7.6.25

Perfumes

 


Frasco de perfume atomizador Arte Nova, Flor de Íris, em vidro lapidado dourado.

Daqui.

A ‘agitprop’ do Chega

 


«O sucesso do Chega tem uma explicação singela. Ao longo dos seis anos da sua afirmação, foi-se acentuando, na população portuguesa, a ideia de que as coisas tinham de mudar. Todos os cidadãos, sobretudo os mais desfavorecidos, sentiam a necessidade de mudança. Mudar sim, mas sem se interiorizar muito bem para onde e para quê! Mudar o quê? Mudar como? Mudar com que instrumentos? Não há uma resposta concreta para estas perguntas. Tavez possa, simplesmente, dizer-se que, durante os anos de afirmação do Chega, a vida das pessoas piorou, sem respostas adequadas dos partidos que tinham a responsabilidade de gerir o país.

Claro que André Ventura teve a mestria e a inteligência, de um modo oportunista, de cavalgar esta onda de descontentamento que, aliás, se estende um pouco pela Europa e pelo mundo num crescimento de forças populistas que tudo criticam, mas que, como se diz em bom português, verdadeiramente, ainda “ não puseram a mão na massa”. Ninguém ainda percecionou como será a prática dos partidos populistas na resolução dos problemas sociais, ambientais, geoestratégicos que, atualmente, afligem as sociedades em diferentes geografias.

Por cá, o Chega foi crescendo até ocupar o segundo lugar na hierarquia parlamentar. Tem agora 60 deputados no Parlamento português. É, oficialmente, o principal partido da oposição. Ao longo dos tempos de afirmação de André Ventura, o partido foi crescendo através de uma estratégia errada do PS. Os socialistas escolheram alianças à esquerda, antagonizaram-se, sistematicamente, com o PSD, atacando a direita mais moderada e deixaram o campo livre ao Chega para o seu projecto de afirmação populista. O PS deixou livre o centro político e permitiu que o Chega conquistasse uma população que, habitualmente, se situa nesta área política.»

(Continuar a ler AQUI.)

Sem correctores

 


Novo Governo, governação velha

 


«Os portugueses e portuguesas podem esperar do XXV Governo, que esta semana tomou posse, mudanças de políticas face ao anterior? As alterações na estrutura do Governo e a entrada de alguns novos ministros e secretários de Estado e a manutenção de outros já carregados de desconfianças indicam-nos algumas mudanças pontuais, no quadro de uma alteração estratégica profunda.

A missão do Governo anterior foi a de preparar eleições. Isso obrigou-o a esconder objetivos programáticos e a dar resposta a reivindicações de setores que pesam eleitoralmente. A missão do atual será a aplicação da agenda da Direita, pelo período mais longo possível, num contexto europeu de mobilização de recursos para a economia de guerra, de ataque ao Estado social, de reconvocação dos bodes expiatórios de sempre: os trabalhadores e o povo que “tendem por natureza” a ser malandros, os pobres que precisam de apoios sociais, os imigrantes, os trabalhadores que pretendem ter retribuições que os tirem da pobreza.

No discurso do primeiro-ministro na posse do Governo, tudo isto já lá está. Uma parte significativa do que designam por Reforma do Estado será o apuramento de instrumentos para intensificar aquelas políticas. Aguardemos, atentos, o que aí virá no plano da legislação laboral (área que não podia ser agitada em contexto eleitoral), onde já está instalado o desequilíbrio de poderes e estrangulada a contratação coletiva. Observemos o que virá de novo na Segurança Social. Na Saúde, a manutenção da ministra significará continuidade e aprofundamento do ataque estrutural ao Serviço Nacional de Saúde e o reforço do negócio privado.

Por certo, ao Ministério da Reforma do Estado vai estar atribuído o papel de garantir que, nas diversas áreas da governação, são executadas as políticas que hão de permitir o reforço dos papéis e meios do Estado entregues a poderes privados. Para o comum dos cidadãos ficará a eliminação de serviços com funcionários que apoiem os cidadãos, substituídos por serviços das “primas” que distanciam e isolam as pessoas. A simplificação e até a desburocratização do Estado não são os grandes mantras a considerar para melhorar o seu papel e funcionamento.

A missão anunciada para o Ministério da Economia e Coesão Territorial desperta-nos para uma realidade preocupante. O país precisava muito de ter, e não tem, política económica. Esta reduz-se agora à condição de apêndice à gestão dos fundos comunitários e à integração na “nova” fraude europeia de fazer passar a política de rearmamento por política económica de (re)industrialização. Só a cabeça de loucos pode admitir que não há diferença entre produzir bens e serviços para garantir vida e felicidade, ou produzir instrumentos para causar sofrimento e morte.

Muitos portugueses têm fortes razões para estarem zangados com as maldades que lhes têm sido feitas, mas os valores da democracia não se apagaram. A evidência das velharias pode ajudar a organizar o combate que estas merecem.»


6.6.25

Três luzes

 


Candeeiro Túlipa, com base de bronze, pé com nervuras verticais que suporta três braços entrelaçados, cada um terminando num suporte em forma de flor. O candeeiro é completado com túlipas de três tons.
Tiffany Studios , Nova Iorque.

Daqui.

Afinal, estes esquerdistas de Bruxelas…

 


Público, 06.06.2025

06.06.1968 – A noite em que Maurice Béjart foi expulso de Portugal

 


Foi há 57 anos que Maurice Béjart deu um espectáculo de ballet em Lisboa, que estaria na origem da sua expulsão do país.

