20.4.19

Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos - Inauguração (2)




Mais um excerto do filme que poderá ser visto num dos televisores do Memorial, a partir do dia 25 de Abril.
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Coimbra 1969




Muito se publicou, sobretudo em Coimbra, a propósito do 50º aniversário do início da Crise Académica de 69. Escolho este texto de Manuela Cruzeiro – uma verdadeira «pérola», bem ao nível da sua autora.
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Entrevista a Maria João Pires



Foi excelente ver e ouvir, ontem à noite na RTP1, a magnífica pianista.

Mas ninguém com responsabilidade na estação pública de TV previu que Fátima Campos Ferreira NÃO ERA a pessoa indicada para o trabalho? Chegou a ser doloroso vê-la «estragar» a prestação de Maria João Pires.
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Somos estáveis, não éramos?



«É um sinal dos tempos que devia fazer soar todos os alertas. Um protesto silencioso, que ninguém antecipou (da comunicação social ao Governo, passando pelo patronato e serviços de informação), consolida a ideia de que, também em Portugal, os mecanismos de representação se estão a transformar radical e paulatinamente.

Quando nos regozijamos por não existirem, entre nós, novos partidos, que por simplismo etiquetamos de populistas, tendemos a sobrevalorizar o papel dos partidos e, ao mesmo tempo, a subestimar os sintomas de fadiga dos restantes mecanismos tradicionais de representação e a emergência de novas organizações. Como sempre acontece, é no mundo do trabalho que se vislumbram os primeiros sinais do novo. E, em Portugal, tem havido bem mais novidades do que somos levados a crer.

Há, aliás, um padrão recorrente: a erosão dos velhos sindicatos, que negoceiam, chegam a acordos, mas representam cada vez menos, é acompanhada pela emergência repentina de novos movimentos, mais inorgânicos, reivindicativos e, também, disruptivos.

A escalada de conflitualidade social tem, é claro, raízes na ideia de que há uma folga orçamental que pode ser gerida, pela qual todos competem, mas assenta, essencialmente, na transformação da própria natureza do protesto. Cada vez mais, o direito à greve é, de facto, exclusivo de uns quantos gate-keepers, que, pelos lugares estratégicos que ocupam nas sociedades, podem causar grande perturbação, com pouco esforço e escassa proporcionalidade entre caderno reivindicativo e danos causados a terceiros.

Sintomaticamente, o velho movimento sindical português, sempre acusado de maximalismo e de viver sob a alçada do PCP, canaliza o protesto para os canais institucionais, cumpre os serviços mínimos e, de certa forma, ajuda à manutenção dos equilíbrios do regime que duram desde a transição para a democracia.

Hoje, assistimos à formação de uma realidade distinta. A fragmentação das estruturas de representação de interesses coexiste com reivindicações esparsas e incontidas — muitas das vezes, nas margens da legalidade e que visam, por exemplo, promover a evasão contributiva. Tudo isto marcado pela ocupação de lugares contraditórios: com ordens profissionais que agem como sindicatos, patrões que são também sindicalistas ou comissões de trabalhadores que reinventam o basismo.

Há, é óbvio, aspetos positivos nesta transformação. Desde logo, um incremento no pluralismo — ajudando a corrigir défices crónicos em Portugal — e mais representação do mundo do trabalho. Mas os motivos para otimismo quase que terminam aí. A maior novidade são mesmo os fortes indícios de formação de uma nova ordem política, que se vai instalando de forma larvar. Como acabaremos por descobrir, os coletes amarelos não têm de chegar sempre de colete e muito menos de amarelo.»

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19.4.19

Assim vamos…



Este ser é o responsável geral do Partido Cidadania e Democracia Cristã e dizem-me que integra a lista de candidatos às Europeias pela coligação «Basta» (que queria ser «Chega»).
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Desculpem lá, mas hoje é o dia


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Afinal, onde estava esta extrema-direita de hoje?



«Ainda há poucos anos, sobre o avanço visível da extrema-direita por toda a Europa e as Américas (e Israel, claro), dizia-se que era coisa passageira de que era melhor não falar para não lhes dar importância. Achava-se que eram movimentos muito minoritários, raramente elegiam deputados e, quando o faziam, eram perfeitamente prescindíveis na constituição de maiorias de governo apesar de, já então, irem contaminando o discurso das direitas clássicas e marcando a agenda dos media. Depois de terem aproveitado a onda anticomunista do final do século XX para ocupar um espaço enorme no mapa político da Europa centro-oriental, transformaram o fim dos regimes que se reivindicavam comunistas numa oportunidade histórica para fazer uma crítica demolidora da democracia mais ou menos redistributiva para a qual o Ocidente capitalista fora obrigado a evoluir com o triunfo do antifascismo em 1945 e do movimento descolonizador ao longo dos vinte anos seguintes, ambos abrindo caminho à emancipação (sempre incompleta e ameaçada) das mulheres e das minorias étnicas e de orientação sexual. Os neofascistas do final do séc. XX e os racistas disfarçados de culturalistas (como se o problema para eles não estivesse na “raça” mas na “incompatibilidade cultural”) nunca estiveram sozinhos: a onda neoconservadora de Thatcher, Reagan e Kohl partilhava com eles a mesma leitura horrorizada do avanço das ideias socialistas na universalização da educação, da saúde e da segurança social pública que faziam social o chamado Estado de Bem Estar. Como a extrema-direita, também Thatcher achava que a desigualdade de classes, ou o próprio conceito de sociedade, eram puras mistificações marxistas; para ela, para Reagan e para a extrema-direita, o que havia era a Nação e os seus inimigos internos (nome que Thatcher deu aos mineiros da longa greve de 1984-85), era o Ocidente com o dever histórico de recuperar a sua supremacia. Sobre a Grã-Bretanha desses anos fazia-se a mesma pergunta que recentemente se fazia sobre Portugal e Espanha: porque razão não tinha ela uma forte Frente Nacional como a França? A resposta era simples (e é a mesma que deve ser dada sobre os casos ibéricos): porque ela estava dentro da direita tradicional, era thatcherista. Enquanto a enésima crise financeira do capitalismo internacional não desvertebrou os sistemas de representação do Ocidente, a extrema-direita não achou ser útil autonomizar-se. Quando o fez, de onde saíram todos os seus dirigentes? Dos partidos da direita tradicional – deixando lá dentro, como se vê bem, muitos aliados potenciais com os quais partilham ideias e políticas.

