17.6.17
Dica (572)
Why Are So Many Young Voters Falling for Old Socialists? (Sarah Leonard)
«At 68, Jeremy Corbyn has been on the Labour Party’s left flank longer than many of his most enthusiastic supporters — the ones who nearly propelled him to an upset victory in this month’s British general election — have been alive. Bernie Sanders, who won more votes from young people in the 2016 primaries than Donald Trump and Hillary Clinton combined, is 75, and has a demeanor that, honestly, reminds me of my Jewish grandfather. Jean-Luc Mélenchon, the Communist-backed candidate who, thanks to support from young people, surged in the polls ahead of the first round of France’s presidential election, is a sprightly 65.»
. And here’s to you, Mrs Robinson…
« Watching the classic 1967 Dustin Hoffman film in a post-Brexit world of boomerang children lends it a whole new resonance. Which is hardly surprising when you consider the parallels with the era in which it was created.
It was the Summer of Love, the first one. Young people were making their voices heard in politics and revealing the widening chasm between themselves and their parents’ generation.»
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Os últimos dias da humanidade?
«Custa-me dizer-lhe isto tão à bruta: a Agência do Medicamento é questão de somenos e provavelmente rumará a outras paragens. Mas o que resta desta questão é o retrato de uma caça egoísta aos “despojos” britânicos, como gentilmente escreve um entusiasta europeu, com os governos a promoverem descontos fiscais e mordomias para seduzirem os chefes nómadas, o que diz muito sobre a malandrice numa União que vive disto. Em Portugal, também tudo trivial: é assunto para as eleições autárquicas. Ora, esta banalidade é inócua, será o menos que nos ameaça. É assim e vai continuar a ser assim, a genética europeia manda.
A questão que então me importa é outra: por que é que nos embriagamos com estes casos (ou com os mails e as zangas do futebol, sem dúvida ainda mais apaixonantes)? A resposta talvez seja que é assim que se forma o senso comum, o mais poderoso instrumento de poder dos nossos dias, ou que esta é a dominação mais forte, por se reproduzir consensualmente. É eficaz: não gera conflito, o cidadão é um espectador. É universal: não requer presença, aceita a representação etérea da decisão. O senso comum é portanto uma exterioridade que nos invade sem se ver.
“George Steiner em The New Yorker” (Relógio d’Água, 2017) é um livro fascinante que selecciona alguns dos artigos de Steiner, judeu franco-americano, crítico literário e ensaísta. No seu labirinto de temas, há um que porventura interessará aos meus leitores de hoje e que responde precisamente a este sentimento de banalização como gramática do quotidiano. Lembra ele o trabalho de Karl Kraus, austríaco, dramaturgo, que interpretava Shakespeare a solo, promoveu centenas de récitas que fascinavam os ouvintes e que, com a sua peça “Os Últimos Dias da Humanidade” (esteve recentemente em representação em Lisboa e Porto, pelo Teatro de S. João), descreveu, numa possessão de lucidez, termo de Steiner, a vulgaridade, a ostentação, os discursos do Estado Maior, do governo ou da imprensa para justificarem a Primeira Guerra, ou o mapa das palavras em que se tecia a ordem burguesa que anunciou a catástrofe – e ela veio mesmo.
16.6.17
Dica (571)
A Very Political Tragedy (Dawn Foster)
«Today’s horrific fire in London's Grenfell Tower is a symbol of a deeply unequal United Kingdom. (…)
As one resident told me, many people will have died locked in their homes, aware that nobody had cared for their safety while they lived. The only way to change a world where that can happen is through political action.»
. 16.06.1996 – Quando David Mourão-Ferreira se calou
David Mourão-Ferreira morreu em 16 de Junho de 1996. Um dos nossos grandes poetas do século XX, ficcionista também, autor de alguns poemas imortalizados pelo fado, na voz de Amália Rodrigues.