«Em 6 de Junho morreu Robert Kennedy, vítima de um atentado que tivera lugar dois dias antes. Nessa mesma noite, em Lisboa, Maurice Béjart apresentou o seu «Ballet du XXe. Siècle», no Coliseu dos Recreios absolutamente repleto. Assistimos a um magnífico «Romeu e Julieta». Durante a última cena, ouviu-se gritar, repetidamente, "Façam amor, não façam guerra!". Simultaneamente e em várias línguas, eram lidas notícias sobre lutas, revoltas e injustiças. Foi arrepiante a emoção vivida na sala que se levantou em aplauso prolongado. Béjart veio então ao palco para afirmar que Robert Kennedy fora “vítima de violência e de fascismo” e para pedir um minuto de silêncio “contra todas as formas de violência e de ditadura”. Com a maior parte dos espectadores de pé, renovaram-se os aplausos, com mais força e com mais entusiasmo.

Informado do sucedido, Salazar proibiu os espectáculos seguintes e ordenou que Béjart saísse imediatamente de Portugal. Franco Nogueira cita uma nota distribuída à imprensa pelo Secretariado Nacional de Informação:

“Foram dirigidas à juventude exortações derrotistas e tomadas atitudes de especulação política inteiramente estranhas ao próprio espectáculo. Perante a luta que teremos que manter em defesa da integridade nacional, não pode consentir-se que uma companhia estrangeira aproveite, abusivamente, um palco português para contrariar objectivos nacionais.”

Béjart nunca se referiu a Portugal. Mas Salazar era bom entendedor e bastava-lhe menos de meia palavra para perceber – como nós – que Béjart quisera deixar um sinal de solidariedade aos antifascistas portugueses.

Momentos raros como este funcionavam para nós como bálsamo e como estímulo. Ajudavam-nos a não desanimar.» (*)

(*) Joana Lopes, Entre as Brumas da Memória. Os católicos portugueses e a ditadura, Âmbar, 2007, pp. 118-119.

Alguns minutos de «Romeu e Julieta»:


,

Conseguimos, conseguimos!

 


… ser um dos países que atrai mais milionários. Num Portugal com pobreza e desigualdades gritantes.

Almãerante

 


«Quando Gouveia e Melo diz que, como Presidente da República, usará da palavra com substância, ele não está, curiosamente, a dizer nada de substancial. Dizer “eu vou seduzir-te”, como sabemos, não seduz; e declarar “vou agora influenciar-te”, infelizmente, não atinge o propósito de influenciar. Do mesmo modo, anunciar que se vai usar da palavra com substância não se consubstancia em coisa nenhuma. É o mesmo que prometer: “Eu vou falar muito bem.” Os outros podem acreditar ou duvidar de que a promessa seja verdadeira. Ela só se concretiza se, no futuro, formos capazes de falar muito bem. Em todo o caso, não há dúvida de que usar da palavra com substância é uma ideia melhor do que usar da palavra sem substância. E, por isso, é improvável que outros candidatos estejam interessados em sugerir um modelo diferente. “Prometo falar à balda e dizer inconsequências” é uma proposta que, creio, continuará a não ser formulada.

No entanto, temos de admitir que algumas das suspeitas que tínhamos acerca de Gouveia e Melo começam a confirmar-se. O almirante sempre disse que era de centro. Que se situava politicamente entre o PS e o PSD. Olhando para os apoiantes que se sentaram na primeira fila da cerimónia de apresentação da sua candidatura, verificamos que a velha lei continua a ser verdadeira: quando alguém diz que não é de esquerda nem de direita, isso significa que é de direita.

Outra suspeita que se confirma é a de que Gouveia e Melo não sabe exactamente quais são as competências do cargo a que se candidata. Disse que o problema de Portugal são “as más decisões, as não-decisões, (...) e a falta de coragem para fazer o que tem de ser feito”, e concluiu que “está na hora de cumprir, de reformar e de realizar”. Sabendo que a Presidência da República não é um cargo executivo, e que o Presidente não tem poder para decidir, para fazer, para reformar e para realizar, é difícil perceber de que modo é que o almirante pode ser útil no Palácio de Belém. Talvez planeie convocar semanalmente o primeiro-ministro, que é quem tem essas incumbências, para lhe gritar, durante uma hora: “Realize, homem! Reforme! Decida! Faça o que tem de ser feito!” Nesse caso, talvez não seja ajuizado termos, na Presidência da República, um militar. Militares estão habituados a mandar, e a ver os outros a obedecer. Ora, não é essa a expectativa de um Presidente da República. Aquele cargo foi feito à medida de uma pessoa que esteja habituada a dar os melhores conselhos e a verificar que ninguém os segue. Que incentiva as pessoas a enveredarem pelo caminho correcto, mas seja capaz de se resignar quando elas optam por ignorar as suas sugestões. Belém não precisa de um almirante. Precisa de uma mãe.»


5.6.25

Um pouco mais de azul (32)

 




05.06.1967 - «Cien años de soledad»

 


Foi nesse dia que foi lançada, na Argentina, aquela que viria a ser uma das grandes obras literárias da segunda metade do século XX: Cem anos de solidão, que Gabriel García Márquez escreveu no México entre 1965 e 1956, e que teve uma primeira edição de oito mil exemplares, que esgotou rapidamente. 

García Márquez nasceu em Aracataca e lá viveu parte da infância, em casa dos avós, que o marcaram profundamente. De uma família desafogada, não aprovaram o casamento da filha com um simples telegrafista e exigiram guardar a custódia do neto.

Com dez anos, foi viver com os pais e só regressou a Aracataca com a mãe, em 1950, numa tentativa falhada de vender a casa da família, entretanto vazia. Terá sido o choque que teve ao ver o estado lamentável em que encontrou a sua querida terra natal, que esteve na origem da obra que viria a torná-lo célebre. Chamou-lhe «Maconde» e criou a família Buendía.

