31.10.20

Carlos Drummond de Andrade


 
Nasceu num 31 de Outubro. E isto hoje faz-me pensar nos Açores, vá lá saber-se porquê…
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PS: A soberba não é boa conselheira

 


«Nos tempos de emergência em que vivemos, há três coisas fundamentais que podem e devem ser exigidas ao Orçamento do Estado para 2021. Que contribua para proteger a saúde de todos, que limite a magnitude da recessão e que mitigue os impactos sociais da crise. O primeiro objetivo exige o reforço do Serviço Nacional de Saúde, o segundo exige uma atuação contracíclica robusta para limitar a dimensão da recessão e o terceiro exige o reforço dos mecanismos de proteção social e regulação laboral. Independentemente das diferenças de identidade e programa entre os partidos à esquerda, deveria ser possível uma convergência em torno destes objetivos que permitisse a viabilização do OE. No entanto, o processo está a enfrentar contrariedades inesperadas e está mais em risco do que se anteciparia, e isso deve-se principalmente à soberba do Partido Socialista. 

Na generalidade, esta proposta de Orçamento contou para ser aprovado com a abstenção de PCP, PEV, PAN e duas deputadas não inscritas, tendo no entanto enfrentado o voto contra do Bloco de Esquerda. Tal como no passado, a reação do governo e do PS nos últimos dias passou por acentuar a diferença entre o pretenso bom comportamento do PCP e PEV e a pretensa traição inexplicável do Bloco, apresentada como uma colagem à direita. Enganam-se porém o governo e o PS quando interpretam a abstenção do PCP e PEV na generalidade como uma luz verde e o voto contra do Bloco como um cartão vermelho. Na realidade, ambos são cartões amarelos à disponibilidade negocial do governo, que apenas assumem formas diferentes devido aos diferentes tempos dos processos negociais entabulados com os diferentes parceiros negociais à esquerda. 

No meio do bullying político feito pelo PS contra o Bloco nos últimos dias, que chegou ao absurdo de Ana Catarina Mendes ter ontem à tarde acusado o BE de rejeitar um compromisso para o horizonte desta legislatura (quando toda a gente sabe que foi o PS, na arrogância do reforço do seu resultado eleitoral, quem matou a geringonça em 2019), o que o governo e o PS ainda não explicaram foi o seguinte: são mesmo contra uma dotação mais substancial da dotação orçamental e do quadro de pessoal do Serviço Nacional de Saúde (e não apenas do programa da saúde em geral, que compreende as transferências para os prestadores privados)? Não admitem mesmo a reversão da legislação laboral lesiva dos trabalhadores que resta do tempo da troika, contra a qual o próprio PS votou há poucos anos e que de uma forma geral não tem implicações orçamentais? Opõem-se mesmo a que o apoio social de emergência que está a ser desenvolvido seja mais abrangente e duradouro, como defende o Bloco? Se são realmente contra todas estas coisas, porque é que o são? Em vez de apresentarem estas reivindicações de esquerda como sendo de direita, podem explicar aos portugueses porque é que consideram que não devem ser atendidas? 

Quando o Bloco vota contra a proposta de OE na generalidade ao fim de três ou quatro meses de negociações, está a sinalizar que a intransigência reiterada do governo em relação a estas matérias não revela suficiente boa fé e disponibilidade para trabalhar em conjunto. Quando o PCP e o PEV se abstêm, estão a sinalizar a sua própria disponibilidade para prolongar na especialidade um processo negocial iniciado há menos tempo, mas que é para já insatisfatório nos resultados a que chegou. Se o governo e o PS continuarem a optar pela soberba, dando a negociação com o Bloco por encerrada, e considerando a abstenção viabilizadora do PCP e PEV como favas contadas, passará ao lado a oportunidade de construir um OE mais capaz de responder às preocupações de todos os parceiros às necessidades do país, e poderá mesmo acabar por não conseguir aprová-lo na votação final. O PS pode até ganhar a batalha do spin no curto prazo, mas perderão a esquerda, o governo e o país.» 

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30.10.20

Agravamento da pandemia

 


Amanhã, Sábado, serão anunciadas medidas restritivas adicionais para travar a disseminação do vírus. Creio que é fundamental que sejam claras, simples e, sobretudo, com justificações compreensíveis, pedagógicas e BEM COMUNICADAS. 

