13.12.25

Assim vai o SNS da AD

 


«No caso dos doentes urgentes, com pulseira amarela, a espera era superior a seis horas.»

«Segundo o sistema de triagem, as situações muito urgentes (laranja) têm um atendimento recomendado nos 10 minutos seguintes à triagem, enquanto os casos urgentes (amarela) são de 60 minutos e os pouco urgentes (verdes) de 120 minutos.» 


Já agora...

 


Uma obsessão ideológica que vai acabar mal


 

«Numa reunião com cerca de 20 dirigentes do Ribera Salud, o CEO do grupo deu ordem para recusar doentes “não rentáveis” nos hospitais públicos geridos pelo consórcio em Espanha. O áudio, divulgado pelo “El País”, é cristalino quanto à necessidade de cortar atos clínicos mais dispendiosos e alongar listas de espera — “tenho a certeza de que são capazes de identificar quais os processos que não contribuem para o EBITDA”. Já com o escândalo instalado, surgiu um documento do Hospital de Torrejón — do Governo Regional de Madrid, mas gerido pelo mesmo grupo — a enumerar os expedientes usados para limitar atividade e despesa: urgências reconfiguradas para despachar casos leves, transferências de doentes complexos para hospitais de gestão pública, doentes graves a acumular horas de espera até desistirem. Todos os responsáveis que recusaram violar o juramento médico, que é o de salvar vidas, foram demitidos. Quando a gestão transforma um direito em produto, o doente deixa de ser cidadão. Passa a ser um custo. Por isso nunca foi indiferente se o sistema é público ou privado.

O caso interessa-nos mais porque a Ribera Salud gere a única parceria público-privada (PPP) hospitalar ativa em Portugal, a de Cascais, e já manifestou vontade de disputar as cinco novas concessões que o Governo promete lançar em 2026: Braga, Loures, Vila Franca de Xira, Amadora e Almada. Sabe-se pouco do desenho final, além da intenção de incluir as Unidades de Saúde Familiar associadas a cada hospital. Mas a insistência de o Governo voltar às PPP esbarra com o pouco interesse dos principais grupos privados de saúde. O concurso para Cascais foi entregue à Ribera Salud quase sem concorrência (apenas a Lusíadas Saúde concorreu) e há vários anos que a CUF diz que o “tempo das PPP” passou e que o objetivo agora é concentrar-se na operação privada. O sector privado mudou: ganhou escala, equipas, capital e marca. Precisou das PPP para aprender, crescer e recrutar médicos no público. Hoje já não precisa e disputa os mesmos médicos com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) num contexto de escassez crónica.

Depois do falhanço do Plano de Emergência para a Saúde, baseado na ilusão de que a capacidade instalada dos privados resolveria os problemas no SNS em seis meses, Montenegro insiste no erro. Continua a olhar para a Saúde como se público e privados não disputassem o mesmo contingente de profissionais, dos especialistas aos enfermeiros, e houvesse capacidade instalada desaproveitada. Terá notado que não há tarefeiros apenas no SNS. Também estão no privado. É um jogo de soma nula num mercado de trabalho exíguo. Por isso a crença de que novas PPP “resolvem as urgências” nos hospitais mais problemáticos é um salto de fé ideológico. Montenegro é mais uma vítima da propaganda sobre os méritos privados, que se intensifica cada vez que uma PPP regressa à esfera pública. Mas os relatórios anuais da Entidade Reguladora da Saúde contam uma história matizada. Depois da reversão, em Braga, os indicadores melhoraram de forma objetiva — menos reclamações por mil episódios, mais consultas dentro do tempo máximo garantido, melhor cumprimento de métricas de qualidade clínica, recuperação cirúrgica mais rápida do que a média do SNS no pós-pandemia. Não é assim em todos os casos, mas convém ter uma leitura menos ideológica sobre o estado da Saúde.

O modelo das PPP espanhol pode ser diferente do nosso, mas o que vimos em Torrejón não é um acidente. É o canário na mina, alertando-nos para os riscos de modelos desadequados a operar num mercado curto de profissionais que confunde eficiência com poupança cega. A Saúde não é um negócio como os outros. Se esquecermos isto, a história espanhola repete-se. Devemos estar atentos ao que aconteceu em Espanha porque, com a falta de interesse dos privados, que já conseguiram o que queriam das PPP, o terreno fica aberto a plataformas financeiras transnacionais com metas de rentabilidade trimestrais e pouco enraizamento no sistema. É esse o próximo passo na Saúde e a desumanidade dos EBITDA será a norma, não a exceção. Entre o Excel e o doente há sempre uma escolha. E essa escolha, por muito que a vistam de tecnicismo, é política. O problema é que, à medida que vão desmantelando as capacidades públicas de resposta, a escolha será mais estreita. Que o escândalo da Ribera Salud, que se está a instalar em Portugal, seja o sinal de alarme.

Nota — Este texto foi escrito na véspera da greve geral. Espero que, depois dela, o Governo abandone uma contrarreforma extemporânea e radical, que não é ponto de partida para nada que nos prepare para o futuro.»


"Alguém avise o Andrezito que tudo o que ele diz fica gravado"

 


12.12.25

Uma bela porta

 


Porta “Borboleta” de um prédio de apartamentos, de ferro forjado (imagens de fora e de dentro), Belgrado, Sérvia. Início do século XX.

Daqui.

Pode ser uma boa notícia

 


«Facto é que a nova posição de Ventura deixa a proposta de Palma Ramalho numa encruzilhada: ou o Chega aceita o que Ventura criticou, ou o Governo tem de abdicar da maioria das propostas que deu como centrais na reforma. Seja com a UGT e o PS, ou com a direita radical, com quem sobra apenas um ponto de acordo: o banco de horas individual, que o também candidato a Belém aceita — “se o trabalhador quer mais, se o patrão também, não faz sentido a lei impedir”, disse Ventura.»


