19.10.19

Antepassados que não se calam


Cavaco Silva tenta lançar uma líder para o PSD, José Sócrates escreve umas bocas contra o PS por causa do fim da Geringonça, espera-se que Paulo Portas venha em breve dar uns palpites para salvar o CDS que bem precisa.
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19.10.2012 – Sete anos sem Manuel António Pina



Manuel António Pina morreu em 19 de Outubro de 2012, a memória do que representou com tudo o que lhe devemos mantém-se intacta, mas há que não deixar que ela vá sendo apagada pela espuma dos dias.

A ler: uma entrevista que Anabela Mota Ribeiro fez quando MAP tinha 65 anos.

A ver ou rever: o trailer de um excelente filme de Ricardo Espírito Santo.




A não esquecer: «A pensar de pernas para o ar»:

Pensar de pernas para o ar
é uma grande maneira de pensar
com toda a gente a pensar como toda a gente
ninguém pensava nada diferente

Que bom é pensar em outras coisas
e olhar para as coisas noutra posição
as coisas sérias que cómicas que são
com o céu para baixo e para cima o chão
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Dizem que vai ser a nova ministra do Trabalho


«A Secretária de Estado de Turismo, Ana Mendes Godinho, desafiou o grupo chinês Alibaba – conglomerado que tem hoje 601 milhões de consumidores activos – a usar o território nacional como teste para o resto da Europa.


Para quem não saiba o que é o Grupo Alibaba, a Wikipedia ajuda. E, do seu fundador, há afirmações interessantes: «“Pessoalmente, eu acho que ser capaz de trabalhar em ‘996’ é uma enorme bênção”, disse Ma pelo canal do Alibaba no WeChat. “Muitas empresas e muitas pessoas não têm a oportunidade de trabalhar em ‘996’. Se você não pode fazer isso quando jovem, então quando poderá fazê-lo?”. (“996” é a nomenclatura pela qual tornou-se conhecida a prática de trabalhar das 9h da manhã até as 21h, durante seis dias da semana.» )
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A Espanha nem una nem grande nem livre



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«La libertad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierran la tierra y el mar: por la libertad, así como por la honra, se puede y debe aventurar la vida. (Cervantes, Don Quijote) 

Este é um artigo indignado e como eu sou de raras indignações podem parar de o ler aqui. Nestas alturas estou-me positivamente “marimbando” – sem desculpa pelo plebeísmo porque preciso da sua força – para as nossas tricas nacionais, e para o gigantesco espectáculo de hipocrisia que é a União Europeia, capaz de se mobilizar pelas mais minoritárias causas da moda, mas indiferente ao que se passa na Catalunha.

Como cá. São todos muito liberais, todos muito preocupados pelas liberdades (económicas), todos muito tradicionais, alguns muito revoltados com a repressão (na Venezuela ou em Cuba), e chega-se à Catalunha e ficam todos muito indignados com a “violência” na rua, todos muito legalistas, todos indiferentes a um processo político persecutório, todos olhando para o lado para não verem as multidões na rua, e acima de tudo para não verem as faces dessa multidão. Para não verem que eles são iguais a nós, velhos, mulheres, donas de casa, trabalhadores, jovens casais, moradores, professores, funcionários, gente LGBT, gente conservadora, gente cujos pais e avós conheceram a guerra civil e guardam a memória dos fuzilamentos de dirigentes catalães ou dos movimentos estudantis e operários que confrontaram o franquismo numa Catalunha mais irridenta do que muitas partes de Espanha. Eles olham para a rua e vêem os capuzes, e como o El País e a imprensa portuguesa que o segue, estão muito preocupados com a Constituição e com a lei, com revoltas, golpes de estado, revoluções, sedições, separatismo, independentismo. O que não vêem ou admitem é que possa haver uma vontade, uma determinação, uma razão pela independência da maioria dos catalães.

O problema é que na rua catalã não estão fascistas de pata ao alto, nem gente a marchar detrás de variantes da suástica, ou de runas nórdicas, nem a gritar contra os refugiados, nem a atacar mesquitas e sinagogas – está gente como nós. Mas o mesmo não se pode dizer das setas da Falange, nem da bandeira espanhola transformada no estandarte da “España, una, grande y libre” do franquismo, que recrudesceram nos dias de hoje em resposta ao independentismo catalão, numa causa que já mereceu em Espanha muitos milhares de mortos.

Na verdade, os nossos anti-catalães, parte do PS e quase toda a direita, acabam por ser muito amigos de uma das mais sinistras tradições do país ao nosso lado, o espanholismo de Castela, historicamente muito agressivo, tradicional inimigo de Portugal, a pátria que supostamente lhes enche o peito antes de chegarem a Bruxelas, onde desincha. O espanholismo que encontrou os seus melhores porta-vozes em partidos de extrema-direita como o Vox, que Nuno Melo branqueou, ou num PP minado pela corrupção, ou na sua versão modernizada o Ciudadanos, o partido que o CDS gostaria de ser quando for grande. E em Espanha nesse partido que nem é socialista, nem operário, mas que agora é muito espanhol e que aceitou ser chantageado pelos herdeiros de Francisco Franco e que não teve a coragem de evitar o julgamento político dos independentistas.