Guardadas as devidas proporções, não terá ficado muito mais orgulhoso de Aracataca quando lá voltou pela última vez, em 2007, para uma tripla comemoração: dos seus 80 anos, do 40º aniversário da publicação de Cem anos de solidão e do 25º da atribuição do Nobel da Literatura. Nem gostaria de saber que ainda há pouco tempo os seus conterrâneos estiveram envolvidos em graves distúrbios quando se manifestavam contra permanentes cortes da distribuição de electricidade. 

Estive em Aracataca / Maconde há alguns anos e também a vi feia e desmazelada, sem honrar como devia o que de mais importante deu ao mundo (quando a Colômbia gasta fortunas, por exemplo, em iluminações faraónicas das suas grandes cidades).

Aracataca salva-se pela moradia em que «Gabo» nasceu, actualmente transformada num pequeno museu bem conservado, que justifica, sem dúvida, a deslocação e a visita. E pela «peregrinação» que significa passear pelas ruas onde brincou e que o viram crescer…

Casa e quarto onde nasceu:

.

05.06.1898 – Federico García Lorca

 


Federico del Sagrado Corazón de Jesús García Lorca nasceu em Granada há 127 anos.

Poeta e dramaturgo, conta-se entre as primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola. Foi fuzilado, com 38 anos, em Agosto de 1936, entre 17 e 19, pelo seu alinhamento político com os Republicanos e por ser declaradamente homossexual.

Todos os anos, nessa data, em Viznar, perto de Granada, ciganos cantam, dançam e dizem poesia em honra de Lorca e de cerca de 3.000 fuzilados pelos franquistas, cujas ossadas se encontram por perto.



Mas um dos seus «cartões de visita» será sempre:


.

Champô de bebé para a República cansada

 


«Há algo de profundamente terapêutico em Gouveia e Melo. A voz baixa. A compostura de manual. A linguagem filtrada por moderação e vaselina institucional. É o candidato dermo-aprovado: não fere, não cola, não marca. Passa como água e, por isso, é adorado. Num país esfolado por décadas de fricção política e promessas incumpridas, o seu silêncio parece bálsamo. E talvez seja. Está entre o “socialismo” e a “social-democracia”, entre a pobreza que precisa de combate e o desenvolvimento que não se define, entre o “sim” e o “não”, onde habita a fórmula mágica do “não concordo nem discordo”. É um centro confortável. Tão confortável que ninguém precisa de sair do lugar.

Na entrevista com Sandra Felgueiras, confirmou o guião que há meses vinha a testar em doses homeopáticas. Nada surpreendeu — e essa foi a grande revelação. Disse que não faria como Marcelo, que não teria demitido António Costa, que não derrubaria um governo com maioria absoluta. Para se sustentar, invocou a Constituição com a confiança de quem se senta nela como num puff. “A Constituição nada diz sobre isso [a decisão de Marcelo]”. E, depois, com a mesma serenidade, contradisse-se. À pergunta de Sandra Felgueiras sobre qual seria a sua linha vermelha, responde: "Desvirtuar a promessa feita ao povo português." Eis o novo artigo constitucional invisível: um princípio vago, aromático, absolutamente arbitrário. A Constituição, essa, permanece muda. Quem mede a distorção? O Presidente? Os comentadores? A sondagem de domingo?

E se Montenegro prometer médicos de família para todos (como prometeu) e falhar (como falhou)? Teremos desvirtuação? Ou apenas um ligeiro desalinho técnico? Gouveia e Melo não esclarece. Não precisa. Porque o seu projeto não vive da resposta, vive da suspensão. É o reflexo de um país cansado de perguntas difíceis. Um país que já não quer rupturas, apenas consolo. Uma candidatura feita de exaustão. E, nesse cansaço, a ambiguidade ganha estatuto de virtude. Quanto menos se compromete, mais espaço ganha. Quanto menos risco corre, mais seguro parece.

É fácil perceber o apelo. E, mais do que isso, é fácil reconhecer a estratégia: quando não há substância, não há atrito. Se não houver posição, não há oposição. E é uma estratégia inteligente. Gouveia e Melo é uma tela branca onde todos (todos, todos…) podem nela projectar os seus medos, esperanças ou frustrações. Enquanto for tela, funciona. Afinal, nada consola mais o público do que reconhecer cada palavra antes de ser dita.

Mas aqui é que se torna interessante. Porque o Almirante não é o rosto de um novo centro político. É o rosto de um centro emocional. Representa a vontade coletiva de que alguém tome conta disto sem levantar pó, sem fazer grandes perguntas, sem aborrecer demasiado. É o centro destilado: o que já não precisa de ideias, porque se apresenta com temperamento. Não um projeto, mas um instinto. A ausência de conflito como proposta nacional.

E é por isso que, enquanto os partidos tradicionais se esfarelam, Gouveia e Melo sobe. O Chega cresce pela raiva. O Almirante, pelo alívio. São respostas opostas à mesma falência: a de um regime que deixou de representar. Ventura canaliza o ressentimento; Gouveia e Melo oferece a farda. Um grita "o país está a arder"; o outro promete apagar o fogo sem fazer barulho. Ambos são produto do mesmo impasse, duas faces da mesma anemia.

A questão, por isso, não é só sobre como pode um candidato do centro triunfar quando o centro se desfaz. A questão é outra: o que é que sobra de um sistema democrático quando o centro já não é político, mas terapêutico? Quando se torna um spa institucional, onde ninguém levanta a voz e todos recebem toalhas quentes?

Gouveia e Melo é a resposta institucional à crise institucional. Surge como um último pacto de silêncio: deixem-no ir para Belém, e talvez as coisas se acalmem. Talvez o sistema sobreviva mais um ciclo. Talvez a democracia possa continuar a funcionar em piloto automático, com declarações serenas, fotos com bandeiras, e veto ocasional a medidas excêntricas.

