2.7.23

Nahel M., uma espécie de George Floyd da Europa

 


«Há um Atlântico que separa os EUA da Europa. Há muitas diferenças sociais, culturais e políticas. No caso que nos últimos dias tem enchido de jovens as ruas de Paris, depois da morte de um adolescente em Nanterre, também há uma grande distância face ao que aconteceu em Maio de 2020, quando George Floyd foi assassinado às mãos de agentes policiais em Mineápolis.

As vítimas não partilham a faixa etária, as comunidades em protesto não são exactamente as mesmas, as formas que escolhem para mostrar a revolta e o desalento também não, o contexto político é distinto (Emmanuel Macron não é Donald Trump) e as queixas e objectivos dos manifestantes não são totalmente coincidentes.

Se, do lado de lá do oceano, o grande debate que inundou a praça pública foi sobre racismo, violência policial e uso de força bruta e discriminatória por parte das autoridades, deste lado, a discussão é sobre racismo sistémico e violência (a própria agência dos direitos humanos das Nações Unidas avisou as autoridades francesas de que “este é um momento para o país abordar seriamente as questões profundas do racismo e da discriminação racial na aplicação da lei”), mas é também sobre imigração e más condições de vida.

Nahel foi a enterrar neste sábado. Filho único, estudante ocasional, entregador de pizzas, já conhecido da polícia por delitos menores, francês com ascendência magrebina, morreu na sequência de um disparo que o atingiu no peito, depois de ter tentado escapar de uma operação “stop” por supostas infracções de trânsito. Tudo filmado e partilhado quase em directo. Ninguém devia morrer num contexto desses. Nem em Nanterre, nem em Mineápolis.

Apesar das diferenças já referidas, não há como não rever, nos protestos violentíssimos e descontrolados que a sua morte desencadeou em França, os tumultos que o assassinato de George Floyd gerou em 2020 nos Estados Unidos. É a mesma bipolarização e o mesmo pecado original: a falta de respostas sociais ou de políticas públicas para os problemas concretos dos sectores mais desfavorecidos da sociedade.

Há um problema em França (que está, sem dúvida, a gerar muitos outros) e o perigo de contágio a alguns países da Europa é real. Mas enquanto o poder acreditar que o verdadeiro problema está nos milhares de carros incendiados, nas centenas de pessoas detidas e nas redes sociais, os adolescentes que protestam não vão desarmar. E não há pais que os “prendam” em casa.»

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