28.7.12

Chez Josef



Nunca pensei passar umas horas na terra de Estaline, mas aconteceu.

Lado a lado, num mesmo recinto do centro de Gori, encontra-se o Museu Estaline, a casa em que nasceu e a célebre carruagem blindada em que viajava.

Se da casa e da carruagem nada de especial tenho a dizer (ficam apenas umas imagens para memória futura), o mesmo não se passa com o Museu. É grande, cheio de fotografias, documentos e objectos bem apresentados. Mas, da primeira à última sala, visita-se um verdadeiro «monumento» laudatório e glorioso, no mínimo aterrador e que me dispenso de descrever… Antes de sair, através de uma intérprete que falava espanhol, perguntei à guia se não lhe parecia que faltava uma parte das histórias e da História − em 2012, num país orgulhoso de ser independente há mais de duas décadas, etc., etc., etc. Disse-me então que o edifício vai encerrar em Outubro, durante dois anos, e que reabrirá totalmente reformulado e com o nome alterado para Museu do Estalinismo.

Assim sendo, por um daqueles acasos e encantos de turista acidental, acabei por visitar hoje uma das últimas grandes «homenagens» a um filho da terra na qual, pelo que me dizem, muitos mantêm ainda um orgulho escondido por o terem dado a este mundo…

Vi mais coisas, hoje, mas a descrição fica adiada por absoluta falta de tempo.



Museu


Casa e quarto onde nasceu 



Interior da carruagem
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Helena Cidade Moura (1924-2012) − A altiva senhora que queria ensinar a ler



N.B. − No passado dia 26, foi possível ler, no Público (sem link), um excelente texto de António Melo, que me foi agora enviado pelo autor em versão alargada e que hoje divulgo com muito prazer.

Uma mulher de amores calmos, mas enérgicos. Bebeu-os, primeiro, entre os seus camaradas de curso, uma ‘colheita vintage’ da Faculdade de Letras de Lisboa, em paralelo com a devoção do companheiro e pai dos seus filhos. Mais tarde, criados estes, à beira da cinquentena, dedicou-se por inteiro aos amigos do MDP/CDE. Sem esquecer a tutelar figura paterna, o insigne filólogo Hernâni Cidade. Nem os humilhados e ofendidos dos bairros operários.

Um curso de excepção o de Helena Cidade Moura. Dele saíram Maria de Lourdes Belchior, Matilde Rosa Araújo, Maria Barroso, Sebastião da Gama, Lindley Cintra, David Mourão Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues… Era um tempo em que na Europa se matava e morria num genocídio sem nome e, em Portugal, o racionamento trazia a fome e o Estado Novo a paz podre dos cemitérios, como escreveu António Sérgio.

A Helena Cidade Moura que na passada sexta-feira, 21 de julho, se despediu de nós tinha uma imagem de marca – a sua madeixa branca que se lhe prendia entre os cabelos, puxada atrás como se fosse uma asa a querer libertar-se. Não era a única. Nos elogios que cobriram o féretro sublinhou-se o seu papel na alfabetização de adultos e a vivência política no Portugal democrático. Talvez porque os tempos são árduos e secam a memória próxima, ficou por recordar a associação cívica Civitas e o esforço que manteve até ao fim para elevar a literacia da sociedade portuguesa e melhorar culturalmente as suas elites.

A jovem Helena foi uma menina prendada. Os pais e avós, de raízes alentejanas, entre Évora e o Redondo, eram proprietários abastados e a vida lisboeta cedo se tornou o seu ambiente familiar, com um pai absorto na erudição clássica e uma mãe dedicada ao lar, como era de regra.

A escolha do curso de Românicas, como então se designava a área dos estudos das literaturas latinas, apareceu como coisa natural, por ser menina e, sobretudo, por em casa se respirar em contínuo o pó dos livros. A expectativa de uma carreira académica era natural e ainda hoje fica a interrogação porque a não abraçou, dado que a sua vida profissional, em paralelo com a da intervenção cívica, foi preenchida pela investigação e ensaio literário. Na Biblioteca Nacional há 138 entradas com o seu nome, na maioria dedicada a Eça de Queiroz. Na criação pessoal não tem obra de ficção, mas a poesia foi um terreno que lavrou com esmero. A primeira publicação, de 1955, teve por título “O Mundo sem Limites” e seis anos depois editou, com a chancela de Livros Portugal, “O Tempo e a Esperança”. O seu terceiro livro, da Ática, saiu em maio de 1963, em capa branca, com alto-relevo da editora, e recebeu o nome de “Memória e Ritual”, onde a poesia surge decantada e é de uma pureza cristalina. Parecia que forma e substância se tinham encontrado na sua linguagem, mas afinal foi uma despedida.