O Almirante tranquiliza porque se apresenta como não-político. Mas é precisamente por isso que é político no seu sentido mais profundo: aparece como o rosto do que resta, quando já ninguém acredita no resto.»


Marcelo na Feira do Livro

 


4.6.25

Três belos vasos

 


Vasos Hortênsias, de vidro incolor, com decoração floral gravada, pintura rica em esmalte, dourada, azul-violeta e branco, em estilo japonês. Cerca de 1900-1905.
Legras & Cie.

Daqui,

04.06.1989 – Tiananmen

 


Nunca esquecer.

Voltei há alguns anos à Praça Tiananmen. É óbvio que 1989 continua a ser tabu intransponível e retive o silêncio da simpática guia que nos acompanhava. Várias vezes interrogada, foi dizendo que dos acontecimentos de 1989 «nada sabia», que nasceu e vivia então na Manchúria, que nada viu, que não se aprende na escola, que há muitos milhões de chineses que nunca ouviram falar desse não assunto. «NÃO SEI NADA, NÃO POSSO SABER, NÃO INSISTAM POR FAVOR». Calámo-nos.

Eduardo Gageiro (1935-2025)

 


No dia inicial Inteiro e limpo.

Petição à Assembleia da República sobre o reconhecimento do Estado da Palestina

 


Ler e assinar AQUI.

Já é tarde para acordar para a matança de Gaza. Foram cúmplices!

 


«A claque do PSG conseguiu furar o cerco alemão aos protestos contra o genocídio em Gaza, exibindo um enorme cartaz que dizia “Free Palestine” e cantando, nas ruas, “somos todos crianças de Gaza”. Foi mais fácil à subcultura do futebol, com as suas regras próprias, gritar nas ruas de Munique, contornando a mais perversa forma de lidar com a memória: a responsabilidade histórica por um genocídio serve para desculpabilizar outro genocídio, porque os autores do segundo são descendentes das vítimas do primeiro.

Mas é um resumo do comportamento da Europa (com raras, mas honrosas exceções, de que a vizinha Espanha é exemplo) e dos EUA perante o horror de uma ofensiva que sempre teve como objetivo a eliminação ou recolocação de grande parte população palestiniana de Gaza, que é a definição de genocídio. E vai, no momento certo, estender-se à Cisjordânia. De alguma forma, já começou.

Este crime foi cometido perante os nossos olhos. As declarações de vários líderes políticos israelitas, falando de responsabilidade coletiva pelo 7 de outubro e tratando os palestinianos como animais, foram claras no objetivo de tudo isto. Não foi um excesso. O massacre de 7 de outubro foi o pretexto para uma limpeza e expulsão que começou há muito tempo.

Não tenho escrito sobre o tema porque, de tão doloroso, já não sei como o fazer de forma racional. De tão evidente e revoltante, já não sei como o fazer de forma civilizada. De tão repisado, já não sei o que dizer que todos não saibam. Todos viram as vítimas dos massacres e do cerco de fome. Já não há mais nada para explicar. Os jovens universitários norte-americanos, arriscando carreiras futuras e dando uma lição de integridade aos que supostamente os preparam para a vida profissional, gritam-no há mais de um ano, recusando, de uma vez por todas, a abjeta chantagem da acusação de antissemitismo contra os que melhor aprenderam as lições do Holocausto. Antissemita é Netanyahu que, em nome da sua sobrevivência política, condenou os israelitas à insegurança permanente perante a inevitável e duradora sede de vingança.

Quem continua neutral ou apoia o governo de Israel, sabe do que é cúmplice. Sempre soube. E só o pode continuar a fazer sem consequências políticas porque não sofreu a pressão que sofreram, e bem, os que apoiaram ou foram condescendentes com a agressão russa à Ucrânia. O que também faz da comunicação social, pela disparidade de critérios, cúmplice da paralisia europeia.

É verdade que as posições começaram a mudar. Perante o incómodo das opiniões públicas com tantos cadáveres de crianças, até o chanceler alemão esboçou um sinal de humanidade, mas continuando a vender armas para a matança. É como escreveu Bruno Maçães, uma voz clara contra o genocídio: “Estão a preparar a mudança para uma condenação pública, sabendo que mais tarde poderá ser mais difícil fazê-lo de forma credível. Não se interessam ou se comprometem em tentar evitar a tragédia e o crime, ou teriam falado quando isso ainda era possível.” Chegaram tarde demais. Digam hoje o que disserem, foram cúmplices. Porque sempre souberam que este era o desfecho.

A Portugal, restaria a dignidade simbólica de, como fizeram outros Estados soberanos da Europa e pede a petição que assinei com tantos outros, não ficar à espera da autorização alemã e reconhecer, como é dever de quem diz defender a solução dos dois Estados, o Estado da Palestina. Não salva Gaza, mas salva mínimos de decência, se isso ainda for possível. Só que, para isso, era preciso que Portugal tivesse política externa. Só tem o ministério e o respetivo ministro.»


A realidade dos números

 


3.6.25

Mortágua e Arnaut

 


João Aguiar Branco eleito PAR, segunda figura do país

 


O mesmo que já disse isto há algum tempo.

Dois bons arranques e um trambolhão

 

«Neste novo ciclo político, antes mesmo de arrancar oficialmente com a posse dos deputados no Parlamento, já há cartas marcadas à vista de todos. Num regime com um sistema político semi-presidencialista, mas de grande pendor parlamentar, a mudança de Chefe de Estado é um factor de grande importância, mas o ás de trunfo é sempre o chefe do governo. Mais do que decidir manter a estratégia de negociar à direita e à esquerda, obrigando as diferentes bancadas a assistirem quando o governo vai a jogo com os naipes das oposições, Montenegro entrou a destrunfar as direitas, pondo um ponto final na revisão constitucional com que IL e Chega pretendiam lançar fogo de artifício para entreter os seus eleitores. Era impossível ao líder da AD ter arrancado melhor.

