8.7.23

Edifícios

 


Edifício Arte Nova com janelas de vidro e terraço no telhado. Cannes, França, fim do século XIX.

Daqui.
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José Mattoso

 


Quem sou eu para falar deste homem que hoje morreu e do qual tantos vão escrever – e tanto.

Mas quando se tem uma vida já longa, é normal que ela se tenha cruzado com muitas outras e foi o meu caso com a de José Mattoso: estudámos ao mesmo tempo em Lovaina, ele História e eu Filosofia. Se nunca fomos íntimos, a verdade é que éramos então pouco mais do que uma meia dúzia de estudantes portugueses naquela magnífica Universidade e que nos encontrávamos de vez em quando.

Foi num desses encontros que surgiu a decisão de irmos assistir à Missa do Galo no mosteiro beneditino em que JM vivia porque era então monge da respectiva Ordem. E por mais anos que viva, nunca esquecerei a beleza do gregoriano cantado por umas dezenas de homens. Inigualável, única. De JM, é o que escolho para guardar no baú da minha memória.
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Edgar Morin

 


Chega hoje aos 102.

Conheci-o numa das suas primeiras vindas a Portugal nos idos de 60, sempre presente num mundo a que eu também pertencia. Lembro-me de muitas reuniões e colóquios, e até de termos assistido, na TV e em grande grupo, a um decisivo desafio de futebol. Também, de ter convivido com ele no Algarve, em casa de amigos muito próximos onde se refugiara para escrever.

Continuo a lê-lo no Twitter. Há três dias, por exemplo, escreveu isto: «Tudo o que é explicável não é necessariamente justificável».
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O gueto

 


«Começo por citar o artigo de abertura do Le Monde de hoje: "Alguns milhares de adolescentes e jovens adultos, saídos dos bairros populares, na maior parte entre os 14 e os 20 anos, fizeram vacilar a República provocando os mais graves motins urbanos de sempre na França moderna."

É um fenómeno de muitas dimensões mas vou centrar-me no "problema gueto", que está na origem do "mal francês". Para uma abordagem mais global, ler a última newsletter de Teresa de Sousa.

Anota o mesmo artigo: "A ‘guetização’ dos bairros mais pobres é conhecida desde há 20 anos, mesmo se uma parte dos sociólogos e das autoridades sempre tenha recusado o termo", geralmente em nome da França republicana.

O gueto está na raiz da segregação social e ética sofrida pelos habitantes dos bairros populares. Escreve o sociólogo François Dubet: "As escolas e os estabelecimentos sociais são percebidos como estrangeiros ao bairro. Apesar das políticas locais, apesar do empenho dos trabalhadores sociais e dos professores, os habitantes sentem-se postos à margem por causa das suas origens, da sua cultura, da sua religião e da sua residência: o bairro exclui-os e encerra-os, ao mesmo tempo que os protege. (…) Os jovens destes bairros têm o sentimento de serem prisioneiros de um destino social e racial congelado." Pouco importa que a discriminação fosse muito mais forte e visível há meio século. Hoje, as discriminações são vividas como intoleráveis. E, mais ainda, quando é difícil sair do gueto.

A discriminação é real e mede-se: "Sabemos que um jovem de origem estrangeira que vivam num bairro de reputação difícil tem muito menos oportunidades. Estes jovens acumulam uma série de indicadores negativos, do desemprego ao fracasso escolar. As políticas urbanísticas não reduziram a segregação social e étnica. Os habitantes dos bairros ‘prioritários’ continuam a ser os mais pobres e precários, de imigrantes ou saídos da imigração" (Dubet).

Guetos e guetos

O termo guetto tem origem nos bairros judaicos do Norte de Itália. Os guetos de Veneza surgiram após a expulsão dos judeus de Espanha. O termo generalizou-se depois. O sociólogo americano Louis Wirth estudou os bairros de imigrantes nos anos 1940. Considerou-os uma "formação social que permite a um grupo que acaba de se instalar recentemente amortecer o choque migratório". Neste sentido, o gueto americano era uma via e uma etapa de integração na sociedade.

