, restabeleceu o controlo político dos militares e avançou para uma Guerra Colonial em três frentes. Como a guerra coincide com um período de crescimento económico, ainda por cima tem dinheiro para isso. O aparente isolamento internacional, não o impede de ter o apoio militar e a neutralidade política dos seus aliados europeus da NATO, nomeadamente da França, da RFA, e da Grã Bretanha.

No quadro da “Guerra fria”, sobretudo na fase em que os movimentos de libertação já eram claramente alinhados com outros blocos, os aliados da Ditadura não tinham pressa. A muralha protectora da NATO diminuiu o isolamento internacional. A eficácia militar do PAIGC e mini-Vietname da Guiné-Bissau ditou o fim surpreendente do Regime. Convém aliás salientar as guerras coloniais de Portugal não eram de grande importância para nenhum dos blocos. Tudo muda com o 25 de Abril, sobretudo em Angola.»

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