À direita, André Ventura tem passado os dias ao espelho a contemplar a magnificência, enquanto Rui Rocha descobriu que o que era grande era a sombra projectada de uma ambição desmedida. À esquerda, o Livre sofre do mesmo que a IL, pela vitória que não esconde a irrelevância, enquanto o Bloco o mais que consegue é ter o tamanho do PAN e do JPP, deixando para o PCP, que um dia já teve 47 deputados, a ideia de que se saiu bem com uma bancada de três.

Cereja no topo do bolo, a autofagia socialista procura salvar as autárquicas não cuidando de garantir músculo para não morrer na memória dos portugueses. Um partido que governou mais de metade do tempo da democracia, a quem os portugueses entregaram uma maioria absoluta há apenas três anos, que cuspiu no prato em que comeu desbaratando essa maioria, não pode fazer de conta que é só mudar de líder e vai ficar tudo bem. O PS tinha que estar a partir pedra à procura de aprender a falar de novo com os portugueses, mas prefere ficar nos seus jogos palacianos, hipocritamente sugerindo que é o melhor para o partido. Depois de um trambolhão de dimensões épicas, os socialistas ainda acham que o tempo cura tudo.»


Greta Thunberg

 


«A missão de ajuda da Flotilha da Liberdade é sobre apoiar a resistência palestiniana e desafiar o bloqueio e o genocídio israelitas quando os nossos governos cúmplices não conseguem inten Um mês após o bombardeio do barco Conscience durante a nossa última tentativa de navegar para Gaza, romper o cerco e abrir um corredor humanitário, nós, mais uma vez, navegámos em direção a Gaza - não transportando armas, mas sim alimentos e suprimentos médicos. A fome sistemática e a privação de necessidades básicas são alguns dos muitos métodos de guerra que Israel está a utilizar contra os palestinos.

Esta missão é apenas parte de um movimento global de justiça social e climática, libertação e descolonização liderado por pessoas marginalizadas. Se queremos ficar do lado certo da história, é nosso dever e já é tempo de nos juntarmos a esse movimento. Palestina Livre.»

Greta Thunberg no Facebook, hoje.

Os “expatriados” de que ninguém fala

 


«Há uma divisão curiosa no mundo da mobilidade humana: aquela que distingue os “imigrantes” dos “expatriados”. Já repararam que, de uma forma geral, um americano ou um britânico são “expatriados” em Portugal, mas os brasileiros, moçambicanos, indianos e paquistaneses são “imigrantes”? Diz-se que a diferença está relacionada com as qualificações profissionais, mas temos de admitir que também está com a diferença de riqueza entre o país de origem e o país de acolhimento. É engraçado como estes termos, que têm zero significado jurídico, são passivamente aceites e usados, legitimando-se como que uma distinção entre “imigrantes de primeira” e de “segunda categoria”.

Muito nos temos preocupado com os imigrantes, e pouco se fala dos expatriados. Muitos deles procuram o nosso país para trabalhar remotamente, gozar a reforma ou investir. Os discursos utilitaristas do “precisamos de imigrantes”, e a permanente tabela de “entradas e saídas de dinheiro” nas nossas contas públicas devido à imigração, nada falam das contribuições desta outra imigração. E tal estudo seria importante, já que muitas destas pessoas beneficiam de regimes de IRS mais favoráveis, mas poderão ter um poder de compra muito superior ao dos cidadãos que cá trabalham e descontam.

O algoritmo do Instagram, por me saber interessada em matéria de imigração em Portugal, impinge-me constantemente inúmeras páginas de Real Estate que garantem que está aqui o Eldorado para ganhar o “Passaporte Europeu”: “What’s the NUMBER ONE Way to Gain Access to Europe Without Moving there Full Time? – Welcome to Portugal’s Golden Visa” (retirado de um anúncio real). Como este há muitos mais. Influencers pululam no Instagram a garantir as maravilhas do nosso país, desde trabalho remoto e ausência de impostos, até ao serviço nacional de saúde, bom tempo, vida calma e escolas que servem sopa ao almoço. Não é por acaso que a revista The Economist reportava que Portugal seria um dos 12 países escolhidos por licenciados americanos se estes quisessem abandonar o seu país. Os anúncios do Instagram continuam. Diz outro: “Did you know that Portugal’s Golden Visa Leads to Citizenship?”. É certo que explica que se tem de estar 5 anos a “residir cá”, sendo que a “residência” não custa muito: promete o anúncio que basta cá passar de 7 a 14 dias por ano no território.

Os regimes de vistos gold há muito que são polémicos e levaram, em abril, a que o Tribunal de Justiça da União Europeia condenasse Malta por conceder a nacionalidade a troco de investimentos no país. Luxemburgo considerou que se tratava de uma venda da cidadania da União Europeia. Ora, já há uns anos, o Parlamento Europeu aconselhou a que pura e simplesmente se abandonassem estes regimes em todos os Estados-membros.

Estamos tão preocupados em demonstrar que os trabalhadores brasileiros contribuem para as contas nacionais, que nos esquecemos de procurar que efeitos estão estes “expatriados” a produzir nas mesmas. E, já agora, noutros pontos não menos importantes da nossa sociedade, como a habitação ou a sobrecarga de serviços públicos. Tal como se faz em relação aos imigrantes, era bom que se começasse a pensar os efeitos que os “expatriados” produzem. É verdade que estão a contribuir para que tudo aqui encareça – casas, restaurantes, bens de consumo – tornando Portugal um país impossível para os portugueses e imigrantes viverem? É verdade que os “expatriados” contribuem para as nossas contas públicas e para um PIB melhor? E já agora, estão também a afundar a AIMA? Quase nada se sabe, mas era urgente perceber, afinal, o que é, o que faz e que efeitos potencialmente negativos produz esta imigração no nosso país.»