O historiador Pap Ndiaye, actual ministro da Educação francês, estudou o bairro judaico de Chicago e divergiu de Wirth: "O gueto não é apenas um lugar em que as pessoas se agregam para absorver um choque imigratório. É, mais precisamente, um novelo etno-racial em que os habitantes estão verdadeiramente ‘encurralados’ e sofrem formas de segregação e discriminação."

Les Blancs sont partis (Os brancos partiram) é o título de um livro recente do jornalista Arthur Frayer-Laleix, especialista em imigração e que percorreu os bairros mais pobres de França. O título da longa reportagem parece paradoxal, mas são palavras "pronunciadas com tristeza" por alguns marroquinos, argelinos, marfinenses, malianos ou senegaleses, que apontam a realidade crua das periferias francesas, a emergência de uma "separação racial" sem apartheid. "A luta contra os guetos deveria ser uma grande causa nacional", declara Frayer-Laleix.

A brutalidade da polícia e certos comportamentos racistas não são a origem dos fenómenos. São um detonador de explosões. Um tiro, um morto e o incêndio dos bairros. Também as redes sociais não são causas: são multiplicadores das reacções.

Qual o efeito da ‘guetização’? Os pobres e os imigrantes são condenados a viver em conjunto e, inclusive, formam-se guetos dentro dos guetos. Depois surge uma espécie de violência niilista que leva à destruição dos equipamentos sociais dos próprios bairros.

Volto a Dubet: "Nenhum motim tem uma verdadeira tradução política. Tudo se passa como se os bairros populares estivessem num vazio político, como se a raivas e as revoltas não desembocassem em nenhum processo político. Nas democracias os movimentos sociais e os partidos políticos têm um papel essencial: transformar as emoções em acções organizadas, em reivindicações, em projectos. As revoltas operárias tornaram-se sindicatos e partidos de esquerda. Sem eles, apenas teria havido violência e silêncio. Os motins das periferias são um problema social porque não desembocam na emergência de um actor."

Lembra Dubet: "O contraste com as antigas periferias vermelhas é impressionante: as aglomerações do pós-guerra não eram ricas, mas eram enquadradas por partidos, sindicatos e trabalhadores da educação popular." Tudo isto desapareceu. Tudo se parece reduzir-se ao epifenómeno: o confronto de manifestantes e polícias.

O vazio conduz a uma completa ruptura entre os habitantes, sobretudo os jovens, e os eleitos, autárquicos e políticos. "Esta experiência é tão violenta que leva os jovens a destruir tudo que os pode ligar à sociedade – as bibliotecas, as escolas, os centros sociais." Os símbolos do Estado são o alvo.

A situação, com todas as suas diferenças, pode ser mais aguda nos Estados Unidos e na França. Seria, no entanto, sábio que cidades e países onde proliferam novos guetos, em vez de o silenciar, levassem o fenómeno a sério: um gueto não é um problema de polícia.»

Jorge Almeida Fernandes
Newsletter do Público, 07.07.2023
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Macron a ver se dá a volta à França

 

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7.7.23

Mais um vaso

 


Vaso de porcelana pintada, Rozenburg Pottery and Porcelain Factory, Haia, 1903.
Pintor: Samuel Schellink.

Daqui.
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Marcelo – Até fiquei preocupada

 


Eu até desconhecia o que era Fortimel, mas fui ao Google e fiquei a saber que «é especialmente formulado para a gestão nutricional da malnutrição associada a doença». Ui!..
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Nem mais

 

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As Jornadas Mundiais da Juventude: religião ou política?

 


«Em 1985, a Organização das Nações Unidas criou o Ano Mundial da Juventude. É neste contexto que o Papa João Paulo II (canonizado/santo em 2014) criou a primeira Giornata Mondiale della Gioventù. O objetivo era divulgar a doutrina católica (verdades de fé), propagar os ensinamentos da Igreja Católica entre os jovens e estabelecer e reforçar pontes de amizade entre povos e culturas.

Na verdade, devido ao contínuo processo de secularização (perda da importância da religião na vida quotidiana), a estratégia é atrair os jovens (garante do futuro) para a Igreja, revitalizando a religiosidade deste importante segmento da sociedade.

