20.8.22

Arte Nova, ainda

 


Puxadores e batidas de porta (aldravas) de Bruxelas.

Daqui.
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Leitura para uma tarde quente de sábado

 



«Malgrado discurso do papa sobre o imperativo de expor a verdade e compensar as vítimas, concordatas assinadas no seu reino impõem que justiça "avise" hierarquia de investigações contra membros do clero, "barricam" arquivos e - caso de Angola -, restringem as responsabilidades civil e criminal "à pessoa física" dos eclesiásticos condenados, para evitar pagar indemnizações.»
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Maiorias absolutas?

 


Publiquei isto em 2019 e ainda escapámos então. Três anos depois…
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Não somos assim tão racistas

 


«Quando se fala de racismo em Portugal, há sempre alguém que critica o “exagero”, o “despropósito” e a “perda de tempo”. Noutros lugares o racismo “é pior” e, como é sabido, temos “problemas bem maiores”.

A técnica é conhecida e de aplicação generosa:

— O racismo aqui não é assim tão mau — nos EUA é pior (e temos o problema da desigualdade).

— O risco de pobreza e exclusão social não é assim tão alto — na Irlanda é pior (e temos o problema da TAP).

— As nossas crianças não são assim tão más a Matemática — em Espanha são piores (e temos o problema do novo aeroporto).

— As mulheres portuguesas não ganham tão menos do que os homens — na Estónia é pior (e temos o problema das listas de espera nos hospitais).

— As nossas casas não são assim tão geladas no Inverno — na Lituânia é pior (e temos o problema da falta de creches).

— As nossas elites não são assim tão fracas — na Letónia são piores (e temos o problema da falta de habitação).

— A nossa economia não é assim tão pouco inovadora — na Polónia é pior (e temos o problema dos incêndios).

— Não há assim tantos portugueses infelizes — na Argentina há mais (e temos o problema da mobilidade urbana).

— O desemprego jovem não é assim tão alto — em Espanha é pior (e temos o problema da reindustrialização).

Etc.

Há sempre problemas mais graves do que aquele de que estamos a falar. Foi assim durante anos com temas ridículos como a violência doméstica, a pedofilia na Igreja, a misoginia no mercado de trabalho, a saúde mental, o ambiente.

Coisas diferentes que têm em comum terem sido promovidas a problemas graves. Isso apesar de nem todos os maridos baterem nas mulheres, nem todos os padres fazerem sexo com menores, nem todos os patrões discriminarem as mulheres, nem todos termos doenças mentais e nem todos misturarmos o lixo no mesmo balde.

Os que falaram antes de tempo sobre esses cinco problemas, quando eram vistos como residuais, exagerados e uma distracção do que realmente importava, bateram com o nariz na porta e ouviram o habitual “não há pachorra”.

Com o racismo é igual. Somos óptimas pessoas e a nossa colonização não foi tão brutal quanto isso. Há casos de racismo? Sim, mas são ovelhas negras e há racismo em todo o lado, até em África, entre os negros. A conversa vai sempre para aí.

Vi há dias que o antigo jogador de futebol brasileiro Mário Aranha criou uma escala de tolerância para os insultos racistas.

Em 2014, no final de um jogo da Copa do Brasil, Aranha tinha a bola e parecia estar a querer ganhar tempo para a sua equipa não correr o risco de sofrer um golo. A claque adversária, do Grémio, não gostou e começou aos gritos. “O que aconteceu?”, perguntou um jornalista no fim. A resposta foi esta:

— Eu estava no gol. A torcida xingar e pegar no pé é normal. Mas depois começaram com palavras racistas: ‘preto’, ‘preto fedido’, ‘seu preto’, ‘cambada de preto’, ‘bando de preto’, essas coisas. Até aí... fiquei nervoso, mas estava-me segurando. Mas quando começou aquele corinho de ‘macaco’... Fizeram rápido e pouco, para não dar tempo de filmar. Eu pedi para o câmara: ‘Filma lá os caras.’ Mas ele não virava a câmara. Quando ele foi filmar, já tinha acontecido. Fico nervoso, fico puto. Perdão pela palavra, mas dói.”