A sua poesia reflecte dois aspectos constituintes da sua personalidade: a convicção cristã e expressão da sua singularidade. A quem a conheceu mas com ela pouco conviveu deixou uma imagem de uma pessoa distante, que olhava de cima, até porque para os padrões portugueses era uma mulher alta. Uma frieza acentuada pelo rigor com que desempenhava as tarefas que aceitava. Num país onde ser pontual não é imagem de marca, Helena Cidade Moura deve ter perdido muito tempo à espera dos outros. É mais do que provável que por vezes tenha expressado com rispidez essa indelicadeza, afastando com alguma acrimónia as desculpas esfarrapadas dos interlocutores em falta.

Não era de todo essa a Helena que conheceram os que com ela privaram, como testemunha o camarada de curso, Urbano Tavares Rodrigues, ou o parceiro das lides políticas no MDP/CDE, José Manuel Tengarrinha. Deste lado, o que ressalta na emoção do testemunho é a mulher afectiva, sempre com um apontamento de ternura nos diminutivos que inventava para os distinguir, um convite permanente de amizade, uma capacidade sem falha para amar os seis filhos e ainda sobrar outro tanto para alegrar os que para a sua casa convidava. Acrescente-se, porém, que era reduzido este círculo de amigos que podia entrar na privacidade do lar. A sua singularidade era exigente na eleição dos mais próximos, mesmo se a sua dedicação cristã aos necessitados fosse sem limites.

A sua convicção religiosa católica, sem ser beata, nunca foi questionada. Acaso será mais exacto dizer que a sua profissão de fé era, sobretudo, cristã, o que a fez ligar-se ao grupo dos católicos progressistas, mais próximos do testemunho dos Evangelhos do que da liturgia da Igreja, mesmo se a ligação foi pontual. Joana Lopes, autora de “Entre as Brumas da Memória – os católicos portugueses e a ditadura”, que foi uma activista deste grupo desde 1962, realça a presença do seu nome no “Manifesto dos 101” católicos, de 4 de outubro de 1965, onde se critica o que os subscritores consideram de “cumplicidade” entre a hierarquia da Igreja católica e o regime, em relação à guerra no Ultramar. Foi, também, um apoio à oposição democrática em ano de eleições para a Assembleia Nacional, com o triunfo garantido e em exclusivo das listas da União Nacional.


Compromisso político

A outra Helena, a da intervenção cívica e política, levou tempo a afirmar-se. A sua figura erecta, de deputada eleita pela Aliança Povo Unido, na legislatura de 1980, que deu a segunda maioria absoluta à AD de Sá Carneiro, bem como na legislatura de 1983/85, do governo de bloco central Mário Soares/Mota Pinto, marcou a presença de uma personalidade sénior, a aproximar-se dos sessenta anos.

Esta Helena, salienta Tengarrinha, surgiu na campanha eleitoral de 1969, desenvolta e activa, no quadro das “comissões democráticas eleitorais” (CDE). Ainda não existia o MDP/CDE, o que só vai acontecer em 1974, já em plena polémica partidária democrática.

Ela trouxe, diz Tengarrinha, uma maneira nova de fazer política, renovando o vocabulário de uma “oposição democrática” desgastada por um combate de décadas contra o Estado Novo. “As suas qualidades pessoais, intelectuais e de dedicação levaram-na naturalmente à direcção política”, trazendo para o centro da agenda política questões como a alfabetização e a participação cívica, o que contribuiu para dar às CDE a vivacidade de movimento cívico e não apenas de movimento eleitoral.
Num ápice, o nome de Paulo Freire e o seu método de alfabetização de adultos tornou-se popular e despertou entusiasmo nas camadas universitárias, dos católicos aos marxistas-leninistas, mesmo se com motivações diferentes – apostólicas, de um lado, de consciencialização política do outro.