Dois poemas ditos pelo próprio, dois outros dois cantados por Amália:
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Grécia: raiva e desespero
Public hospital workers build a wall at Finance Ministry in Athens.
E também:
Reactions: Government praises Eurogroup deal, Greeks worried and desperate.
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A ternura dos 71
«Donald Trump celebrou, na passada quarta-feira (14 de Junho), o seu aniversário. Trump fez 71 anos. Também na quarta-feira Trump foi acusado de obstrução à justiça. Se fosse Presidente dos EUA, seria grave. (…)
Trump pode alegar, como Clinton, que não chegou a obstruir a justiça. Se Trump pressionou e apertou com o director do FBI, então, desta vez, em lugar do vestido vermelho manchado da Monica Lewinsky, queremos ver as calças molhadas de chichi do James Comey. Se Trump se limitou a dar-lhe uns berros para ele parar com a investigação, mas não lhe chegou a roupa ao pelo, no fundo, não houve consumação, acabou por ser apenas uma cena oral. Não sei onde isto vai parar, mas ainda pode acabar com o Presidente dos Estados Unidos a pedir asilo político na Embaixada da Rússia.
O Trump, para 71 anos, até está bastante bem. Não tem a energia do nosso Presidente, mas o professor Marcelo também não tem uma primeira-dama. Mas o Trump é muito postiço, se mergulhasse no mar do Estoril, perdia metade da cor e dois terços do cabelo. Acho que o nosso Presidente ganha. Com aquela idade, tem uma energia tal que estou convencido que o professor Marcelo é o único português que poderia pertencer aos Rolling Stones. (…)
Voltando ao "impeachment". Se Trump fosse afastado da presidência dos EUA, eu fazia uma festa com foguetes "made in" Correia do Norte. Confesso que o Trump assusta-me. Tenho um bocado de medo que venha para aí uma terceira guerra mundial que acabe com o mundo e, pior que tudo, que impeça o SCP de vencer o campeonato para o ano. Por outro lado, estive a pensar, e se é para o mundo acabar, é capaz de ser a melhor altura. O mundo acabava com Guterres na ONU, Portugal campeão da Europa de futebol e vencedor do festival Eurovisão da canção. O mundo acabava, mas nós saíamos por cima. Só faltava o Centeno ir para presidente do Eurogrupo e acabaríamos ao nível dos Descobrimentos.
Por acaso, o António Costa é que dava um bom Presidente do Estados Unidos. Se ele conseguir convencer o Mário Nogueira a desistir de uma greve dos professores, também consegue convencer o Kim Jong-Un a desistir dos mísseis.»
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15.6.17
Alugar monumentos históricos?
Há trinta e tal anos, quando as vacas eram mais gordas, os animais já não falavam, mas as redes sociais ainda não o faziam, a empresa onde eu então trabalhava alugou a Galeria dos Espelhos de Versailles para um jantar onde estiveram largas centenas de pessoas, talvez mais de mil. A direcção de Versailles terá encaixado uma boa maquia (como era corrente fazê-lo), tudo aconteceu sem problemas, um jantar provoca muito menos desgaste do que milhares de visitantes, que invadem aquele espaço todos os dias, e não me parece que a História de França tenha saído maculada. (Citei este exemplo, mas podia citar muitos outros, nas mais variadas partes do mundo.)
Vem isto a propósito do rasgar de vestes de uns tantos pela «profanação» de monumentos históricos, alugados para actividades deste tipo ou semelhantes, da «indignidade» que isso significa. Financiar a cultura assim? Mas que horror! Penso, nomeadamente, num artigo que acabo de ler, no esquerda.net, e que me parece de um fundamentalismo absolutamente insuportável e mesmo ridículo.
P.S. - Não estão em causa todos os cuidados e todas as condições contratuais a serem consideradas. E para o peditório da questão de Tomar já dei o que tinha a dar e não é isso que está aqui em discussão.