Do ponto de vista dos jovens, é um momento privilegiado de encontro com o Papa, convívio, vivências e experiências religiosas e espirituais. Durante o evento acontecem: catequeses, confissões, adorações, vigílias, missas, momentos de oração e conferências sobre temas relacionados com a juventude. Segundo o site oficial da JMJ-2023, “é um encontro dos jovens de todo o mundo com o Papa. É, simultaneamente, uma peregrinação, uma festa da juventude, uma expressão da Igreja universal e um momento forte de evangelização do mundo juvenil”.

Façamos agora uma viagem histórica sobre a realização das Jornadas, realçando tempo (cronológico) e espaço (geográfico):

1. A primeira edição foi realizada, em março de 1986, justamente em Roma, sede da Igreja Católica.

2. Buenos Aires, Argentina, em abril de 1987, em pleno governo de Raúl Alfonsín, que tinha restaurado a democracia no país, após a sangrenta ditadura militar (1976-1983).

3. Santiago de Compostela, Espanha, em agosto de 1989, um dos mais destacados locais de peregrinação do mundo católico.

4. Częstochowa (Virgem Negra), em agosto de 1991, um importante santuário mariano e destino de peregrinação. Este evento teve um forte valor simbólico e político. João Paulo II, que teve um papel político crucial na queda do regime comunista em 1989 (com a queda do Muro de Berlim), escolheu o seu país natal (Polónia) para a realização da Jornada. A intenção era reestabelecer a ponte entre o mundo católico (ocidental) e os (novos) países ex-comunistas, marcadamente de orientação ideológica e política anti-religião.

5. Denver, Colorado, em agosto de 1993. A escolha para sediar a Jornada foi apoiada por Bill Clinton, recém-empossado Presidente dos Estados Unidos, um país ainda maioritariamente protestante, mas com expressivo aumento dos católicos. Clinton esteve pessoalmente com o Papa no evento.

6. Manila, em janeiro de 1995, no governo do militar Fidel Ramos. Filipinas é o único país asiático predominantemente católico (80% da população), mas que estava a sofrer um avanço do Islamismo, vindo da Indonésia e da Malásia.

7. Paris, em agosto de 1997. Realizada no governo do católico Jacques Chirac, na ainda predominante França católica, mas com expressivo avanço do Islamismo, através da imigração.

8. Roma, em agosto de 2000. A escolha do retorno prende-se com o evento mundial Jubileu 2000 (celebração do nascimento de Jesus).

9. Toronto, em julho de 20o2, no católico Canadá. Como recompensa pela realização do evento, o Papa apoiou a criação, em 2003, do Salt+Light Catholic Media Foundation, um importante meio de divulgação da doutrina da Igreja Católica, mas também com grande capacidade de influência e poder político.

10. A católica Colónia, em agosto de 2005. Após a morte do Papa João Paulo II, o alemão Joseph Ratzinger, recém-eleito como Bento XVI, quis fazer a sua primeira Weltjugendtag no seu próprio país.

11. Sydney, em julho de 2008, na Austrália de maioria católica. Foi o primeiro (e único evento) realizado na Oceânia.

12. Madrid, em agosto de 2011, segunda vez realizada na católica Espanha, berço da Opus Dei (1928), o influente ramo económico e político da Igreja Católica.

13. Rio de Janeiro, em julho de 2013, no país com o maior número de católicos do mundo, mas com um fortíssimo crescimento do segmento evangélico. Com a renúncia de Bento XVI, o evento foi conduzido pelo Papa Francisco.

14. Cracóvia, em julho de 2016, cidade de João Paulo II, razão do retorno do evento na católica Polónia.

15. Cidade do Panamá, em janeiro de 2019, no ainda católico Panamá, mas, à semelhança do Brasil, com expressivo crescimento do segmento evangélico. Este evento foi muito importante para Portugal: diante do Cardeal-Patriarca de Lisboa (D. Manuel Clemente), do então Presidente da Câmara de Lisboa (Fernando Medina) e do Presidente Marcelo, o Papa Francisco anunciou Lisboa como sede da próxima Jornada Mundial da Juventude, em agosto de 2023.