Também, que a sua concretização não perturbe inutilmente os cidadãos, como parece estar a ser hoje o caso com o controle policial da proibição de circular entre concelhos. Estar horas para entrar ou sair de Lisboa se todos os carros são interpelados, e não com base em amostragens, provoca revolta, mesmo que surda, e incita à desobediência. A LUTA CONTRA O VÍRUS NÃO É UM CASO DE POLÍCIA.
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Um bispo «à maneira»

 


Cuidado ateus, sobretudo do Porto! Digam-me que este bispo não existe, que é um holograma de um ET...
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Em busca do rumo perdido...

 


«Não parece que após 24 anos ininterruptos de governo socialista nos Açores possa causar surpresa o resultado das eleições regionais de 25 de outubro. Mais preocupante é que a Esquerda, no seu conjunto, tenha agora ficado em minoria, assim proporcionando os arranjos partidários requeridos para a viabilização da "geringonça" regional da Direita. 

Para além dos condicionalismos locais e da erosão provocada pelo continuado exercício do poder, as preferências expressas nas urnas pelos açorianos são claro indício de um mal-estar mais geral que atravessa o Oceano Atlântico e chega ao continente, para desembocar na Assembleia da República. Ainda em sede de debate na generalidade, o Bloco de Esquerda anunciou a decisão inesperada de votar contra o Orçamento do Estado de 2021. Em abono da verdade, há que reconhecer que o fim do acordo entre os partidos da Esquerda foi decretado pelos socialistas ainda em plena campanha eleitoral para as legislativas de 2019, apesar do êxito incontestável de quatro anos de governação que puseram termo às políticas de austeridade e demonstraram cabalmente que havia afinal uma alternativa para a obsessão do equilíbrio orçamental e para a receita de fome e miséria prescrita pela troika de má memória. 

De facto, não é fácil entender por que motivo os acordos políticos que foram deliberadamente abandonados nos finais de 2019 se haveriam de tornar, de novo, úteis e indispensáveis apenas um ano mais tarde... Nem a extraordinária pandemia que desgraçadamente se abateu sobre nós oferece um argumento consistente, capaz de justificar tão caprichosas inflexões. Esquerda e Direita são designações convencionais que transportam um sentido e uma história próprias. Onde a diferença se transforma numa alternativa que aponta o rumo da ação política e demarca os espaços propícios à procura de compromissos, à criação da confiança, ao esclarecimento das obrigações assumidas entre as partes e à construção de acordos duradouros. Em 2015 não faltou audácia para desbravar novos caminhos e encetar um percurso que, apesar da sua complexidade e das óbvias dificuldades que encontrou, ganhou coerência e conquistou o mais amplo reconhecimento no interior do país, na própria Europa que nos tinha imposto essa odiosa austeridade e até no plano internacional. Com a esperança a despontar no horizonte numa Europa que tarda a perceber que a mudança é condição da sua sobrevivência, pareceria insensato lançar agora pela borda fora todo um capital de prestígio que foi bem merecido e duramente alcançado!» 

«Não parece que após 24 anos ininterruptos de governo socialista nos Açores possa causar surpresa o resultado das eleições regionais de 25 de outubro. Mais preocupante é que a Esquerda, no seu conjunto, tenha agora ficado em minoria, assim proporcionando os arranjos partidários requeridos para a viabilização da "geringonça" regional da Direita. 

Para além dos condicionalismos locais e da erosão provocada pelo continuado exercício do poder, as preferências expressas nas urnas pelos açorianos são claro indício de um mal-estar mais geral que atravessa o Oceano Atlântico e chega ao continente, para desembocar na Assembleia da República. Ainda em sede de debate na generalidade, o Bloco de Esquerda anunciou a decisão inesperada de votar contra o Orçamento do Estado de 2021. Em abono da verdade, há que reconhecer que o fim do acordo entre os partidos da Esquerda foi decretado pelos socialistas ainda em plena campanha eleitoral para as legislativas de 2019, apesar do êxito incontestável de quatro anos de governação que puseram termo às políticas de austeridade e demonstraram cabalmente que havia afinal uma alternativa para a obsessão do equilíbrio orçamental e para a receita de fome e miséria prescrita pela troika de má memória. 