Salvo raras exceções, esta é a origem das direitas radicais dos últimos 25 anos: verificando que o estado de crise e guerra permanente em que o Ocidente passou a viver propicia um regresso a uma cosmovisão de medo do outro e de medo da perda, elas, que se haviam mantido ativas contra todas as mudanças do pós-1945 (direitos cívicos e sociais, descolonização, feminismo), acolhidas sempre no interior dos partidos das direitas de governo em todo o Ocidente, preferiram autonomizar-se e, a partir de fora, marcar o passo dos seus antigos correligionários. Desde Berlusconi, em 1994, até Trump e Bolsonaro, as direitas clássicas não hesitaram nos últimos 25 anos em se coligar com elas. E sempre que disseram que o não queriam fazer, roubaram-lhes o discurso – isto é, radicalizaram-se. Nos anos 30, a isto chamou-se outra coisa: fascizaram-se.

É o que está a suceder em Espanha: perdido na miríade de movimentos neofranquistas que sempre existiram desde a morte de Franco, o Vox, criado por dissidentes do PP, com forte presença de militares e de polícias (modelo que o Chega quer imitar em Portugal), passou de coisa pateticamente minúscula (0,2% nas eleições de 2016) a aliado de governo do PP e dos Ciudadanos na maior região de Espanha, a Andaluzia. Com as sondagens a darem-lhe agora mais de 10% dos votos, a direita clássica só com ele regressará ao poder. Para facilitar, fala como eles. Se o Vox quer acabar com as políticas de luta contra a violência de género “porque são discriminatórias”, o PP quer revogar o aborto. Para regressar a 1936 e ouvir a retórica nauseabunda da “Espanha partida” ou da equiparação dos presos políticos catalães a “terroristas”, não é preciso ouvir um neofascista do Vox: basta ouvir o PP ou os Ciudadanos.

A pergunta ingénua de porque não havia uma extrema-direita organizada em Portugal e em Espanha passou a ter a resposta óbvia. E sinistra.»

Manuel Loff
(Sem link, recebido por mail.)
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18.4.19

Uma campanha democrática, sem mentira e desinformação



NO DIA 25 DE ABRIL, APELAMOS À CIDADANIA PARA UMA JORNADA DE DENÚNCIA DOS MAIORES FOCOS DE NOTÍCIAS FALSAS NAS REDES SOCIAIS PORTUGAL.

A desinformação e mentira nas redes digitais tornou-se um perigo real para a nossa democracia. Notícias falsas sempre houve, mas a internet e as redes sociais garantem hoje um meio de difusão com alcance crescente. Dos Estados Unidos da América ao Brasil, as consequências nefastas da intoxicação do debate político obrigam à ação. Segundo o Reuters Institute, o alcance de conteúdos falsos é, nas redes sociais, muito maior do que conteúdos noticiosos de fontes credíveis. Este movimento de cidadãos pretende contribuir para a transparência do debate público enfrentando a desinformação e a mentira. Quando vale tudo, é impossível a democracia baseada na escolha informada. A internet não deve ser o espaço da política suja.

Este ano há três eleições: Europeias, Regionais da Madeira e Legislativas. Apelamos a todos para que assumam publicamente um combate à mentira e desinformação, rejeitando qualquer prática que as promova nas redes sociais, nomeadamente a partilha de conteúdos provenientes de sites noticiosos não registados, seja em perfis oficiais ou não oficiais. Igualmente, os perfis e contas falsas nas redes sociais devem ser ativamente combatidos e bloqueados por partidos e políticos com presença nas redes sociais.

Estas práticas devem ser também as de todos os cidadãos, que têm ferramentas de denúncia e bloqueio disponíveis em cada rede social.

Propomos à cidadania que o dia 25 de abril, 45º aniversário da democracia em Portugal, seja a jornada #25abrilnaRede de neutralização dos maiores focos de notícias falsas nas redes sociais portuguesas, que iremos denunciar e bloquear.

Em 2019, decidiremos o nosso voto sem a intoxicação de quem despreza a democracia.