Na verdade, a "surpresa" foi uma encenação televisiva, pois a realização do evento em Portugal (de Fátima) tinha sido previamente negociada pelo catolicíssimo Presidente, provavelmente na sua visita ao Papa, em março de 2016, logo a seguir à posse do primeiro mandato. Além disso, foi no Panamá, no âmbito desse evento religioso-espiritual, que Marcelo, unindo religião e política, anunciou a sua recandidatura para Presidente, o que veio a concretizar-se em 2021. Em Portugal, desde a sua fundação, religião/Igreja Católica e política andam sempre de mãos dadas.» (O realce é eu.)

Donizete Rodrigues
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6.7.23

Janelas e mais janelas

 


Quatro casas Arte Nova, com janelas diferentes. Antuérpia, 1913.
Arquitecto: Jacqued De Weerdt.

[E as nossas todas iguais, «little boxes all the same»…]

Daqui.
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É duro de ouvir, mas...

 


O ex-presidente da União Africana explica por que motivo muitos países africanos se aproximam cada vez mais da Rússia.
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Já que os bancos pagam pouco pelos depósitos…

 


… pode ser que outros investimentos rendam juros no além.

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TAP: fundiu-se a lâmpada no teatro de sombras

 


«Durante meses, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da TAP foi o centro da vida política nacional. No objecto de análise dos deputados estão acontecimentos que fizeram cair um ministro e dois secretários de Estado. Antes das audições da CPI começarem, houve um relatório da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) sobre os acontecimentos que motivaram a sua constituição e que levaram ao despedimento da CEO da companhia aérea. Por causa dela, o Ministério das Infra-estruturas foi palco de um filme policial série B que acabou por suscitar uma clara clivagem entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, que ainda dura. E não deve haver muitos portugueses que, de uma forma ou outra, não tenham sido impactados pelas longas horas de vívidas audições parlamentares.

E, apesar de toda esta sucessão de eventos, o que sobrevém do relatório preliminar ontem apresentado é uma enorme e corrosiva sensação de vazio. É como se ao trepidante teatro de sombras a que assistimos de repente tivesse fundido a lâmpada. Ficou tudo escuro e parece não haver nada que o trabalho dos deputados tenha iluminado.

Mesmo que a tutela esteja completamente por dentro das negociações da indemnização ilegal ou participe em reuniões da TAP para responder a perguntas do próprio ministério, não há ingerência política na gestão da companhia. Mesmo que se contrate novamente quem se indemnizou antes, não há lugar a censura. E se houve ou não intenção de ocultar matéria da própria CPI por parte de governantes, isso é uma questão para uma outra instância parlamentar ou então para instâncias judiciais...

É aceitável que, estando fora do objecto da comissão alguns dos temas mais quentes tratados na CPI, nomeadamente os que visavam o ministro João Galamba, a maioria se servisse disso para descartar esses assuntos e arrefecer o tom geral do relatório. Mas um resultado tão inócuo, que tão pouco acrescenta ao relatório da IGF, é algo demasiado descolado daquilo a que os portugueses assistiram no teatro de sombras da CPI. Como refere a advogada de Christine Ourmières-Widener, o que perdura é a sensação de que este é “um documento que serve o seu propósito”, o de culpar a CEO e ilibar os governantes.

Porém, se o documento ficar inalterável até à sua aprovação final, também há outro propósito que ele servirá: acabar de vez com a ideia que um dia António Costa tentou passar, de que “uma maioria absoluta não é poder absoluto, não é governar sozinho, é uma responsabilidade acrescida”. Aqui há muita pouco sentido de responsabilidade e muito poder absoluto.»

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5.7.23

Portas Pavão

 


Portas Pavão de metal da antiga joalharia C.D. Peacock. Chicago, 1925.
Tifany.

Daqui.
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Relatório da CPI à TAP

 


Por tudo o que se ouve por aí, será que o Relatório, levezinho e praticamente sem comprometer ninguém, foi escrito pelo ChatGPT?
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Mia Couto, 68

 

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O drama da habitação

 


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Arquivar o racismo nas polícias debaixo do tapete

 


«Através de uma investigação do Consórcio de Jornalistas, divulgada em vários órgãos de comunicação social, tivemos conhecimento de vários crimes cometidos nas redes sociais por agentes e guardas das forças de segurança. Ao todo, 591 operacionais ainda no ativo terão assumido “comportamentos contrários ao Estado de direito, apelos à violência e à violação de mulheres, comentários racistas, xenófobos, misóginos e homofóbicos, simpatia pelo Chega e por outros movimentos de extrema-direita e saudosismo salazarista.”

A gravidade destes factos levou à abertura de dois inquéritos: um na Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e um processo-crime aberto pela Procuradoria-Geral da República. Foi anunciado, pelo próprio ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, o carácter prioritário das investigações.

Passados alguns meses, eis que agora foi noticiado o possível arquivamento do processo-crime. As razões invocadas apontam para poder considerar-se como “ação encoberta não-autorizada” a recolha e entrega da prova recolhida pelo Consórcio de Jornalistas e, por isso, essa prova não ser aceite pelo tribunal.

Estamos a falar de mensagens e de publicações nas redes sociais e também na identificação dos polícias que as escreveram e publicaram. Parece estar em causa esquecermos que, pelo menos, 591 polícias cometeram crimes graves, incitaram ao ódio e à discriminação e demonstraram não reunir as condições para usar uma farda policial e serem portadores de armas de fogo.

O sistema judicial não nos deve exigir que façamos de conta que isto não aconteceu. Não vamos ignorar que centenas de polícias – e atenção que as centenas que foram identificados podem ser apenas uma amostra da totalidade – são xenófobos, racistas, homofóbicos e simpatizantes da extrema-direita.

Está em causa a credibilidade das forças de segurança e a credibilidade do próprio sistema judicial que recorrentemente se assume manietado e impedido de fazer o que todos acham, e sentem, que deve ser feito.

Nada impede o Ministério Público de fazer uma investigação como fizeram os jornalistas do consórcio. Existindo uma notícia que aponta para o cometimento de crimes, por parte de polícias, nas redes sociais, pode o Ministério Público investigar, ou seja, requerer às empresas que guardam esses dados que os disponibilizem. Essa informação, mesmo que tenha sido apagada pelos agentes e guardas das forças de segurança, deverá estar ainda armazenada. Uma investigação feita ao abrigo de um inquérito poderá conduzir a resultados muito mais expressivos do que uma investigação jornalística.

Por esta altura, já todos temos o conhecimento de que existe um enorme problema nas polícias. Nem era preciso que fizessem a investigação jornalística. Estamos cientes da infiltração do partido de extrema-direita junto destes operacionais e do crescente racismo e xenofobia. É claro que uma coisa leva à outra e que a adesão ao Chega costuma levar a comportamentos racistas. Quem frequenta redes sociais também está familiarizado com o uso de linguagem violenta e agressiva por parte dos utilizadores que são simpatizantes do Chega. Verificamos que muitos deles são polícias. Nada disto é novidade. O que não sabemos é se alguém vai fazer alguma coisa em relação a isto.

É impossível confiar que polícias racistas e dispostos a cometer crimes estejam aptos a defender a segurança pública. Estão aptos, sim, a colocá-la em risco e acabarão por fazê-lo. Esta situação é uma bomba-relógio. Enquanto ela não explode, o sistema judicial parece determinado a varrer tudo para debaixo do tapete enquanto espera de nós que finjamos que a sala está bem varrida. Claro que, para quem faz parte de minorias, este jogo de fingir é mais difícil de jogar.

O problema não é exclusivamente português, mas esta forma mansa de não o encarar e de esperar que vá correr tudo bem é muito portuguesa. Vimos correr mal no Brasil e estamos a ver em França. Por cá, não correu bem, por exemplo, aos imigrantes de Odemira que foram agredidos e torturados por sete guardas da GNR. Não correu bem na esquadra da PSP de Alfragide e também não correu bem a Cláudia Simões, a mulher racializada que foi violentamente agredida por agentes da PSP, em frente à sua filha de oito anos, na Amadora. Estão, aliás, reunidas as condições para isto correr muito mal.»

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4.7.23

Regressam as portas

 


Porta Arte Nova. Rue du Lac, Bruxelas, 1901.
Arquitecto: Ernest Delune.


Daqui.
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Novo aeroporto: qual é a pressa?