12.12.1993 – Autárquicas em Lisboa

 


Foi um sonho lindo que acabou.

Confirma-se a relação entre imigração e criminalidade

 


«A operação Safra Justa, no âmbito da qual foram detidas 17 pessoas, entre as quais 10 militares da GNR e um agente da PSP, veio dar razão a André Ventura. Segundo a Polícia Judiciária, os detidos pertencem a um “grupo violento, de estilo mafioso”, que explorava imigrantes ilegais “cobrando alojamentos e alimentação e mantendo-os sob coacção através de ameaças, havendo mesmo vários episódios de ofensas à integridade física”. Ou seja, tal como o presidente do Chega tem defendido, existe uma óbvia ligação directa entre imigração e criminalidade: se não existissem imigrantes, estes portugueses agora detidos não teriam quem escravizar.

Surpreendentemente, André Ventura tem guardado, sobre esta estrondosa vitória política, um modesto silêncio. Apesar de os agentes da autoridade estarem a ser pagos pelos mafiosos, Ventura não apareceu a fazer uma das suas entusiasmantes proclamações contra a corrupção e os corruptos que dão cabo deste país. Apesar de ter aqui excelente pretexto para afixar cartazes a dizer “Os militares da GNR têm de cumprir a lei”, ou “Isto não é uma esquadra da PSP”, Ventura não o fez. Temo que esteja a ficar mole.

O país tem, aliás, um problema difícil de resolver. Este nosso admirável povo, que Ventura tanto ama, tem sido “pastoreado nos últimos 50 anos” (para usar o vocabulário oficial do Chega) pelo PS e pelo PSD, partidos que Ventura tanto odeia. Mas foi esse mesmo admirável povo que votou naqueles iníquos pastores. Se alguém vitimou o povo foi o próprio povo. É ao povo que Ventura deve pedir responsabilidades. A outra hipótese é exigir explicações àqueles que durante anos militaram e ocuparam cargos dirigentes nos partidos-pastores. Ventura conhece bem uma pessoa que fez exactamente isso até 2018. A terceira e última hipótese é culpar aquilo que Ventura designa por “a esquerdalhada”. A responsabilidade pelo estado do país é de um quadrante político que tem menos de um terço do Parlamento, não ocupa a Presidência da República há 20 anos, e não manda em nenhum dos cinco maiores municípios do país. Mas parece que está muito forte na comunicação social, que é o mais importante. Porque só assim consegue exercer uma influência tal que produz o resultado de ter menos de um terço do Parlamento, não ocupar a Presidência da República há 20 anos, e não mandar em nenhum dos cinco maiores municípios do país.»


11.12.25

A greve de 1921

 


Hoje é o dia para conhecer esta realidade.

Daqui.

Manoel de Oliveira

 


Seriam 117, hoje.



A Greve Geral contra o anacrónico Trabalho XXI

 


«Luís Montenegro fez toda uma campanha eleitoral prometendo “estabilidade” e “responsabilidade”. E depois, passados menos de dois meses da tomada de posse, agita por completo as águas do país, sobressaltando famílias e trabalhadores, com a apresentação de um projeto de enorme revisão da lei laboral.

A contestação inicial foi logo imensa e tem vindo a crescer. Não só pelo conteúdo do anteprojeto do governo mas pela intransigência e pela arrogância que a Ministra do Trabalho e que o próprio Luís Montenegro têm demonstrado ao longo destes meses.

Além deste anteprojeto pretender alterar profundamente a relação entre trabalhadores e empregadores, aumentando a precariedade, reduzindo o tempo livre e em família, reduzindo a liberdade sindical e o direito à greve, entre tantas outras coisas, o governo quer negociá-lo sem deixar cair as suas “traves mestras” e desmerecendo por completo aqueles com quem estará a negociar (esperamos) de boa fé, nomeadamente sindicatos e a UGT.

A desfaçatez culmina com a postura face à greve geral de hoje. Uma greve acusada de ter motivações políticas (como se houvesse greves por razões não políticas), de ser inoportuna, incompreensível, anacrónica, extemporânea. Ora, uma greve geral nunca é marcada de ânimo leve. Foi o governo que levou à marcação desta greve com este anteprojeto “Trabalho XXI” e com a desastrosa condução do processo desde então.

Incompreensível é esta postura por parte de um governo suportado por uma minoria parlamentar. Ou não será tão incompreensível assim quando percebemos quem estará disponível para apoiar esta precarização do trabalho e desapoio das famílias. Luís Montenegro sempre a faltar à sua promessa do “não é não” e, pelo caminho, arrasta as famílias e a democracia para a instabilidade. Onde está a tal promessa de campanha eleitoral?

Esta greve geral não é apenas contra o anteprojeto “Trabalho XXI”. É também contra o que o motivou: uma visão anacrónica de sociedade, onde a economia não funciona da mesma forma para todos, onde a flexibilidade é sinónimo de instabilidade, onde os direitos se torcem para (supostamente) fomentar o negócio. Contra uma visão de sociedade que não aproveita a inovação tecnológica para trazer o trabalho verdadeiramente para o século XXI, permitindo que todas as pessoas tenham vidas mais estáveis e mais preenchidas, com mais tempo e mais rendimento. Contra uma visão de sociedade ingrata por todas as lutas passadas que nos deram direitos tão básicos como fim-de-semana, férias, salário mínimo. Contra uma visão de sociedade que olha para as greves como um incómodo a abolir, sem reconhecer o papel que esta forma de protesto teve e tem na obtenção desses direitos. Contra uma visão de sociedade que desdenha os sindicatos, as negociações e os consensos. E, por tudo isto, esta greve nos diz respeito a todas e a todos.