PRIMEIROS SUBSCRITORES:

Cristina Carvalhal
Cucha Carvalheiro
Daniel Oliveira
Diana Andringa
Filomena Cautela
Isabel Abreu
Joana Lopes
Joana Solnado
Olga Roriz
Pedro Vieira
Rueffa
Sara Carinhas

Manifesto, AQUI.
.esto:  

Pedro Nuno Santos? Venham mais cinco



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Sondagem Europeias



A Aximage divulgou hoje as seguintes previsões quanto a eleição de número de eurodeputados portugueses:

PS    – 8
PSD – 8
CDU –2
BE –    2
CDS – 1
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"Fuck them"



«O conceito de Verão Quente mudou em 2006. Às elevadas temperaturas - normais para aquela altura do ano - juntaram-se os inevitáveis incêndios que voltavam a consumir milhares de hectares de floresta e ainda o BCP. O maior banco privado português, que havia falhado, na primavera, uma OPA sobre o BPI, tinha em curso uma guerra pelo poder. De um lado estava o fundador do banco, Jardim Gonçalves. Do outro, o seu ex-delfim, Paulo Teixeira Pinto.

O banco ardia em lume brando há vários meses e não faltavam pessoas disponíveis para atirar cada vez mais gasolina para a fogueira. Uma dessas pessoas era o empresário José Berardo. Joe para os amigos, comendador para os jornalistas.

A história do self-made man sempre "vendeu" bem. O madeirense que veio do nada, que emigrou para a África do Sul e fez fortuna - ainda que nunca ninguém tenha percebido exatamente como - tinha, ainda por cima, uma maneira engraçada de falar. Ao português que mesclava a pronúncia madeirense com o inglês sul-africano, Berardo juntava ainda um guarda-roupa muito próprio, típico de um empresário que veste sempre de igual para não perder tempo a pensar no outfit que vai ter de usar todos os dias.

Durante aqueles meses de 2006, o comendador fez as delícias das audiências televisivas, desdobrando-se em entrevistas que lhe serviam o duplo propósito de alimentar o ego e tentar convencer os acionistas do BCP a apoiar Paulo Teixeira Pinto e afastar, definitivamente, Jardim Gonçalves do poder.

Mas, para lá chegar, esta estratégia, por si só, nunca seria suficiente. Berardo precisava de arranjar aliados e, sobretudo, de conquistar o poder acionista dentro do banco, de forma a poder ter uma palavra cada vez mais decisiva nas assembleias gerais.

O empresário madeirense, que começou por ter uma pequena participação no banco, foi aumentando o capital ao longo dos anos 2006 e 2007. Em plena crise do BCP, e com as cotações hiperinflacionadas, Berardo mais do que duplicou a sua participação, chegando mesmo aos 7%. O "como" não será, seguramente, apenas mais um pormenor desta história, mas o diabo, esse, esteve sempre lá.

Para alimentar esta espécie de brincadeira de adultos, Berardo financiou-se onde pôde. Ou, neste caso, onde tinha "amigos". A começar pelo BCP - pois claro -, seguindo-se o BES - what else? - e a Caixa Geral de Depósitos, onde, à época, pontificavam nomes como Carlos Santos Ferreira, Armando Vara ou mesmo Carlos Costa, o atual governador do Banco de Portugal, que não viu, não esteve, não sabia.

Foi nestes três bancos que Berardo se armou até aos dentes para travar a guerra de poder que estava em curso no BCP. Empréstimos de milhões de euros, que serviam para comprar ações do banco e que tinham como colateral as próprias ações. Como se de ouro se tratasse. Como se nenhum dos administradores que autorizaram estes empréstimos soubesse o risco que estavam a correr. Eles não - nós.

Uma das tarefas mais difíceis para um jornalista de economia, na altura, era conseguir explicar às pessoas - e, às vezes, à própria redação - porque é que a guerra no BCP era tão importante para o país. Que não se tratava apenas de uma novela cujo guião continha todos os ingredientes para ser um sucesso de audiências: dinheiro, traição, poder, teias de influência, maçonaria e Opus Dei. O que se passou no BCP entre 2006 e 2007 era importante sobretudo porque estava em curso a destruição do maior banco privado português. Com todos os efeitos sistémicos que isso teria para o país.

Treze anos depois, é hoje possível termos uma noção mais clara da dimensão dos estragos. Não foram apenas a instabilidade acionista que se seguiu, a ajuda que o Estado teve de dar ao banco - e que, entretanto, já foi paga -, os milhões de euros em crédito malparado que a atual administração ainda hoje anda a limpar. A consequência da irresponsabilidade de pessoas como José Berardo, mas sobretudo de quem lhe emprestou dinheiro de olhos fechados - ou bem abertos, depende da perspetiva -, é um calote de 980 milhões de euros a três dos mais importantes bancos portugueses: a Caixa, o Novo Banco e o BCP. Fora todos os outros bancos a quem Berardo também continua a dever dinheiro.

Não será preciso lembrar que a Caixa, o Novo Banco e o BCP custaram-nos - e continuam a custar - muito dinheiro. Que são três dos mais importantes bancos do sistema financeiro português, a quem o Estado teve que dar a mão para não fecharem as portas. Mas talvez seja útil recordar que muitos dos responsáveis por este "assalto" continuam a exercer atividade na banca. Que nenhum impedimento caiu sobre eles. Não será de mais sublinhar que houve quem fosse promovido: Vítor Constâncio - o governador do Banco de Portugal à época, a quem agora deu um ataque de amnésia - subiu a vice-presidente do Banco Central Europeu. Carlos Costa - o homem que não viu, não soube, não estava - passou de regulado a regulador.