Podem não ser favoráveis à independência catalã, não podem ser indiferentes aos presos políticos e às suas sentenças punitivas. E só por ironia é que se vê ficarem muito ofendidos com a comparação entre Hong Kong e Barcelona, eles que não mexeram uma palha sobre Hong Kong porque o seu anticomunismo pára na EDP e na REN, e não têm muita autoridade para fazer essa distinção. O mesmo com a “progressiva” e de “referência” comunicação social espanhola cuja agressividade anti-catalã é repulsiva. E o mesmo para a portuguesa.

E repetem-se argumentos absurdos. O argumento contra o referendo então é o de máxima hipocrisia. O referendo não valeu porque correu sem qualquer controlo. Não é inteiramente verdade, mas é natural que não tenha ocorrido em condições ideais com a polícia a roubar as urnas, a ocupar lugares de votação e a bater nos que queriam votar. Mas, se o problema foram as condições do referendo, então que se faça outro em condições de liberdade e paz civil. Resposta: não, não, nunca, jamais em tempo algum.

Eu sou um grande admirador de Espanha, da sua cultura, das suas gentes. Li o Quixote mais de que uma vez e não é por falta de vontade que não o leio outra vez. Tudo o que de grande existe na história da literatura e da arte está nesse livro, de Ulisses a Leopold Bloom. O país que “deu” este livro merece tudo, menos muita da sua política. Não é um país de história fácil, como se viu na matança da guerra civil, de que o actual conflito é demasiado herdeiro. Em política sempre foi dado a pouca tolerância e a muito sangue, mas os seus grandes homens e mulheres nos últimos 200 anos foram-no exactamente por contrariarem isso. Unamuno é um exemplo.

É também por admiração e estima por Espanha que escrevo isto.»
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18.10.19

18.10.1936 - A primeira viagem para o Tarrafal



Foi há 83 anos que os primeiros presos saíram de Lisboa, no paquete Luanda, com destino ao que viria a ser o «Campo da Morte Lenta», na ilha de Santiago, em Cabo Verde. O Luanda era normalmente usado para transporte de gado proveniente das colónias e os porões habitualmente utilizados para esse efeito foram transformados em camaratas.

Ler AQUI post do ano passado.
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Barcelona: não há palavras


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Barcelona: chegada das «Marchas pela Liberdade»



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Os números da pobreza



«É difícil ver o copo meio cheio nos números da pobreza no nosso país. É certo que os passos dados têm sido positivos, que a redução da taxa de pobreza e exclusão é uma boa notícia. Mas é quase impossível não ficar arrepiado com a realidade de um país onde duas em cada dez pessoas são pobres e, se não fossem as transferências sociais (apoios públicos para combater a pobreza), quatro em cada dez estariam em situação de pobreza.

Ouvimos recorrentemente promessas sobre não deixar ninguém para trás, como a prioridade que deve ser a resposta ao flagelo da pobreza e da existência das agendas nacionais e europeias para dar uma saída a este problema gigante. Só que entre o que se diz e o que se faz vai uma distância enorme e, pelo caminho, as desigualdades fazem o seu caminho e a pobreza mantém-se instalada.

A pobreza é uma inevitabilidade? Longe disso. O nosso mundo atingiu níveis de desenvolvimento científico e tecnológico que permitem garantir um combate eficaz à pobreza e às desigualdades. Falta o mais importante, que é garantir uma economia que responda às necessidades das pessoas com a dignidade que todos merecemos e políticas públicas que tenham coragem de fazer a redistribuição de riqueza necessária.

É certo que a pobreza não é apenas um problema económico. Muitas das vezes o ciclo da pobreza perpetua-se por gerações por falta de acesso a serviços públicos fundamentais ou a uma proteção social adequada. No entanto, quando vemos que há tanta gente que mesmo trabalhando não consegue sair de uma situação de pobreza, percebemos o longo caminho que ainda temos para percorrer. E são mais de 10% os que não conseguem sair da pobreza apesar de estarem no mercado de trabalho.

Ainda assim, apesar das reticências que fui colocando, os números dizem que hoje já ultrapassámos a situação criada pela crise financeira e pela austeridade da troika. É aqui que devemos avaliar os resultados das políticas seguidas nos últimos anos, pois este é o resultado do caminho iniciado em 2015.

