8.12.25

É mesmo por uma questão política que a greve geral faz sentido

 


«É preciso começar por dar razão a Luís Montenegro sobre as motivações dos sindicalistas para convocar uma greve geral - esta greve é mesmo política e as razões para o protesto são graves. Contra a legislação proposta pelo governo há, aliás, políticos de todos os partidos, inclusive dos partidos que se preparam para a aprovar no Parlamento e até uma vice-presidente da direcção do PSD, deixando que Montenegro fique na frágil posição de quem, como chefe do governo, atira a pedra e, como líder do partido, esconde a mão. A “gana” é tanta porque a ministra do Trabalho considera que a legislação actual é desequilibrada a favor dos trabalhadores e um banqueiro assina por baixo, e vai mais longe em relação aos malandros dos trabalhadores, afirmando que “a lei protege quem não quer fazer nada”. É o supremo desplante!

A vontade de legislar contra os interesses dos trabalhadores, assumida por Rosário Palma Ramalho, não cai do céu aos trambolhões mas não foi anunciada no programa eleitoral, como agora pretende dizer o governo. Bem pelo contrário, há coisas que são ditas nesse programa que são o oposto da proposta governamental. Já lá vamos.

LUTA DE CLASSES

Por agora, faço um desvio de rota para explicar porque entendo que esta revisão da Lei do Trabalho - que privilegia quem detém os meios de produção face à força de trabalho - se insere numa questão ideológica mais profunda. Vejamos um exemplo flagrante de exagerada protecção a quem detém o capital, enquanto se dão umas migalhas de IRS à classe média trabalhadora, deixando os trabalhadores mais pobres entregues ao seu próprio destino: o conceito de renda moderada e o que ele implica no rendimento disponível de inquilinos e arrendatários.

Salta à vista de todos que o acréscimo de rendimento dos trabalhadores inquilinos, fruto da descida do IRS, foi largamente comido pela subida dos custos com a habitação, enquanto que o rendimento dos senhorios acompanhou a subida exponencial das rendas. Apliquemos a regras de três simples:

1 - se, para a prestação ou renda de casa, os especialistas colocam nos 30% do rendimento líquido de uma família o limite a partir do qual começa a haver uma sobrecarga habitacional.

2 - se o governo considera o limite de 2300 euros para uma renda moderada e isso significa que, para evitar a sobrecarga habitacional, o rendimento familiar líquido deve rondar os sete mil euros.

3 - Se uma família de trabalhadores, para aquele rendimento paga cerca de 30% de IRS e um senhorio que obtenha o mesmo rendimento bruto paga apenas 10%.

Qual é o resultado desta equação? O governo aposta forte na luta de classes e os donos do capital reforçam a sua vantagem, pagando três vezes menos impostos que a classe trabalhadora.

A talhe de foice também se pode dizer que, com esta política fiscal na habitação, o governo está a dizer aos potenciais investidores que compensa desviar o capital das fábricas, das novas tecnologias, da energia, da agricultura e de outros sectores produtivos que carecem de investimento, mas que pagam mais impostos. O que se consegue com isto é alimentar a bolha imobiliária, criando condições para entrarem novos investidores que garantem sucesso aos que já lá estão - muito parecido com outros esquemas piramidais. Este esquema acabará num de dois dias: no dia em que só estrangeiros possam comprar ou arrendar ou no dia em que os preços de venda ou arrendamento passem a ter em conta o verdadeiro rendimento líquido de uma família da classe média em Portugal. Até lá, o sistema gera desequilíbrios evidentes entre quem tem capital para investir e quem tem necessidade de arrendar. É um sistema que se aguenta, porque até políticos de esquerda alinham, investindo em imobiliário para negociar nas vantajosas condições do mercado, que devem ser iguais para todos - esta é a forma como procuram justificar a sua ganância, pecado capital com milénios de existência.

COM PAPAS E BOLOS SE ENGANAM OS TOLOS

Num trabalho feito pelo jornal "Público", ficou claro que o programa eleitoral da AD não permitia antecipar o que agora está em causa. Para além de umas generalidades, há questões concretas que apontavam no sentido oposto do que agora se pretende. Exemplo flagrante é a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar:

O prometido: programa eleitoral utilizou quase uma centena de vezes a palavra família e os seus dirigentes, em campanha, asseguraram “continuar a apostar na família como a célula base da sociedade e em políticas de apoio à família, de valorização da maternidade e da paternidade, enfrentando a grave crise da natalidade e incentivando as famílias a crescer”.

O proposto: diminuição nos direitos de parentalidade, conciliação e proteção social relativa à família.

A proposta do governo, nas suas traves mestras, também provoca mais precariedade (contratos a termo certo com duração inicial de um ano, em vez dos seis meses atuais, e com possibilidade de duas renovações, até um limite de três anos); vai facilitar o despedimento, desprotegendo o trabalhador contra despedimento injustificado; promove uma maior desregulação dos horários e a precarização das condições de trabalho, enfraquece a contratação colectiva, a acção sindical e o direito à greve.

É legitimo propor este caminho, acreditando que é o caminho certo para aumentar a produtividade nas empresas, fazer crescer a economia e criar novos empregos. Mas entra no domínio da aldrabice política querer convencer alguém que tudo isto não é feito com perda de direitos para os trabalhadores.»


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