Sobra-nos o próprio Joe Berardo. O investidor multimilionário que continua a passear-se pelas suas quintas e pelo museu onde expõe algumas das obras de arte mais caras do mundo, que aparentemente só tem em seu nome uma garagem no Funchal. A estratégia tem tanto de velha como de conhecida. E se é estranho, em 2019, continuarmos a contar histórias destas, é, no mínimo, revoltante perceberemos que ainda há no país muitos Berardos a gozar connosco. Citando o próprio comendador: "Fuck them"

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17.4.19

Nem com açúcar e com afecto


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Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos - Inauguração



25 de Abril, 14:00, Estação de metro Baixa-Chiado, em Lisboa.

Primeiros minutos de um filme que poderá ser visto num dos televisores do Memorial:


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Ai "Notre Dame"!... o trabalho está a matar-nos?



«Ao longo de mais de um século um grande estaleiro juntou, seis vezes por semana, uma média diária de 300 homens. Alguns começaram, ainda crianças, a trabalhar ali. Muitos deles também morreram naquele local, sem conhecerem mais nada deste mundo.

Eles eram artífices especializados num ofício, ensinado em segredo por um mestre. Eles foram exclusivos toda a vida, dedicada, apenas, a um monumento ao segredo da conceção divina do filho de Deus.

Lentamente, penosamente, ergueram pedra a pedra, fundiram ferro a ferro, juntaram tábua a tábua, chumbaram vidro a vidro, "toc toc!", "tac tac!", "tic tic!" e construíram, penosamente, sabiamente, à mão, com ferramentas de artesão, os gigantescos corpos principais da Catedral de Notre Dame de Paris.

Há 850 anos trabalhava-se enquanto houvesse luz, do nascer ao pôr-do-sol. Tal como a catequese cristã afirma ter sido um direito do Criador do mundo, os criadores da Catedral de Notre Dame descansaram aos domingos. E, ao longo de cada ano, aproveitaram uma quarentena de feriados para honrar santos, reverenciar Jesus ou Maria e armazenar no coração algum descanso retemperador.

Durante um dia de trabalho cada homem tinha direito a parar uma hora para almoçar e, a meio da tarde, a outros 15 minutos para beber... de preferência vinho, a bebida da falsa força.

O pagamento do salário, para quem tinha direito a ele, era diário e ninguém concebia remunerações por feriados, folgas ou férias.

A vida de um construtor de Notre Dame, no século XII ou no século XIII, era, para qualquer um de nós, cidadãos ocidentais deste mundo do século XXI, insuportável.

Mas ser trabalhador na construção de Notre Dame nos séculos XII ou XIII era, simultaneamente, uma das melhores vidas possíveis dos homens que Deus teve a graça de não fazer nascer como filhos das classes superiores da sociedade feudal e cristã.

Foram milhares os trabalhadores que ergueram a Catedral de Notre Dame de Paris. Um incêndio, talvez atiçado por um fósforo, um cigarro, uma faísca, algo milésimo, mínimo, minúsculo, arriscou esta segunda-feira destruir uma enorme obra da Humanidade.

A vitória dos bombeiros que salvaram a estrutura principal de Notre Dame salvou a memória de um enorme sacrifício de vidas, que a ignorância sobre o real número de mortos sucumbidos às falhas da construção ou a ausência de contagem de almas condenadas a uma existência confinada à pequena Île de la Cité, nos anos de 1163 a 1267, escamoteia da maior parte dos livros de História.

Todos os grandes edifícios construídos pela Humanidade, das pirâmides do Antigo Egipto aos arranha-céus de Nova Iorque, do Mosteiro dos Jerónimos ao Convento de Mafra, resultaram da imposição do sacrifício, da dedicação da vida, da inaceitável morte, do glorioso compromisso de milhões e milhões de trabalhadores.

Sempre que uma grande obra da humanidade desaparece, não morre apenas a memória da arte ou da engenharia que a germinaram. Sempre que uma grande obra da humanidade desaparece, falece também a memória do trabalho e desvanece um registo das etapas de progresso social que nos trouxeram até aqui.

E o que é o trabalho, hoje, aqui? É o trabalho com direitos, com horários, com pausas, com folgas, com salários, com férias pagas? Ou é um tempo em que as coisas parecem andar séculos para trás, até à época do trabalho quase escravo que ergueu Notre Dame?

Que tempo é este, que leva os jornais do século XXI a alertar: "O trabalho está a matar pessoas e ninguém se importa"?»

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Saudades, quem as não tem


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16.4.19

Marisa Matias sobre refugiados, imigrantes e a «Europa Fortaleza»





(Daqui)
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16.04.1975 – O dia de muitas nacionalizações


@Alfredo Cunha

Logo após o 11 de Março de 1975, mais concretamente por decretos publicados nos dias 14 e 15, foram nacionalizadas quase todas as instituições de crédito e de seguros.