Urbano Tavares Rodrigues, que então militava já no PCP clandestino, recorda-se da participação de Helena Cidade Moura em manifestações onde era forte o risco de intervenção da polícia de choque e destaca a “enorme firmeza e coragem física” da sua antiga condiscípula. Apenas lhe encontrando um defeito – a aproximação, no quadro da educação de adultos, a José Hermano Saraiva, também recentemente desaparecido. Saraiva era ministro de Salazar e, no contexto da oposição à ditadura, essa colaboração podia ter uma outra interpretação.

Não teve. Helena Cidade Moura dialogou com Hermano Saraiva na esfera em que tinham afinidades de programa e nada mais. As susceptibilidades eram vivas por esse tempo entre os meios da oposição e Maria Barroso, sem deixar cair a amizade com a antiga companheira de estudos – “se bem que mais velha um ano” – salienta que “o tema das conversas era a família”, e que, embora “respeitada e querida nas relações pessoais”, o certo é que as afinidades políticas as tinham afastado. Maria Barroso foi para a CEUD, coligação eleitoral criada pela Acção Socialista Popular, com Mário Soares, e Helena Cidade Moura, seguiu, com o marido Domingos Moura e o cunhado, Francisco Pereira de Moura, a corrente católica progressista que engrossou a CDE.

O Movimento Democrático Português / CDE constituiu-se em partido em novembro/dezembro de 1974, entre forte polémica interna, pois a corrente socialista afecta a Mário Soares entendia que o papel político da CDE esvaziava-se com a instauração do regime democrático, sendo o seu futuro o de um clube de reflexão crítica. A legislação eleitoral determinou que só os partidos podiam apresentar-se aos actos eleitorais, o que foi entendido por Tengarrinha e pela restante direcção, onde estava Helena Cidade Moura, como uma tentativa de afastamento da CDE.

Foi numa assembleia que decorreu no Instituto Superior Técnico que se decidiu a passagem a partido político, com a sigla MDP/CDE, para evitar que outras organizações se apropriassem desse passado histórico.

João Corregedor da Fonseca, actualmente dirigente da Intervenção Democrática, recorda essa decisão como uma celebração de reconhecimento de uma oposição anónima e dedicada, que desde 1965 trabalhava pelo advento da democracia, onde “católicos, marxistas, socialistas e independentes tiveram um papel decisivo”. Entre eles a “incansável Helena Cidade Moura”.

Há, de certa maneira duas Helenas – a do antes e a do depois do MDP/CDE. A universitária Alfreda Cruz, membro do grupo de geografia de Orlando Ribeiro, destaca esse aspecto e nota-lhe uma particularidade – a dos amigos e a dos companheiros. A afectividade para com uns e os outros era a mesma, mas só os primeiros, os do antes, compunham o “círculo da privacidade”, com acesso à casa do Estoril.

Alfreda Cruz, que seguiu o percurso do MDP/CDE até à sua dissolução em movimento cívico e constituinte da Política XXI, para as eleições ao Parlamento Europeu em 1994, caracteriza a sua antiga companheira de partido como “apóstola da educação” e enaltece o seu trabalho constante no Gabinete de Estudos e Planeamento (GEP) do Ministério da Educação para “definir a rede escolar” e criar os cursos de alfabetização, “apesar de nunca ter pertencido aos quadros do Ministério”. Ela “bateu-se na política e fez dela um terreno privilegiado de intervenção para a educação do povo” e nunca demonstrou qualquer “desgosto por não ter sido chamada a desempenhar um cargo institucional no ministério ou no governo”.

Helena Pato, fundadora do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, que então tinha um papel influente na definição das políticas educativas, recorda a “determinação de Cidade Moura nas tarefas que se propunha” e como alguém que se interessava mais pelo que havia a fazer do que pelos ganhos políticos que se podiam recolher.

Foi esse lado «desinteressado» que lhe deu reconhecimento no MDP/CDE e esse é um ponto concordante nas recordações de Tengarrinha, Alfreda Cruz e Corregedor da Fonseca, que, sublinham, mantiveram a amizade pessoal, para lá das divergências políticas que os afastaram em 1987, quando o MDP/CDE decidiu apresentar-se autonomamente às eleições para o Parlamento Europeu.