. Dica (570)
Divin Bayrou (Laurent Joffrin )
«L’ordre règne de plus en plus au PS. Plusieurs battus appellent à voter au second tour pour la France insoumise, même contre un socialiste, tel Hamon qui appelle à voter contre Valls. Mais ceux qui ont passé le premier tour, souvent, se réclament du soutien d’Emmanuel Macron, telle Myriam El Khomri à Paris. Cazeneuve soutient bravement les candidats rescapés mais Ségolène Royal confesse qu’elle a voté En Marche à tous les scrutins. Unité, camarades…»
. Macron e o atavismo de «la Grandeur»
«Depois de ter sido eleito Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron tentará catalisar o chauvinismo dos franceses restaurando o atavismo de la Grandeur, doutrina que conjuga o culto da independência económica, política e militar da França com a consolidação da missão da Nação e da cultura francesa no mundo. Para tal, instaurará um poder de tipo presidencialista, que converterá os seus assessores numa autêntica camarilha de poder oficioso (imitando o Partido Gaullista, movimento que cobria um amplo espectro do centro-esquerda à extrema direita, e onde os seus dirigentes foram correias de transmissão subordinadas à cúpula gaullista). Poderemos também assistir à reedição dos plebiscitos de De Gaulle, em forma de referendos, para serem aprovados temas como o adiamento da idade da reforma, a optimização dos recursos da Administração, a saída da França das estruturas militares da NATO e a entrada em vigor da Directiva de Retorno para imigrantes. E terá o apoio incondicional da direita francesa na hora de aplicar leis que roçarão a inconstitucionalidade.»
Continuar a ler AQUI.
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14.6.17
14.06.1944 – Chico Buarque da Holanda (*)
(*) Engano meu, baseado numa informação errada: Chico Buarque da Holanda não nasceu em 14.06, mas sim em 19.06.1944.
Francisco Buarque de Holanda nasceu em 14 de Junho de 1944. Faz hoje 73 anos – parece impossível, mas não é.
Vi-o pela primeira vez na velha representação de «Morte e Vida Severina», com poema de João Cabral de Melo Neto e música de Chico Buarque, em Lisboa, em Junho de 1966. Foi interpretada por um grupo de teatro universitário brasileiro e acompanhada por três músicos, um dos quais era precisamente o que foi apresentado como o compositor: o Chico Tinha apenas 22 anos, o que parece tão incrível como ter agora 73.
Parabéns. Mas, hoje, somos nós a mandar um cheirinho de alecrim para o seu infeliz país…
Mais algumas consagradas:
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Incentivo ao incentivo à leitura
Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje / amanhã:
«Os textos que escrevo aqui na VISÃO são frequentemente incluídos em livros da disciplina de português do ensino secundário. (…)
Ora, a culpa não é minha. Nunca imaginei ser um TPC. Lamento profundamente que a vida se tenha desenrolado desta forma. É deplorável que milhares de estudantes tenham de me conhecer assim, entre uma estrofe d’Os Lusíadas e um excerto do Auto da Barca do Inferno - e que os seus professores os obriguem a dar-me a mesma atenção que eles dedicaram a Camões e Gil Vicente.»
Na íntegra AQUI.
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14.06.1940 - «Les loups sont entrés à Paris»
Em 14 de Junho de 1940, o exército alemão entrou em Paris, de onde já tinham fugido dois terços da população. Como primeiro acto da ocupação foi retirada a bandeira tricolor do Ministério da Marinha e colocada uma com a cruz gamada no cimo do Arco do Triunfo.