Se Luís Montenegro está verdadeiramente preocupado com a estabilidade do país, só tem um remédio: deitar fora esta sua reforma laboral. Assim, não avançará com uma reforma que nunca perduraria no tempo e acalmará as águas que agora agitou.»


11.12.2025

 


Vieira Resurrected no Facebook

10.12.25

Catarina, hoje

 



Saudades de Salazar?

 


10.12.1948 – Declaração dos Direitos Humanos




 

Em 10 de Dezembro de 1948, os países-membros da ONU aprovaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com 48 votos a favor e 8 abstenções (União Soviética, Bielorússia, Ucrânia, Polónia, Checoslováquia, Jugoslávia, Arábia Saudita, e África do Sul). A iniciativa surgiu como uma reacção às atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra.



A greve geral também é pelo futuro da nossa economia

 


«Sobre a contrarreforma que leva à que provavelmente será a greve geral mais transversal, no seu pluralismo sindical, de sempre, já escrevi várias vezes. Sobre o banco de horas individual, que tirará aos trabalhadores o que recebiam por horas extraordinárias; a facilitação do despedimento individual sem junta causa e do despedimento coletivo para substituir trabalho com direitos por contratação externa mais barata e sem deveres; os entraves ao trabalho sindical; a forte possibilidade de passar uma vida inteira como precário (no segundo país com mais precariedade na Europa), alargando os motivos para contratos a prazo ao facto de nunca se ter tido um contrato permanente.

A lista é tão grande, que dava para vários textos a explicar ao primeiro-ministro, que finge não compreender a razão de uma greve a que chama “política”, mesmo quando sindicatos, da direita à esquerda, dos independentes às duas centrais sindicais, se unem de forma inédita. Mas na véspera da greve, quero falar de outra parte que é, na realidade, um recuo em relação ao pouco que se tinha conseguido na Agenda do Trabalho Digno: a negociação coletiva, instrumento defendido por qualquer social-democrata, por mais moderado que seja.

Um dos argumentos em defesa da contrarreforma laboral é que temos de nos preparar para o futuro. Nada há, neste imenso pacote legislativo, que tenha relação com os novos desafios. Pelo contrário, a redução de tempo de formação e o recuo na regulação do trabalho com plataformas digitais, como a Uber, provam a mentira. Preparar o futuro será, para qualquer pessoa razoável, regular novas formas de trabalho e novas realidades económicas para que à necessária flexibilidade das empresas não corresponda o regresso do trabalho à jorna. Esse foi o segredo dos anos dourados da Europa: tecnologia com direitos, crescimento com sindicatos. Não há outra forma de garantir a distribuição de riqueza.

Esta contrarreforma deixa-nos para trás. Como escreveu Ricardo Paes Mamede, num artigo do “Público”, enfraquecer a negociação coletiva é travar o desenvolvimento económico. Quem compete baixando os custos de trabalho desiste de investir na organização, na tecnologia e na qualificação. Participa numa corrida para baixo que leva o país consigo. Pelo contrário, “quando não é possível competir à custa de salários baixos, a competição desloca-se para a inovação, a eficiência, o investimento em processos e em capital humano”. Uma lei laboral que desprotege os trabalhadores favorece as empresas menos inovadoras. Por outro lado, continua o Ricardo, quem está sempre à procura de novos precários não investe na competência, que exige tempo e formação. Esta lei pune quem aposta na qualidade.

O aumento dos salários não depende apenas do aumento da produtividade, como insistem os que dizem que primeiro temos de crescer e só depois distribuir. Se assim fosse, os salários tinham acompanhado o aumento da produtividade, nas duas últimas décadas, e isso não aconteceu. À produtividade temos de acrescentar, como em qualquer jogo em que se confrontam interesses, o poder negocial dos trabalhadores. E esse poder resulta da sua organização, que se faz em torno dos sindicatos.

Na realidade, é uma pescadinha de rabo na boca: os sindicatos são mais fortes se os mecanismos de negociação coletiva forem mais robustos, porque aí está a sua utilidade; e ela será mais robusta se os sindicatos forem mais fortes. Fragilizar a negociação coletiva é, portanto, atacar os sindicatos e a capacidade negocial dos trabalhadores na hora de distribuir o bolo do aumento da produtividade.

No jargão sindical, usa-se a palavra “patrão” como uma realidade uniforme. É natural, mas os patrões não são todos iguais. Não me refiro à ética, que não é para aqui chamada. Refiro-me aos seus interesses e necessidades. As empresas com mais força política são, em Portugal, ou rentistas, ou quase monopólios naturais, ou em setores relativamente protegidos da concorrência externa. Isto ajuda a explicar a nossa baixa produtividade, aliás.

Por outro lado, falamos muito da pouca representatividade sindical. Sim, é modesta. E, para alem de culpas próprias, a razão está no princípio deste artigo e tenderá a agravar-se com este pacote laboral: sem negociação coletiva forte não há sindicatos fortes, porque perdem parte da sua utilidade. Não se fala tanto da representatividade das nossas associações patronais, que está muitíssimo abaixo da média da OCDE. Talvez a razão seja a mesma: se a nossa legislação não favorece a negociação coletiva, o associativismo empresarial só tem interesse como lóbi de cada setor.

Porque falo disto? Porque suspeito que a permanente necessidade de ir revendo a nossa legislação laboral venha de um grupo de patrões que mantém forte influência política junto dos governos, mas está muitíssimo longe de representar os setores mais dinâmicos da nossa economia. Empresários que estão viciados na concorrência por via da mão-de-obra barata e descartável, para que não tenham de dar o salto para o futuro, que os exponha a quem aposta nos argumentos que têm de contar.