De facto, não é fácil entender por que motivo os acordos políticos que foram deliberadamente abandonados nos finais de 2019 se haveriam de tornar, de novo, úteis e indispensáveis apenas um ano mais tarde... Nem a extraordinária pandemia que desgraçadamente se abateu sobre nós oferece um argumento consistente, capaz de justificar tão caprichosas inflexões. Esquerda e Direita são designações convencionais que transportam um sentido e uma história próprias. Onde a diferença se transforma numa alternativa que aponta o rumo da ação política e demarca os espaços propícios à procura de compromissos, à criação da confiança, ao esclarecimento das obrigações assumidas entre as partes e à construção de acordos duradouros. Em 2015 não faltou audácia para desbravar novos caminhos e encetar um percurso que, apesar da sua complexidade e das óbvias dificuldades que encontrou, ganhou coerência e conquistou o mais amplo reconhecimento no interior do país, na própria Europa que nos tinha imposto essa odiosa austeridade e até no plano internacional. Com a esperança a despontar no horizonte numa Europa que tarda a perceber que a mudança é condição da sua sobrevivência, pareceria insensato lançar agora pela borda fora todo um capital de prestígio que foi bem merecido e duramente alcançado!» 

«Não parece que após 24 anos ininterruptos de governo socialista nos Açores possa causar surpresa o resultado das eleições regionais de 25 de outubro. Mais preocupante é que a Esquerda, no seu conjunto, tenha agora ficado em minoria, assim proporcionando os arranjos partidários requeridos para a viabilização da "geringonça" regional da Direita. 

Para além dos condicionalismos locais e da erosão provocada pelo continuado exercício do poder, as preferências expressas nas urnas pelos açorianos são claro indício de um mal-estar mais geral que atravessa o Oceano Atlântico e chega ao continente, para desembocar na Assembleia da República. Ainda em sede de debate na generalidade, o Bloco de Esquerda anunciou a decisão inesperada de votar contra o Orçamento do Estado de 2021. Em abono da verdade, há que reconhecer que o fim do acordo entre os partidos da Esquerda foi decretado pelos socialistas ainda em plena campanha eleitoral para as legislativas de 2019, apesar do êxito incontestável de quatro anos de governação que puseram termo às políticas de austeridade e demonstraram cabalmente que havia afinal uma alternativa para a obsessão do equilíbrio orçamental e para a receita de fome e miséria prescrita pela troika de má memória. 

De facto, não é fácil entender por que motivo os acordos políticos que foram deliberadamente abandonados nos finais de 2019 se haveriam de tornar, de novo, úteis e indispensáveis apenas um ano mais tarde... Nem a extraordinária pandemia que desgraçadamente se abateu sobre nós oferece um argumento consistente, capaz de justificar tão caprichosas inflexões. Esquerda e Direita são designações convencionais que transportam um sentido e uma história próprias. Onde a diferença se transforma numa alternativa que aponta o rumo da ação política e demarca os espaços propícios à procura de compromissos, à criação da confiança, ao esclarecimento das obrigações assumidas entre as partes e à construção de acordos duradouros. Em 2015 não faltou audácia para desbravar novos caminhos e encetar um percurso que, apesar da sua complexidade e das óbvias dificuldades que encontrou, ganhou coerência e conquistou o mais amplo reconhecimento no interior do país, na própria Europa que nos tinha imposto essa odiosa austeridade e até no plano internacional. Com a esperança a despontar no horizonte numa Europa que tarda a perceber que a mudança é condição da sua sobrevivência, pareceria insensato lançar agora pela borda fora todo um capital de prestígio que foi bem merecido e duramente alcançado!» 

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Presidenciais

 


Luís Filipe Vieira ganhou as eleições no Benfica com 62,59% dos votos. Não será um vexame para Marcelo se ganhar por menos as presidenciais da República? O PS tem mesmo de dar uma mãozinha – e António Costa dará para isso um abanão, se preciso for…
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29.10.20

29.10.1936 – Chegada dos primeiros deportados ao Tarrafal

 


Há 84 anos, chegaram à Colónia Penal do Tarrafal, criada por Salazar alguns meses antes, os primeiros 153 deportados. Mais exactamente, desembarcaram no local onde eles próprios foram obrigados a construir o campo de concentração que os encarceraria. Durante a existência deste «Campo da Morte Lenta», por lá ficaram 32 vidas, 32 pessoas cujos corpos só foram transladados para Lisboa em 1978. 

Encerrado em 1954, devido a pressões internas e internacionais, o Campo foi reaberto em 17.06.1961, por Portaria assinada por Adriano Moreira, então ministro do Ultramar, e permaneceu ativo até ao 25 de Abril, com o nome de «Colónia Penal de Chão Bom», para albergar os lutadores pela independência de Angola, Guiné e Cabo Verde. 

1978 - transladação e cortejo para o cemitério do Alto de S. João, em Lisboa:


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Prémio Camões 2020 – Coimbra não esquece o personagem

 



O meu amigo José Barata a «dar nome aos bois», no Facebook, sobre um acto a propósito de alguém cujo percurso (confesso...) eu ignorava até ontem. 

