1.6.25

A solução está à esquerda

 


«Bem sei que pode parecer insensato o título deste escrito, principalmente depois da expressiva derrota eleitoral das esquerdas nas eleições do dia 18 de maio, mas o meu ponto de partida é o seguinte: a crise institucional da democracia que se vive também no nosso país e se traduziu no desfecho eleitoral tem como origem o desprestígio e a impopularidade do monopólio rotativo da governação PS-PSD. Adotando em áreas fundamentais políticas essencialmente idênticas, ela permitiu a degradação dos principais serviços públicos, agravou as desigualdades sociais e as condições de vida. Isso mesmo semeou descontentamento, insegurança, desespero e zanga em largos setores da população contra o bloco central informal no poder e a ineficácia injusta dos seus governos.  

Como sucedeu noutros países, também em Portugal a extrema-direita potenciou e cavalgou – com largos apoios financeiros e mediáticos e novos instrumentos de manipulação algorítmica – esse mal-estar de setores relevantes das classes médias e assalariadas. Apelou sem pudor ao medo e aos instintos primitivos, explorou a desinformação e a ignorância difusa, mentiu todos os dias, manipulou, sempre estimulada por uma generosa e cúmplice cobertura mediática dominante. E perante a incapacidade das esquerdas de se afirmarem como alternativa, atropelou-as e colocou-se em posição de assaltar o poder, contra tudo o que a democracia conquistou política e socialmente com o 25 de Abril. 

A vitória eleitoral do PSD é, por isso mesmo, mais aparente e efémera do que real e estabilizadora do regime. A meu ver, à direita clássica, formalmente vencedora sem maioria absoluta, abrem-se três soluções possíveis. 

Primeira: apoiar-se parlamentar e politicamente num acordo informal e de incidência pontual com o PS – como este se dispõe a fazer –, colocando a extrema-direita numa situação apendicular. Será uma “contenção” meramente aparente e transitória: o esgotado situacionismo rotativo do centro-direita foi precisamente o que fez crescer a extrema-direita. O seu continuismo será provavelmente o prefácio do assalto ao poder pela extrema-direita em próximas eleições, a curto ou a médio prazo. 

Segunda: o PSD pode jogar no equilíbrio instável. Ou seja, pescando adrede apoios no campo do PS e aceitando integrar de forma acrescida as políticas da extrema-direita (securitarismo, anti-imigração, restrições das liberdades públicas e dos direitos laborais…). O resultado seria o mesmo da primeira solução, só que mais acelerado: um continuismo mais chegado à extrema-direita apressa o seu advento. 

Terceira: a direita tradicional pode desfazer-se paulatinamente do “não é não” e mandar às urtigas a aparência de “cordão sanitário”, como reclama um largo setor do PSD e já acontece pela Europa fora, e não só. Nesse caso, temos uma aliança parlamentar da velha direita com a nova extrema-direita, a caminho de um novo tipo de regime autoritário: uma espécie de neofascismo adaptado ao regime de historicidade e às condições sociais da época atual. Com tudo o que isso implica. 

Na realidade, à luz da democracia conquistada em Abril, as soluções aparentemente previsíveis para a direita desembocam num caminho de regressão cívica e civilizacional a curto ou a médio prazo. Perante a gravidade do que se configura, a solução, do ponto de vista da liberdade e justiça social, tem de se buscar, de se construir, com um novo curso de políticas alternativas, isto é, à esquerda. Mudando o paradigma. Devemos talvez, nesta situação grave, procurar com lucidez e coragem reinventar o antifascismo. Ou seja, promover uma solução à esquerda, plural, que una tudo o que pode ser junto em torno de um duplo objetivo geral: defender a democracia e a liberdade, por um lado, salvaguardar e aprofundar a justiça social e distributiva por outro. Para tal, lutando por políticas concretas e urgentes que respondam à crise da habitação; à defesa e melhoria do SNS, da escola pública e dos salários e pensões; ao combate ao racismo e a todas as formas de exclusão e discriminação em função do género ou da orientação sexual. Um antifascismo que se coloque contra a guerra e a demência armamentista que a promove e se pronuncie sem tibiezas aviltantes contra o massacre genocida em Gaza e pelos direitos do povo palestiniano. 

Não é, certamente, um caminho fácil neste rescaldo de um duro revés eleitoral. Exige diálogo e construção de acordos entre forças políticas, movimentos sociais e cidadania. Mas certamente a dispersão e a divisão não são a resposta digna do nosso compromisso com o passado e com o futuro. Apesar de tudo, Abril vale bem um entendimento. E de cabeça erguida.»  

Fernando Rosas

https://www.publico.pt/2025/05/31/opiniao/opiniao/solucao-esquerda-2134574


0 comments: