Introdução, pelo próprio, do livro Alípio de Freitas, Palavras de Amigos, Edições Pangeia, 2017.
«Alípio de Freitas, mais propriamente Alípio Cristiano de Freitas.
Nasci em Bragança, Trás-os-Montes, nos contrafortes da Serra de Montesinho, em 1929. O meu pai era funcionário público dos CTT, a minha mãe, mulher de grandes qualidades (e grandes ambições) era apenas dona de casa. Frequentei a escola primária na Escola da Estacada, sendo meu primeiro mestre o Professor Pires. Fui logo matriculado na 2.ª classe, pois, quando cheguei à escola oficial, já sabia ler, escrever, e fazer contas.
Ensinou-me a minha mãe, embora quanto a ler, acho, até hoje, “sempre soube fazer". A oficina de ferreiro do Alfredo, na rua do Loreto, era em frente à minha casa. Como trabalhador, andarilho e militante frequentei outras escolas que não a da Estacada e do Abade Buíça (Vinhais) e tive outros professores: as oficinas de ferreiro e mecânica do Alfredo e do “seu” Manuel Brasileiro, e ainda "as lições particulares" do tio Baptista e do Tita. Todos tiveram grande importância naquilo que foi a minha vida, cada um a seu modo e a todos recordo, ainda hoje, com uma saudade que dói.
Na oficina do Alfredo eu passava todo o meu tempo disponível, vestindo uma bata de ganga e calçando umas botas grossas. Lá, eu fazia tudo o que a prudência do Alfredo permitia: puxava o fole da fornalha, deitava carvão, arrumava as ferramentas e via o que ele fazia e "como" o fazia e, mais do que tudo, ficava atento às conversas que as pessoas tinham com ele, quando chegavam para consertar ferramentas, ferrar carros de bois ou arados.
Tudo gente pobre, que trabalhava de sol a sol e, mesmo assim, vivia mal. Também ia para a oficina mecânica do "seu" Manuel Brasileiro. Também de bata de ganga e botas cardadas, "ajudava-o" ou ficava a ouvi-lo falar do Brasil, sobretudo do Rio de Janeiro.
Quando ele começava a falar do Brasil comigo, parava o que estava a fazer, limpava as mãos num trapo, puxava um cigarro Kentucky e falava de ficar comovido. Perguntei por que tinha voltado. Respondeu-me apenas: "P'ra me casar". Puxou uma fumada forte e disse-me: "Quando puderes, vai p'ra lá, deixa esta miséria, aqui. Faz como o teu tio Guilherme, que é rico, feliz, até já é doutor. nem que fosse p'ra morrer, eu queria voltar lá."
O tio Baptista era uma pessoa singular. Sei que, na sua juventude, ele e o meu avô paterno foram muito amigos. Aliás, foram-no sempre. "Menino da Roda" foi acolhido por um casal de camponeses remediados e sem filhos, que dele cuidaram e até lhe garantiram uma boa educação. Quando os seus padrinhos fecharam os olhos, o tio Baptista comprou uma carta de chamada para o Brasil, embarcou no rio Tuela, desceu o Douro e desembarcou em Santos, no Brasil.
Do patrício que lhe vendera a carta de chamada e lhe garantira emprego, nem sombras. Arranjou trabalho lá mesmo, começou a conhecer gente do porto de estiva e a interessar-se pelos seus problemas e, não muito tempo depois, já estava participando de movimentos operários.
Viveu as greves. Veio a repressão e, para não ser preso, tornou-se embarcadiço. Foi o tempo de conhecer o mundo. Até que um dia, em plena guerra civil espanhola, desembarcou em Espanha e juntou-se às forças republicanas.