2.6.25

Já faltavam os azuis

 


Vaso de vidro iridescente, Arte Nova, em estanho polido. Cerca de 1905.
Van Hauten, com fabricação de Loetz.

Daqui.

Fora de que sistema?

 


Palestina antes que seja tarde

 


«Além da questão interna, onde há muito para reformar, podem ainda dedicar-se a contribuir para a elevação dos níveis de decência de Portugal enquanto nação no plano internacional, avançando no sentido de passar das palavras bonitas aos atos, designadamente no que toca ao reconhecimento do Estado palestiniano. Pelo andar da terraplanagem que Israel está a fazer em Gaza, qualquer dia não restará nada para reconhecer, nem povo, nem terra, talvez apenas o desígnio absurdo de Donald Trump, que gostaria de instalar naquele território um parque de diversões para os amigos como Elon Musk se divertirem com cogumelos mágicos. O Governo de Luís Montenegro, agora reforçado no número de deputados, tem obrigação de liderar este processo na legislatura que está prestes a iniciar-se, porque é dever do Estado alinhar as suas posições com a ONU, que por acaso até é liderada por outro português, António Guterres, uma das poucas grandes figuras da política internacional a remar contra uma maré xenófoba e genocida de consequências imprevisíveis.»

Daqui.

O almirante, o contra-almirante e as perigosas inevitabilidades

 

«A comunicação social adora vencedores. Porque, ao contrário do que parece, adora o poder. Adora sentir que anunciou a mudança antes de acontecer. E é assim que se impõem as profecias autorrealizadas, apresentando um candidato que nunca fez uma campanha, e de quem quase nada sabemos, enquanto vitorioso inevitável. Isto, apesar das tantas surpresas que a vida política nos tem reservado e de o voto nunca ter estado tão solto.

Sim, é verdade que tudo está a favor de Henrique Gouveia e Melo. A farda em tempos de orfandade de autoridade política. O papel na pandemia, que beneficiou todos os envolvidos, uma originalidade doméstica num país de idosos. A ausência de currículo político, considerado cadastro num tempo de descrença. O vazio ideológico, que o permite escolher o seu lugar.

Os primeiros passos do almirante mostraram a sua volubilidade: quando percebeu que as pessoas não reagiam bem a cortes sociais para investimento na defesa, recuou; quando percebeu que o regresso do Serviço Militar Obrigatório não era tão popular como parecia, deu o dito por não dito. A firmeza do estilo não se traduz em consistência programática.

Os apelos a uma união nacional em torno de um homem providencial, a quem a farda emprestou uma autoridade aparentemente apolítica, não se comparam, como é evidente, ao ódio divisivo espalhado pela extrema-direita. Mas, historicamente, uma coisa é consequência da outra. São dois condimentos do mesmo caldo político. O discurso da grandeza perdida também.

Pouco interessa em que lugar político se coloca Gouveia e Melo, que diz estar entre o socialismo e a social-democracia (o mesmo que estar entre o vermelho e o encarnado). São cálculos de conveniência eleitoral, sem grande reflexão. Interessa o que ele significa, neste tempo. Em quem não tem estrutura doutrinária ou percurso político, interessa mais a personalidade enquanto líder.

SABER ESCREVER AS SUAS GLÓRIAS

Gouveia e Melo chegou ao topo de um processo de vacinação que tinha tudo para correr bem – já tínhamos a experiência de um muitíssimo eficaz Programa Nacional de Vacinação e sabíamos da pouquíssima resistência popular às vacinas –, depois de uma campanha política contra o coordenador anterior, vinda dos bastonários dos médicos e dos enfermeiros (ambos do PSD), num momento inicial e mais sensível, quando ainda escasseavam vacinas.

Tentando livrar-se do cerco, Costa escolheu o militar que já fazia parte da equipa, que seria solidariamente responsável pelo que tivesse corrido mal. Sentiu, com razão, que um militar sem ambições políticas seria menos interessante como alvo. E assim foi. Apesar do registo de queixas se ter mantido, assim como os procedimentos perante abusos, os casos desapareceram das televisões. Instituiu-se, pouco tempo depois do caso do roubo de armas em Tancos, que os militares cumprem melhor as funções dos civis.

Gouveia e Melo soube transformar uma mera operação logística numa extraordinária campanha de autopromoção, com a multiplicação de entrevistas e aparições mediáticas, talento que lhe veio do tempo em que era relações públicas e porta-voz da Marinha. Não há memória de um cargo como este ter dado tanto protagonismo. O seu competente sucessor foi, pelo contrário, militarmente discreto.

Há comportamentos pouco militares no almirante que ajudam a avaliar a única coisa que, até ver, nos tem para oferecer: o seu tipo de liderança. Sem nada, à partida, contra Gouveia e Melo (apenas uma irritação com a forma como Costa resolvia todas as dificuldades e uma resistência ao fascínio pelas fardas), dois episódios deixaram-me de pé atrás.

O primeiro foi durante a pandemia, quando Gouveia e Melo foi ao Centro de Vacinação de Monte Abraão, onde havia dificuldades. Chamou as televisões para atacar os profissionais que ali estavam, acusando-os de falta de pontualidade e deixando claro que os tinha posto na ordem, usando, sobre eles, termos como “colinho dá a mamã em casa”. Tivesse sido um político a fazer tal coisa e teria sido trucidado por sindicatos, ordens e oposição. Mas foi, para ele, um grande momento mediático, fazendo esquecer filas no resto do País.