A evolução do salário mínimo foi fundamental para tirar trabalhadores da pobreza. O resultado desta escolha deu um impulso essencial à economia e tem méritos incontornáveis na criação de emprego. O efeito económico deste processo teve consequências positivas nas contas públicas, em particular nas da Segurança Social, garantindo a sustentabilidade necessária para reforçar os apoios sociais para combate à pobreza. Um ciclo virtuoso que pecou apenas por não ter sido aprofundado quando ainda há tanto por fazer. Se os benefícios económicos não tivessem sido desviados para ir além das metas de défice, hoje poderíamos dizer que a Escola Pública estava mais forte e capaz de ser uma porta de saída da pobreza para milhares de jovens, ou que o Ensino Superior não perpetuava as desigualdades com as barreiras económicas no seu acesso.

E se não tivéssemos da eletricidade mais cara da Europa, será que teríamos quase 20% das pessoas a dizer que não conseguem aquecer devidamente as suas habitações? Se tivéssemos atacado as rendas abusivas das grandes companhias elétricas ou reduzido o IVA da eletricidade, será que ainda existiriam tantas pessoas em situação de pobreza energética? Acho que todos concordamos que estas perguntas não são meros atos de retórica, antes a definição fundamental em escolhas políticas definidoras no combate à pobreza e à exclusão social.

E a crise da habitação, não prejudica o combate à pobreza? É óbvio que sim. Num contexto de pressão sobre o arrendamento, em que uma parte crescente dos rendimentos é canalizada para os custos com a habitação, este é um assunto que tem de fazer parte de uma resposta multifacetada para o combate à pobreza.

Contudo, uma boa parte destas soluções passa por libertar o investimento público da trela curta que tem das metas do défice e das regras europeias. Até porque hoje já se percebe como as políticas europeias estão a produzir mais pobreza e mais pobres. Será que António Costa quer agarrar este desafio? A julgar pela forma como virou as costas à “geringonça”, creio que está dada a resposta.»

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17.10.19

PS: os novos parceiros




«O PAN está reunido com o Partido Socialista para discutirem medidas do programa de Governo. É o único partido com quem os socialistas mantêm negociações neste âmbito.»
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E há aquele momento de pânico em que temes ainda vir a ter saudades de Cavaco!




«Que sinal político quer dar o Presidente da República quando convida para o Palácio de Belém cerca de 40 influencers das redes sociais e o que dali sai são dezenas de selfies e fotografias, praticamente todas com Marcelo Rebelo de Sousa abraçado a mulheres bonitas, que se multiplicam em milhares de gostos, sobretudo no Instagram? Em Belém, existe a consciência do risco de uma ideia como esta, mas também a convicção de que se trata de “uma nova forma de fazer política” com gente que “tem poder real mas não vive numa torre da marfim”.

Em Belém, ainda não parece muito nítido o que vai sair destes encontros, mas há a certeza de que vai haver mais reuniões com o mesmo grupo, que envolve sobretudo pessoas com papel activo nas redes sociais ligados à moda, beleza e bem-estar, mas também literatura light, actores e humoristas. A lógica, acrescenta a mesma fonte de Belém, é a mesma de outros encontros com jovens quadros e grupos de pessoas sub-45 anos que Marcelo Rebelo de Sousa ouve e com quem conversa, “que têm um poder real, mas não político”.»
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300.000 numa semana – 300.000



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Um governo sem oposição



«O país vive um momento político único. Tem um governo do Partido Socialista minoritário, uma esquerda aprisionada, um centro-direita praticamente irrelevante e dois pequenos partidos que vão atirando umas "bolas para a bancada". Nada disto augura nada de bom.

Pela primeira vez em muitos anos, foi formado um governo sem que se tenha ouvido uma voz da oposição, digna desse nome. O Bloco de Esquerda fechou-se em copas, desorientado que está com o chuto que levou do PS. O PCP repete a cartilha das últimas décadas: "Mais do que os nomes dos ministros, o que nos interessa são as políticas" - mesmo que, daqui a uma semana, aprove o programa de governo, enquanto discorda das políticas.

O PSD tem mais em que pensar. Continua a viver a sua crise existencial, embrenhado numa disputa interna que promete arrastar-se até janeiro e agora não tem tempo para fazer oposição ao Governo. No CDS, o problema é mais grave: já sobram poucos para manter o partido de pé, quanto mais para fazer oposição. Restam o PAN, que está disponível para tudo, o Iniciativa Liberal e o Chega - duas das três novidades no Parlamento - que vão ocupando o espaço disponível e que são, à falta de melhor, o mais próximo de oposição que o governo de António Costa tem neste momento.

Por caricata que seja a situação, ela não deixa de ser muito preocupante. Os desafios políticos e económicos que o país tem pela frente são enormes e, em democracia, o papel da oposição é tão ou mais importante que o do governo. Pelo escrutínio que tem a obrigação de fazer, mas, sobretudo, pela alternativa que representa para os eleitores.

António Costa parte para esta segunda legislatura como se fosse um eucalipto. Os últimos quatro anos de geringonça secaram tudo à volta e deixaram o país sem alternativas políticas. O Bloco de Esquerda e o PCP por razões óbvias: com ou sem papel, ninguém tem dúvidas de que o PS, na hora da verdade, sobrevirá com o apoio de um destes dois partidos. É só dar-lhes umas "bandeiras" que permitam fazer manchete no jornal do dia seguinte. "Conquistas" que nunca teriam existido sem a pressão da esquerda, mas que, na verdade, são o seguro de vida do Partido Socialista no poder.