Este foi um momento de tensão interna grave, comparável ao de novembro de 1974, que levou à formação do partido, que, de alguma forma, anuncia o último combate do MPD/CDE.


Compromisso cívico

Ainda hoje, a formulação do pomo de discórdia é feita de modo diferente e em política as palavras têm peso.

Para Corregedor da Fonseca, que deixou o MDP/CDE e esteve na criação da Intervenção Democrática (ID), que permaneceu coligada eleitoralmente com o PCP, o que esteve em causa «foi a quebra da unidade de esquerda». Para Alfreda Cruz, com a plena concordância de José Tengarrinha, a questão foi «o fim da unicidade» partidária, atitude que «o PCP não aceitou e não se discute o seu direito» de assim proceder.

A posição de Helena Cidade Moura que «sempre pugnou pela independência do MDP/CDE» e não era «uma apóstola da coligação APU», na expressão de Alfreda Cruz, foi a de sempre: firme na decisão tomada.

Passou a ser uma presença quase constante ao lado de Tengarrinha na defesa das decisões tomadas, em contraste com outros membros da direcção, que preferiram retirar-se para a vida académica ou para a vida profissional, para pouparem as amizades antigas.

Tem o seu dedo, mesmo se a letra é Joaquim Pessoa e a música de Pedro Osório, ambos já falecidos, o manifesto da campanha eleitoral de 1987, onde se exprime o corte com o PCP. Vale a pena citá-lo: «Não parar o vento // não erguer o muro // Este é o momento de fazer futuro. // Desta vez é outra voz // é a voz de quem sonha // que a vida plena // não é só viver // é, também, escolher!

O resultado foi paupérrimo, o MDP/CDE obteve 0,49% dos sufrágios. Em 1989, também para o Parlamento Europeu, tentou-se o recurso a uma ‘cabeça de cartaz’. O candidato foi António Victorino d’Almeida, que encontrou como adversário outra ‘cabeça de cartaz’, Miguel Esteves Cardoso, proposto pelo Partido da Terra. Foi uma campanha interessante, mas igualmente pobre em termos de votos recolhidos – 1,37%.

A última decisão política foi, provavelmente, a da criação da Política XXI, com o grupo da Plataforma de Esquerda que se recusara a entrar no PS. Em 1994 ainda concorreram às eleições europeias, com Ivan Nunes em cabeça de lista, sem grande êxito. Entretanto a Política XXI estabeleceu uma plataforma de negociação com a UDP e o PSR, com vista à constituição do Bloco de Esquerda e alguns seguiram esse caminho, como Alfreda Cruz, Mário Casquilho, Silveira Ramos. Outros evitam-no, como Helena Cidade Moura e Amaro Espírito Santo, que se aproximam do PS, quando António Guterres, católico como eles, assume a liderança do partido.

O MDP/CDE de Tengarrinha e Helena Cidade Moura tentou ainda reflectir sobre os caminhos para «um partido que sempre foi mais movimento do que partido». Cidade Moura propôs que se investisse na promoção das associações cívicas e ela própria deu o exemplo criando a Civitas, com o coronel Vítor Alves. A Associação para a Defesa e Promoção dos Direitos do Cidadão, Civitas, surgiu em 1989 e propunha-se ter «uma intervenção de âmbito nacional» segundo uma «lógica de cultura em rede».

Helena Cidade Moura aproveitou esta nova estrutura para lançar um projecto que, de certo modo era a continuação da alfabetização popular – a promoção da literacia na sociedade e a sua aceitação como valor entre as elites.

Naquela que foi provavelmente a sua última intervenção pública, a apresentação em 2007 do livro colectivo “Literacia em Português”, Helena Cidade Moura confirmou o seu projecto de intervenção cívica e cultural: «Pretende­-se com este livro difundir o interesse e a capacidade de análise despertados para o fenómeno da Literacia, que tem atrasado, nos últimos anos, o nosso caminhar colectivo, tem afectado a capacidade de organização da nossa vida em comum, tem ajudado a adormecer a consciência cultural do País».

Helena Cidade Moura casou com Domingos Moura, (1920-2007), catedrático do Instituto Superior Técnico, e foi mãe de seis filhos: Helena Maria, Domingos António, Miguel, Luís Manuel, Maria Margarida e Maria da Graça. 