«Vitor Aguiar e Silva ganhou o Prémio Camões. Tenho a minha ideia sobre tudo isto. Não serei deselegante para quem foi meu professor e ao tempo publicava um manual que abria a reflexão teórica literária portuguesa ao que se fazia na Europa. Mas vejo as palavras da Ministra da Cultura: "A ministra da Cultura, Graça Fonseca, destaca as "qualidades intelectuais e académicas, mas também pelo perfil humanista com que marcou de um modo decisivo gerações de alunos, um pouco por todos os lugares onde ensinou, bem como leitores". Saberá a Senhora Ministra cuja 'fala' terá que ser 'também' política o trajecto percorrido por Aguiar e Silva? De delfim do regime e seguidor de Miranda Barbosa? de deputado na Assembleia Nacional ao lado de Fezas Vital, solicitando poucos dias antes de um 28 de Maio, mais repressão sobre os estudantes de Coimbra na Crise de 1969? colaborando com a PIDE, na denúncia dos estudantes da sua própria Faculdade, num processo que muitos de nós guardamos como o grau zero da ética? Ignora a Senhora Ministra como foi a saída deste professor de Coimbra para ir para Braga? Não. Não foi saneado. [Estava presente na reunião em que tomou essa decisão] Perguntem ao Dr. Loyd Braga. Ignora a Senhora Ministra o golpe de rins que leva Aguiar e Silva a juntar um depoimento seu aos deputados da 'ala liberal' na procura de branquear um percurso? Não sabe a Senhora Ministra que O Prof. Aguiar e Silva assinou um abaixo assinado já depois do vinte cinco de Abril para poucas horas depois escrever à frente do seu nome "retiro", tendo-lhe valido o nome de D. Retiro? E saberá a Senhora Ministra quando diz "marcou de um modo decisivo gerações de alunos" como eram as aulas magistrais deste Prof. insuportáveis na sua misogenia? Um prémio como o Camões não é por certo apenas uma retribuição em função da qualidade intelectual. Há que considerar um 'todo'; um 'coeso constructo humanístico' longe do tráfico de influências. Aguiar e Silva é um sósia do Julien Sorel de Stendhal; do Rastignac de Balzac. É inteligente? É. Academicamente preparado? É. Politicamente hábil? Duvido. Há neste acto uma perversidade só possível porque, de facto, estão-se a rasurar algumas memórias.»



E, em 2020, há uma ministra da Cultura que chama «humanista» a um bufo:


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Como ir matando o SNS

 


«O SNS vive um dos piores momentos da sua história. Há uma catástrofe escondida por baixo da Covid. É um aumento da mortalidade por outras doenças. Cirurgias e consultas adiadas. Centros de Saúde abaixo de meio gás. Profissionais esgotados. Não trago para o debate se exagerámos na concentração de meios do SNS na covid. É uma conta difícil de fazer e quem a fez correu sempre riscos. Sei que não reforçámos o SNS para o resto. E o futuro é negro: para além da continuação do combate à pandemia, precisamos de preparar o SNS para responder a tudo o que perdemos nestes meses. Num SNS que está à beira da rotura e da exaustão. E isto exige dinheiro. 

A resposta a esta incapacidade do SNS se preparar para recuperar surgiu ligeira, pela voz dos representantes do sector privado: aqui estamos nós para receber dinheiro por isso. Os privados precisam, para compensar as enormes perdas que terão tido nestes meses (os doentes também fugiram dos hospitais privados), dos doentes do SNS. Convido-vos a ler Jorge Torgal, uma das vozes mais sensatas nestes dias: “Quando os antigos bastonários fazem uma carta em que dizem que temos de pôr a medicina privada a trabalhar, é um discurso ideológico. Como sabemos, os privados nem para as necessidades maiores daqueles que têm meios conseguiram responder e a certa altura enviam para os hospitais públicos.” 

Não é o discurso dos ex-bastonários, que mereceu resposta de um grupo de médicos, a ajuda do Presidente ou as centenas de artigos de opinião que darão aos privados o que, sozinhos, têm sido incapazes de captar. Será a asfixia do SNS. E é também ao olhar para o que se propõe no Orçamento do Estado, nesta área, que um voto favorável da esquerda a este Orçamento se revela um contrassenso. 

