28.3.15
Manifesto para uma esquerda que responda por Portugal
Os signatários, como tanta gente, indignam-se com a degradação de Portugal ao longo dos quatro anos da Troika. Constatamos os efeitos do esboroamento das regras constitucionais, enfraquecendo a democracia onde ela tem responsabilidade social – na justiça tributária, na segurança social, na escola pública, no serviço nacional de saúde – e reforçando uma distribuição cada vez mais desigual do rendimento, o desemprego, a precariedade e a pobreza.
Constatamos também que, depois destes quatro anos angustiantes, a corajosa resistência social que se levantou contra a austeridade pode não vir a produzir uma verdadeira alternativa política. À esquerda, quando é precisa convergência, acentuam-se dissensões. Quando é preciso mobilizar alternativas concretizáveis, ouvimos vozes de conformismo. Quando são urgentes programas detalhados para responder a cada problema, notamos superficialidade e palavras gastas. Quando é preciso responder à agressão dirigida por Merkel, com o Tratado Orçamental e a austeridade perpétua, encontramos submissão. Quando é preciso esquerda, ouvimos que é a vez do centro.
As esquerdas representam-se por vários partidos, aos quais compete, em exclusivo, a determinação da sua estratégia. Não nos incumbe, como signatários deste manifesto e com posições diferenciadas, interferir nessas decisões. Move-nos a obrigação de contribuir para uma solução de esquerda para Portugal, manifestando a nossa opinião, porque queremos promover diálogos com resultados.
Quarenta anos depois do 25 de Abril, com um milhão de desempregadas e desempregados, com a finança a cobrar um resgate que tem devastado a vida dos portugueses, com os contratos colectivos enfraquecidos, com a perda de acesso e de qualidade tanto na saúde como na educação e na cultura, com o risco anunciado de uma mudança da lei eleitoral feita à medida da perpetuação artificial do bloco central, as esquerdas não podem continuar a ser o que sempre foram. Resistir é pouco para salvar Portugal. Aguentar não é suficiente para mudar. Em nome dos trabalhadores, reformados e jovens, homens e mulheres, que no país continuam a sofrer, é preciso mais e queremos consegui-lo. O maior ataque que os direitos sociais e a democracia têm sofrido nos últimos 30 anos exige soluções corajosas.
Só a esquerda pode salvar Portugal, restaurar a esperança e reconquistar a democracia para resolver a crise, reestruturando a dívida em prejuízo da finança e assumindo a prioridade do emprego contra as imposições feitas em nome do euro.
Apelamos por isso a que os principais partidos da esquerda que recusa sem ambiguidades a austeridade, bem como milhares de independentes e activistas, se associem num pólo político, com uma resposta política clara para toda a gente. Um pólo de esquerda significa não somente afirmar uma razão mas também que passará a haver uma proposta de governo que quer disputar a vitória. O pólo das esquerdas unidas, que saiba merecer um resultado histórico, afirmar-se-á como a única alternativa para Portugal. Esse pólo ameaçará a bipolarização, mostrará a convergência de fundo entre o PSD e o PS em torno da austeridade – como fica claro na sua união na ratificação do Tratado Orçamental e dos mecanismos de subtracção de soberania a Portugal em matéria orçamental – e colocará na política as soluções que têm faltado. Nas eleições, esse pólo será a garantia de que um novo governo que aceite o Tratado Orçamental, com a continuação da austeridade e novos cortes contra os serviços públicos e o emprego, terá pela frente uma esquerda capaz de o substituir.
A direita trouxe o país ao empobrecimento e o PS limitou-se a prometer fazer melhor a mesma política nas mesmas restrições nacionais e europeias. Para ser governo, a esquerda tem de ser ruptura.
Ao apelarmos à constituição de um pólo político que tenha força bastante para enfrentar a inevitabilidade da austeridade e do mando do capital financeiro, queremos evitar que as esquerdas caiam na armadilha da resignação. Por melhores que pudessem ser os resultados de um ou outro partido, as eleições estarão perdidas para todas as esquerdas se, depois de três anos de Troika, o nosso povo tiver pela frente trinta anos de empobrecimento. As esquerdas ficarão reféns do voto útil e da alternância, a não ser que abram a porta para uma solução, comprometendo-se com uma proposta forte para salvar Portugal. Essa proposta é a esperança e trabalhamos para ela.
António Borges Coelho, historiador
Carlos Mendes, músico
Cláudio Torres, arqueólogo
Domingos Lopes, advogado
Fernando Rosas, prof. univ.
Guilherme Statter, sociólogo
Isabel Allegro de Magalhães, prof. univ.
Jaime Teixeira Mendes, médico
Joana Lopes, doutorada em filosofia
João Correia da Cunha, médico
Jorge Leite, prof. univ.
José Neves, prof. univ.
Luís Bernardo, historiador
Luís Cília, músico
Luís Reis Torgal, prof. univ.
Manuel Carlos Silva, prof. univ.
Manuel Loff, prof. univ.
Mariana Avelãs, tradutora
Mário de Carvalho, escritor
Pezarat Correia, militar
Santos Cardoso, administrador hospitalar
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Tempos excepcionais
Excertos de um importante texto de Manuel Loff, no Público de hoje.
«Vivemos tempos excepcionais. Um milhão de portugueses desempregados, muitos deles para o resto da vida. Um quarto de nós vive na pobreza, muitos em privação extrema, depois de 700 mil terem abandonado o país nos últimos cinco anos, depois de outros 700 mil o terem abandonado nos dez anos anteriores. (...)
Para criar uma alternativa há, antes de mais, que resistir. Não falo da “resiliência” dos portugueses que Passos apregoa, ofendendo os novos pobres, as mulheres, os homens e as crianças a quem ele roubou emprego e esperança. Falo de uma resistência que permite juntar forças para mudar. (...) Politicamente falando, e como sempre tem acontecido, quem anima e dá sentido a essa resistência está quase sempre à esquerda do PS, isto é, no PCP (a maioria) ou no Bloco de Esquerda, e não está nunca nos partidos do centrão. Vestidinhos de “alternativa responsável”, os socialistas que dirigem ou aspiram a dirigir o partido não fazem uma greve, porque são “negativas”, não organizam um protesto ou uma manifestação, porque são “inúteis”, jamais se comprometem com o mexilhão; limitam-se a dizer-lhe que, se quiser pôr aquela gente de lá para fora, só há uma solução: é votar neles, sem compromisso – e depois se verá. Tem-se chamado a isto o voto útil. (...)
Da situação excepcional que vivemos esperar-se-ia que saíssem alternativas excepcionais. A atomização dos dissidentes do Bloco, somada à sua disponibilidade para servirem de satélite do PS, só contribui para esse velho mito de como é inevitável a divisão da esquerda. Não é daí que virá alguma alternativa. A pergunta evidente é saber se o PCP e o Bloco podem, desta vez, interromper o círculo vicioso da desilusão e baralhar o cálculo perverso do voto útil no PS. Cada um deles tem expectativas próprias para as próximas eleições. Serão elas compatíveis com as de quem eles querem representar? Serão elas suficientes para transformar a resistência em mudança?»
. 27.3.15
As Cidades e as Praças (63)
Praça Maior (Cáceres, 2015)
Para ver toda a série «As Cidades e as Praças», clicar na etiqueta «PRAÇAS».
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Dica (23)
É melhor não perder mais tempo, caros amigos. (Francisco Louçã)
«A hipótese da saída da Grécia do euro torna-se por isso cada dia mais forte. Ao admiti-la, Draghi aceitou desencadear a especulação sobre essa possibilidade e, assim, aproximar-se da sua concretização. Resta saber se ela já está a ser negociada em segredo ou, se acontecer por acidente ou por desígnio, se estão prontos os necessários planos de contingência. (...)
Marquem nos vossos calendários, caros leitores e leitoras, é no mês de abril que se vão dar passos fundamentais para escolher entre um programa de austeridade ou uma saída, negociada ou não.
Para os que acompanham com esperança a Grécia e a promessa do seu governo, a lição é forte e deve ser enunciada com todas as palavras: o euro não permite uma política de esquerda para corrigir ou combater os efeitos da crise financeira e social. Se a esquerda quer fingir que a Grécia ensina algo de bondoso e regenerador sobre a União Europeia, é melhor começar a fazer uma procissão a Berlim, porque será esse o seu destino.»
. Je suis Rafael Marques
PS (com excepção de 5 votos a favor e uma abstenção) , PSD, CDS, PCP e Verdes votaram hoje, na AR, contra um voto de solidariedade com Rafael Marques, proposto pelo BE, cujo texto pode ser lido aqui.
Só posso concluir que todas as bancadas, menos uma, gostam muito de diamantes e/ou do MPLA.
Registe-se para memória próxima futura.
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VIP (Very Important Pedro)
«A revista Visão veio confirmar esta semana - a lista VIP do Fisco existiu e já estava implementada. É melhor ir ver o sorteio dos Audi não vá o Núncio estar a pensar abrir um stand. Aposto que já saíram 3 Audi à mulher do PM.
Incrível, afinal a lista existe e é mesmo VIP. Ou seja, confirma-se tudo o que não existia. A auditoria do Fisco diz que a lista VIP já estava "implementada" e estava tudo a funcionar impecavelmente; uma enorme chatice para a maioria pois, pela primeira vez, um novo sistema implementado por este Governo funcionava às mil maravilhas. Foram quatro anos a tentar acertar na colocação de professores, nas reformas do Estado, na implementação de novos sistemas de saúde, e nada funcionou. Agora, fazem uma lista VIP toda catita , tudo a funcionar a 100% e, afinal, era ilegal. Também já é azar, ou embirração. (...)
Recordemos que, na sequência do caso da lista VIP que não existia, se demitiram dois funcionários das finanças. Ou seja, mais umas listas deste género e respectivo rolar de cabeças e está feita a reforma da Função Pública. Resta a satisfação de que felizmente os culpados foram castigados e todos os que nas últimas eleições votaram Brigas estão arrependidos. Portanto, quando vier o próximo acto eleitoral não se esqueçam que os culpados disto tudo foram: dois professores do Ministério da Educação que fizeram mal a fórmula do Crato, dois bófias da PJ que deram cabo do Citius, dois quadros médios do Fisco que fizeram uma lista VIP e para aí uns três contabilistas, e uma dactilógrafa do Banco de Portugal, que deram cabo do BES. (...)
Resumindo, que estou cá para isso, a criação da lista VIP surgiu na sequência de notícias sobre dados fiscais do PM, na altura do caso Tecnoforma , mas foi para proteger o Ronaldo que, parecendo que não, também anda metido com aviões.
Ou seja, perante uma incomodidade do PM, quiseram mudar o sistema de alerta fiscal, e depois queixam-se dos outros que só agora, com o ex-PM preso, se preocupam com prisão preventiva. São da mesma lista VIP.
No fundo, isto é tudo deles e ainda vamos descobrir que a criação da lista foi só porque ninguém no Governo sabia o que dar ao PM nos anos. Provavelmente, sempre que alguém espreitava a situação fiscal de Passos Coelho, começava a soar, aos altos berros, nas colunas de som das finanças o "Depois do Adeus", do Paulo de Carvalho.»
João Quadros
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26.3.15
Dica (22)
«The 28-year-old member of the Left Bloc, Portugal’s equivalent to Greece’s anti-austerity Syriza party, has been catapulted into the limelight with her single-minded pursuit of those responsible for the country’s biggest corporate collapse in a generation. Her pithy and direct questioning in a parliamentary inquiry into the failure of Banco Espirito Santo SA and a group of associated family-controlled businesses has made her something of a local hero.
"It’s curious that the owner of everything has appeared before us today as the victim of everything,” she said. “Mr. Salgado wants to convince us that his empire crumbled and that the man in charge of that empire had nothing to do with it.”»
. Rafael Marques
A Amnistia Internacional lançou uma Petição que pode, e deve, ser assinada – é o mínimo que nos pode ser exigido.
«Rafael Marques de Morais é um jornalista angolano que tem sido perseguido pelo Governo de Angola devido à denúncia de casos de alegada corrupção e injustiça social no país.
Recentemente, Rafael Marques publicou um livro em que descreve alegados abusos de direitos humanos por parte de militares angolanos e de empresas privadas, em minas de diamantes.
Apresentou também uma queixa-crime contra os alegados responsáveis pelos abusos descritos no livro, procurando justiça para as alegadas vítimas da indústria de diamantes do país. Em consequência, foi formalmente acusado de denúncia caluniosa em Julho de 2014.
A Amnistia Internacional considera que Rafael Marques de Morais está a ser alvo de perseguição por exercer o seu direito à liberdade de expressão protegido pelo direito internacional.
Mais de 30 organizações se juntaram num apelo a que as autoridades de Angola ponham fim ao que consideram ser uma tentativa de perseguição do escritor e jornalista.
Ajude-nos a apelar ao Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho, e ao Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, que encorajem o Governo de Angola a retirar a acusação contra Rafael Marques.»
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Aproveito para recordar que a «Tinta da China» decidiu oferecer Diamantes de Sangue para download gratuito. O livro pode ser descarregado AQUI.
. Essa emigração não existe
«Foi um Presidente da República em campanha eleitoral por conta do Governo português, ou das forças políticas que o sustentam, que vimos em Paris. Um Presidente da República cujo optimismo é inversamente proporcional à situação dramática em que se encontra o país, um país que se despoja das suas forças vivas, das suas empresas estratégicas, dos seus serviços públicos. Um país que, ao mesmo tempo que aponta a porta de saída aos seus filhos, abre as pernas ao capital estrangeiro para que invista no que ele desinveste e gaba aos potenciais turistas o sol, o mar e a hospitalidade de um povo que põe de joelhos e/ou condena ao exílio. (...)
Também não me reconheço na emigração de que ele fala. A emigração do período 60-70 da qual sou oriunda e que a política politicamente correcta conveio apelidar, de forma caricata, de “emigração de sucesso”, focando-se em alguns casos e ignorando todos os outros, como o dos reformados (para não ir mais longe) que vivem abaixo do limiar da pobreza ou aqueles a quem a Santa Casa de Misericórdia de Paris proporciona um funeral condigno no espaço que reserva aos portugueses indigentes, no cemitério de Enghien-les-Bains.
Também não creio que se reconhecerão na emigração de que falou o Presidente os novos emigrantes, cuja corrente se intensificou durante os anos da troika e de que uma parte substancial desemboca quotidianamente em França, homens, mulheres e crianças de todas as idades, de todas as qualificações, em busca da realização que o país não lhes proporcionou ou, muito simplesmente, e na maioria dos casos, numa dramática luta pela sobrevivência. (...)
Como é que esses novos emigrantes, a população estrangeira mais numerosa a chegar actualmente a França e a quem o jornalista Giv Anquetil consagrou a sua reportagem para o programa de France Inter do passado dia 14, Comme un bruit qui court, poderão acolher o discurso de um Presidente que diz aos emigrantes que Portugal é um país bom para investir, bom para os franceses se irem instalar, bom para irem passar férias (recordando que, no ano passado, um milhão de franceses visitou o país) e pedindo-lhes que sejam os embaixadores desse país, que o aconselhem aos vizinhos, aos colegas de trabalho, aos amigos? (...)
Não, esse país, não é o meu, nem essa emigração existe.»
Cristina Semblano (docente de Economia Portuguesa na Sorbonne; autarca na região de Paris)
. 25.3.15
Ela faz hoje 73 anos
Aretha (Louise) Franklin nasceu em Memphis, em 25 de Março de 1942. Já houve quem a considerasse a maior cantora de todos os tempos, é certamente uma das muito grandes.
O seu último álbum (o trigésimo) – Aretha Franklin Sings the Great Diva Classics –foi publicado em Outubro de 2014.
A recordar:
Em 2014, na Casa Branca:
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Dica (21)
La double peine des classes populaires. (Thomas Piketti)
«Pourquoi ls classes populaires se détournent-elles un peu partout des partis de gouvernement, et singulièrement des partis de centre gauche qui prétendent les défendre ? Tout simplement parce que ces derniers ne les défendent plus depuis longtemps. (...)
Sur la Grèce, il est manifeste que certains dirigeants tentent de pousser le pays vers la sortie : tout le monde sait très bien que les accords de 2012 sont inapplicables (la Grèce ne va pas repayer 4% du PIB en excédent primaire pendant des décennies), et pourtant on refuse de les renégocier.»
. Carlos Costa
«Carlos Costa parece Robinson Crusoé, perdido numa ilha, cercado de mar. Só. Encurralado e sem aliados, conta os dias para ser libertado do cargo.
O calvário que lhe exigem, até que termine a sua comissão de serviço (lá para Maio ou Junho), tem muito a ver com a cultura política hoje instalada num país magoado, após quatro anos de austeridade mortal. (...)
A actuação de Carlos Costa não foi só motivada por um dever e por um destino. Não foi só um conjunto de actuações técnicas. Mas, nas decisões certas e erradas, não era um homem só como Robinson Crusoé. Serviu de pára-raios a um Governo que não se queria ferir numa rosa com espinhos, porque o BES foi o centro nevrálgico da economia (e da política) portuguesa durante as últimas décadas. Mas agora, delimitado o vírus, com a venda do Novo Banco à porta, com a incapacidade de encontrar culpados perfeitos para o descalabro BES/PT que arrasou a economia em que ainda julgamos viver, Carlos Costa é o bode expiatório perfeito para tudo. E ele, claro, vai engolir a cicuta para salvar o regime. A crise do BES, afinal, é parte da crise da política portuguesa. Que também é uma crise moral, como está à vista.»