A todos, a merecida homenagem pelos pais que tiveram.
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27.7.12

Por aqui bem a Leste



Cheguei a Tbilisi, capital da Geórgia, ontem (já hoje) muitíssimo tarde, mas só verei bem esta cidade dentro de alguns dias.

Esta manhã, depois de umas curtíssimas horas de sono, rumei para Nordeste, percorri mais de uma centena de quilómetros e fiquei com algumas primeiras impressões, das quais nada pretendo concluir, mas que não deixei de registar. A mais forte resultou de ver a quantidade de fábricas e de casas abandonadas, algumas em ruínas e outras mesmo emparedadas, porque as primeiras deixaram de funcionar depois da desagregação da União Soviética e porque as segundas foram deixadas para trás pelos georgianos que abandonaram o país em busca de melhores mundos. Nada que não tenha já visto noutros países, mas não com a dimensão que me parece ter aqui – pelo menos na região que atravessei. Fala-se, aliás, de um sério problema populacional provocado por esta emigração em massa, sobretudo para a Rússia, e também por tudo o que se sabe decorrer das questões relacionadas com a Abecásia e a Ossétia do Sul.

O governo e o presidente da República estão bem e recomendam-se no seu Movimento Nacionalista de direita, que obteve 80% nas últimas eleições legislativas, o país é francamente pobre, pouco produz e pouco exporta. Mas confirmo algo que já sabia: come-se muito bem e bebe-se ainda melhor! Os vinhos georgianos têm boa fama e merecem-na bem.

Hoje o que vi foi Sighnaghi, uma pequena cidade com aspecto medieval embora date do Século XVIII, com muralhas, 23 torres e um bom museu, recuperada há meia dúzia de anos e que acabou por se tornar um polo turístico importante. Este vídeo mostra-a bem.

Amanhã a direcção será outra e a etapa passará por… Gori – terra de Estaline…






26.7.12

Ficar em casa



«O não viajante parece-me que existe em animação suspensa, se não na morte viva de uma rotina caseira ou no conhecido estupor vegetativo da vida sedentária. Desde muito cedo que desejei sair de casa e pôr-me ao caminho. Não consigo imaginar não viajar ─ estar o tempo todo preso em casa, no confinamento de uma habitação, de uma comunidade ou de uma cidade. Todavia, há pessoas que nunca saem ─ distintos escritores e pensadores, presos às suas secretárias, às suas cidades, fazendo disso virtude. Em toda a sua vida de oitenta anos, Immanuel Kant nunca viajou a uma distância de mais de cento e sessenta quilómetros da sua terra natal, Königsberg (actual Kalininegrado), onde morreu. Philip Larkin, que mal se mexia da sua casa em Hull, na costa inglesa, disse: "Não me importava de ver a China se pudesse voltar para casa no mesmo dia". Não será preciso dizer que viveu grande parte da sua vida com a mãe.» 

Paul Theroux, A Arte da Viagem, Quetzal, 2012, p. 211
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A Espanha a arder e os políticos europeus de férias?



«We can only hope the politicians and bureaucrats of Europe are not packing their swimming gear as I write. If they are, we could all be thrown into the deep end this August. (...)

Ironically, I’m left wondering, ‘Are the powers of Europe going to go on holiday next week, as is per usual during August, leaving Spain to its fate?’

I can’t see the EU powerbrokers cancelling their inviolate holidays just because Spain’s about to tip Europe into ‘the abyss.’»

Dizem-me que Bruxelas já está deserta, lá para os lados do Berlaymont. E eu acredito.

Na íntegra aqui.

(Via Jorge Nascimento Rodrigues)
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25.7.12

Cúpulas e mais cúpulas (12)



Taj-Mahal, Agra (Índia,2005)

(Para ver toda a série, clique na Label: «cúpulas».)
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Mais uma viagenzita



«A saudade de casa é uma sensação que muitos conhecem e de que muitos sofrem; eu, por outro lado, sinto uma dor menos conhecida e o seu nome é "saudade de estar fora".» (Hans Christian Andersen, 1856) 

Assim sendo comigo também, vou pôr-me de novo a caminho de terras desconhecidas, não tão longínquas como outras em que já estive mas nem por isso menos estranhas. 