No que toca à covid, o nosso problema não é a falta de camas ou de ventiladores. A isso é possível dar uma resposta de emergência relativamente rápida. É a falta de médicos. E o SNS continua a perdê-los. Os concursos que se vão abrindo não conseguem preencher as vagas. Porque, como disse Francisco Louçã no seu espaço de opinião na SIC Notícias, os médicos do Estado perderam, na última década, 17% do seu poder de compra e os restantes profissionais de saúde cerca de 12%. A degradação das condições de trabalho, que também resulta da falta de recursos mas não apenas de perdas salariais, leva cada vez mais médicos a procurarem o privado. Se transferirem doentes (e recursos para os pagar) do SNS para os privados, limitam-se a oferecer-lhes músculo para eles levarem os médicos que restam. Ainda mais se, ao mesmo tempo, asfixiarem o SNS. 

O Governo tem dito, com razão, que aumentará cerca de 1.200 milhões o orçamento para Saúde. O que não dizia é que isso não se traduzia num aumento de transferências para o SNS – a Saúde tem muitas despesas para além disso. Pelo contrário, se olharmos para o OE de 2020 (já atualizado pelo suplementar), temos uma redução de cerca de 140 milhões nessas transferências. Se olharmos para o executado de 2020, as transferências para o SNS estagnam. Isto partindo do princípio improvável de que desta vez tudo o que está orçamentado será executado. 

Estes números resultam das contas feitas pelo BE, porque as transferências para o SNS não estão documentadas nos mapas disponíveis do Orçamento Suplementar. Têm, sobre as do primeiro-ministro, a vantagem de não irem mudando todos os dias, com diferentes critérios e habilidades. E são os que mais terão a ver com a realidade que se sentirá no SNS. O melhor esclarecimento que li sobre o assunto está aqui. Ou neste, em que se mostra como o primeiro-ministro usou os números com uma liberdade pouco recomendável para quem está a debater um Orçamento. 

Pelo menos olhando para o Orçamento do Estado, que é o que agora está em debate, o SNS não terá boas notícias num momento em que mais precisa delas. Sabemos para onde irá, com a fala de recursos para a atividade quotidiana, o dinheiro destinado à Saúde. Para quem esteja em condições de, no lugar do SNS, dar a resposta que a sua degradação não permite. A carta do ex-bastonários explica. É que aplausos à janela não pagam o SNS.» 

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Mesmo que não pertençam ao mesmo agregado familiar

 

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28.10.20

No encerramento do OE2021 na generalidade

 


Texto completo AQUI.
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António Costa esmera-se

 


Durante o debate desta manhã na AR, enquanto discursava o ministro das Finanças, ouviu-se claramente um aparte de António Costa em que este disse que Mariana Mortágua (ou o Bloco, não percebi), «ALDRABOU» os números. O nível do primeiro ministro está a melhorar.
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Negociar como um sindicato ou como um governo?

 


«A primeira é como um sindicato. Nesse caso, trata-se de definir alguns objetivos, aumento de salários ou de algumas compensações, sabendo que a gestão da empresa está no outro lado da mesa – e assim vai continuar a ser. Nesse contexto, a negociação é feita por aproximações sucessivas e, como a ambas as partes convém um acordo, encontrar-se-á algum ponto a meio caminho. Para dar um exemplo, um acordo típico seria um subsídio provisório de risco para profissionais de saúde que, esforçados, aguentam os serviços, sabendo que esse subsídio termina logo que a pandemia abrandar e, eventualmente, exclui alguns dos técnicos. No entanto, o sistema de saúde beneficiaria para já deste remendo, mesmo que nada se alterasse para o seu futuro. 

A segunda forma de negociar é concentrada em como deve atuar o bom governo nas questões estruturais. Não se procura só um ajustamento, mas uma solução. Para continuar no mesmo exemplo, uma solução seria um novo modelo de carreira profissional no SNS, para permitir ir ao privado buscar médicos, enfermeiros e outros técnicos, ao mesmo tempo que se estanca a sangria do público, sabendo que, se isso não acontecer, os nossos hospitais e centros de saúde abrem brechas. É a resposta estável e consistente. 

Já aqui expliquei porque é que considero que a segunda forma de negociar é necessária. Bem sei que ela nunca foi mobilizada até este ano. O contexto anterior de viragem do poder, com a derrota da direita em 2015 e um contrato para quatro anos entre o PS e os dois principais partidos à sua esquerda, a que se chamou geringonça, talvez tenha acostumado alguns dos protagonistas a pensar que seria sempre assim até ao fim dos tempos e que bastaria limitarem-se a corrigir as malfeitorias da direita. Só que agora a viragem necessária é outra, é a resposta às pandemias sanitária e social. É mais exigente e tem um tempo mais curto. Não permite fracassos, ou a esquerda deixará de ser respeitada pela população. E, para ser franco, ou se começa neste e no próximo ano esse esforço de reorganização de serviços, como o da saúde, ou isso nunca acontecerá, dado que em 2022 já vamos ter as autoridades europeias a cair sobre Portugal e a exigir um apertão orçamental, a que é de admitir que o Governo aceda sem dificuldade. É agora, com folga orçamental e juros baixos, que se podem tomar medidas estruturais e conseguir uma maioria para isso. 