Repare: gozam com ele e Aranha não liga. Gritam “preto” e Aranha enerva-se, mas aguenta. Isto apesar de não haver ninguém no Brasil — e em Portugal — que não saiba que a palavra “preto” é um insulto. Como ele continuou a jogar, a plateia subiu de tom e juntou-se num coro a gritar “macaco”. Repare noutra coisa: como sabem que é um insulto racista ofensivo e punível pela lei brasileira, as pessoas cantam “macaco! macaco!” só uns segundos e param. A ideia é dificultar a vida a quem os possa querer apanhar — e filmar — no meio da multidão. Recomeçam e param, recomeçam e param. Nesse jogo de 2014, uma rapariga acabou por ser apanhada, pediu desculpa e chorou ao lado do advogado. “Não sou racista, eu juro que não sou racista.”

Há dois anos, a polícia de Londres também pediu desculpa à atleta britânica Bianca Williams, mulher do atleta português Ricardo dos Santos, do Benfica. Iam os dois no carro, mandaram-nos parar e acabaram algemados. Um polícia disse que ele cheirava a marijuana. Foi uma cena triste. Num vídeo, ouve-se Williams a gritar: “O que estão a fazer?! Nós não fizemos nada! Temos o nosso bebé no assento de trás!” Por acaso são os dois negros. Como têm um carro caro, os polícias devem ter pensado que eram traficantes de droga. Porquê pará-los se não estavam numa operação stop e o casal não estava a fazer nada de ilegal, nem sequer suspeito?

Esta semana, voltou a acontecer o mesmo. A polícia de Londres mandou parar o atleta português. Dos Santos não parou logo porque não percebeu o que se estava a passar — o carro da polícia aparece do nada à sua frente e só aí liga as luzes azuis — e porque sabia que à frente havia um lugar mais seguro. Numa entrevista ao Good Morning Britain, Dos Santos explicou que quis parar onde houvesse mais luz e mais pessoas. Queria testemunhas. Disse também que, desde 2020, sempre que um polícia passa por ele na estrada, pensa: “Será que vou ser parado?” O atleta tem um carro de atleta, logo, apetrechado com câmaras de vídeo, neste caso uma coisa útil.

Como há muitos polícias britânicos que não são racistas, mais valia falar-se da inflação do Reino Unido, que já vai nos 10%.»

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19.8.22

Indiscutível

 

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Os jovens e a casa dos pais

 


Li ontem que os jovens portugueses saem muito tarde de casa dos pais – 33,6 anos –, quando os suecos o fazem com 19.

Isto fez-me recordar uma conversa tida há mais de trinta anos, concretamente mesmo no fim da década de 80 do século passado. Trabalhava então na Bélgica e um colega de Estocolmo contou-me que estava feliz porque a sua filha única tinha acabado o primeiro ano na Universidade. Tinha saído de casa um ano antes, aos 18, para frequentar uma faculdade na cidade onde os pais moravam, mas era autónoma financeiramente: com a ajuda do Estado, mas não suficiente, e por isso completada com o que ganhava como taxista à noite.

Que os jovens saírem de casa depois do Secundário, com vários tipos de subsídios, era normal na Norte da Europa eu já sabia, que uns pais com uma vida muitíssimo confortável financeiramente não dessem à filha o que ela precisava para viver sem ter de guiar um táxi à noite fez-me abrir a boca de espanto. Conversámos sobre o assunto e o espanto do pai não foi menor que o meu: que davam à filha prendas nos anos, no Natal, etc., que estariam presentes se ela tivesse algum problema grave, mas que nunca ousariam quebrar a sua independência de adulta.

Claro que Portugal não é a Suécia, havia e há várias Europas, vários mundos – para o bem e para o mal. Mas com consequências inevitáveis.
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Dia Mundial da Fotografia

 


«Uma mulher numa banheira, a esfregar as suas costas enquanto toma banho. Mas não é qualquer mulher. É Lee Miller, que foi modelo da Vogue e desembarcou em Paris, onde conseguiu convencer o fotógrafo Man Ray a aceitá-la como colaborada – mais tarde, amante; sempre a sua musa. Mais tarde, acabou por trocar os saltos altos por botas de guerra e fotografou a Segunda Guerra Mundial, incluindo a libertação dos campos de concentração.

Também não é qualquer banheira, nem qualquer dia. É a banheira do próprio Hitler, no dia em que este se suicidou. Lee invadiu-lhe o apartamento e a casa-de-banho, atirou para o chão as botas acabadas de chegar de Dachau. Dizem que disse “I washed the dirt of Dachau off in his tub”.

A fotografia é de David E. Scherman – e hoje é o dia mundial da fotografia.»

Eugénia Galvão Teles no Facebook
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É preciso Estado neste jogo viciado

 


«Há uns meses, o Parlamento chumbou propostas para revogar os vistos gold. O PS disse que é tempo de avaliação. Enquanto se avalia o que já sabemos, aconselho a consulta do último relatório do INE: mais de 10% das casas compradas em Portugal, em valor, são adquiridas por cidadãos estrangeiros — já lá vou —, muitos por causa de vistos gold e vantagens fiscais. Estes valores serão muito mais elevados em Lisboa, Porto e no Algarve. O preço médio de uma casa na Área Metropolitana de Lisboa aumentou 144% entre 2000 e 2019. No Grande Porto duplicou. E só nos últimos três anos cresceu ainda mais 30% no distrito de Lisboa e quase 40% no do Porto. Quanto ao salário médio, que tem de cobrir estes preços, não chegou a aumentar 50% desde 2000. As casas não são para bolsos portugueses e só os juros baixos, que chegaram ao fim, mitigavam os efeitos da bolha imobiliária. A brutal crise no acesso à habitação tem um efeito transversal. Ajuda à falta de trabalho em sectores como o turismo, com salários que não chegam para o preço absurdo das rendas nas imediações dos principais destinos. Há anos que Lisboa tem falta de professores porque não se consegue viver na capital. O mesmo acontece com polícias, enfermeiros e todo o tipo de profissões. É uma doença que afeta a economia, o rendimento disponível e os serviços públicos. É um problema estrutural que exige soluções estruturais.

A crise não é portuguesa. A elevada liquidez injetada pelo BCE nos últimos anos, sem uma política orçamental que a acompanhasse, levou à deslocação massiva de investimento para o imobiliário, que foi fugindo de uma banca instável e de uma economia estagnada. Tornou-se um investimento financeiro apetecível e as casas fugiram das mãos de quem vivia nas cidades. Mais de 60% dos britânicos de classe média, entre os 25 e os 34 anos, tinham casa própria em 1997. Vinte anos depois, são pouco mais de 20%. No nosso caso, à falta de vontade para regular instrumentos como os vistos gold, Alojamento Local ou benefícios fiscais concedidos a estrangeiros endinheirados, junta-se a falta de habitação pública. Viena, Amesterdão, Estocolmo ou Bruxelas têm entre 25% a mais de 40% de casas geridas por programas sociais. Paris quer chegar a 30% já em 2030. Lisboa e Porto nem chegam aos 10%. No total do país, não passam de 2%. E as dificuldades do anterior executivo da Câmara de Lisboa em assegurar fogos a preços acessíveis faz-me temer pelo sucesso de projetos em dezenas de concelhos com menos massa crítica.