Parto amanhã para uma volta pela Geórgia e pela Arménia, dois países cujos passados dizem muito a um grande número, mas talvez pouco mais sejam hoje, para outros, do que dois nomes que recordam participações e querelas no Festival Eurovisão da Canção... 

É difícil prever o papel que nações como estas, e outras que integravam a ex-União Soviética, terão num futuro próximo, mas tendo a crer que podemos vir a ter grandes surpresas. Foi a sensação que tive quando, em 2011, atravessei parte do Uzbequistão e estive dois ou três dias em Baku. A ver. 


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Ricardo Araújo Pereira e o ensino de Português



Mixórdia de temáticas - esta manhã


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Quem se espantar que levante o braço



Samaras: os alemães ou são estúpidos ou querem que falhemos.

«Em virtude deste sentimento negativo na Alemanha e em alguns dos seus mais próximos aliados, como a Áustria, Samaras adiantou aos deputados do seu partido que o governo provavelmente recuará, taticamente, no seu objetivo de uma renegociação rápida dos termos do Memorando de Entendimento que baseia o segundo plano de resgate (...). O que, naturalmente, na frente interna, fará crescer a contestação da oposição, em virtude de uma esmagadora maioria de eleitores se ter pronunciado contra o acordo com a troika nas últimas eleições legislativas antecipadas de junho que deram a vitória à Nova Democracia por menos de duas centenas de milhar de votos.» 
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24.7.12

Eduardo Gageiro






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A produção continua

Espanha: ilegais com HIV sem direito a medicação



Lê-se e não é fácil acreditar: em Espanha, a partir de 1 de Setembro, entre muitos outros doentes, alguns milhares com HIV (entre 2.700 e 4.600, segundo as estimativas) deixarão de ter direito a medicação adequada, por serem estrangeiros em situação ilegal.

Os médicos falam de «condenação à morte» dessas pessoas (consequência mais ou menos imediata da falta de medicação), de aumento do número de casos resultantes da aplicação da medida, de crescimento de doenças associadas e de transmissão materno-fetal.

Sublinham que a poupança prevista não será real pelos custos associadas às consequências inevitáveis e recusam também, liminarmente, a extraordinária proposta do ministério da Saúde no sentido de serem as ONG (sem competência) a ocuparem-se do tratamento destas pessoas.

Antes de ler a notícia, ao ouvi-la na rádio, tentei imaginar como teríamos reagido se nos fizessem ver este filme, por antecipação, há uns dez ou mesmo cinco anos. Esta espécie de regresso da magnânima Europa do Estado Social a um comportamento digno da Idade Média em tempos de peste negra, quando eram perseguidas ou desprezadas algumas minorias. Esta frieza guiada por números de deficits, mercados e especulações, sem fim à vista.

A etapa que se segue é pôr estes imigrantes ilegais (certamente não europeus na sua esmagadora maioria) de quarentena para não nos contagiarem? Algum espanto?

(Fonte)


P.S. - Ler: Espanha deixa de ser exemplo na Saúde

Do silêncio dos cobardes



Viriato Soromenho-Marques é um dos poucos cronistas da nossa imprensa, que continuo a ler com proveito e com prazer. No texto que hoje publica no Diário de Notícias, acerta em cheio ao apontar o dedo ao egoísmo reinante numa Europa que se esfarela e se degrada, a caminho de se transformar num puzzle impossível onde as peças deixam de encaixar umas nas outras. 

«A natureza das instituições avalia-se pela sua resiliência às crises. O carácter dos amigos mede-se pela sua capacidade de ficarem ao nosso lado, contra tudo e contra todos, nas horas de perigo e desgraça. O que está a suceder a Espanha, a mergulhar numa espiral de destruição, revela que a União Económica e Monetária, como está, se tornou uma sala de tortura, condenada a perecer, e que os Estados membros da União Europeia são governados por uma gente pequenina que não percebe que é preciso ajudar os nossos aliados para nos ajudarmos a nós próprios. (...)