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O próximo debate sobre políticas tecnológicas
«A disputa crescente sobre a tecnologia é exemplificada em debates sobre a chamada neutralidade líquida e também nas disputas entre a Apple e o FBI sobre desbloquear os iPhone de terroristas. Isto não é surpreendente: à medida que a tecnologia se torna cada vez mais consequente – afectando tudo o que envolve a nossa segurança (armas nucleares e guerra cibernética) e os nossos empregos (perturbações no mercado de trabalho provocadas por software avançado e pela robótica) – o seu impacto tem sido bom, mau e potencialmente feio. (…)
Os pessimistas preocupam-se com a possibilidade de os benefícios da tecnologia para o aumento da produtividade estarem em declínio e com a possibilidade de dificilmente serem recuperáveis. Alegam que tecnologias como a internet e redes sociais não podem melhorar a produtividade na mesma dimensão que a electrificação ou a expansão do automóvel melhoraram.
Por outro lado, os optimistas acreditam que avanços como o big data, a nanotecnologia e a inteligência artificial são os arautos da nova era de melhorias impulsionadas pela tecnologia. (…)
Mas as mudanças tecnológicas provocaram também alterações consideráveis no trabalho, prejudicando muitos ao longo do caminho. No início do século XIX, os receios de tal deslocalização levaram os trabalhadores do têxtil no Yorkshire e Lancashire – os "Luddites" - a destruírem as novas máquinas como os teares automatizados e as máquinas de tecidos.
A deslocalização dos trabalhadores continua hoje, com a robótica a levar à deslocalização de alguns empregos na indústria das economias mais desenvolvidas. Muitos temem que a inteligência artificial traga mais deslocalização, embora a situação possa não vir a ser tão terrível como alguns esperam. Na década de 1960 e no início da década de 1970, muitos acreditavam que os computadores e a automatização levariam a um desemprego estrutural generalizado. Isso nunca aconteceu, porque surgiram novos tipos de empregos para compensar a deslocalização que ocorreu. (…)
Mas as desvantagens da tecnologia são bem mais profundas, com os inimigos das sociedades livres a serem capazes de comunicar, planear e conduzir actos destrutivos de forma mais fácil. O Estado Islâmico e a al-Qaeda recrutam online e dão orientações virtuais sobre como causar estragos. Frequentemente, tais grupos nem sequer têm de comunicar directamente com os indivíduos para "inspirá-los" a perpetrar um ataque terrorista. E, claro, a tecnologia nuclear dá não apenas electricidade livre de emissões, mas também armas destrutivas.
Todas estas ameaças e consequências exigem respostas políticas claras que olhem não apenas para o passado e para o presente mas também para o futuro. Com demasiada frequência, os governos ficam presos em disputas imediatas, como a do FBI e da Apple, e perdem de vista os riscos e os desafios futuros. Isso pode criar espaço para que algo realmente feio aconteça, como, digamos, um ataque cibernético que ponha abaixo uma rede eléctrica. Além das consequências imediatas, tal incidente pode incentivar os cidadãos a exigirem restrições extremamente rigorosas à tecnologia, arriscando a liberdade e a prosperidade na busca pela segurança.
O que é realmente necessário são instituições e políticas novas e melhoradas e cooperação entre a aplicação da lei e as empresas privadas, bem como os governos. Tais esforços não podem ser apenas uma reacção aos desenvolvimentos, mas têm também de os antecipar. Só aí podemos mitigar os riscos futuros, enquanto continuamos a aproveitar o potencial das novas tecnologias para melhorar a vida das pessoas.»
13.6.17
Dica (569)
As cidades também se desertificam (Mariana Mortágua)
«A tempestade é perfeita. A Lei das Rendas de Assunção Cristas liberalizou os despejos, abrindo caminho. Os hotéis pululam, ocupando edifícios sem contemplações. O alojamento local deixou de ser o tradicional complemento de rendimento, o aluguer temporário ou parcial da habitação, e passou a ser uma forma de hotelaria encapotada. Os grandes promotores aproveitam-se da desregulação, compram prédios inteiros, expulsam quem só pode pagar 500euro mensais para alugar a quem pague esse preço por semana. Para além dos incentivos fiscais ou dos vistos gold, que promovem a venda de casas a não residentes, ajudando a especulação.