Há muita coisa a mudar, por parte do Estado, para tornar as nossas empresas mais competitivas. Incentivos à formação, para que flexibilidade não signifique precariedade. Uma profunda reforma na justiça. Uma reforma do Estado que seja mais do que extinguir institutos e reduzir quadros para conseguir ter umas manchetes. O Simplex e todas as reformas a ele associadas, levadas a cabo pelo mais detestado dos ex-primeiros-ministros (por outras e boas razões), fizeram muito mais pela competitividade da nossa economia do que as sucessivas reformas laborais.

Como escrevi há 15 dias, tudo o que é relevante na nossa lei laboral nasceu em 2003. Todas as sucessivas reformas são deste século e só uma, há três anos, foi favorável aos trabalhadores. Não é a nossa legislação laboral que é anacrónica. São aqueles que acreditam que a redução de poder negocial dos trabalhadores, que permitirá manter salários baixos, tornará a nossa economia mais competitiva.

Ao contrário do que os mesmos que defendem esta contrarreforma diziam, o forte aumento do salário mínimo na última década não criou desemprego nem levou boas empresas à falências. Pelo contrário, preparou-nos para um futuro em que o argumento do trabalho barato não vencerá a aposta noutras vantagens concorrenciais.

Muitos se queixam, e com razão, de que o salário médio está cada vez mais perto do salário mínimo. Porque o segundo dependeu, com bons resultados, de decisão política. O primeiro dependerá de negociação coletiva. Se ela fosse forte, os salários teriam aumentado com a produtividade, as empresas que vivem de baixos custos laborais procurariam outros argumentos competitivos e o nosso país estaria mais preparado para o futuro. Como estão os países onde ela é um hábito quotidiano.

Extraordinário é que, em vésperas de greve geral e sem qualquer relação com o que está no anteprojeto, que retira poder negocial aos sindicatos e desprotege o trabalhador, Luís Montenegro venha, qual feirante em liquidação geral, dizer que o salário mínimo irá para os 1500 ou 1600 euros (o seu compromisso é chegar aos 1100 em 2029) e o salário médio para 2500, 2600 ou 3000 euros. Quem dá mais no mercado da desesperada de agosto, que amanhã anda à roda? Mais um dia de greve e o SMN chegava aos 3000 euros e o médio aos 10000. Tudo apresentado num PowerPoint. Ou mostraram ao primeiro-ministro um anteprojeto oposto ao que existe, ou julga que ficará no poder mais umas décadas ou, mais provável, a falta de respeito por quem trabalha é mesmo absoluta.

NOTA: Amanhã, coerentemente, não publicarei a minha crónica habitual. Estarei em greve»


Eurovisão 2026

 


«A iniciativa ganhou visibilidade depois da decisão da União Europeia de Radiodifusão (EBU, na sigla em inglês) de continuar a permitir a participação de Israel no festival e de a RTP ter anunciado que“irá participar” no evento em Viena, afirmando que votou a favor das novas regras de transparência e votação aprovadas pela UER.

No texto da petição, pode ler-se que “esta postura [da RTP] é inaceitável perante a contínua catástrofe humanitária e ofensiva militar na Faixa de Gaza, e perante os escândalos de manipulação de voto que mancharam a edição de 2025 em Basileia, comprovando a incapacidade da organização (EBU/UER) em travar a politização do evento”.


9.12.25

Greve de Jornalistas

 


ESTA GREVE GERAL TAMBÉM É PARA JORNALISTAS

Todos os antigos presidentes do Sindicato dos Jornalistas (entre os quais tenho a honra e o orgulho de me incluir) subscreveram um apelo à adesão dos jornalistas à greve geral de dia 11 de dezembro, contra a proposta de legislação de trabalho apresentada pelo Governo. Aqui se deixa o teor do referido apelo:

O jornalismo é feito por pessoas que trabalham, como as outras, na maioria com baixos salários e contratos precários, que na mesma medida serão afetadas pela danosa e incompreensível revisão das leis laborais proposta pelo atual Governo.

Ainda que tenham deveres próprios, desde logo o de informar, os jornalistas não estão limitados nos seus direitos enquanto trabalhadores, o que inclui o direito à greve.

Além disso, o jornalismo deve espelhar a comunidade em que se insere e também acompanhar as suas aspirações e reivindicações, sempre solidário com os mais vulneráveis e denunciando qualquer tentativa de fazer regredir os direitos e as conquistas sociais já alcançados.

A revisão laboral em cima da mesa é um gigantesco ataque à dignidade de quem trabalha - e o jornalismo sempre se pautou pela defesa da dignidade.

Aderir à greve geral do dia 11 de dezembro é, pois, ficar do lado certo da História, ao lado do coletivo de trabalhadores e trabalhadoras que justamente reivindicam melhores condições de vida, defendem os seus direitos e contestam a revisão laboral em curso.

A legislação proposta, a ser executada, aumentará também a precariedade dos e das jornalistas, com impacto direto na liberdade de imprensa e, portanto, na qualidade da democracia.

Assim, enquanto cidadãos, jornalistas e antigos presidentes do Sindicato dos Jornalistas, consideramos que é nosso dever acompanhar o apelo do nosso Sindicato para uma adesão em massa à greve geral.

Apelamos a quem exerce a profissão de jornalista para que se junte a esta luta, essencial para impedir o impacto desastroso da proposta de revisão laboral nas vidas dos trabalhadores e de toda a comunidade.

CESÁRIO BORGA, JOSÉ PEDRO CASTANHEIRA, JOAQUIM LETRIA, ANTÓNIO MATOS, DIANA ANDRINGA, ALFREDO MAIA e SOFIA BRANCO

Presidenciais

 



09.12.1425 – A minha Universidade

 


A minha querida Universidade celebra hoje o seu 600.º aniversário! É a Katholieke Universiteit Leuven, mas que, até 1970, incluía também a actual Université Catholique de Louvain. 