Lisboa e Porto entraram tardiamente nos radares do turismo e, com ele, no mercado imobiliário global. Depois dos vistos gold, a novidade são os nómadas digitais, que, com a experiência da pandemia, perceberam que podem trabalhar de qualquer lugar. O clima ameno, boas praias, segurança, preços baixos para os padrões internacionais e a qualidade dos cuidados de saúde (sim, leu bem) fazem de Portugal, aos olhos da imprensa internacional, a “nova Califórnia” na Europa. Esta semana, a Bloomberg incluiu Lisboa entre os seis novos “destinos hipster” para expatriados. A imprensa parola rejubila. Mas um nómada digital californiano alegrava-se, numa reportagem do “LA Times”, com o facto de ser possível alugar um apartamento em Alfama por 2100 euros, metade do que pagava em São Francisco. Quase o dobro do salário médio nacional. Com o que se recebe aqui não teremos onde viver.

O meu problema não são os estrangeiros, como imaginam. São bem-vindos em cidades que se querem do mundo. O problema é a disparidade de tratamento fiscal. Temos portugueses com salários baixos e sem acesso aos benefícios fiscais reservados para os estrangeiros qualificados a competir pelo acesso a um teto onde viver. E o problema é a ausência de políticas públicas que contrabalancem a pressão do mercado global. Isto é um jogo viciado. Dizê-lo não é xenofobia, como acusou um deputado do IL em defesa da desregulação de tudo, porque o Estado não deve subsidiar o luxo de viver em Lisboa ou no Porto e o mercado pode tratar da estratificação social do território, até termos cidades sem trabalhadores com salários médios, por isso disfuncionais. O problema é estarmos a aquecer uma panela de pressão de um ressentimento social que alimentará a xenofobia.

A solução passa por mais Estado, essa heresia para os dogmas da moda. Seja para a regulação de instrumentos de atração de compradores, quando temos de desinchar a bolha; seja para o aumento da oferta pública de habitação a preços acessíveis. O que fazem tantos países europeus, despreocupados com o estigma das políticas “socialistas”. Mas não está fácil vender por cá o que é óbvio em tanto lado. Basta ter ouvido Carlos Moedas, num encontro de uma das maiores promotoras imobiliárias de luxo a confessar-se “humilde perante as dificuldades que elas sofrem” em Lisboa, para perceber porque se opõe à regulação do Alojamento Local, que considera uma limitação à “liberdade de empreender”. É deixar empreender sem limites até que ninguém que aqui trabalhe e pague impostos aqui possa viver. Nem os que servem à mesa hipster. Seremos um soalheiro cartão postal. Morto.»

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18.8.22

Vai um café?

 


Cafeteira, Tiffany & Co, em Prata de Lei, metais mistos, jade, 1878.

Daqui.
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UE: sempre a correr atrás do prejuízo

 

(El País, 18.08.2202)

 
Mujica – sempre ele – mais do que oportuno:


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García Lorca

 


Federico García Lorca conta-se entre as primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola. Foi fuzilado, com apenas 38 anos, em Agosto de 1936, entre os dias 17 e 19, pelo seu alinhamento político com os Republicanos e por ser declaradamente homossexual.

Todos os anos nesta data, em Viznar, perto de Granada, ciganos cantam, dançam e dizem poesia em honra de Lorca e de cerca de 3.000 fuzilados pelos franquistas, cujas ossadas se encontram por perto. De madrugada, à luz de velas e das estrelas, sem nada programado, sem nenhuma convocação formal.







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E ao sétimo dia, Medina falou. E nada disse

 


«Ou seja, depois de uma semana de silêncio absoluto, vem Fernando Medina de coração partido comentar em palavras curtas a renúncia do consultor imprescindível à sua missão nas Finanças. Sem explicações, arrependimentos ou pedidos de desculpa, que o que Medina decide é lei e ai de quem se atreva a contrariá-lo (se não acredita, passe os olhos pelos vídeos das reuniões de câmara dos tempos em que Lisboa estava às ordens do atual ministro das Finanças).

Em sete dias de incredulidade nacional - ao menos entre aqueles que ainda não consideram aceitável que um governo trate os cidadãos como subalternos obedientes, calados à força de esmolas - face ao desplante de (mais) um ministro que pretende contratar um consultor externo para mediar e avaliar as suas relações com aqueles que tutela, nem uma palavra se lhe ouviu.