 


Mais 50 anos para decidir?

Daqui.
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Pedro Nuno Santos

 


E já lá está, na última fila.

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Dizem que querem um «SERVIÇO Nacional de Saúde»

 


Daqui. 
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Papa espevita protestos

 


«Oportunismo ou o espelho das condições de vida? Talvez um pouco das duas coisas. A verdade é que a Jornada Mundial da Juventude, marcada para o início de agosto em Lisboa, será pretexto para múltiplos protestos.

Os professores não desarmam, lá estarão a gritar bem alto o seu descontentamento; as forças policiais, também. Uns a mostrar apenas insatisfação, uma vez que o seu estatuto não lhes permite fazer greve, outros, como a ASAE e o SEF, já prometeram paralisar. E, ainda mais pernicioso, os médicos, descontentes com as condições de trabalho e não menos importante com os salários que auferem, deixam claro: nos dias da visita do Papa Francisco, admitem não trabalhar. Tudo legítimo, naturalmente.

Bem pode o país querer brilhar, gastar milhões em palcos que servem apenas para um evento, transformar terrenos abandonados em parques públicos e, no final, estamos sempre mais ou menos na mesma. Os portugueses ganham mal, ganham cada vez pior. Bem vistas as coisas, não deviam ser apenas os médicos, os polícias e os professores a aproveitarem a visita do Papa e a sua visibilidade planetária, pelo menos no mundo católico, que isso vai ter, a sair à rua.

A maioria dos portugueses terá razões para gritar bem alto quão descontente está com o salário auferido no final de um mês de trabalho, apesar da senhora Lagarde considerar serem essas pequenas fortunas o grande mal da economia mundial. Não tenho dúvidas, à presidente do Banco Central Europeu bastaria viver um mês em Portugal, com um salário destas bandas, para mudar de ideias.»

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3.7.23

Jarros

 


Jarro em cristal esculpido, «Claret Jug» (troféu de campeão de golfe), Londres, 1901.
William Comyns & Sons Ltd.

Daqui.
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França

 

«A irrupção destes incidentes sem aviso, surpreendendo todos pela sua dimensão e violência, é também a demonstração de que fechar os olhos perante os problemas só ajuda a cavar um fosso cada vez maior entre o Estado e uma parte muito significativa da população. Aconteceu em Paris, poderá um dia acontecer em Lisboa, se os governos e a sociedade não transformarem estas questões numa constante preocupação.»
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03.07.1883 – Franz Kafka

 

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Christine Antoinette

 


«Não vou debater de novo as razões específicas desta inflação e a desadequação da terapia que lhe está a ser aplicada. Claro que se a dose for de tal forma forte que provoque uma recessão acabará por resultar. A questão é o estado em que fica o paciente. Como na medicina, quem aplica uma terapia ignorando os seus efeitos secundários pode matar o paciente da cura. Mas acaba com a doença, isso é seguro.

As subidas das taxas de juro aconteceram na Turquia, em Inglaterra e, claro, nas economias abrangidas pelo BCE. Das 44 reuniões de política monetária deste mês, metade dos bancos centrais não mexeu nos juros (o Japão tem sido especialmente cuidadoso), iniciando ou prolongando uma pausa. Seis até decidiram cortá-las.

Em junho, a taxa de inflação em Espanha abrandou acentuadamente para 1,9%, abaixo do objetivo do BCE. Ajudaram medidas como introdução de um limite máximo para o preço do gás na produção de energia, os limites aos aumentos das rendas, a tributação dos lucros excecionais e outras medidas que não cabem na ortodoxia que tomou conta das nossas televisões, onde, ao contrário do que acontece noutros países, o debate económico é ausente de qualquer pluralismo e de um dogmatismo aflitivo.

Olivier Blanchard, ex-economista chefe do FMI, defendeu, em novembro passado, que os bancos centrais revissem a sua meta de inflação para 3%, evitando custos económicos e sociais desnecessários. Quem o defendesse no espaço mediático seria cruxificado ou considerado um ignorante. Felizmente, há mais diversidade de opiniões entre economistas do que aquela que o espaço público nacional oferece.