Nem sei quantas centenas de horas terei passado nesta magnífica Biblioteca, mas de uma coisa não duvido: sem ter estado quase seis anos da minha vida nesta Universidade, podia ser hoje não sei exactamente o quê, mas certamente não aquilo que sou.

A mão de Trump na Europa

 


«A nova Estratégia de Segurança Nacional anunciada por Donald Trump começa por deslocar o mundo. Os Estados Unidos voltam-se para o seu lado do mapa e devolvem ao hemisfério ocidental o reduzido peso que já teve quando Monroe o declarou fora de mão. A Europa, que durante oito décadas foi a retaguarda do Ocidente democrático, surge em plano secundário. O Atlântico não mudou de lugar, embora pareça mais estreito do que ontem.

Quando Washington recolhe para dentro de casa, o resto do mundo ajusta o passo. A guerra na Ucrânia deixa de ser tratada também como uma fronteira americana e passa a caber no calendário político dos Estados Unidos. A firmeza que durante anos alinhou a NATO começa a perder fôlego nas entrelinhas. A segurança europeia torna-se um assunto contingente. E, na outra margem, os olhos de Moscovo não piscam. .

A reacção do Kremlin chegou depressa. Veio declarar, sem surpresas, que a estratégia americana se alinha com os objectivos russos. Vladimir Putin leu no documento a confirmação de que os Estados Unidos podem esgotar-se da Europa antes de a Europa perceber que ficou sozinha. A estratégia americana devolve-lhe alguma margem para testar o flanco oriental da NATO e colocar pressão política sobre os governos que ainda resistem. Há anos que Putin testa as fissuras das alianças ocidentais. agora, vê-as descritas num documento oficial. A estratégia americana descreve a Europa como um continente ultrapassado, descrente das suas próprias instituições, vulnerável a movimentos que prometem recuperar vitalidades perdidas, e o presidente russo identifica o eco dessa narrativa. E sabe que os ecos são mais difíceis de contrariar do que os tanques. .

Ao mesmo tempo, a Casa Branca assume um papel de actor directo na política europeia que nenhuma administração americana tinha ousado desempenhar com tanta transparência. O documento fala na necessidade de “corrigir a trajectória do continente” e saúda o crescimento dos partidos “patrióticos” que disputam a ordem liberal e as instituições europeias em várias capitais. A diplomacia deixa os corredores e entra pelas campanhas, pelos comícios, pelas redes que amplificam ressentimentos. E, com isto, Trump abre uma avenida para dentro da casa europeia. Os aliados deixam de ser parceiros para se tornarem um terreno de influência. .

Em Portugal, esta inflexão encontra um terreno preparado. O Chega procura projecção internacional na cartografia da nova direita europeia e encontra em Moscovo um fio histórico que, em tempos, parecia impossível reivindicar. No Parlamento Europeu, os seus eurodeputados recusaram apoiar resoluções de apoio à Ucrânia e acabaram integrados no grupo Patriotas da Europa, sentado ao lado de partidos que há anos orbitam a influência russa. Da Áustria chega um aliado com acordo formal com o partido de Putin. Da Hungria, um governo que olha para Moscovo sem sobressalto. De Itália e França, ligações que a História registou com precisão incómoda. Decerto um grupo interessante, onde a soberania se declama em voz alta e a autonomia se cede em silêncio. .

O que está em cima da mesa é, mais do que uma divergência de prioridades, um regresso à política de esferas, com fronteiras traçadas longe de Lisboa e interesses definidos sem pedir licença. Uma Europa tratada como fardo corre o risco de ser administrada como fardo. E, quando os que vivem dentro dela se alinham com essa visão, a fronteira entre escolha e cedência esbate-se perigosamente. Portugal já atravessou momentos em que o mundo parecia demasiado grande. Em todos eles, a escolha europeia foi a linha que segurou o país no lado certo. O mapa voltou a mexer-se.

É um aviso para quem ainda acredita que a História espera por hesitações.»


8.12.25

Chávena triangular

 


Chávena e pires de porcelana pintados à mão, “Pouyat Limoges”, decorados com flores roxas, folhas verdes e uma borboleta no pires. Fim do séc. XIX.
As duas peças da Jean Pouyat Co.

Daqui.

António Filipe goza com RAP

 



08.12.1980 – O dia em que mataram John Lennon

 


John Lennon morreu baleado à porta do edifício onde morava – o Dakota Building –, situado numa das esquinas do Central Park de Nova Iorque.

Primeiro um entre quatro, mais tarde a solo, «the smart Beatle», deixou uma marca que mais de quatro décadas  passadas sobre o dia em que foi estupidamente assassinado não apagaram.

Músico por excelência mas não só, activista também, ele que devolveu a medalha de Membro do Império Britânico à Rainha Isabel II, como forma de protesto pelo apoio do Reino Unido à guerra do Vietname e o envolvimento no conflito de Biafra. Já com Yoko, na década de 70, continuou a envolver-se numa série de iniciativas de luta pela paz, sobretudo e ainda por causa do Vietname. Tudo isto e o apoio explícito a organizações da extrema-esquerda, como os Panteras Negras, estiveram na origem de uma perseguição por parte do governo de Nixon, com abertura de um processo para tentativa de extradição.

«Give peace a chance» (1969) e «Power to the people» (1971), entre outras, inscrevem-se expressamente nesta linha de actuação:






E «Imagine», sempre:


.

É mesmo por uma questão política que a greve geral faz sentido

 


«É preciso começar por dar razão a Luís Montenegro sobre as motivações dos sindicalistas para convocar uma greve geral - esta greve é mesmo política e as razões para o protesto são graves. Contra a legislação proposta pelo governo há, aliás, políticos de todos os partidos, inclusive dos partidos que se preparam para a aprovar no Parlamento e até uma vice-presidente da direcção do PSD, deixando que Montenegro fique na frágil posição de quem, como chefe do governo, atira a pedra e, como líder do partido, esconde a mão. A “gana” é tanta porque a ministra do Trabalho considera que a legislação actual é desequilibrada a favor dos trabalhadores e um banqueiro assina por baixo, e vai mais longe em relação aos malandros dos trabalhadores, afirmando que “a lei protege quem não quer fazer nada”. É o supremo desplante!

