28.10.20

Negociar como um sindicato ou como um governo?

 


«A primeira é como um sindicato. Nesse caso, trata-se de definir alguns objetivos, aumento de salários ou de algumas compensações, sabendo que a gestão da empresa está no outro lado da mesa – e assim vai continuar a ser. Nesse contexto, a negociação é feita por aproximações sucessivas e, como a ambas as partes convém um acordo, encontrar-se-á algum ponto a meio caminho. Para dar um exemplo, um acordo típico seria um subsídio provisório de risco para profissionais de saúde que, esforçados, aguentam os serviços, sabendo que esse subsídio termina logo que a pandemia abrandar e, eventualmente, exclui alguns dos técnicos. No entanto, o sistema de saúde beneficiaria para já deste remendo, mesmo que nada se alterasse para o seu futuro. 

A segunda forma de negociar é concentrada em como deve atuar o bom governo nas questões estruturais. Não se procura só um ajustamento, mas uma solução. Para continuar no mesmo exemplo, uma solução seria um novo modelo de carreira profissional no SNS, para permitir ir ao privado buscar médicos, enfermeiros e outros técnicos, ao mesmo tempo que se estanca a sangria do público, sabendo que, se isso não acontecer, os nossos hospitais e centros de saúde abrem brechas. É a resposta estável e consistente. 

Já aqui expliquei porque é que considero que a segunda forma de negociar é necessária. Bem sei que ela nunca foi mobilizada até este ano. O contexto anterior de viragem do poder, com a derrota da direita em 2015 e um contrato para quatro anos entre o PS e os dois principais partidos à sua esquerda, a que se chamou geringonça, talvez tenha acostumado alguns dos protagonistas a pensar que seria sempre assim até ao fim dos tempos e que bastaria limitarem-se a corrigir as malfeitorias da direita. Só que agora a viragem necessária é outra, é a resposta às pandemias sanitária e social. É mais exigente e tem um tempo mais curto. Não permite fracassos, ou a esquerda deixará de ser respeitada pela população. E, para ser franco, ou se começa neste e no próximo ano esse esforço de reorganização de serviços, como o da saúde, ou isso nunca acontecerá, dado que em 2022 já vamos ter as autoridades europeias a cair sobre Portugal e a exigir um apertão orçamental, a que é de admitir que o Governo aceda sem dificuldade. É agora, com folga orçamental e juros baixos, que se podem tomar medidas estruturais e conseguir uma maioria para isso. 

Finalmente, o melhor que pode acontecer ao Governo, numa situação difícil, é ser confrontado com uma pressão forte, seja da negociação sindical, seja da negociação governamental, para se poderem abrir novas portas. Se um governo minoritário não procurar acordos, por entender que tem um poder absoluto por atribuição cósmica, então será o pior risco para si próprio. Cinco anos depois, a habituação pode criar a ilusão de que a exibição do poder é o poder.» 

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