Antes de discutir o que fazer, é preciso saber se há vontade política. E nem Medina em Lisboa, nem Moreira no Porto parecem estar muito empenhados em impedir a desertificação, pela expulsão dos residentes, dos centros destas cidades. Pessoalmente, aflige-me esse destino: acolher turistas, mas expulsar quem quer morar, proporcionar conforto a quem tem altos rendimentos e dispensar cubículos sobrevalorizados aos outros.»
. Alípio de Freitas pelo próprio
Introdução, pelo próprio, do livro Alípio de Freitas, Palavras de Amigos, Edições Pangeia, 2017.
«Alípio de Freitas, mais propriamente Alípio Cristiano de Freitas.
Nasci em Bragança, Trás-os-Montes, nos contrafortes da Serra de Montesinho, em 1929. O meu pai era funcionário público dos CTT, a minha mãe, mulher de grandes qualidades (e grandes ambições) era apenas dona de casa. Frequentei a escola primária na Escola da Estacada, sendo meu primeiro mestre o Professor Pires. Fui logo matriculado na 2.ª classe, pois, quando cheguei à escola oficial, já sabia ler, escrever, e fazer contas.
Ensinou-me a minha mãe, embora quanto a ler, acho, até hoje, “sempre soube fazer". A oficina de ferreiro do Alfredo, na rua do Loreto, era em frente à minha casa. Como trabalhador, andarilho e militante frequentei outras escolas que não a da Estacada e do Abade Buíça (Vinhais) e tive outros professores: as oficinas de ferreiro e mecânica do Alfredo e do “seu” Manuel Brasileiro, e ainda "as lições particulares" do tio Baptista e do Tita. Todos tiveram grande importância naquilo que foi a minha vida, cada um a seu modo e a todos recordo, ainda hoje, com uma saudade que dói.
Na oficina do Alfredo eu passava todo o meu tempo disponível, vestindo uma bata de ganga e calçando umas botas grossas. Lá, eu fazia tudo o que a prudência do Alfredo permitia: puxava o fole da fornalha, deitava carvão, arrumava as ferramentas e via o que ele fazia e "como" o fazia e, mais do que tudo, ficava atento às conversas que as pessoas tinham com ele, quando chegavam para consertar ferramentas, ferrar carros de bois ou arados.
Tudo gente pobre, que trabalhava de sol a sol e, mesmo assim, vivia mal. Também ia para a oficina mecânica do "seu" Manuel Brasileiro. Também de bata de ganga e botas cardadas, "ajudava-o" ou ficava a ouvi-lo falar do Brasil, sobretudo do Rio de Janeiro.
Quando ele começava a falar do Brasil comigo, parava o que estava a fazer, limpava as mãos num trapo, puxava um cigarro Kentucky e falava de ficar comovido. Perguntei por que tinha voltado. Respondeu-me apenas: "P'ra me casar". Puxou uma fumada forte e disse-me: "Quando puderes, vai p'ra lá, deixa esta miséria, aqui. Faz como o teu tio Guilherme, que é rico, feliz, até já é doutor. nem que fosse p'ra morrer, eu queria voltar lá."
O tio Baptista era uma pessoa singular. Sei que, na sua juventude, ele e o meu avô paterno foram muito amigos. Aliás, foram-no sempre. "Menino da Roda" foi acolhido por um casal de camponeses remediados e sem filhos, que dele cuidaram e até lhe garantiram uma boa educação. Quando os seus padrinhos fecharam os olhos, o tio Baptista comprou uma carta de chamada para o Brasil, embarcou no rio Tuela, desceu o Douro e desembarcou em Santos, no Brasil.
Do patrício que lhe vendera a carta de chamada e lhe garantira emprego, nem sombras. Arranjou trabalho lá mesmo, começou a conhecer gente do porto de estiva e a interessar-se pelos seus problemas e, não muito tempo depois, já estava participando de movimentos operários.