O PSD vai demorar algum tempo a voltar ao ativo e, quando voltar, há duas hipóteses: ou regressa com Rui Rio ou tem Luís Montenegro como presidente do partido. Nenhum destes dois cenários é propriamente mau para António Costa. Se Rui Rio continuar, Costa poderá contar sempre com um parceiro no centro-direita, quando a esquerda lhe falhar. Mas se Luís Montenegro chegar à liderança do PSD, esse será o cimento de que a esquerda precisa para apoiar ainda com mais entusiasmo um governo do Partido Socialista. É como se Passos Coelho tivesse encarnado em Montenegro e recuássemos quatro anos.

O CDS, estimo, vai deixar de fazer mossa durante algum tempo. O partido que Paulo Portas agigantou voltou a tornar-se um anão político, ensanduichado agora entre o Iniciativa Liberal e o Chega. O que é uma pena porque o CDS foi, até hoje, uma espécie de tampão da extrema-direita e, por causa de uma crise de identidade entre a direita mais conservadora e a mais liberal, acabou por ser engolido pelas duas.

Como oposição, sobra-nos, neste momento, o Iniciativa Liberal e o Chega, dois partidos que são ainda muito pequenos. O Livre não conta porque, claramente, está mais interessado em disputar o campeonato das "bandeiras" políticas com o BE e com PCP. O PS está, por isso, bastante folgado. Com deputados suficientes para uma geometria que pode variar entre o BE, o PCP e o PSD e com a margem de manobra suficiente para fazer "oposição" a quem lhe devia fazer oposição.

Claro que tudo isto pode mudar "de um dia para o outro". Basta vir uma crise. Basta haver uma coligação negativa idêntica à dos professores na anterior legislatura. Basta acontecer o imprevisto que, quando acontecer, todos previram. Mas, para já, António Costa só podia ter desejado um cenário melhor: uma maioria absoluta. Coisa que o eleitorado não lhe deu e que o devia fazer refletir.»

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16.10.19

Sondagens


Já saiu alguma sondagem sobre Legislativas de 2023? Seria interessante…
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Lá vai ela…



Será uma das novas ministras, já a acelerar?
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As cinco marchas catalãs



Hoje começam cinco marchas (semelhante à marcha de sal de Gandhi da Índia). Convergirão em três dias para Barcelona. Só em Girona, reuniram-se 10.000 pessoas.

Esta é a voz do protesto contra a sentença do Supremo Tribunal e os 131 feridos do primeiro dia de cargas policiais.
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Sentença na Catalunha: Europa, agora é convosco



«100 anos numa prisão. Este é o veredicto final do Supremo Tribunal espanhol no julgamento dos antigos membros do governo catalão, da presidente do parlamento e de dois líderes de base. 100 anos por realizar um referendo – que por sinal não é ilegal em Espanha segundo a Constituição espanhola, e que foi eliminado de forma explícita como crime do Código Penal espanhol em 2007. 100 anos por exercer direitos de uma forma cívica, pacífica e democrática. 100 anos por deixar as pessoas votarem, por realizar um debate no Parlamento e por defender ideias. Estas pessoas, meus colegas e amigos, foram julgadas e condenadas pelas suas opiniões políticas no século XXI; em pleno coração da União Europeia, uma união assente em direitos e liberdades fundamentais. Naturalmente, isto cria um diferendo grave sobre a própria natureza da democracia na Europa.

O resultado do julgamento, que condena 12 pessoas inocentes, é um erro histórico da Espanha. Um erro que não ajuda a melhorar nada, mas apenas piora a situação. O governo catalão e a sociedade catalã procuraram sempre uma solução democrática para esta questão política entre a Catalunha e a Espanha. A tentativa do Governo espanhol de resolver a crise através de tribunais e de celas de prisão nunca irá gerar uma resposta para este problema. Mandar opositores políticos para a prisão durante 13 anos não é uma solução.

O diálogo é a única saída; é neste sentido que temos trabalhado desde sempre e é aquilo que os parlamentos e as entidades internacionais em toda a Europa têm estado a pedir durante os últimos anos.

Ao contrário do governo catalão, [o primeiro-ministro espanhol] Pedro Sánchez nunca tentou sair deste impasse através do diálogo; algo que se tornou ainda mais evidente com as sentenças que o Procurador-Geral e o Ministério Público espanhóis, duas figuras ligadas ao Governo espanhol, pediram logo no início do julgamento, em fevereiro. Alguns acharam que a chefia do governo de Sánchez iria abrandar o conflito, mas infelizmente verificámos que Sánchez não tem vontade ou capacidade de avançar.