Mas 16 de Abril foi um marco importante no processo, já que foi longa a lista de empresas que passaram a ser controladas pelo Estado nessa data: TAP, CP, empresas portuguesas refinadoras e distribuidoras de petróleo, de transportes marítimos, de siderurgia e empresas produtoras, transformadoras e distribuidoras de electricidade – entre as quais a Companhia Nacional de Navegação, Siderurgia Nacional, Cidla, Sonap e Sacor.

Ainda de madrugada, o PS emitiu um comunicado em que «saúda as decisões (...) e apela para que o maior número de militantes e simpatizantes se associem à festa socialista, no próximo Domingo, às 15h30, no estádio 1º de Maio, em Lisboa, onde será manifestado o regozijo dos socialistas por essa decisão histórica e o apoio do PS ao MFA e ao Governo Provisório». (Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, Os dias loucos do PREC, p.77)

Para esse mesmo dia, ao fim da tarde, foi convocada uma manifestação – promovida pelo PCP e com a adesão de MDP/CDE, MES, FSP, Intersindical, LCI e PRT – de «apoio» e «regozijo» com as nacionalizações. Do Rossio a S. Bento, 100.000 pessoas (segundo notícia do Diário de Lisboa de 17 de Abril) desfilaram com bandeiras de partidos e de comissões de trabalhadores. Por volta das 23:00, Vasco Gonçalves, então primeiro-ministro do IV Governo Provisório, recebeu na residência oficial representantes dos partidos, que lhe manifestaram total apoio às medidas decretadas e a eventuais futuras com a mesma orientação.

(O Diário de Notícias de hoje assinala a data: Aconteceu em 1975 - O apogeu do PREC.)
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Paris, ainda



Dizem-me que se trata de uma montagem. Que seja...
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A maior conquista da geringonça



«Os anos eleitorais não são bons para fazer balanços. Há demasiados atores políticos interessados em influenciar a perceção do mundo. Mesmo quem se esforça por manter uma distância crítica é afetado pelo ruído mediático ou pelas suas próprias convicções. Por estas e outras razões, a prudência recomenda que se aguarde alguns anos até fazer um balanço rigoroso dos fenómenos políticos. Com todas estas cautelas, há um aspeto que pode vir a revelar-se o maior contributo da geringonça para o desenvolvimento do país: a confiança na democracia.

Todos os dias assistimos a histórias de comportamentos menos éticos na vida política, pelo que a ideia pode parecer estranha. Mas os dados são claros: Portugal é desde 2015 um caso exemplar de reforço da confiança dos cidadãos nos atores e nas instituições democráticas. É isto que mostram os resultados do Eurobarómetro, um inquérito de opinião bianual da Comissão Europeia.

No outono de 2015 apenas 15% dos portugueses confiavam no governo e 18% no parlamento. Tal como nos restantes países do sul, estes valores encontravam-se abaixo da média da UE (27% e 28%, respetivamente). Segundo os últimos dados disponíveis, no outono de 2018 a situação tinha mudado de forma clara: os níveis de confiança em Portugal subiram para 37% no caso do governo e para 43% no caso do parlamento. Ao contrário do que era costume, os níveis de confiança naqueles órgãos de soberania em Portugal encontram-se agora acima da média da UE (35% em ambos os casos).

O mesmo não aconteceu noutros países do sul. Por exemplo, segundo os últimos dados, em Espanha a taxa de confiança no governo é de apenas 19% e no parlamento de 15%, um pouco acima do verificado em 2015, mas muito abaixo da média da UE.

No que respeita à perceção dos cidadãos sobre o sistema democrático a situação é semelhante. No outono de 2018, 64% dos portugueses diziam-se satisfeitos com o funcionamento da democracia no país, acima da média da UE (57%) e muita acima dos níveis dos outros países do sul (26% na Grécia, 40% em Espanha e 42% em Itália).

Nos últimos anos Portugal foi visitado por dezenas de jornalistas de vários países europeus que vêm tentar perceber o que alguns apelidam de "milagre português". Na maioria dos casos, quem nos visita não têm em mente os dados que referi. O que os motiva é saber como foi possível compatibilizar o aumento dos salários e dos direitos, o cumprimento das regras orçamentais da UE e a redução do desemprego.

Quando me perguntam, respondo que não há milagre nenhum. Há, em primeiro lugar, um contexto internacional favorável: baixas taxas de juro, preço do petróleo moderado, câmbio do euro face ao dólar competitivo e bom desempenho económico dos países da zona euro (que se reflete, entre outras coisas, no crescimento do turismo). A nível interno, a devolução de rendimentos e, acima de tudo, o fim da ameaça permanente de novos cortes, contribuíram para o crescimento do consumo interno. A capitalização do sistema financeiro nacional, por muito questionável que seja o modo como foi conseguida, afastou do horizonte os piores cenários de instabilidade. Tudo isto somado gerou confiança e permitiu alguma recuperação do investimento.

A solução política inovadora adotada em novembro de 2015 também contribuiu para a recuperação económica por duas outras vias: reduziu os níveis de conflitualidade social e contribuiu para passar a imagem de um país em que as mudanças de ciclo político podem fazer-se sem sobressaltos (o que investidores estrangeiros apreciam).