A vontade de legislar contra os interesses dos trabalhadores, assumida por Rosário Palma Ramalho, não cai do céu aos trambolhões mas não foi anunciada no programa eleitoral, como agora pretende dizer o governo. Bem pelo contrário, há coisas que são ditas nesse programa que são o oposto da proposta governamental. Já lá vamos.

LUTA DE CLASSES

Por agora, faço um desvio de rota para explicar porque entendo que esta revisão da Lei do Trabalho - que privilegia quem detém os meios de produção face à força de trabalho - se insere numa questão ideológica mais profunda. Vejamos um exemplo flagrante de exagerada protecção a quem detém o capital, enquanto se dão umas migalhas de IRS à classe média trabalhadora, deixando os trabalhadores mais pobres entregues ao seu próprio destino: o conceito de renda moderada e o que ele implica no rendimento disponível de inquilinos e arrendatários.

Salta à vista de todos que o acréscimo de rendimento dos trabalhadores inquilinos, fruto da descida do IRS, foi largamente comido pela subida dos custos com a habitação, enquanto que o rendimento dos senhorios acompanhou a subida exponencial das rendas. Apliquemos a regras de três simples:

1 - se, para a prestação ou renda de casa, os especialistas colocam nos 30% do rendimento líquido de uma família o limite a partir do qual começa a haver uma sobrecarga habitacional.

2 - se o governo considera o limite de 2300 euros para uma renda moderada e isso significa que, para evitar a sobrecarga habitacional, o rendimento familiar líquido deve rondar os sete mil euros.

3 - Se uma família de trabalhadores, para aquele rendimento paga cerca de 30% de IRS e um senhorio que obtenha o mesmo rendimento bruto paga apenas 10%.

Qual é o resultado desta equação? O governo aposta forte na luta de classes e os donos do capital reforçam a sua vantagem, pagando três vezes menos impostos que a classe trabalhadora.

A talhe de foice também se pode dizer que, com esta política fiscal na habitação, o governo está a dizer aos potenciais investidores que compensa desviar o capital das fábricas, das novas tecnologias, da energia, da agricultura e de outros sectores produtivos que carecem de investimento, mas que pagam mais impostos. O que se consegue com isto é alimentar a bolha imobiliária, criando condições para entrarem novos investidores que garantem sucesso aos que já lá estão - muito parecido com outros esquemas piramidais. Este esquema acabará num de dois dias: no dia em que só estrangeiros possam comprar ou arrendar ou no dia em que os preços de venda ou arrendamento passem a ter em conta o verdadeiro rendimento líquido de uma família da classe média em Portugal. Até lá, o sistema gera desequilíbrios evidentes entre quem tem capital para investir e quem tem necessidade de arrendar. É um sistema que se aguenta, porque até políticos de esquerda alinham, investindo em imobiliário para negociar nas vantajosas condições do mercado, que devem ser iguais para todos - esta é a forma como procuram justificar a sua ganância, pecado capital com milénios de existência.

COM PAPAS E BOLOS SE ENGANAM OS TOLOS

Num trabalho feito pelo jornal "Público", ficou claro que o programa eleitoral da AD não permitia antecipar o que agora está em causa. Para além de umas generalidades, há questões concretas que apontavam no sentido oposto do que agora se pretende. Exemplo flagrante é a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar:

O prometido: programa eleitoral utilizou quase uma centena de vezes a palavra família e os seus dirigentes, em campanha, asseguraram “continuar a apostar na família como a célula base da sociedade e em políticas de apoio à família, de valorização da maternidade e da paternidade, enfrentando a grave crise da natalidade e incentivando as famílias a crescer”.

O proposto: diminuição nos direitos de parentalidade, conciliação e proteção social relativa à família.

A proposta do governo, nas suas traves mestras, também provoca mais precariedade (contratos a termo certo com duração inicial de um ano, em vez dos seis meses atuais, e com possibilidade de duas renovações, até um limite de três anos); vai facilitar o despedimento, desprotegendo o trabalhador contra despedimento injustificado; promove uma maior desregulação dos horários e a precarização das condições de trabalho, enfraquece a contratação colectiva, a acção sindical e o direito à greve.

É legitimo propor este caminho, acreditando que é o caminho certo para aumentar a produtividade nas empresas, fazer crescer a economia e criar novos empregos. Mas entra no domínio da aldrabice política querer convencer alguém que tudo isto não é feito com perda de direitos para os trabalhadores.»


7.12.25

O Estado Novo de Salazar, na memória de quem o viveu

 


«A todos os meus amigos com os votos de um bom Doningo.

Só os portugueses e as portuguesas com mais ou menos 15 anos no dia 25 de Abril de 1974, hoje a rondarem os 65, podem ter memória crítica de algumas particularidades dos últimos estertores do Estado Novo, que viram cair. Rapazes e raparigas com menos idade, ou seja, as crianças desse tempo, talvez se lembrem de um pormenor ou outro. Assim sendo, torna-se evidente que a grande maioria dos nossos adultos no activo pouco ou nada sabem de um regime que nos privou de todas as formas de liberdade, torturou muitos de nós, durante quase meio século e que caiu de podre no dia em que os cravos floresceram nas espingardas dos soldados.