Este julgamento e esta sentença contra a democracia tornaram ainda mais difícil uma solução dentro do reino de Espanha. A judicialização da questão projeta inevitavelmente o conflito para a Europa, para as suas instituições e para os seus tribunais internacionais. A este respeito, é vital que a comunidade internacional assuma um papel ativo para ajudar a resolver o conflito entre a Catalunha e a Espanha. De facto, as consequências do julgamento provam que este deixou de ser um assunto interno da Espanha; é uma crise europeia e global. Ou o mundo intervém ou o conflito irá expandir-se e gerar mais problemas para aqueles que claramente pretendem evitar isso.

O governo da Catalunha acredita que há uma solução, que não passa pela força ou pelos tribunais, mas por conversações e votos. É viável e não deixaremos de a procurar porque é a única saída possível. Apelamos à comunidade internacional para fazer ouvir a sua voz e, de uma vez por todas, exigir ferramentas democráticas e negociadas. Estão em jogo direitos fundamentais na Europa, e os democratas europeus não podem ficar calados. Com estas sentenças, já não é possível ficar calado.

Estas 12 pessoas inocentes não devem estar na prisão. Criminalizar o voto nunca é a resposta, mas sim o seu oposto. Os cidadãos da Catalunha devem poder decidir o seu próprio futuro, votando sem recear a repressão. A democracia tem de prevalecer. O bem-estar das gerações futuras depende disto, e não apenas na Catalunha ou em Espanha. Europa, agora é convosco.»

Alfred Bosch Conselheiro de Relações Exteriores da Catalunha
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15.10.19

Curdos: ao que chegámos!



«Nous avons bien plus peur des Turcs que de Daech»
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Paulo Pedroso: «Foi nisto que os portugueses votaram?»


«Em 2019, António Costa volta a lançar-se à aventura de governar sozinho após um simulacro de negociação à esquerda. É certo que agora há um parlamento fragmentado que torna mais difícil ter todos contra si. É seguro que tem um talento negocial raro, para não dizer único, na história da democracia portuguesa. É visível que vai procurar usar o facto de lhe bastar entender-se com o PCP em questões laborais e com o PSD em questões europeias para poder governar. Mas, mesmo voando, as vacas têm um corpo pesado e grande inércia. E quando chegar a crise ainda não haverá espaço orçamental para espetaculares políticas contracíclicas. (…)

Ao prescindir de acordos-quadro para a legislatura, fossem eles de papel passado ou de palavra dada, António Costa empurra-se a si próprio, ao PS e, mais preocupantemente, ao país, para um encontro desagradável com as nuvens negras da economia mundial. E não foi nesse encontro desagradável, conduzido por um governo que pesca à linha apoios parlamentares e mendiga reformas necessárias, que os portugueses que votaram à esquerda do PSD depositaram o seu voto.»

Paulo Pedroso AQUI.
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Bloco condena repressão e prisões políticas na Catalunha




E o PS, e o PS: tem alguma posição sobre o tema?
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Costa pintou uma vaca às riscas e quer que acreditemos que é uma zebra



«As moscas que picam as vacas são um problema mais sério do que possa parecer. O seu impacto na produção pecuária dos Estados Unidos num só ano está estimado em qualquer coisa como 2,2 mil milhões de dólares (quanto mais as vacas são picadas, mais pesticidas são necessários, etc., etc., etc.). Um estudo científico recente mostra como as picadas podem ser fortemente mitigadas se as ditas vaquinhas forem pintadas com riscas verticais brancas e pretas. Ao tornar as vacas parecidas com zebras, as moscas ficam confundidas e as vacas são menos suscetíveis de ser picadas. No fundo, baralhamos as moscas, fazendo as vacas passar pelo que não são.

Se acha que estou a brincar, não estou (ler AQUI).

Agora, que tem isto a ver com o fim da geringonça, decretado na última quinta-feira à noite? Mais do que parece.

Quando ganhou as eleições, António Costa foi rápido a dizer que ia partir de imediato para conversações com os partidos, com a intenção de reeditar uma aliança à esquerda que garantisse estabilidade governativa para os próximos quatro anos.

A sua declaração surgiu aliás em consonância com tudo o que afirmou ao longo da última legislatura, nomeadamente a proclamação de vontade de manter uma aliança que tinha funcionado bem. Nessa altura, quando fazia juras de amor eterno à geringonça, Costa já sabia que o PCP não estar disponível para novo acordo escrito. Justiça seja feita, os comunistas e Jerónimo de Sousa sempre foram coerentes com o que afirmaram – independentemente de se concordar ou não com essa posição política.

Saído das eleições, que fez então o líder do PS? Na terça-feira ao final do dia, na sequência das audições às dez forças políticas que vão ter assento no novo Parlamento, Marcelo Rebelo de Sousa indigitou Costa como primeiro-ministro. Na quarta-feira, nova ronda de encontros, mas desta vez com uma comitiva socialista liderada por Costa (e de que faziam parte ainda Carlos César, Ana Catarina Mendes e Duarte Cordeiro). À vez, os socialistas estiveram com o PCP, o Bloco de Esquerda, o PAN e o Livre.