Mas as conquistas da geringonça vão muito além dos contributos que deu para a retoma económica. As democracias representativas são sistemas frágeis. Baseiam-se na confiança dos eleitores nos representantes que elegem e nos governos que daí resultam. Poucos em Portugal estarão convencidos de que os políticos são todos competentes e impolutos. No entanto, as pessoas estão hoje mais convencidas do que no passado (e bastante mais do que em países comparáveis) de que a democracia funciona, de que o governo existe para promover o bem comum e de que o parlamento cumpre o seu papel de representação da vontade dos cidadãos.

No mundo em que vivemos, o aumento da confiança na democracia não é uma conquista menor da geringonça. Ainda que fosse só por isto, já teria valido a pena.»

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15.4.19

Paris, sempre Paris



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Paris - Não há palavras




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O drama de Tiananmen começou há 30 anos



Foi no dia 15 de Abril de 1989 que tiveram início os protestos na Praça Tiananmen, em Pequim, desencadeados pela morte de Hu Yaobang, ex-secretário geral do Partido Comunista Chinês, anteriormente afastado por defender a necessidade de uma liberalização a nível político.

Na véspera do seu funeral, concentraram-se na Praça cerca de 100.000 pessoas, de lá os protestos irradiaram para diversas ruas de Pequim e, mais tarde, contagiaram outras cidades chinesas. Foram-se repetindo até que, menos de dois meses mais tarde, aconteceu o que todos sabemos, mas alguns ainda tentam ignorar: no início de Junho, os tanques avançaram brutalmente sobre a mítica praça da capital chinesa e tudo acabou em tragédia.

Porque se assinala hoje o 30º aniversário do início dos protestos há relatos de protagonistas, como o de Cheng Xin que declara que «o espaço das liberdades públicos se reduziu desde há trinta anos» e que a Praça Tiananmen nunca poderia ser tomada de assalto hoje, como o foi então: há que passar por entradas de segurança, câmaras que tudo espiam, etc., etc. Estive lá há um ano, confirmo tudo isso e acrescento: 1989 continua a ser tabu intransponível e retive o silêncio da simpática guia que nos acompanhava e que, várias vezes interrogada, foi dizendo que dos acontecimentos de 1989 «nada sabia», que nasceu e vivia então na Manchúria, que nada viu, que não se aprende na escola, que há muitos milhões de chineses que nunca ouviram falar desse não assunto. «Não sei nada, não posso saber, não insistam, por favor.»






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Sustentabilidade do sistema de pensões português



Quem não quiser alinhar à toa na histeria que grande parte da esquerda, alimentada por uma comunicação social irresponsável, alimentou sobre o ESTUDO que a Fundação Francisco Manuel dos Santos adjudicou ao ICS, pode ler AQUI o respectivo resumo. É longo? Sim, é, mas lê-se facilmente.

E que venham «contra-estudos», também académicos, já que só indignações de ministros, ou recurso ao dinossáurico «Livro Branco», nem em trotinetas servem para ir ao encontro do que aí vem. Inteligência Artificial e impacto no mundo do trabalho, decréscimo de população, etc., etc. não são histórias para embalar meninos, mesmo portugueses.
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O poder das famílias e dinastias



«Quando se fala tanto do poder das famílias, talvez convenha descobrir como funciona. Primeiro mecanismo, a fortuna, a base do poder, herda-se, esse é o princípio de tudo. Dois investigadores do Banco de Itália descobriram uma base de dados sobre heranças: usaram os dados fiscais de Florença desde 1427 (quem diz que os italianos são desorganizados?) e verificaram que as famílias mais ricas desse período tiveram uma probabilidade excecional de vir a gerar descendentes bafejados pela fortuna em 2011, quase seis séculos mais tarde. Os autores concluem que há um “efeito duradouro do estatuto socioeconómico dos antepassados”.

Um segundo mecanismo é a fidelidade de classe. Três universitários, da Dinamarca e de duas faculdades da Califórnia, estudaram um caso e fizeram a seguinte pergunta: o que é que aconteceu às fortunas dos proprietários do sul dos Estados Unidos com o fim da Guerra Civil em 1865, sabendo que parte da sua riqueza eram escravos que foram emancipados? Foi um choque, os 10% mais ricos perderam 73% do que tinham. Mas em 1880 os filhos tinham recuperado as fortunas e em 1900 eram mais ricos do que os pais esclavagistas. A razão do sucesso foi a cooperação nas redes sociais dos proprietários. Nas famílias poderosas, a fortuna herda-se e garante sempre um ponto de partida mais à frente.


Dinastias

Foi assim que se ergueram as dinastias, que estão por todo o lado. Em Itália, a família Agnelli tem dominado 10% da bolsa (e a Juventus). Embora seja uma grande proporção para o padrão europeu, não é inaudito. As principais 10 famílias de Portugal controlavam 34% da bolsa (até ao colapso, em 2014, do grupo Espírito Santo) e o valor na França e na Suíça é de 29%. Na Suécia, o grupo dominante, a família Wallenberg, tem quase metade do mercado bolsista, com a Ericsson, SAS, SAAB, Electrolux, Atlas Copco, Café Ritazza, a farmacêutica AstraZeneca e outras empresas. Na Alemanha, os Quandts são os principais acionistas da BMW, que inclui a Mini e a Rolls-Royce.