Reina o silêncio dos cobardes na maioria das capitais europeias. O de Lisboa é inqualificável. Só Monti, que sabe ser a Itália o próximo alvo, expressa a sua inquietação em voz alta. Por este caminho, este será o último verão da Zona Euro. O último verão antes de uma nova, perigosa e incerta geografia política europeia, cujas dores de parto não pouparão ninguém.» 
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23.7.12

Cúpulas e mais cúpulas (11)



Mesquita Ubudiah, Perak (Malásia, 2012)

(Para ver toda a série, clique na Label: «CÚPULAS».)
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Mais notícias do Verão quentíssimo



No dia 23 de Julho de 1975, este cartaz foi capa do Diário de Notícias. Juntamente com a cantiga («Força, força, companheiro Vasco»), deu corpo à campanha da 5.ª Divisão, de apoio a Vasco Gonçalves, iniciada quatro dias antes. Foi sol de pouca dura...

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Assim é que era!



(Aproveito para aconselhar vivamente uma extraordinária página do Facebook: Improbables Librairies, Improbables Bibliothèques.) 
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Pedro Ramos de Almeida



Ana Sá Lopes, no jornal «i»:

Foi-se mais um daqueles a quem tiravam o sono 

Pedro Ramos de Almeida morreu ontem em Lisboa, aos 80 anos. A doença respiratória não o deixou acabar de escrever a história do MUD Juvenil, um dos movimentos mais populares de combate à ditadura, a que se juntou quando tinha 18 anos.

Militante e antigo dirigente do PCP, Ramos de Almeida faz parte do (ínfimo) grupo de portugueses que combateram, com poucas armas e bagagens, a grande crise nacional dos últimos 50 anos – a ditadura.

Uma ditadura que tinha uma biografia para escrever. Pedro Ramos de Almeida é autor, entre muitos outros livros e ensaios, de “Salazar: biografia de uma ditadura”. Se os revolucionários de Abril ficaram simbolicamente homenageados como “os homens sem sono”, os da linhagem de Pedro Ramos de Almeida têm sido insuficientemente reconhecidos como os homens a quem tiravam o sono.

Veja-se o depoimento de Virgínia de Moura sobre a prisão em 1954 de dezenas de jovens do MUD: “Usou-se e abusou-se da violência, batendo em alguns, obrigando outros a fazer estátua durante dias consecutivos, longos períodos de incomunicabilidade, enclausuramento em segredos, internamentos no Conde Ferreira (hospital psiquiátrico de então, no Porto), transferência de jovens para Caxias, e muito concretamente, entre outros, foram vítimas de violência os arguidos Pedro Ramos de Almeida (22 anos, estudante de Direito de Lisboa), sete dias e sete noites sem dormir e dois (leia-se quatro) meses de segredo”.

Aos poucos, a maioria dos jovens é libertada até ao julgamento, mas Pedro Ramos de Almeida fica preso. É o próprio que contou, em texto no jornal comunista “O Militante”: “À maioria dos presos é fixada caução e admitida a sua libertação condicional até ao julgamento. Entretanto, a excepção é constituída por seis réus, acusados de serem membros da Comissão Central do MUD Juvenil – Maria Cecília Alves, Agostinho Neto [futuro presidente de Angola], Ângelo Veloso, Hernâni Silva, Hermínio Marvão e Pedro Ramos de Almeida”.

Condenado a quatro anos de prisão, Pedro Ramos de Almeida fugirá do Forte de Peniche em 1961 (*). Partiu depois para o exílio. Em 1962 viveu em Praga, como dirigente do PCP, representando o partido junto de revistas internacionais dos partidos comunistas. Muda-se, depois, para Argel, ao serviço do PCP, onde ficará cinco anos, na qualidade de membro do comité central do Partido Comunista, a Junta Revolucionária Portuguesa, o órgão dirigente da Frente Patriótica de Libertação Nacional. Dirige na altura a rádio Voz da Liberdade, uma emissora de combate à ditadura que emitia para Lisboa a partir de Argel.