Em nenhum destes encontros se sentiu, pelas declarações à imprensa e pelos relatos feitos pela comunicação social, que possíveis pontes estivessem totalmente impossibilitadas. Pelo contrário, sentiu-se uma predisposição para falar, para negociar, para partir pedra de forma a poder-se (ou não, no final) chegar a um entendimento.

António Costa foi mesmo explícito nessa vontade. Leia-se o que se escreveu então no site do Expresso: “Vamos continuar a avaliar”, disse Costa, prometendo para a “próxima semana” reuniões bilaterais “para ver quais as condições de convergência que permitam ver qual o grau compromisso” a que os dois partidos poderão chegar (ler AQUI).

Estávamos na quarta-feira da semana passada. No dia seguinte, os socialistas reuniram-se com os parceiros sociais. Ao final desse mesmo dia, sem que qualquer facto novo tivesse surgido, o PS decide fazer um comunicado anunciando que nesta legislatura não haveria qualquer acordo formal com outro (ou outros) partidos, que as negociações nesse sentido cessariam e que o PS e António Costa vão fazer um Governo de minoria, tentando pescar à linha e aprovar as leis fundamentais olhando caso a caso para o variado leque de opções que o resultado das eleições permite.

Nos dias seguintes, socialistas e bloquistas trocaram acusações, com estes a responsabilizarem aqueles pelo fim da geringonça e aqueles a responderem a estes que a possibilidade de acordos se mantém intacta.

Neste caso, convém ser claro. E o Bloco tem toda a razão. Costa quis pintar uma zebra e que todos nós fossemos enganados, qual moscas.

Claro que o PS tem toda a legitimidade para tentar governar ‘à Guterres’ em vez de procurar um acordo de legislatura com um ou vários parceiros – embora com isso aumente consideravelmente os riscos de conseguir estabilidade política a prazo.

Mas se é assim, o PS podia ao menos poupar-nos à sonsice de andar a dizer uma coisa publicamente e fazer outra em privado.

Porque quem quer muito reeditar um acordo de legislatura não rompe as negociações quando elas ainda mal começaram e estavam longe de chegar a um ponto de rutura. Porque quem quer muito reeditar um acordo de legislatura não pode vir dizer que não é possível uma aliança em que o PCP não se comprometa com uma assinatura (quando esse pressuposto era um dado público há pelo menos dois anos). E se o PCP estivesse disponível para um acordo, será que a vontade do Bloco em alterar as leis laborais já não era assim tão gravosa aos olhos do PS?

A tática na política deve ser uma forma de se atingir uma estratégia. Quando a tática é a própria estratégia, estamos mal.

Acabar com uma aliança é legítimo. Mas pintar o quadro para acreditarmos todos que o PS fez tudo para que uma nova geringonça vingasse, é o mesmo que acreditar que somos todos moscas e não vamos perceber que a zebra, afinal, continua a ser uma vaca.»

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14.10.19

Barcelona, esta tarde






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Etiópia


MAR DAS ÍNDIAS – OS TERRAÇOS DE PRESTES JOÃO

Já que o Nobel da Paz trouxe a a Etiópia para a boca de cena, não deixem de ver, ou de rever, este magnífico documentário apresentado por Miguel Portas:


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Dança de cadeiras na nova AR



Vai haver uma interessante discussão por causa da localização dos deputados dos novos partidos. Acabo de ouvir que a Iniciativa Liberal quer sentar-se «rigorosamente ao centro», não sei o que será proposto à representante do Livre e já temo que o Chega! queira estar no extremo da esquerda.
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Cavaco, sempre



«Nada une mais as esquerdas em Portugal do que a voz de Aníbal Cavaco Silva. Assim sendo, enquanto as esquerdas bem-comportadas e sorridentes se sentavam com o Presidente para saber como ajudar a governar Portugal, o ex-presidente, ex-primeiro-ministro e ex-líder do PSD resolveu entregar um comunicado à Lusa, a troco de uma pergunta, onde, revelando a sua tristeza com o partido, veladamente pede a destituição do atual chefe e chega ao cúmulo de apontar a “sua” lista de deputados, onde avultaria a patriótica figura de Maria Luís. Cavaco Silva não aprendeu nada e não esqueceu nada, como os Bourbons restaurados após a abdicação de Napoleão, na tal frase de Talleyrand.

Se Cavaco Silva tivesse a lucidez de olhar para o país que por aí prolifera, dominado pelo Estado e um funcionalismo público determinante dos resultados eleitorais, dominado por uma corrupção partidária de base e um clientelismo sem limites, angariador de caciques e de sedes, de subsídios e de promessas, de famílias políticas e de parentes de sangue, repararia que este monstro nasceu da chamada estabilidade do poder durante os longos anos do cavaquismo. Nasceu e ganhou raízes com a maioria absoluta e um total domínio do aparelho de Estado e das autarquias pelo PSD e quando os fundos europeus nos inundaram em nome do desenvolvimento e da convergência. A mistura do clientelismo e da burocracia do Estado com o dinheiro europeu desenhou um capitalismo indigente, encostado à influência política e dependente do acesso aos chefes e seus próceres.