O segundo foi já como Chefe do Estado-Maior da Armada, onde chegou pisando algumas cabeças e graças à inútil e desesperada tentativa de Costa e Marcelo impedirem a sua candidatura presidencial. Gouveia e Melo chamou as televisões para, à distância, mas à frente delas, destratar os insurretos militares do navio Mondego. Um caso em que critiquei a indisciplina, mas que, para além de parecer ter sido mal resolvido (Gouveia e Melo perdeu em tribunal, que considerou ilícitas as sanções que impôs), me fez notar o que parece ser um padrão de liderança: o de rebaixar publicamente os seus subalternos. É coisa a que sou bastante sensível. Também o são os militares que conheço.

O APELO DA FARDA SEM POLÍTICA

O problema não é Gouveia e Melo ser independente. Até acho que essa é uma condição para ser eleito, desta vez. O problema é, num momento perigoso para o nosso regime democrático constitucional, elegermos um militar operacional, habituado a mandar, mas sem qualquer experiência institucional civil, para ocupar o mais político dos cargos.

O problema não é Gouveia e Melo ser militar, apesar de essa particularidade ser marcante, numa Europa onde é pouco comum. É ser a farda que, aos olhos dos portugueses, lhe dá autoridade. Diz muito sobre o estado da nossa democracia e do nosso país. E do que muitos eleitores esperam, com ou sem razão, de um Presidente. Expectativas a que o próprio almirante parece querer corresponder, propondo-se objetivos impossíveis com os poderes constitucionais que tem. A não ser, claro, que forme um partido para casar a Presidência com o poder executivo e legislativo.

O problema não é Gouveia e Melo ser radical. Apesar de a estética da apresentação da sua candidatura ter um odor inconfundível do passado, corresponde ao mainstream da nossa política, que não nasceu virgem em 1974, mantendo intacta quase toda a iconografia da perdida grandeza imperial. O almirante será um moderado e, ao contrário de outros, nunca presumi que viesse a ser o candidato da extrema-direita. É do centrão puro, como atesta a forte presença de todos os poderes fácticos nacionais, das sociedades secretas aos empresários de comunicação social, passando pelo assessor de Sócrates, Luís Bernardo. Isso não quer dizer que não seja um autoritário. O centro nacional está pejado desse apelo, de que Cavaco foi exemplo. É mais cultural, numa democracia insegura com uma sociedade civil frágil, do que ideológico. E é pela suspeita que seja autoritário que é popular.

QUEM SERÁ O CONTRA-ALMIRANTE?

Perante tantas incógnitas, seria perigoso deixar o almirante sozinho numa corrida que a imprensa já quer transformar num plebiscito a um quase desconhecido. Porque sem opositores severos não haverá escrutínio. Será eleito às cegas.

Olhando para a galeria de apoiantes, confirma-se a avaliação política que faço de Gouveia e Melo: com algumas excepções quase anónimas, os mais notáveis estão no centro-direita e na direita conservadora, de Isaltino Morais a Ribeiro e Castro, passando por Rui Rio, que aproveita o almirante para uma vingança interna ao PSD, e pelo possível apoio de Ventura, que não se quer medir com um homem com um chamamento irresistível para os eleitores do Chega. E é à direita que o espaço está sobrelotado: com a candidata da IL, Mariana Leitão, que poderá vir a ser uma surpresa, pela frescura contrastante nesta disputa; e com Marques Mendes, que a cada dia perde mais espaço político.

Como se vê por novos programas televisivos, há quem tenha decidido matar a esquerda para cristalizar o último resultado eleitoral. Mas, mesmo assim, e não sendo certo que esse resultado represente uma divisão sociológica estabilizada (basta recordar eleições recentes), a esquerda representa cerca de 35% dos eleitores, o maior bloco político contra Gouveia e Melo.

Sendo certo que a candidatura de António José Seguro está a léguas de fazer o pleno dos socialistas que não votarão no almirante, e que parece ter mais popularidade junto de eleitores que odeiam Costa, a esquerda tem um dilema: só deveria ter um candidato e esse candidato não pode ser Seguro, que deixará boa parte do PS e o resto da esquerda órfã.

Como defendi quando escrevi sobre Elisa Ferreira e Sampaio da Nóvoa, deve ser um candidato abrangente, preferencialmente independente, livre de amarras partidárias, com poucos anticorpos e capaz de contrapor à autoridade militar outro tipo de autoridade cívica e profissional. É no terreno positivo que poderíamos encontrar em Gouveia e Melo que a disputa pode ser feita – autoridade sem autoritarismo, independência com conteúdo. Nunca o regime e os partidos contra a novidade inexperiente, como tenta Marques Mendes. Por mais justa que seja, é perdedora. Desse ponto de vista, António Vitorino seria tão ineficaz como Marques Mendes.

Quanto ao PS, terá de escolher: apoiar Seguro e transformar estas presidenciais num trágico ajuste de contas com o seu passado vitorioso; apoiar outro candidato, atirando Seguro para um espaço sobrelotado; ou ficar neutro, de novo, não arriscando mais uma derrota, mas contando cada vez menos.

Um candidato forte na disputa ao almirante não é apenas relevante para os resultados eleitorais. É, mesmo que a sua vitória seja inevitável, fundamental para impedir uma caminhada triunfal sem escrutínio, especialmente incompreensível num tempo perigoso e com um candidato de quem sabemos tão pouco.

Só a tempestade de uma campanha disputada revelará o líder. Não queremos descobrir, depois de eleito, de que massa é feito um político que antes de o ser eleito já o era. Até porque, como se viu neste ciclo, a Presidência da República pode transformar-se num importante foco de instabilidade.»


1.6.25

Quatro Estações

 


Tela Arte Nova «Quatro Estações», com uma estação do ano em cada painel. Petit Palais, Museu das Belas Artes de Paris. Fim do século XIX, início do XX.
Eugene-Samuel Grasset.