Nos anos de 1930 e 1940, os das duas primeiras décadas de consolidação do Estado Novo, Portugal viveu em situação de ditadura, distinguindo apoiantes do novo regime e oposicionistas, de entre os quais se evidenciaram, por serem publicamente conhecidos, os que “se metiam na política”, localmente referidos como sendo “os do reviralho”. Eram os da chamada oposição democrática, consentida por Salazar, com destaque para os do Movimento de Unidade Democrática (MUD). Criado em 1945, foi extinto três anos depois, em virtude do grande apoio popular que registou, agrupando muitos opositores até então isolados, entre os quais muitos intelectuais e profissionais liberais.

Outros opositores, que quase ninguém conhecia, militando na clandestinidade pelo Partido Comunista, eram activamente perseguidos, primeiro pela PVDE (Política de Vigilância e Defesa do Estado), entre 1933 e 1945, e, depois, pela sua substituta PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). A estes opositores, os “pides” deitavam-lhes a mão, levavam-nos para Lisboa, onde os interrogavam, brutalizavam, guardando-os depois, pelo tempo que entendessem, e, em alguns casos, assassinavam. Para os localizarem e denunciarem havia os informadores, também referidos por “bufos”, uns conhecidos, outros, não, pelo que se dizia que as mesas dos Cafés, os bancos do jardim, as paredes de todo o lado e até as pedras da caçada tinham olhos e ouvidos.

Para além das restrições à liberdade e da censura, fez-se sentir, também aqui, o decreto 27 003, de 14 de Setembro de 1936, que determinava: «Para admissão a concurso nomeação efectiva ou interina, assalariamento, recondução, promoção ou acesso, comissão de serviço, concessão de diuturnidades e transferência voluntária, em relação aos lugares do estado e serviços autónomos, bem como dos corpos e corporações administrativos, é exigido o seguinte documento com assinatura reconhecida: Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas». E, mais adiante: «Os directores e chefes dos serviços serão demitidos, reformados ou aposentados compulsivamente sempre que algum dos respectivos funcionários ou empregados professe doutrinas subversivas, e se verifique que não usaram da sua autoridade ou não informaram superiormente».

Embora na letra da Constituição de 1933, figurasse o princípio da igualdade entre cidadãos perante a lei, o Estado Novo considerava a mulher como mãe, dona-de-casa e, em quase tudo, submissa ao marido. A lei portuguesa de então, designava o marido como chefe de família, sendo reservado à mulher o governo da casa, o que se traduzia pela imposição dos trabalhos domésticos como obrigação, não tendo os mesmos direitos na educação dos filhos. Não tinha direito de voto, não podia ascender a determinadas chefias nem exercer cargos na magistratura, na diplomacia e na política. Sendo casadas, as nossas mulheres perdiam o direito a intervir nas suas propriedades, não podiam viajar para fora do país sem autorização dos maridos e não podiam trabalhar sem autorização destes. O marido podia dirigir-se ao empregador declarar não autorizar a mulher a trabalhar, o que implicava o seu imediato despedimento.

Em muitos hospitais as enfermeiras podiam ser impedidas de casar. Se casassem, podiam ser obrigadas a abandonar a profissão. As professoras tinham de pedir autorização para casar, o que só era permitido se o noivo satisfizesse determinadas condições, autorização publicada e em Diário da República O divórcio era proibido, devido ao acordo estabelecido com a Concordata de 1940, numa submissão do Estado à Igreja Católica. Assim, todas as crianças nascidas de uma nova relação, posterior casamento, eram consideradas ilegítimas, não podendo ter o nome do pai, ou seja, o do companheiro.

Na orientação ideológica antiliberal e de cariz católica do ditador, a existência da mulher confundia-se com a da família, estando-lhe reservado o espaço doméstico. A Obra das Mães pela Educação Nacional, organização feminina do Estado Novo, criada em 1936, tinha por objetivo “estimular a acção educativa da família e assegurar a cooperação entre esta e a escola nos termos da Constituição” de 1933.

Nascida em 1912, como suplemento feminino do jornal “O Século” a revista semanal “Mulher – Modas & Bordados” dirigida nos primeiros tempos a uma pretensa elite feminina, fornecia-lhe conselhos nos domínios da moda, da culinária, das boas-maneiras e da beleza. Mostrou, porém, alguma preocupação de valorização da mulher, testemunhada pela publicação regular de sonetos da grande poetisa alentejana, Florbela Espanca (1894-1930), uma das primeiras mulheres a frequentar o Liceu Masculino André de Gouveia, onde permaneceu até 1912. Foi, porém, com Maria Lamas (1893-1983), opositora ao regime e feminista, na direcção desta revista que a luta contra a secundarização da mulher se fez sentir, não só em Évora, onde tinha ligações familiares, como no país.

Depois de duas décadas de confronto com o liberalismo e o republicanismo, a chamada pax salazarista proporcionou à Igreja (grandemente afectada durante a Primeira República) um terreno propício à sua reimplantação e reestruturação interna. Nestes propósitos, assumiu papel fundamental o então Patriarca de Lisboa, Dom Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), dirigindo a Igreja Católica Portuguesa durante o Estado Novo. Elevado ao cardinalato, em 1929, pelo Papa Pio XI, foi amigo íntimo e companheiro de Salazar (militante católico nos tempos da Primeira República), no Centro Académico da Democracia Cristã, em Coimbra.

Com a subida de Salazar ao poder, o cardeal Cerejeira pôde garantir, à Igreja, potecção, respeito e liberdade de acção. Estava na sua mente recuperar e salvaguardar os privilégios do catolicismo, como Igreja do Estado, afastados pela Primeira República, tendo tido papel fundamental na assinatura da Concordata com a Santa Sé, em 1940, na criação da Acção Católica Portuguesa, visando a “recristianização” da sociedade, na obrigatoriedade do ensino religioso, na abertura de novos seminários e casas religiosas, bem como no desenvolvimento da imprensa católica.