É claro que o PS também afinou o diapasão por aqui, claríssimo, mas a maioria absoluta foi o projeto fundador e majestático do modelo político português a partir do final dos anos 80. Tudo com o Estado, nada sem o Estado. Depois de ter descoberto a política tarde, depois da revolução de 1974 e depois de ter sido ministro das Finanças de Sá Carneiro, Cavaco Silva tornou-se chefe do PSD de um modo único que é o espelho das idiossincrasias. Foi rodar o carro à Figueira da Foz — a desculpa reflete o desdém pela ortodoxia política e os políticos, os partidos — e saiu de lá líder porque, sinceramente, não havia ninguém com talento a disputar o lugar vago. Este desdém manteve-o e cultivou-o como uma flor preciosa e, tendo sido o primeiro economista da futura era dos economistas, vantagem num país dominado pela gente das faculdades de Direito e alguns engenheiros para a tecnocracia, salvaguardou a autoridade política e moral a coberto do jargão economicista, da desregulação e privatização e de uma presumível incorruptibilidade. O problema é que, em volta do incorrupto, grassava o tráfico de influências em benefício próprio e a mais feroz das corrupções morais e criminais num clube dos próximos e dos íntimos conselheiros.

O dinheiro afluía, o Governo privatizava como queria e para quem queria. O principal conselheiro político era Manuel Dias Loureiro, que saltou de ministro para empresário e que inaugurou com pompa a era das portas giratórias da política. Saltar de um lugar no Conselho de Ministros para um lugar numa empresa com a qual se negociou, ou numa empresa paralela, camuflada ou, melhor ainda, internacional. O clube fundou um banco, o BPN, que custou aos contribuintes portugueses com memória milhões e milhões de euros. E muitos destes aventureiros acabaram sentados no banco dos réus e atrás das grades. A era da alta corrupção não foi iniciada com Sócrates. Lembremo-nos de Duarte Lima e de Oliveira e Costa, para citar apenas dois. O conselheiro de Estado Loureiro foi absolvido em tribunal, mas a reputação pública estava desfeita, e o seu avatar é Miguel Relvas, que é o exemplo da decadência intelectual do regime. Que Relvas, um epígono que se julga guardião do PSD, seja uma personagem importante em Portugal em 2019 demonstra a queda coletiva. Dias Loureiro era muito mais inteligente e estratégico. Mais perigoso, também. Relvas precisa de poder e de acesso ao poder para a vida de homem de negócios, e Rui Rio não é nem seria o seu homem no estreito poleiro.

Dos anos do cavaquismo pouca gente nova se lembra. A par do crescimento da economia, imparável numa fase de esplendor da Europa e antes dos revezes do alargamento, o país vivia num clima de (falso) puritanismo, intriga, rancor e vingança permanentes. O famoso cavaquistão só funcionava para os obedientes habitantes e os amigos e discípulos. Todos os outros foram postos de lado ou ameaçados. O PS estava mais bem protegido como grande partido, e quando Soares foi para Belém não hesitou em declarar guerra. À impunidade dos dez anos de poder governamental, que só Salazar pôde igualar e ultrapassar, mais dez anos de poder presidencial juntavam-se o autoritarismo e a mania persecutória. Até o BPN desabar e até ao escândalo das escutas e das batalhas com Sócrates e até os fundos europeus começarem a escassear, Cavaco Silva continuava a imperar. Quando saiu de Belém, substituído por um Marcelo Rebelo de Sousa que nunca foi cavaquista, Cavaco estava destituído de autoridade. E deveria ter remetido a amargura pelas perdas para livros de memórias que traçassem a história do país e não resvalassem num ajuste de contas com tudo e todos. Que continua.

A esquerda maioritária em Portugal nasce muito da sua presença dominadora e dominante e da emulação ensaiada por Passos Coelho, que não acertou o discurso. Da incapacidade de Cavaco Silva para perceber a passagem do tempo e a mudança do mundo, da dificuldade em aceitar o lugar menor que a memória coletiva lhe reservou. Percebo que António Costa o enerve. O que não percebo é que Cavaco não perceba que depois da crispação que ele fez o favor de instalar em Portugal, tingida por vezes de uma maldade política inexplicável, as figuras de Marcelo e de Costa sejam acolhidas com simpatia e confiança. Com afeto. Costa é um discípulo de Jorge Sampaio, aprendeu com ele a ter maneiras e a negociar sem intimidar. Cavaco não aprendeu nada com ninguém, porque a si mesmo se vê como o centro de um parque jurássico e disciplinador moral de um partido em vias de extinção. Um dinossauro político que secou o PSD, com o desdém da Figueira, por querer reduzi-lo à sua imagem. Nunca, na democracia portuguesa, um ex-presidente, ex-primeiro-ministro e ex-líder, a seguir às eleições, enviou para a Lusa um comunicado a interferir nas maquinações e manobras do próprio partido, desautorizando um sucessor eleito e interferindo na conspiração. Sugerindo nomes. Esta deselegância passaria dantes por sabedoria e franqueza. Hoje não passa de má educação e ressentimento.