Finalmente, o melhor que pode acontecer ao Governo, numa situação difícil, é ser confrontado com uma pressão forte, seja da negociação sindical, seja da negociação governamental, para se poderem abrir novas portas. Se um governo minoritário não procurar acordos, por entender que tem um poder absoluto por atribuição cósmica, então será o pior risco para si próprio. Cinco anos depois, a habituação pode criar a ilusão de que a exibição do poder é o poder.» 

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José Manuel Pureza

 


Ontem, no debate na especialidade do OE2021.
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27.10.20

O boicote a produtos franceses

 



Ler AQUI.
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Abram excepções destas e depois queixem-se

 



Portanto, se eu comprar um bilhete de cinema para o Almada Fórum e tiver a prova no meu telemóvel, posso ir à margem Sul. Mas almoçar a casa do meu filho, que fica lá perto, é que não. Estamos a brincar exactamente a quê?
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António, chame o Pedro Nuno

 


«Enquanto nos Açores começava o princípio do fim do ciclo socialista (com a perda da maioria absoluta ao fim de 24 anos no poder), a líder do Bloco de Esquerda anunciava o voto contra o Orçamento do Estado, pré-anunciando um fim de ciclo no governo da República. O PS é minoritário e, a menos que deseje governar em bloco central, o que já disse que não faria, está condenado a entender-se com o Bloco de Esquerda. O PCP, relativamente ao qual António Costa não esconde as suas preferências, não chega para fazer a maioria. PAN e deputadas independentes vão agora ajudar, mas no ano que vem não sabemos. 

Costa contava com a maioria absoluta em 2019 e começou a descartar a “geringonça”, que formou para chegar ao poder, já no fim da última legislatura. Ao não aceitar novos acordos escritos, sonhou com aquilo que as urnas não lhe deram: um poder para fazer exactamente aquilo que quisesse, conforme os seus melhores interesses. À “humildade” de 2015 sucedeu a arrogância de 2020. A relação estragou-se. Quem ouvisse Duarte Cordeiro e, no dia anterior, Catarina Martins, não acreditava que estes dois partidos tiveram um acordo durante quatro anos. 

Não vai adiantar grande coisa a fúria de vários dirigentes do PS contra o Bloco, criticando-lhe “a sua natureza” ou afirmando agora velhos ódios que, nos últimos anos, estiveram mais ou menos escondidos. Há um problema de base: a menos que o PCP suba muito – e, infelizmente, as sondagens não mostram que isso esteja a acontecer –, o PS está condenado a entender-se com o Bloco de Esquerda, agora e no futuro, assim como o PSD está, desde os alvores da democracia, condenado a governar com o CDS. E isso também não é fácil: perguntem a Passos Coelho, que assistiu à “demissão irrevogável” de Paulo Portas. Ou a Marcelo – que não foi primeiro-ministro porque Portas acabou com a AD de 1999, na qual o próprio Marcelo também já não acreditava. 

A relação entre Costa e o Bloco de Esquerda está agora completamente deteriorada. Apesar de Duarte Cordeiro ser um dos melhores activos do PS da nova geração, é caso para perguntar se, caso fosse o “esquerdista” Pedro Nuno Santos a conduzir as negociações, as coisas tinham chegado a este ponto. Na altura, atribuía-se parte do sucesso da geringonça ao facto de o negociador ser um homem que sempre defendeu a coligação das esquerdas, por quem tinha apreço manifesto. Uma coisa que, em relação ao Bloco, há muito que Costa não tem. 

É claro que vai ser difícil para o Bloco explicar a parte do seu eleitorado porque é que vota contra um Orçamento que tem uma forte componente social. O Bloco pode perder votos – e as presidenciais serão uma “grande sondagem”. Mas quem quer continuar a ser governo até 2023 é o PS. E para que isso aconteça tem que rapidamente refazer as relações com o Bloco. Chamem o Pedro Nuno. Ele, que quer ser líder do PS quando António Costa “meter os papéis da reforma”, sabe melhor do que ninguém que precisa do Bloco para fazer um governo, se for caso disso. E vai matar-se para arranjar um acordo.» 