Não é só António Costa, que valoriza o desvaloriza o papel dos salários na "espiral inflacionista" conforme o jeito que lhe vai dando (e que, no Estado, aplica as preocupações que contesta a Lagarde), a dizer que o aumento das margens de lucro contribuíu decisivamente para a inflação depois da pandemia. Foram os técnicos do BCE que, num retiro de março, numa pequena localidade no Ártico, mostraram que as empresas estão a defender-se (ou mesmo a lucrar) da inflação, enquanto trabalhadores e consumidores pagam a conta. No entanto, apesar do BCE reconhecer que os salários não têm contribuído significativamente para a inflação, Christine Lagarde referiu, numa conferência de imprensa, em fevereiro deste ano, 14 vezes os salários e apenas uma as margens de lucro. E voltou à carga em Sintra, na semana passada.

Uma pesquisa do FMI revelou que os aumentos nos lucros representaram quase metade do aumento na taxa de inflação pós-pandémica da zona do euro. No mesmíssimo encontro em Sintra em que Lagarde fez declarações “impopulares” (a expressão tem um elogio implícito na imprensa), a vice-diretora do FMI até defendeu, perante as evidências de “greedflation”, que “se a inflação cair rapidamente, as empresas devem permitir que suas margens de lucro – que dispararam nos últimos dois anos – diminuam e absorvam parte do aumento esperado nos custos de trabalho”.

Ou seja, é possível acomodar o aumento dos salários à inflação sem aumentar o preço, não contribuindo para uma espiral inflacionista que não resulta da pressão da procura. Basta partilhar o que o ganho que está concentrado. O que não faz qualquer sentido é pedir aos patrões para explicarem aos seus trabalhadores que, apesar dos lucros extraordinários que lhes chegam, não aumentam salários para ajudar no combate à inflação. É politica, social, moral e economicamente insustentável.

Se a insistência de Lagarde não se baseia em qualquer evidência e ignora vários pareceres técnicos, quer dizer que é política. Como tudo o que Lagarde diz. A presidente do BCE é uma política de carreira que teve, como o seu vice Luis de Guindos, um papel central em governos que impuseram a austeridade, a “contenção” salarial e a perda de direitos sociais e laborais como receitas para ultrapassar crises cíclicas. Têm-se especializado em aproveitar todos estes momentos para acentuar a transferência recursos de baixo para cima e enfraquecer a capacidade negocial de sindicatos e trabalhadores. Porque havia de ser diferente agora?

Nesta união monetária, o emprego e o salário são as únicas variáveis para controlar a inflação. O que quer dizer que o programa para nos protegerem da inflação é fazerem-nos perder salário real ou atirarem-nos para o desemprego. Um conveniente programa político que garante que só há prosperidade se não for partilhada com os trabalhadores. Se for, é uma catástrofe para os trabalhadores.

Apesar da independência do BCE ser falsa (é uma estrutura política dirigida políticos não eleitos que impõem políticas não sufragadas com base em opções ideológicas), ela tem, pelo menos teoricamente, dois sentidos. O BCE define a política monetária, mas não tem autoridade para determinar as políticas sociais e económicas dos Estados. Ainda mais sem qualquer evidência técnica. Depois, há diferenças entre os Estados. O aumento das taxas de juro não tem o mesmo impacto direto nos cidadãos na Alemanha, onde a taxa fixa é dominante, e em Portugal, onde a taxa variável é hegemónica. Qual Maria Antonieta, Lagarde respondeu: “são escolhas, é da vida”. Não é a insensibilidade social que me incomoda, porque ela faz parte das suas mais profundas convicções morais. É a ignorância. Os portugueses condenam-se às taxas variáveis porque o mercado bancário e o aperto na hora da “escolha” a isso os obrigam.