Entre 1969 e 1971 esteve na clandestinidade em Portugal – uma altura em que pintava os seus prematuros cabelos brancos com tinta castanha comprada na drogaria. Regressa a Portugal em 1971 depois de ter obtido a garantia, através do seu padrasto Fernando Abranches Ferrão, de que não haveria processos contra ele. Começa a militar na CDE e quando chegou o 25 de Abril tornou-se militante do MDP-CDE, de que foi dirigente. Entre os muitos livros que escreveu, destacam-se a História do Colonialismo Português e o Dicionário Político de Mário Soares. O dirigente histórico do PCP Domingos Abrantes recordou ontem o “intelectual de grande craveira”, que “teve sempre uma actividade empenhada, não só na juventude, mas em toda a luta da unidade antifascista”. Para Carlos Brito, ex-militante e ex-dirigente do PCP é a perda de “um grande amigo” e uma perda “para a esquerda”. “Foi um grande combatente, com muito mérito”. Pedro Ramos de Almeida era pai do nosso camarada de redacção Nuno Ramos de Almeida e de João Ramos de Almeida, jornalista do Público

(*) Uma correcção: PRA já não estava preso em Peniche quando se deu a célebre fuga de um grupo de presos (e portanto não o integrou) e a fuga em questão não aconteceu em 1961, mas sim em 3 de Janeiro de 1960. 
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22.7.12

J. H. Saraiva numa «redacção da Guidinha», de Sttau Monteiro



Crítica «fininha» (a que era possível em tempos de censura) ao programa que a RTP exibia há cerca de um ano (*). 

 «E vai a gente julgou que tinha aparecido um filmito novo de propaganda porque vimos escrito no quadradinho O TEMPO E A ALMA e julgámos que era propaganda de relógios ou de detergentes porque o tempo lava mais branco principalmente em matéria de almas mas não senhor era propaganda do Camões mas não era para vender nada era só para a gente ficar a saber que ele não tinha um olho mas que isso não lhe fez falta nenhuma porque tinha outras coisas bestiais o meu pai que nestas coisas é bestialmente culto chamou-me e disse anda cá Guidinha vem aprender estas coisas para não ficares burra (...) tudo isto enfim tudo correu bestialmente bem até o doutor Saraiva começar a falar no Infante D. Henrique porque a partir daí foi um sarilho bestial primeiro porque ele disse que o que eu aprendi na escola quando ele era ministro não é verdade e eu aproveitei para dizer ao meu Pai uma coisa que eu até acho bestialmente certa sim o que eu disse foi o pai vê que não vale a pena estudar na escola? aprendi aquilo tudo e afinal é mito e agora querem por força que aprenda equações mas eu não vou nisso porque aposto que daqui a dois anos o senhor ministro da Educação vem dizer que as equações eram mitos e não vale a pena a gente cansar a cabeça com mitos.» 

(*) Luís Sttau Monteiro, O meu pai foi preso, «A Mosca», suplemento do Diário de Lisboa, 4 de Novembro de 1972. 

(Agradecimento ao Rui Almeida por me ter recordado esta «redacção».) 
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Valeu a pena votarem à direita...



FMI quer cessar ajudas à Grécia 

Os gregos quiseram mais do mesmo (embora por uma diferença mínima), tiveram medo do papão da perigosa esquerda? Aí têm o que era mais do que garantido, ao insistirem numa receita austeritária que já se tinha demonstrado ineficaz. 
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Da descredibilização



«O pior, no caso da turbo licenciatura, não é o reconhecimento de que há escolas que precisam de agradar a políticos que depois farão uns agrados a essas mesmas escolas pondo em causa o esforço de todos os seus estudantes. Não é termos um Ministro provinciano que acha que o dr lhe confere gravitas. Nem é desconfiarmos que Relvas e Passos Coelho são afinal um só e que não tarda alguém chamará Miguel Passos ou Pedro Relvas aos dois senhores. Não é sequer vermos um partido com a importância do PSD agachado perante o pior da máquina partidária. É sim a terrível contribuição que este caso traz para a ainda maior descredibilização da classe política. Nesta fase da nossa história poucas coisas podiam ser piores.»  

Pedro Marques Lopes

Quando, há 43 anos, o futuro rei de Espanha prestou vassalagem a Franco



Em 22 de Julho de 1969, Juan Carlos I de Bourbon foi designado pelas cortes espanholas como sucessor de Franco, jurando-lhe lealdade e respeito pelas leis vigentes - e cumpriu. 

Viria a ser proclamado rei em 22 de Novembro de 1975, depois da morte do generalíssimo, tendo então tido início o processo da Transição Espanhola (que nunca me entusiasmou, mas isso é uma longa discussão, já tida em outras arenas). O regresso da República ficou adiado. 

Voltando a 1969, sempre me fez muita impressão ver, ou rever, este vídeo: 


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