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Catarina Martins entrevistada por M. Sousa Tavares (26.10.2020)

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26.10.20

Documento do Bloco sobre proposta do OE2021

 


O texto completo pode ser lido AQUI.
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26.10.1911 – Mahalia Jackson

 


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Não há almoços grátis nem abstenções sem prazo de validade

 


Espero que a poeira assente para dizer com mais detalhe o que penso a propósito do voto do Bloco, ontem, no OE2021. Se escrevesse hoje, o meu texto teria o título deste post e digo desde já que teria ficado muito desiludida se a decisão do partido de que sou eleitora tivesse sido outra. 

Deixo aqui o link para a declaração feita ontem à noite pela direcção do Bloco: “Não aceitamos um Orçamento que falha à emergência social”
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26.10.1998 – O dia em que ficámos sem Cardoso Pires

 


Mais de duas décadas passam depressa quando se é jovem, pesam muito quando a vida vai avançando. Cardoso Pires continua a fazer-me falta como amigo e dou por mim a imaginar o que escreveria sobre o Portugal de hoje se ainda cá estivesse. Quanto a nós, cá vamos, como o Zé nos descreveu neste belo texto. 

Lá vai o português 

«Lá vai o português, diz o mundo, quando diz, apontando umas criaturas carregadas de História que formigam à margem da Europa. 

Lá vai o português, lá anda. Dobrado ao peso da História, carregando-a de facto, e que remédio – índias, naufrágios, cruzes de padrão (as mais pesadas). Labuta a côdea do sol-a-sol e já nem sabe se sonha ou se recorda. Mal nasce deixa de ser criança: fica logo com oito séculos. 

No grande atlas dos humanos talvez figure como um ser mirrado de corpo, mirrado e ressequido, mas que outra forma poderia ele ter depois de tantas gerações a lavrar sal e cascalho? Repare-se que foi remetido pelos mares a uma estreita faixa de litoral (Lusitânia, assim chamada) e que se cravou nela com unhas e dentes, com amor, com desespero, ou lá o que é. Quer isto dizer que está preso à Europa pela ponta, pelo que sobra dela, para não se deixar devolver aos oceanos que descobriu com muita honra. E nisso não é como o coral que faz pé-firme num ondular de cores vivas, mercados e joalharia; é antes como o mexilhão cativo, pobre e obscuro, já sem água, todo crespo, que vive a contra-corrente no anonimato do rochedo. (De modo que quando a tormenta varre a Europa é ele que a suporta e se faz pedra, mais obscuro ainda.) 

Tem pele de árabe, dizem. Olhos de cartógrafo, travo de especiarias. Em matéria de argúcias será judeu, porém não tenaz: paciente apenas. Nos engenhos da fome, oriental. Há mesmo quem lhe descubra qualquer coisa de grego, que é outra criatura de muitíssima História. 

Chega-se a perguntar: está vivo? E claro que está: vivo e humilhado de tanto se devorar por dentro. Observado de perto pode até notar-se que escoa um brilho de humor por sob a casca, um riso cruel, de si para si, que lhe serve de distância para resistir e que herdou dos mais heróicos, com Fernão Mendes à cabeça, seu avô de tempestades. Isto porque, lá de quando em quando, abre muito em segredo a casca empedernida e, então sim, vê-se-lhe uma cicatriz mordaz que é o tal humor. Depois fecha-se outra vez no escuro, no olvidado. 

Lá anda, é deixá-lo. Coberto de luto, suporta o sol africano que coze o pão na planície; mais a norte veste-se de palha e vai atrás da cabra pelas fragas nordestinas. Empurra bois para o mar, lavra sargaços; pesca dos restos, cultiva na rocha. Em Lisboa, é trepador de colinas e de calçadas; mouro à esquina, acocorado diante do prato. Em Paris e nos Quintos dos Infernos topa-a-tudo e minador. Mas esteja onde estiver, na hora mais íntima lembrará sempre um cismador deserto, voltado para o mar. 

É um pouco assim o nosso irmão português. Somos assim, bem o sabemos. 

Assim, como?» 

José Cardoso Pires, E agora, José?, Moraes Editores, 1977.

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25.10.20

«Basta pouco poucochinho p'ra alegrar / Uma existência singela»

 


Eu sei que muitos vibraram com as prestações dos ciclistas portugueses no Giro d’ Italia, mas não consigo considerar que isto é normal.
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O Bloco, o Governo e o OE2021

 



«Durante a negociação orçamental, falou-se muito em linhas vermelhas. Das 35 propostas que o Bloco colocou em cima da mesa, manteve 12 e recuou em 19. O governo só acolheu parcialmente três e apenas a uma não colocou reservas.» 