Viveu as greves. Veio a repressão e, para não ser preso, tornou-se embarcadiço. Foi o tempo de conhecer o mundo. Até que um dia, em plena guerra civil espanhola, desembarcou em Espanha e juntou-se às forças republicanas.
Dez anos depois, o risco é menor?
«Entre março e agosto de 2007 começaram a surgir notícias estranhas no mundo financeiro. Alguns fundos de investimento foram liquidados pelos bancos que os tinham criado, ainda poucos. Mais preocupante, as exageradas variações de preços de algumas acções sugeriam algo estranho. Uns tempos depois, mas só uns tempos depois, um director financeiro de um grande banco admitiu em público que tinha notado que a probabilidade estatística de ocorrerem oscilações da mesma dimensão, face ao que se conhecia do passado recente, era menor do que a de alguém ganhar 42 vezes seguidas a lotaria britânica, o que, é de reconhecer, seria bom de mais para ser verdade. (…) A partir do verão e do outono de 2007, no entanto, já não era possível ignorar os sinais: aumentou o número de hipotecas em incumprimento, as bolsas entraram em pânico, bancos faliram, começaram os resgates de grandes empresas, como a maior seguradora mundial, veio logo depois a crise das dívidas soberanas, e tivemos uma década de austeridade. (…)
Dez anos depois, o inventário do que foi corrigido é confrangedor. Alguns Estados endividaram-se para nacionalizar as perdas bancárias, o que serviu de pretexto para medidas de austeridade que continuaram a encaminhar para o sistema financeiro uma parte do produto nacional (…). Na UE foi aprovado um Tratado Orçamental que define regras de compressão económica por vinte anos. No Reino Unido, em Itália, Espanha, França, Holanda, Áustria e outros países, os sistemas partidários foram abalados por aventureiros, pela corrupção, pela descrença ou mesmo pelo desprezo das populações. E nada indica que isto fique por aqui. Na Hungria e noutros países, a transformação vertiginosa de forças políticas tradicionais deu o poder a uma extrema-direita de botas cardadas.
Dirá o optimista que houve outras mudanças, estas para melhor, e lembrar-se-á certamente da inundação de liquidez criada por Mario Draghi na zona euro, que salvou das aflições das taxas de juro as economias mais atacadas. Mas pode-se também notar que, com este remédio, a valorização dos activos financeiros se acentuou, ou seja, ganharam os que já tinham beneficiado da bonança anterior, e se formam novas bolhas especulativas.
Temos portanto alguns governos nacionais mais frágeis mas mais autoritários, economias enfraquecidas, de volta à girândola financeira, e instituições democráticas mais submetidas ao interesse imediato de poderes assimétricos. Dez anos depois, o que agora não se pode dizer é que desta vez ninguém notou os sinais, pois eles são demasiado evidentes – chegamos ao ponto em que os que festejam Macron já só esperam salvar a Europa com a facilitação dos despedimentos, a promessa mais solene do jovem césar.»
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12.6.17
Dica (568)
Understanding The Digital Revolution And What It Means (Henning Meyer)
«The digital revolution, used here as shorthand for broader technological change, is one of today’s most hotly debated topics in politics, economics and business. It makes politicians wary about which preparatory policies to pursue, economists ponder productivity increases and trade unions think about the future of work. We are undoubtedly faced with large-scale disruptions in many areas that require adjustments.
Most people, however, are struggling to get a firm grip on the subject. They ask: what does this all mean for me and the organisations I am part of? What does technological change mean for my job? What kind of policies could be pursued in order to address these new challenges?»
- França: «Tout va très bien»
Esta acompanhou-me durante todo o serão de ontem, enquanto seguia as eleições em França.
