«Quando se fala tanto do poder das famílias, talvez convenha descobrir como funciona. Primeiro mecanismo, a fortuna, a base do poder, herda-se, esse é o princípio de tudo. Dois investigadores do Banco de Itália descobriram uma base de dados sobre heranças: usaram os dados fiscais de Florença desde 1427 (quem diz que os italianos são desorganizados?) e verificaram que as famílias mais ricas desse período tiveram uma probabilidade excecional de vir a gerar descendentes bafejados pela fortuna em 2011, quase seis séculos mais tarde. Os autores concluem que há um “efeito duradouro do estatuto socioeconómico dos antepassados”.
Um segundo mecanismo é a fidelidade de classe. Três universitários, da Dinamarca e de duas faculdades da Califórnia, estudaram um caso e fizeram a seguinte pergunta: o que é que aconteceu às fortunas dos proprietários do sul dos Estados Unidos com o fim da Guerra Civil em 1865, sabendo que parte da sua riqueza eram escravos que foram emancipados? Foi um choque, os 10% mais ricos perderam 73% do que tinham. Mas em 1880 os filhos tinham recuperado as fortunas e em 1900 eram mais ricos do que os pais esclavagistas. A razão do sucesso foi a cooperação nas redes sociais dos proprietários. Nas famílias poderosas, a fortuna herda-se e garante sempre um ponto de partida mais à frente.
Dinastias
Foi assim que se ergueram as dinastias, que estão por todo o lado. Em Itália, a família Agnelli tem dominado 10% da bolsa (e a Juventus). Embora seja uma grande proporção para o padrão europeu, não é inaudito. As principais 10 famílias de Portugal controlavam 34% da bolsa (até ao colapso, em 2014, do grupo Espírito Santo) e o valor na França e na Suíça é de 29%. Na Suécia, o grupo dominante, a família Wallenberg, tem quase metade do mercado bolsista, com a Ericsson, SAS, SAAB, Electrolux, Atlas Copco, Café Ritazza, a farmacêutica AstraZeneca e outras empresas. Na Alemanha, os Quandts são os principais acionistas da BMW, que inclui a Mini e a Rolls-Royce.
Na Ásia, as dinastias são ainda mais dominantes: as primeiras 15 famílias de Hong Kong detêm 84% do PIB; na Malásia, as 15 mais ricas têm 76% do PIB, em Singapura 48% e nas Filipinas 47%. No Equador, a família Naboa é dona do quinto maior produtor do mundo de bananas e de 40% das exportações. Na Coreia do Sul, os maiores conglomerados são todos familiares, como a Samsung, Hyundai, LG, CJ, Hanwha, Lotte, Hanjin e GS Group.
Nos EUA, seis Waltons e dois Kochs, possuem tanta riqueza quanto 44% da população. Os Waltons têm cerca de 150 mil milhões de dólares — o PIB de um país desenvolvido de dimensão média — com a WalMart, a maior cadeia retalhista do mundo. Os Kochs são os grandes financiadores da extrema-direita no país. O capital move-se em família.
Demasiados herdeiros
No entanto, a herança pode ser um problema, o número de herdeiros cresce depressa. Nos EUA, de acordo com a “Forbes”, temos os Rockefellers (200 pessoas com 8,5 mil milhões de dólares), os Mellons (100 com 10 mil milhões) e os Du Ponts (300 elementos com 12 mil milhões); a França tem a família Michelin (400 pessoas com 1,2 mil milhões); a Alemanha tem as famílias Porsche e Piech, donos da Volkswagen (50 com 10 mil milhões), a Boehringer (12 com 10,2 mil milhões) e a Merck (100, donos de 4 mil milhões); no Canadá estão os Bombardiers (7 pessoas com 2,7 mil milhões); e, espalhados pela Europa e pelos EUA, os Rothschilds (10 pessoas com 1,5 mil milhões). Os Wendels empregam mais de um milhar de membros da família nas suas empresas Saint-Gobain e Nippon Oil Pump. Na família Mulliez (dona da Auchan, Decathlon e Leroy-Merlin Boulanger), mais de 600 elementos da família têm ações da empresa-mãe, mas seguem um pacto interno rígido que controla a liderança da empresa.
Na China, 103 descendentes dos “oito imortais” do tempo de Mao Tsé-Tung dirigem grandes empresas estatais. Três deles dominam um quinto da economia chinesa. Na Dalian Wanda, que afirma ter “120 vezes mais funcionários do que o Vaticano” e detém propriedades em Beverly Hills, os cinemas AMC e uma parte do Atlético de Madrid, há ações reservadas para a irmã mais velha do Presidente Xi Jinping e para a filha do antigo primeiro-ministro Wen Jiabao. As famílias são poder.
Herdeiros ou empresários?
Caroline Freund, antiga economista-chefe do Banco Mundial, estudou se as fortuna herdadas são mais importantes do que as fortunas recém-construídas. Descobriu que a percentagem de multimilionários que devem a sua posição à herança diminuiu em duas décadas de 55% (em 1996) para 30,4% (em 2014). Não obstante, nos EUA o valor chega a um terço e é mais de metade na Europa. Freund notou também que nas economias emergentes o valor das fortunas novas saltou dos 57% (1996) para 79% (2014). Seria esse o caso de Terry Gou, do gigante eletrónico Foxxconn, com um milhão de funcionários; de Zhou Qunfei, a mulher mais rica do mundo, da Lens Technology; ou dos dois gigantes da internet, Jack Ma (Alibaba) e Robin Li (Baidu). Mas aqui aparecem outras redes de ligações: no nosso século, empresas que já representam 8% da capitalização financeira mundial são geridas por familiares dos líderes políticos dos respetivos países. Foi o poder que fez as fortunas em Angola ou a oligarquia na Rússia, por exemplo.
É melhor levar a sério este poder. Pelo controlo das bolsas, da banca ou de governos, estas famílias são capital que manda no mundo.»
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