Na Ásia, as dinastias são ainda mais dominantes: as primeiras 15 famílias de Hong Kong detêm 84% do PIB; na Malásia, as 15 mais ricas têm 76% do PIB, em Singapura 48% e nas Filipinas 47%. No Equador, a família Naboa é dona do quinto maior produtor do mundo de bananas e de 40% das exportações. Na Coreia do Sul, os maiores conglomerados são todos familiares, como a Samsung, Hyundai, LG, CJ, Hanwha, Lotte, Hanjin e GS Group.

Nos EUA, seis Waltons e dois Kochs, possuem tanta riqueza quanto 44% da população. Os Waltons têm cerca de 150 mil milhões de dólares — o PIB de um país desenvolvido de dimensão média — com a WalMart, a maior cadeia retalhista do mundo. Os Kochs são os grandes financiadores da extrema-direita no país. O capital move-se em família.


Demasiados herdeiros

No entanto, a herança pode ser um problema, o número de herdeiros cresce depressa. Nos EUA, de acordo com a “Forbes”, temos os Rockefellers (200 pessoas com 8,5 mil milhões de dólares), os Mellons (100 com 10 mil milhões) e os Du Ponts (300 elementos com 12 mil milhões); a França tem a família Michelin (400 pessoas com 1,2 mil milhões); a Alemanha tem as famílias Porsche e Piech, donos da Volkswagen (50 com 10 mil milhões), a Boehringer (12 com 10,2 mil milhões) e a Merck (100, donos de 4 mil milhões); no Canadá estão os Bombardiers (7 pessoas com 2,7 mil milhões); e, espalhados pela Europa e pelos EUA, os Rothschilds (10 pessoas com 1,5 mil milhões). Os Wendels empregam mais de um milhar de membros da família nas suas empresas Saint-Gobain e Nippon Oil Pump. Na família Mulliez (dona da Auchan, Decathlon e Leroy-Merlin Boulanger), mais de 600 elementos da família têm ações da empresa-mãe, mas seguem um pacto interno rígido que controla a liderança da empresa.

Na China, 103 descendentes dos “oito imortais” do tempo de Mao Tsé-Tung dirigem grandes empresas estatais. Três deles dominam um quinto da economia chinesa. Na Dalian Wanda, que afirma ter “120 vezes mais funcionários do que o Vaticano” e detém propriedades em Beverly Hills, os cinemas AMC e uma parte do Atlético de Madrid, há ações reservadas para a irmã mais velha do Presidente Xi Jinping e para a filha do antigo primeiro-ministro Wen Jiabao. As famílias são poder.


Herdeiros ou empresários?

Caroline Freund, antiga economista-chefe do Banco Mundial, estudou se as fortuna herdadas são mais importantes do que as fortunas recém-construídas. Descobriu que a percentagem de multimilionários que devem a sua posição à herança diminuiu em duas décadas de 55% (em 1996) para 30,4% (em 2014). Não obstante, nos EUA o valor chega a um terço e é mais de metade na Europa. Freund notou também que nas economias emergentes o valor das fortunas novas saltou dos 57% (1996) para 79% (2014). Seria esse o caso de Terry Gou, do gigante eletrónico Foxxconn, com um milhão de funcionários; de Zhou Qunfei, a mulher mais rica do mundo, da Lens Technology; ou dos dois gigantes da internet, Jack Ma (Alibaba) e Robin Li (Baidu). Mas aqui aparecem outras redes de ligações: no nosso século, empresas que já representam 8% da capitalização financeira mundial são geridas por familiares dos líderes políticos dos respetivos países. Foi o poder que fez as fortunas em Angola ou a oligarquia na Rússia, por exemplo.

É melhor levar a sério este poder. Pelo controlo das bolsas, da banca ou de governos, estas famílias são capital que manda no mundo.»

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14.4.19

Carta aberta de Jô Soares «ao Ilmo. Sr. Presidente Jair Bolsonaro»



Caro presidente Jair Bolsonaro. Entendo a reação provocada quando o senhor afirmou que o nazismo era de esquerda. Isso se deve ao fato de que, depois da Primeira Guerra Mundial, vários pequenos grupos se formaram, à direita e à esquerda.

Um desses grupos foi o NSDAP: em alemão, sigla do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Entre seus fundadores originais havia dois irmãos: Otto e Gregor Strasser. Otto era um socialista convicto, queria orientar o movimento do partido à esquerda. Foi expulso e a cabeça posta a prêmio.

Seu irmão Gregor preferiu unir-se ao grupo do Camelô do Apocalipse. Quanto a Otto, que não concordava com essa vertente, nem com as teorias racistas, teve sua cabeça posta a prêmio por Joseph Goebbels pela quantia de US$ 500 mil. Foi obrigado a fugir para o exílio, só conseguindo voltar à Alemanha anos depois do final da guerra. Hitler apressou-se em tirar o ‘social’ da sigla do partido. Mais tarde, Gregor foi eliminado junto com Ernst Röhm, chefe das S.A., na famigerada ‘Noite das Facas Longas’.

Devo lhe confessar que também já fui alvo de chacota, mas por um motivo totalmente diferente: só peço que não deboche muito de mim.

Imagine o senhor que confundi o dinamarquês Søren Aabye Kierkegaard, filósofo, teólogo, poeta, crítico social e autor religioso, e amplamente considerado o primeiro filósofo existencialista, com o filósofo Ludwig Wittgenstein, que, como o senhor está farto de saber, foi um filósofo austríaco, naturalizado britânico e um dos principais autores da virada linguística na filosofia do século 20.