A esquerda agradece.»

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13.10.19

Geringonça infiel que te partiste


Geringonça infiel que te partiste
tão cedo desta vida, de repente,
faz reviver em nós o amor ardente
do fulgor que nos deste e a que fugiste.

Se dos paços perdidos que correste
os passos refizeres, novos, frementes,
não esqueças que a nós já não consentes
o calor da esp’rança que acendeste.

E se achas que pode merecer-te
alguma coisa o eco que ficou
desta voz que pudemos of’recer-te,

vê que tudo o que o teu brilho nos deixou
durará mais que o tempo de perder-te,
pois no nosso futuro já pousou

Luís Castro Mendes no Facebook
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Gostaram? Azar, não a terão



Expresso, 12.10.2019, «Pimenta na língua».
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Yves Montand: faria hoje 98



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Finalmente o Nobel para quem fez a paz



«Abiy Ahmed venceu o Nobel da Paz e, no entanto, o seu rosto era o mais difícil de reconhecer entre os quatro que muitos jornais, incluindo o DN, publicaram nos dias como fazendo parte dos favoritos ao prémio da Academia norueguesa. Tanto Greta Thunberg como Jacinda Arden e Donald Trump têm tido mais destaque mediático do que o primeiro-ministro da Etiópia, e sobretudo a jovem ecologista sueca parecia bem lançada para bater a paquistanesa Malala Yousafzai como a mais jovem galardoada de sempre.

Mas para premiar quem fez a paz então dificilmente se encontrará outro tão justo nos últimos anos. Chegado ao poder em 2018, Ahmed pôs fim à guerra intermitente com a Eritreia, que se separou da Etiópia em 1993 de forma pacífica mas cinco anos depois se envolveu num conflito com o vizinho. Não só se evitou assim o acumular de milhares e milhares de mortos em combate, como se libertaram verbas que vão salvar muitas mais vidas em ambos os países se bem aplicadas, por exemplo, no sistema de saúde. A mortalidade infantil na Etiópia é 51 por mil, na Eritreia 46 por mil. E em termos desenvolvimento humano estas duas nações do Corno de África andam perto dos últimos lugares (173.º e 179.º).

Ahmed merece também o prémio porque neste ano e meio como presidente tem mudado a sua Etiópia para melhor. O único país de África que nunca foi colonizado - apesar das duas tentativas italianas - é um colosso de 105 milhões de habitantes repartidos em múltiplas etnias, e cada vez mais dividido entre cristãos e muçulmanos, com um potencial enorme de desenvolvimento, inclusive na agricultura.

Nós, portugueses, cedo estabelecemos relações com os etíopes e ajudámos mesmo os imperadores a salvar o país da conquista por exércitos muçulmanos. Pêro da Covilhã lá viveu grande parte da vida a representar os reis de Portugal e um filho de Vasco da Gama, Cristóvão, morreu no século XVI na defesa do que se dizia ser o reino do mítico de Prestes João. Dessa relação privilegiada restam vestígios arquitetónicos, desde palácios a fortalezas e pontes ainda hoje reconhecidos como portugueses.

Mas se as elites pertencem ainda em boa medida à igreja copta, o facto de um terço da população seguir hoje o islão obriga os governantes a ter um pensamento integrador, tanto étnico como religioso. E, nesse campo, a própria biografia de Ahmed faz dele o homem certo no cargo certo no momento certo, pois o pai era um muçulmano da etnia oromo e a mãe uma cristã ahmara. Falar três das línguas principais do país também facilita a sua afirmação como líder unificador do país que, pelo seu peso histórico, alberga a sede da União Africana.

No plano interno, este antigo guerrilheiro - juntou-se ainda adolescente à rebelião contra o ditador Mengistu - libertou presos políticos, autorizou o regresso de dissidentes exilados, criticou os abusos anteriores do regime, apesar de praticados pela mesma Frente Popular Revolucionária Democrática da Etiópia que o promoveu a primeiro-ministro. Ahmed mostrou-se também ousado ao criar um governo com metade dos membros a serem mulheres, sendo que entretanto o Parlamento de Adis Abeba elegeu para chefe do Estado também uma mulher, Sahle-Work Zewde.

Que Ahmed sirva de inspiração na Etiópia, no resto de África, no mundo em geral. Não só há muitas guerras por parar como nenhuma paz está garantida só por causa de um Nobel a ter reconhecido, basta pensar na tensão na Colômbia, apesar do diálogo entre governo e guerrilha das FARC que levou o comité norueguês a premiar o presidente Juan Manuel Santos há três anos.»

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