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Corso, ricorso
José Pacheco Pereira no Público de hoje:
«O tema do dia de hoje são as eleições francesas, mas confesso que são para mim as menos interessantes das eleições recentemente ocorridas. Esta minha falta de interesse, certamente erro meu, acompanha também um desinteresse considerável com a política francesa em que nada me parece inovador e de “futuro”. (…)
Já todos percebemos que as eleições não eram o que costumavam ser, os partidos de governo são cada menos de governo, os partidos novos que se criam ou são “movimentos” mais do que partidos, ou são a reciclagem quase sempre não conseguida de partidos velhos. O papel do populismo é importante, mas é um chapéu demasiado grande para nele caberem todas as coisas que se querem lá meter, uma das quais é a confusão entre popular e populista e a outra é chamar populista a tudo o que não é conservador ou centrista. Outra ainda é uma flutuação entre temas de direita e de esquerda, que muitas vezes não acompanha o proselitismo das estruturas políticas tradicionais. (…)
Quer Bernie Sanders, quer Corbyn mobilizaram os jovens como nenhum candidato fez no passado recente e abriram caminho para que se pudessem discutir temas e políticas que foram diabolizadas nas últimas décadas. Deixou de haver uma agenda “ultrapassada” e outra “moderna”, um dos instrumentos ideológicos dos partidários do “ajustamento”, para retirarem da vida política aceitável, bem educada, “realista”, todo uma panóplia de medidas que quase foram ilegalizadas, do socialismo, da social-democracia, do keynesianismo. O “não há alternativa” é a principal vítima dos processos eleitorais recentes, mesmo na América de Trump.
É verdade que em França, também as coisas estão a mudar, mas bastante menos que no Reino Unido e nos EUA. O sistema político desagrega-se pouco a pouco, perde capacidade de, por exemplo, condicionar de forma significativa as presidenciais, mas mantem uma considerável resistência conservadora à mudança como “surpresa”, a única mudança que implica um sentido de história. (…)
Num contexto de enorme abstenção, a vitória esmagadora do proto-partido de Macron, mostra mais a força do conservadorismo francês do que qualquer impulso de mudança. Ela será saudada pelos europeístas, que não querem nenhuma mudança na Europa e vão prosseguir a mesma via de desastre que levou à reacção do Brexit e ao esvaziamento democrático da União, com a correlativa crescente contestação das políticas europeias. (…)
Será também saudado pelos nostálgicos da política habitual do centrismo europeu, e pelos saudosistas da “terceira via”, como uma receita ao mesmo tempo contra o populismo e o nacionalismo, e contra aquilo que tem vindo a ser chamado o “populismo” de esquerda. Os que intimamente ficaram furiosos com a performance de Corbyn, - e muita gente nos partidos socialistas preferia a direita a “essa esquerda”, - ficam hoje felizes com Macron. (…)
A França tem poucas forças interiores a favor da mudança em comparação com a Espanha, a Itália e o Reino Unido, e são essas forças, e só essas forças, seja pelo seu crescimento e afirmação, seja pela reacção que provocam, as únicas capazes de proceder a alterações significativas do sistema político. Se Macron prosseguir em França a mesma política de austeridade dos últimos anos, com os mesmos alvos sociais, que tanto agrada a Berlim e ao Eurogrupo, os demónios que parece apaziguar, levantar-se-ão todos de novo. Só a ruptura com essa política pode hoje na Europa introduzir “novidade” no sistema político.»
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11.6.17
Dica (567)
O começo do fim da hegemonia direitista (António Russo Dias)
«Cautelosamente, sem triunfalismos entusiastas, é possível divisar alguns sinais ainda tímidos de que a hegemonia ideológica, política e governativa da direita se pode estar a aproximar do fim.
A supremacia ideológica da direita, que tomou forma logo no início dos anos 90 do século passado, transformou-se no pensamento único, formatou inteligências, recrutou nas franjas da social-democracia alguns dos seus mais combativos sicários, como os seguidistas das «terceiras vias» e outros liquidacionistas. De caminho, aniquilou a social-democracia europeia, remeteu os últimos resistentes da esquerda para o purgatório das curiosidades históricas, decretou que não há salvação fora dos mercados.»