Fica aqui este link para o texto com todos os detalhes. Para mais tarde recordar.
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Há quem esteja ainda a governar este país?

 


24.10.2020, treinos para a Fórmula 1 em Portimão. Hoje é que é a prova e com mais espectadores. Há quem esteja ainda a governar este país ou já desistiram e não o disseram em conferência de imprensa?
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A poesia não contribui para o PIB

 


«“O amor é o único assunto. Na vida humana tudo é acerca do amor ou da sua ausência.” Era este o título da excelente entrevista de Isabel Lucas ao escritor Salman Rushdie, publicada a semana passada neste jornal, que foi largamente partilhada, numa lógica onde, entre outras coisas, não custa nada supor que a frase de Rushdie deverá ter tido um efeito decisivo. 

Gostamos de pensar que o amor, os afectos, o saber ou a cultura são o que de mais importante existe na vida. Mas praticamos o contrário. Queríamos abraçar o curso que idealizámos, mas achamos que não tem saída. Fantasiamos com uma actividade, mas a remuneração não é a que aspiramos. Suspiramos por romance, mas a garantia de conforto acaba por ser determinante. E a poesia vai pelo cano. Triunfa o pragmatismo. 

Durante o confinamento enaltecemos os artistas. Entoaram-se canções. Viram-se filmes. Disseram-se poemas. Discutimos reflexões de filósofos ou cientistas sociais. Agarrámo-nos ao que nos faz sentir vivos. Ao que atribui sentido à existência. Ao que produz compreensão e entendimento, seja no singular ou no colectivo. Percebemos que aquilo que consideramos inútil como valor de mercado é tantas vezes o mais útil como valor de vida. 

Foi um momento de suspensão. Depois voltámos à existência pautada pelo ser humano da produção e do consumo. Tudo o resto, a dimensão humana, o prazer, a reflexão, foi esquecido. Tudo o que não contribui para o PIB está lixado. Há uma semana, durante a concentração da associação Circuito, constituída por uma trintena de espaços de música ao vivo, era nisso que pensava. Olhava à volta e via músicos, DJs, técnicos ou programadores, clamando ajuda, em nome da manutenção de um ecossistema cultural que não só é vulnerável, como é tantas vezes estigmatizado, porque associado à boémia, ao prazer, ao lazer ou às artes. 

Nos discursos dos que se manifestavam o que era evocado eram os números. Percebe-se. É assim que tudo é validado. O valor económico da actividade daqueles espaços. O serem factor de desenvolvimento. O contribuírem para a atracção turística da cidade. O serem fonte de sociabilização. O alimentarem o sentimento de pertença. Tudo justo e inteligível. Mas por uma vez apetecia que não tivesse de ser assim. 

Apetece que poetas, DJs ou artistas, digam o que é óbvio. Que não são médicos, mas alguns já salvaram vidas. Que não são empreendedores, mas fartam-se de arriscar. Que ao contrário de tantos cientistas, que podem passar a vida a investigar e nunca produzir resultados, sempre credibilizados, eles passam o tempo a ter de justificar a sua actividade. 

Numa das sequências mais reveladoras de Magnolia (1999), o filme de Paul Thomas Anderson, baseado na vida de nove personagens cujas histórias se cruzam, há uma chuva de sapos. Quando todas as personagens parecem perdidas nos seus problemas, surgem sapos, aos magotes, vindos do céu. Todos ficam aflitos. A excepção é Stanley, o miúdo, que está no templo da erudição, uma biblioteca, quando a chuva de sapos irrompe. Em vez de se assustar, revela fascínio. Com os olhos arregalados, exclama: “Isto acontece! É uma coisa que acontece!” O saber, a cultura, tranquilizam-no. Ele sabe. Sabe que uma chuva de sapos não é da ordem do milagre, do absurdo, da impossibilidade. É raro. Mas real. 

Pode mesmo acontecer. Como uma pandemia. Tal como em Magnólia, parecemos barata-tontas a lidar com o que está a acontecer. Descurámos o saber, a cultura, a ciência, o desejo de compreender, esse sim, inesgotável, ao contrário dos recursos do planeta. Nem tudo se pode resumir ao PIB. Há muitas coisas que nos ajudam a enfrentar a realidade. A olhar com maravilhamento mesmo o que não entendemos por inteiro. É verdade: o amor é o único assunto. Mas tendemos a esquecê-lo.» 

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