Finalmente, um conselho: não se deixe influenciar por certas palavras. Seguem alguns exemplos:

1. Quando chegar a um prédio e o levarem para o elevador social, entre sem receio. Isso não fará do senhor um trotskista fanático;

2. A expressão ‘no pasarán!’, utilizada por Dolores Ibárruri Gómez, conhecida como ‘La Pasionaria’, não era uma convocação feminista para que as mulheres deixassem de passar as roupas dos seus maridos;

3. ‘Social climber’ não se refere a uma alpinista de esquerda;

4. Rosa Luxemburgo não era assim chamada porque só vendia rosas vermelhas;

5. Picasso: não usou o partido para divulgar seus gigantescos atributos físicos;

6. Quanto à palavra ‘social’, ela consta até no seu partido.

Finalmente, adoraria convidá-lo para assistir ao meu espetáculo.

Foi quando surgiu um dilema impossível de resolver. Claro que eu o colocaria na plateia à direita. Assim, o senhor, à direita, me veria no palco à direita. Só que, do meu lugar no palco, eu seria obrigado a vê-lo sempre à esquerda.

Espero que minha despretensiosa missiva lhe sirva de alguma utilidade.

Convicto de ter feito o melhor possível, subscrevo-me.

Jô Soares,
Influenciador analógico

(publicada na Folha de S. Paulo)
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Simone de Beauvoir morreu num 14 de Abril



Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir morreu em 14 de Abril de 1986, com 78 anos. Ela que disse um dia, num documentário divulgado mais abaixo, que «a vida não é uma coisa que se tenha, mas sim algo que passa».

Tudo já foi escrito sobre esta escritora, intelectual, activista política e feminista, mas vale talvez a pena recordar o papel decisivo de uma das suas obras – Le Deuxième Sexe –, publicada em 1949. Esteve longe de ser um manifesto militante ou arauto de movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde, já que as mentalidades não estavam preparadas para a problemática da libertação da mulher tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

As reacções não se fizeram esperar, tanto à esquerda (onde o problema da mulher estava fora de todas as listas de prioridades), como, naturalmente, à direita. François Mauriac escreveu: «Nous avons littérairement atteint les limites de l’abject», Albert Camus acusou Beauvoir de «déshonorer le mâle français».

Para a compreensão e a consagração da obra foi decisivo o sucesso nos Estados Unidos, onde foi publicada em 1953. O movimento feminista, em que Betty Friedman e Kate Millet eram já referências, estava aí suficientemente avançado para a receber. Efeito boomerang: Le Deuxième Sexe «regressou» à Europa no fim da década de 50, com um outro estatuto, quase bíblico, e teve a partir de então uma longa época de glória.




Um longo documentário legendado em português, que merece ser visto:




E Simone dita por Fernanda Montenegro:


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Quem nunca...?


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Máfias gold



«A reportagem da SIC "A cidade e o medo" conta a tragédia do incêndio na Rua de Alexandre Braga, no Porto, em março, que deixou um morto, cinco feridos e duas famílias desalojadas. Conta que o fogo foi posto para expulsar uma octogenária, culminando um processo de intimidação por agentes de um fundo imobiliário detido por um chinês com visto gold.

Conta como estes investidores encomendam a redes de meliantes o assédio psicológico e físico a residentes em certas zonas das nossas cidades, para os forçar a abandonar as casas. Vulneráveis e apavorados, confrontam-se com profissionais que compram barato imóveis para os vender a estrangeiros em busca de autorizações de residência (ARI), ou vistos gold: as "máfias gold"...

Porque há toda uma "indústria" mafiosa por detrás dos vistos gold. Incluindo advogados, imobiliárias, contabilistas, notários, especialistas em angariar estrangeiros compradores e em esvaziar casas bem situadas...Com a cumplicidade do MAI/SEF e do MNE que gerem as ARI e não cuidam de, ao menos, impor controlos sobre a origem dos capitais investidos e das fortunas dos candidatos a residentes. Muitos não vão cá residir, querem é poder circular sem entraves na zona Schengen.

Acresce que em Portugal os titulares de vistos gold - já mais de sete mil, além de mais de 12 mil familiares que se lhes reuniram desde que Paulo Portas instalou o esquema - contam com a proteção do segredo. Ao contrário de pensionistas e devedores ao Fisco que veem dados pessoais divulgados pelo Estado, e ao contrário de outros países com tais esquemas, por cá não são publicados os nomes de quem requer ou obtém vistos gold: ideal para tríades se infiltrarem na UE e para cleptocratas e corruptos de todos os azimutes lavarem proventos e darem segurança europeia aos seus investimentos. Como deputada no PE, pedi repetidas vezes aos sucessivos titulares do MAI os nomes dos beneficiários de vistos gold: em vão. Por que se teme o escrutínio?

A Comissão Europeia publicou em 2018 um estudo sobre vistos gold que aponta riscos para a segurança do Espaço Schengen. O PE pede que se acabem estes esquemas, que não compensam os danos para a integridade do sistema económico e financeiro.

A UE está a acordar para o perigo das máfias gold. Há medo nas nossas cidades. Que mais precisa Portugal para também acordar?»

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