Fernando Sobral
,
24.3.15
Dica (20)
«Em 1960, tinha havido um acordo com vários países europeus, para o pagamento de indemnizações a vítimas da guerra. A Alemanha desembolsou então 71 mil milhões de euros (em termos da moeda de hoje), dos quais 57,5 milhões de euros às vítimas gregas, ou, como alguém disse então, 2,5 euros por cada dia em Auschwitz. No entanto, esse acordo não indemnizou o empréstimo forçado, ou seja a pilhagem do banco central grego, pelas autoridades nazis: 476 milhões de marcos da época, ou 11 mil milhões de euros hoje, pelos quais assinaram um título de dívida, que ainda vale.
Nesses anos 1960, o chanceler Ludwig Erhard garantiu mesmo que pagaria esse empréstimo quando da reunificação da Alemanha, porventura esperando que a promessa nunca tivesse que ser chamada à pedra. Mas houve a reunificação e o tratado de 1990, mas a dívida ficou por pagar.
A Grécia tem portanto razão do ponto de vista do direito internacional.»
. 1962, o Dia do Estudante e uma geração que vai desaparecendo
O dia 24 de Março de 1962, os que o antecederam e todos os que se seguiram constituíram um marco importante na luta contra o fascismo no início da sua penúltima década e forjaram a vida de uma geração de estudantes, que vai naturalmente desaparecendo, mas que se reuniu em massa há três anos para assinalar o cinquentenário dos acontecimentos.
Em jeito de homenagem, retomo um comentário de José Medeiros Ferreira, um dos grandes activistas de 62 (era então Vice-Presidente da Pró-Associação da Faculdade de Letras de Lisboa ), que participou nas comemorações de 2012 e que morreu há um ano. Neste vídeo, fala da ruptura entre a Universidade e o regime, que a Crise Académica significou, e relata alguns episódios relacionados com a proibição do Dia do Estudante.
(Em A Crise Académica de 62, Fundação Mário Soares, 2007)
Há poucos meses, deixou-nos Manuel Lucena, também ainda presente no encontro de 2012, ele que foi o redactor de serviço de grande parte dos comunicados relacionados com a Crise Académica. (Para já não falar de Vítor Wengorovious e de muitos outros que partiram antes.)
Republico um texto que Manuel António Pina escreveu há três anos e que foi divulgado no Jornal de Notícias:.
50 anos depois
Colette Magny cantou-os chamando-lhes "les gens de la moyenne": "Os estudantes manifestaram-se,/ foram seviciados pela Polícia/ (..) em Lisboa, Portugal". Foi a 24 de Março de 1962, em plena ditadura, quando a Polícia de Choque atacou com grande violência estudantes que se manifestavam em Lisboa, dando origem à primeira das "crises académicas" (a segunda seria sete anos depois, em Coimbra) que abalaram os alicerces do regime salazarista.
Escreveu Marx que a História acontece como tragédia e se repete como farsa. 50 anos passados sobre esse episódio (e 38 anos sobre o 25 de Abril...), a Polícia de Choque mudou de nome para Corpo de Intervenção mas não parece ter mudado de métodos: violência e recurso a agentes provocadores para a justificar. E a ditadura é hoje uma farsa formalmente democrática - um "caos com urnas eleitorais", diria Borges - em que é suposto existirem direito à greve e à manifestação.
Quem viu na TV a imagem de um homem ensanguentado gritando "Liberdade! Liberdade!" em direcção à tropa do dr. Miguel Macedo que, como em 24 de Novembro último, espancou selvaticamente jovens que, em vez de acatarem o conselho do primeiro-ministro e emigrarem, se manifestaram na quinta-feira em Lisboa, não pode deixar de descobrir afinidades (até nas agressões a jornalistas e nos comunicados oficiais falando de "ordem e segurança" e culpando as vítimas) com o que aconteceu há 50 anos. E de inquietar-se.
Les étudiants ont manifesté, / Par la police, ont subi des sévices. / Ils étaient à Lisbonne, au Portugal. / Mais, cette fois, c’était leur chair, c’etait leur sang. / Les bourgeois de la ville ont renié publiquement / 40 années de gouvernement.
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P.S. – Clicando na etiqueta «CRISE 1962», tem-se acesso a uma longa lista de textos publicados neste blogue.