Daqui.

Todos, todos, todos, amigos para sempre

 


01.06.1967 – Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band

 


Foi há 58 anos que os Beatles lançaram o álbum em Londres (e, nos Estados Unidos, no dia seguinte). Considerado um dos mais importantes exemplares da história do rock e, em 2003, colocado em primeiro lugar na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame, pela revista «Rolling Stone», foi gravado numa fase de um certo «recuo», com os Beatles cansados de digressões e no rescaldo do escândalo provocado pelas declarações de John Lennon quando afirmou que o conjunto de Liverpool era mais popular do que Jesus Cristo. Trata-se de um álbum extremamente inovador, desde a capa à técnica de gravação.

A BBC considerou que várias canções tinham letras influenciadas por drogas e proibiu que fossem transmitidas («A Day in The Life», «Lucy in the Sky with Diamonds»), mas, só nos EUA, foram vendidas mais de 11 milhões de cópias do LP.

Bem difícil se torna a escolha de algumas canções, entre as treze, mas repesco três: 






.

Mudam-se os tempos

 


A solução está à esquerda

 


«Bem sei que pode parecer insensato o título deste escrito, principalmente depois da expressiva derrota eleitoral das esquerdas nas eleições do dia 18 de maio, mas o meu ponto de partida é o seguinte: a crise institucional da democracia que se vive também no nosso país e se traduziu no desfecho eleitoral tem como origem o desprestígio e a impopularidade do monopólio rotativo da governação PS-PSD. Adotando em áreas fundamentais políticas essencialmente idênticas, ela permitiu a degradação dos principais serviços públicos, agravou as desigualdades sociais e as condições de vida. Isso mesmo semeou descontentamento, insegurança, desespero e zanga em largos setores da população contra o bloco central informal no poder e a ineficácia injusta dos seus governos.  

Como sucedeu noutros países, também em Portugal a extrema-direita potenciou e cavalgou – com largos apoios financeiros e mediáticos e novos instrumentos de manipulação algorítmica – esse mal-estar de setores relevantes das classes médias e assalariadas. Apelou sem pudor ao medo e aos instintos primitivos, explorou a desinformação e a ignorância difusa, mentiu todos os dias, manipulou, sempre estimulada por uma generosa e cúmplice cobertura mediática dominante. E perante a incapacidade das esquerdas de se afirmarem como alternativa, atropelou-as e colocou-se em posição de assaltar o poder, contra tudo o que a democracia conquistou política e socialmente com o 25 de Abril. 

A vitória eleitoral do PSD é, por isso mesmo, mais aparente e efémera do que real e estabilizadora do regime. A meu ver, à direita clássica, formalmente vencedora sem maioria absoluta, abrem-se três soluções possíveis. 

Primeira: apoiar-se parlamentar e politicamente num acordo informal e de incidência pontual com o PS – como este se dispõe a fazer –, colocando a extrema-direita numa situação apendicular. Será uma “contenção” meramente aparente e transitória: o esgotado situacionismo rotativo do centro-direita foi precisamente o que fez crescer a extrema-direita. O seu continuismo será provavelmente o prefácio do assalto ao poder pela extrema-direita em próximas eleições, a curto ou a médio prazo. 

Segunda: o PSD pode jogar no equilíbrio instável. Ou seja, pescando adrede apoios no campo do PS e aceitando integrar de forma acrescida as políticas da extrema-direita (securitarismo, anti-imigração, restrições das liberdades públicas e dos direitos laborais…). O resultado seria o mesmo da primeira solução, só que mais acelerado: um continuismo mais chegado à extrema-direita apressa o seu advento. 

Terceira: a direita tradicional pode desfazer-se paulatinamente do “não é não” e mandar às urtigas a aparência de “cordão sanitário”, como reclama um largo setor do PSD e já acontece pela Europa fora, e não só. Nesse caso, temos uma aliança parlamentar da velha direita com a nova extrema-direita, a caminho de um novo tipo de regime autoritário: uma espécie de neofascismo adaptado ao regime de historicidade e às condições sociais da época atual. Com tudo o que isso implica. 

Na realidade, à luz da democracia conquistada em Abril, as soluções aparentemente previsíveis para a direita desembocam num caminho de regressão cívica e civilizacional a curto ou a médio prazo. Perante a gravidade do que se configura, a solução, do ponto de vista da liberdade e justiça social, tem de se buscar, de se construir, com um novo curso de políticas alternativas, isto é, à esquerda. Mudando o paradigma. Devemos talvez, nesta situação grave, procurar com lucidez e coragem reinventar o antifascismo. Ou seja, promover uma solução à esquerda, plural, que una tudo o que pode ser junto em torno de um duplo objetivo geral: defender a democracia e a liberdade, por um lado, salvaguardar e aprofundar a justiça social e distributiva por outro. Para tal, lutando por políticas concretas e urgentes que respondam à crise da habitação; à defesa e melhoria do SNS, da escola pública e dos salários e pensões; ao combate ao racismo e a todas as formas de exclusão e discriminação em função do género ou da orientação sexual. Um antifascismo que se coloque contra a guerra e a demência armamentista que a promove e se pronuncie sem tibiezas aviltantes contra o massacre genocida em Gaza e pelos direitos do povo palestiniano. 

Não é, certamente, um caminho fácil neste rescaldo de um duro revés eleitoral. Exige diálogo e construção de acordos entre forças políticas, movimentos sociais e cidadania. Mas certamente a dispersão e a divisão não são a resposta digna do nosso compromisso com o passado e com o futuro. Apesar de tudo, Abril vale bem um entendimento. E de cabeça erguida.»  

Fernando Rosas

https://www.publico.pt/2025/05/31/opiniao/opiniao/solucao-esquerda-2134574


Assim cresce o mundo