Em 1936, com Carneiro Pacheco no Ministério da Educação Nacional (anteriormente chamava-se da Instrução Pública), reforçara-se o papel da escola no controlo ideológico e orientação política dos alunos, na prevalência do livro único, no culto das virtudes nacionalistas e no elogio da vida modesta e rural. O fervor patriótico e o cunho religioso enquadrados na ideologia oficial do Estado Novo estavam diluídos nas matérias curriculares, nomeadamente, na Leitura, na História e na Geografia, no propósito de, a partir dos bancos da escola, então com início aos sete anos de idade, estimular estas virtudes nos homens e mulheres do futuro.

Nestes anos, o ensino obrigatório ainda terminava com o exame da 3ª classe (3º ano, como agora se diz), certificado pelo diploma do “Primeiro Grau”, exigível, por exemplo, para ingresso nos lugares mais humildes da função pública, no comércio, como caixeiro, nos correios, como carteiro ou boletineiro e, até, para ser eleitor. Ler, escrever e contar era tudo o que, o cidadão comum necessitava para fugir à vida do campo, ao aprendizado artesanal ou oficinal e a outros trabalhos que apenas fizessem uso da força braçal. Esta habilitação mínima vigorou até 1956. A partir de então, a escolaridade aumentou para 4 anos, apenas para os rapazes. Só quatro anos depois, esta obrigatoriedade foi decretada para as raparigas.

Na Escola Primária, a pedagogia estava na ponta da régua, versão escolar da tradicional palmatória ou menina de cinco olhos. Com algumas professoras, as reguadas estalavam nas mãos das crianças “por dá cá aquela palha”, quer por motivos de disciplina, quer por erros nos ditados, nas contas e em quaisquer outras matérias.

À margem da Escola Primária havia as chamadas “Escolas Incompletas”, criadas em 1930, mais tarde designadas “postos escolares”, com o propósito de combater o analfabetismo no seio de populações sem escola nem condições mínimas de fixar professores. Aqui o ensino era ministrado por “regentes escolares”. Na imensamente maioria mulheres, ganhavam metade do ordenado de um professor, bastava que possuíssem a 4ª, que demonstrarem ter bom comportamento moral e adesão ao regime e eram, de preferência, oriundas dos próprios locais.

A análise histórica da documentação permite verificar que, nesses anos, os professores, diplomados pelas Escolas Normais, foram sendo substituídos pelos regentes escolares, em especial nas aldeias e na periferia das cidades. A escolaridade obrigatória, como se disse, baixara para a 3.ª classe e as crianças estavam preparadas para trabalhar e ouvir o sermão do senhor padre aos Domingos.

No discurso de Salazar, proferido em 12 de maio de 1935, na sede da Liga 28 de Maio, em Lisboa, Salazar disse: Oiço muitas vezes dizer aos homens da minha aldeia, «Gostava que os pequenos soubessem ler para os tirar da enxada». E eu gostaria bem mais que eles dissessem: «Gostaria que os pequenos soubessem ler, para poderem tirar melhor rendimento da enxada»

António Galopim de Carvalho no Facebook

Vá para a sua terra

 


Trelas sem cães? Loucura mansa

 




Rombos na democracia

 


«Celebra-se na próxima quarta-feira, dia 10 de dezembro, o Dia Mundial dos Direitos Humanos, em homenagem à adoção da Declaração Universal assumida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. Trata-se de um dos compromissos coletivos mais relevantes na história da Humanidade, identificando com carácter global os direitos dos seres humanos. Num quadro em que as causas e horrores da II Guerra Mundial estavam vivos, a declaração veio exaltar a paz, a dignidade humana, a igualdade, a cidadania, os valores da democracia. Nela se inscreveram os direitos fundamentais do e no trabalho (arts. 22 a 25), como direitos humanos.

Um conjunto de factos ocorridos recentemente surgem-nos carregados de violações daquela Declaração Universal e como rombos na democracia. Donald Trump, contra todas as leis em que se funda o próprio Estado norte-americano, afundou embarcações de outros países e matou pessoas, no pressuposto (sem prova real) de que se dedicavam ao tráfico de droga. Ao mesmo tempo, indultou um ex-presidente das Honduras, esse, sim, condenado em tribunais americanos a 45 anos de prisão por tráfico de droga. As justificações que veio dar confirmam que este banditismo se integra numa perigosa ação política (já condenada pelo Papa) para instabilizar países da América Latina, nomeadamente a Venezuela.

Na Europa, tivemos a ex-vice-presidente da Comissão Europeia Federica Mogherini - que foi alta representante da União Europeia (UE) para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança entre 2014 e 2019 - detida por procedimentos corruptos na seleção de alunos no Colégio da Europa, de que é atualmente reitora e onde se formatam diplomatas para o futuro. É mais uma acha para a fogueira das atuações contraditórias de dirigentes europeus, que destroem a credibilidade da UE.

No plano nacional, uma organização patronal da construção civil afirmou que, para o setor executar as obras em curso ou a iniciar brevemente, necessita de mais 80 a 90 mil imigrantes. Somando os que farão falta na hotelaria, restauração e agricultura, ou noutros subsetores da indústria e no setor social, ficamos com um quadro assustador. A legislação que o Governo anda a produzir e os procedimentos que adota são desastrosos e ampliarão a gestação de organizações mafiosas como a que recentemente foi identificada no Alentejo.

Portugal está a passar de um país que dispunha da confiança dos estrangeiros para um país suspeito que os trata mal, que coloca agentes do Estado a condicioná-los e a reprimi-los. Assim, continuaremos a ter forte emigração e a ser incapazes de encontrar soluções para os setores da saúde, do ensino, da proteção social. Não temos uma governação do país, mas sim um Governo de uma minoria privilegiada e apenas ao serviço dela.

Na evocação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e na greve geral da próxima quinta-feira, denunciemos rombos causados à democracia e lutemos por políticas justas.»