. A alma dos impostos
«As sociedades ocidentais foram ocupadas por térmitas enquanto os seus proprietários estavam comodamente sentados a ver telenovelas e entretidos com "smartphones". E estão a soçobrar, entre o canto das sereias que pedem frugalidade e prometem segurança e a implosão do contrato social onde assentava a democracia ocidental dos dois últimos séculos.
Mas ninguém está seguro neste mundo onde os políticos foram atirados para o papel de gestores e se conformaram com isso. Por isso as eleições são catástrofes anunciadas: o PSOE ganha na Andaluzia ao PP que está no poder central, o PS francês submerge entre a quase vitória de Marine Le Pen e o regresso das trevas de Nicolas Sarkozy. Pelo caminho, o centro político esvai-se, com a erupção de forças políticas vindas do nada e que garantem a bandeira do descontentamento, do fim da paciência e da ausência de destino.
São tempos estranhos estes, em que Maria Luís Albuquerque anuncia um país de "cofres cheios" e de almas e bolsos vazios (nem nisso o Governo consegue ser ideologicamente tão sólido como o de Thatcher). Os cofres estão cheios à custa de impostos, daqueles que Passos Coelho se esqueceu de pagar e dos que cabem escondidos em listas VIP cercadas por uma muralha de aço criada por um milagre. Mas, sobretudo, de impostos que o comum mortal ou paga ou é penhorado.»
Fernando Sobral
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23.3.15
Dica (19)
«A Ministra das Finanças é adepta da disciplina orçamental e do “cumprir as regras” europeias. Mas estará consciente de que, ao permitir a constituição de uma almofada financeira de 24 mil milhões de euros, não está a cumprir as regras – a lei e, em particular, o artigo 161º da Constituição Portuguesa – que atribui tais competências, não ao Ministro das Finanças nem ao Governo, mas à Assembleia da República? (...)
A Ministra das Finanças deveria impor regras e controlo a este (actualmente muito significativo) item da despesa pública – a despesa com juros da almofada financeira e as menos valias das operações de gestão de dívida correspondentes –, submetendo proposta(s) de lei(s) à aprovação da Assembleia da República.
Nessa situação, a responsabilidade por despesa com juros da almofada financeira e pelas eventuais menos valias deixaria de ser dos responsáveis do IGCP e/ou do Ministro das Finanças e passaria a ser da Lei e da Assembleia da República… como decorre da Constituição!»
. Culpas e desculpas
«O Governo, ao longo dos meses, foi atirando as culpas de sucessivas tolices para cima das longas costas da Administração Pública: o colapso do Citius, a confusão das listas de professores no início do ano escolar, o esquecimento de Passos Coelho relativamente a ter de pagar impostos, a lista VIP. (...)
Ninguém se demite por "responsabilidade política" (excepto Miguel Macedo). Ninguém sabe mesmo quem transformou o dinheiro do papel comercial do GES em nada e a PT em coisa nenhuma por causa de compras que ninguém aprovou. Só quem ficou sem nada é que apanha os estilhaços. E só quem tem de pagar com impostos a crise da dívida soberana é que sente na pele as decisões de outros que se esqueceram ou não viram.
No BES, no Banco de Portugal, no Governo. A culpa, como é óbvio, foi dos serviços. Que decidiram sozinhos, é claro. Como se este país fosse uma República das Bananas. E talvez seja.»
Fernando Sobral
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22.3.15
22 minutos e um murro no estômago
Monica Lewinsky: The price of shame.
Um vídeo que pode – e deve – ser visto aqui.
«A marketplace has emerged where public humiliation is a commodity and shame is an industry.»
- Dica (18)
«Já estamos muito bem instalados, muito obrigado, empregados, remunerados, reconhecidos, com direito a férias, subsídios de doença, licenças de maternidade e paternidade, pensões de reforma e tudo o mais quanto o governo de Portugal tem insistido em atacar sob a égide da calonice nacional.
Não, senhor Secretário de Estado, não somos calões, nunca o fomos, somos professores, enfermeiros, engenheiros, pescadores, operários, trabalhadores da construção civil, empregadas domésticas e empregados de hotel, erigimos países inteiros e Portugal é demasiado pequeno para todos nós. Porque se nos querem de volta, saiam vocês primeiro, mas de joelhos. E, ao saírem, não se esqueçam de bater nas portas de todas as casas de todas as ruas de todas as vilas e cidades de Portugal pedindo perdão por todo o sofrimento causado. Não o terão, mas o que conta é a intenção.»
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