,11.06.1982 – ET Phone Home
E.T., foi lançado em 11 de Junho de 1982, faz hoje 35 anos. Alguns meses depois, antes do Natal do mesmo ano, essa belíssima história de amor teve estreia em Portugal e foi, para muitas crianças, a primeira oportunidade de verem um grande filme numa sala de cinema – e de chorarem, como outros o tinham feito décadas antes, quando apareceu o Bambi.
Logo no ano seguinte recebeu Óscares para melhor banda sonora, melhores efeitos especiais, melhores efeitos sonoros e melhor som. Foi um extraordinário sucesso em termos de bilheteira, até ser batido por mais um filme também de Spielberg – Jurassic Park –, lançado num outro 11 de Junho (de 1993).
Quem não se lembra do desfecho do E.T.?
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«Hope is back again!»
«Ia ser um passeio. May era a nova Thatcher, Corbyn ia enterrar-se, e acabava-se definitivamente a guinada à esquerda que ele imprimiu ao Labour desde 2015, contra o velho New Labour blairista, o partido que fizera a guerra do Iraque, não revertera a devastação privatizadora do thatcherismo e dera seguimento ao desmantelamento do Welfare State britânico. Andavam eufóricos todos aqueles que, horrorizados com esse Corbyn chavista (é o que lhe chama Boris Johnson, os jornais de Murdoch ou os nossos pregadores anti-geringonça), sabiam de boa ciência que Corbyn, velho de 68 anos, era "inelegível", um homem da "extrema-esquerda" que, como se escreveu por cá, "ainda não percebeu em que século estamos".
Afinal, Corbyn juntou 40% dos votos (mais 9,6% que em 2010), e, sem discutir a legitimidade do voto no "Brexit", assumiu propostas sociais e económicas claramente antiliberais que lhe atraíram mais 3,5 milhões de votantes. (…)
O que explica, então, que haja mais gente a votar, num dos países onde a abstenção, desde Blair, batia recordes? O que explica a remobilização da esperança política? É que, por fim, os eleitores britânicos sentiam ter uma escolha clara. Quanto mais Corbyn prometia aumentar os impostos das grandes fortunas e se comprometia a aumentar o IRC de 19% para 26%, renacionalizar os caminhos de ferro, os correios e a água, ou prometia reconstituir um sistema público de distribuição da energia; quanto mais Corbyn prometia acabar com as propinas nas universidades públicas (contrariando tudo quanto o governo Blair fizera, transformando as universidades nas mais caras e elitistas da Europa); quanto mais o manifesto eleitoral trabalhista era, por tudo isto, descrito como "marxista extremista" e "amigo dos terroristas" por rejeitar abertamente a política conservadora (e de Blair, em 2001) de "suspensão" de direitos humanos em nome da "segurança"; quanto mais Corbyn tinha coragem para denunciar a responsabilidade da intervenção militar ocidental no Médio Oriente como uma das causas evidentes do terrorismo jihadista; tanto mais se confirmava a sua capacidade de re-sintonizar com o eleitorado popular (e, em especial, os jovens) que, exasperado com o Blair-igual-a-Thatcher-igual-a-Cameron, tinha optado, nas eleições de 2010 e 2015, pela abstenção ou pela extrema-direita do UKIP.
As eleições britânicas vêm ajudar à discussão do futuro da social-democracia, forçada a tomar posição nesta era de autoritarismo securitário. (…) Se Corbyn tiver razão quando diz que a "política mudou e não vai voltar para dentro da caixa onde a tinham fechado", pode contribuir decisivamente para constituir essa frente dos que partilham a "esperança em que isto não tenha que ser assim (...), que se pode pôr fim à austeridade, que podemos fazer frente às elites e aos cínicos" (Corbyn, discurso de encerramento da campanha eleitoral).
Vá, e agora chamem-lhe populista...»
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