Em Portugal, o efeito do aumento das taxas de juro é uma redução drástica e dramática do rendimento disponível em plena crise inflacionista. Isto, num país em que os salários aumentam há duas décadas abaixo da produtividade (com um pequeno intervalo durante a pandemia). Cortar mais nos salários, integrado numa Europa de fronteiras abertas, é ver fugir para outros países a mão de obra qualificada que nos resta, continuando a alimentar o desequilíbrio que reduz as escolhas que poderemos fazer no futuro. Por isso, não faz sentido dizer a todos os Estados para acabarem com os apoios, como se os impactos fossem os mesmos perante a mesma decisão e os apoios não fossem medidas corretivas para conseguir, no mínimo, resultados semelhantes. Tudo isto são minudências na bolha em que Christine Lagarde vive. Não me refiro apenas à bolha do privilégio, apesar de um salário anual de 427 mil euros (que aumentou 12% na última década, com uma baixa inflação, mostrando que a contenção salarial é sempre para os outros) garante um confortável distanciamento em relação aos problemas que se enfrentam e às soluções que se propõem. Refiro-me ao alheamento democrático. A falsa independência dos bancos centrais permite-lhes não ter de ponderar os efeitos económicos e sociais das políticas que defendem. É por isso mesmo que as correntes neoliberais, que nunca foram especialmente democráticas, lhes querem sempre reforçar os poderes. É tão bom governar sem povo.»

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2.7.23

Vírgulas

 


Desaparecem ou esvoaçam nas redes sociais e não só, muitas vezes ao deus-dará. Mas vale a pena ter cuidado.
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02.07.2013 – Paulo Portas, «O Irrevogável»

 



Há 10 anos, também havia casos e casinhos. E este foi um «casão»!

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A França a arder

 

«Está a polícia francesa infiltrada pelos apoiantes de Marine Le Pen? Parece cristalino. Dois dos sindicatos de polícias fizeram um comunicado em que disseram estar “em guerra”, defendendo o seu colega assassino e acusando Macron de “ceder à pressão das ruas e das redes sociais”. Mais grave: ameaçam “passar à acção” se não houver “protecção jurídica” do polícia que matou o jovem Nahel. O que é “passar à acção”? Ameaça de guerra civil?»

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Nahel M., uma espécie de George Floyd da Europa

 


«Há um Atlântico que separa os EUA da Europa. Há muitas diferenças sociais, culturais e políticas. No caso que nos últimos dias tem enchido de jovens as ruas de Paris, depois da morte de um adolescente em Nanterre, também há uma grande distância face ao que aconteceu em Maio de 2020, quando George Floyd foi assassinado às mãos de agentes policiais em Mineápolis.

As vítimas não partilham a faixa etária, as comunidades em protesto não são exactamente as mesmas, as formas que escolhem para mostrar a revolta e o desalento também não, o contexto político é distinto (Emmanuel Macron não é Donald Trump) e as queixas e objectivos dos manifestantes não são totalmente coincidentes.

Se, do lado de lá do oceano, o grande debate que inundou a praça pública foi sobre racismo, violência policial e uso de força bruta e discriminatória por parte das autoridades, deste lado, a discussão é sobre racismo sistémico e violência (a própria agência dos direitos humanos das Nações Unidas avisou as autoridades francesas de que “este é um momento para o país abordar seriamente as questões profundas do racismo e da discriminação racial na aplicação da lei”), mas é também sobre imigração e más condições de vida.

Nahel foi a enterrar neste sábado. Filho único, estudante ocasional, entregador de pizzas, já conhecido da polícia por delitos menores, francês com ascendência magrebina, morreu na sequência de um disparo que o atingiu no peito, depois de ter tentado escapar de uma operação “stop” por supostas infracções de trânsito. Tudo filmado e partilhado quase em directo. Ninguém devia morrer num contexto desses. Nem em Nanterre, nem em Mineápolis.

Apesar das diferenças já referidas, não há como não rever, nos protestos violentíssimos e descontrolados que a sua morte desencadeou em França, os tumultos que o assassinato de George Floyd gerou em 2020 nos Estados Unidos. É a mesma bipolarização e o mesmo pecado original: a falta de respostas sociais ou de políticas públicas para os problemas concretos dos sectores mais desfavorecidos da sociedade.

Há um problema em França (que está, sem dúvida, a gerar muitos outros) e o perigo de contágio a alguns países da Europa é real. Mas enquanto o poder acreditar que o verdadeiro problema está nos milhares de carros incendiados, nas centenas de pessoas detidas e nas redes sociais, os adolescentes que protestam não vão desarmar. E não há pais que os “prendam” em casa.»

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