Em sete dias, nem por um momento saiu Medina em defesa das extraordinárias qualidades e talentos de um braço-direito insubstituível na missão de melhorar o país e acabar com a miséria cavada dos portugueses.

Em sete dias, nunca o ministro das Finanças sentiu que devia explicar por que havia necessidade de contratar alguém com quem dividir o trabalho, ou porque não confiava essa missão aos serviços públicos criados para o efeito, ou porque não podiam ser os de dentro, os dos quadros, a fazer o trabalho que teimou em pôr nas mãos de um consultor externo.

Nem sequer quando Costa veio lavar as mãos perante o povo, dizendo que não mete a sua foice nas searas dos seus ministros e cada um que governe a casa como bem lhe aprouver - independentemente de ser sobre os contribuintes que cai a fatura dos gastos e dos erros dele e dos seus -, Medina falou.

Por fim, Sérgio Figueiredo, abandonado na praça pública e sentindo-se acossado por um país de invejosos, desistiu de ser consultor de ministro a receber mais do que o ministro e a ganhar espaço para tudo quanto a não-exclusividade de que beneficiaria pudesse pôr-lhe no caminho.

Então Medina falou. E no elogio póstumo, disse que "lamentava profundamente" a recusa, mas "entendia muito bem as razões" de alguém que poderia ter dado um "valioso contributo ao serviço do interesse público".

E mais não disse, nem respondeu, que um governante não tem de dar satisfações a ninguém. Nem sequer esclareceu se vai agora tentar obter esses "valiosos contributos" remunerados para desenhar políticas públicas junto de outros "destacados analistas", talvez pagos à peça para não parecer mal, ou se vai resignar-se a recorrer aos préstimos dos muitos especialistas nos quadros do Estado, que têm competências de sobra e a quem ofendeu profundamente com o desvario.»

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17.8.22

Mais Arte Nova

 


Faces femininas esculpidas em edifícios Arte Nova: 1. Riga, 2. Países Baixos, 3. França, 4. Espanha, 5. Viena, 6. Moscovo, 7. Sem informações, 8. Barcelona, 9. Viena.

Daqui.
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Gina Lollobrigida

 


Extraordinário! Aos 95...
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Ao que isto chegou!

 



Mas o que é isto? Agora faz-se voluntariado para mostrar à CML que não cumpre os seus deveres?

«Somos um grupo de cidadãos que quer fazer parte da solução, sem desresponsabilizar as autoridades que têm a obrigação de zelar pela limpeza da cidade. Não temos quaisquer apoios e vamos fazer tudo por nossa conta a bem da cidade. Claro que no dia 1 de Setembro vamos limpar as ruas, mas queremos também alertar essas autoridades para o problema grave que a cidade está a viver.»
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A Alemanha acordou? Espera-se que sim



 

«Vendo bem, nós, europeus, já nos habituámos a andar quase sempre às voltas com a Alemanha, com as suas decisões, os seus sucessos, as suas dificuldades. Isto acontece, caro leitor, cara leitora, praticamente desde a queda do Muro de Berlim e da reunificação, quando, de novo, um gigante emergiu no coração do velho continente, muitas décadas depois de ter sido derrotado, dividido, democratizado e reconduzido, graças à NATO e a Comunidade Europeia, ao concerto das nações civilizadas. Este caminho de regresso resultou da visão de Washington sobre o futuro da Europa e do mundo, depois da II Guerra, e do espírito visionário de alguns europeus que souberam tirar as devidas lições das tragédias da primeira metade do século XX.

A reunificação alemã, com o preço exorbitante que a República Federal pagou para resgatar a economia degradada e improdutiva da antiga RDA, custou aos seus parceiros europeus uma profunda recessão, mas também levou à criação do euro – que foi, em primeiro lugar, uma decisão política para amarrar definitivamente o gigante ressurgido à integração europeia. A partir do início deste século, pela mão de um governo de coligação entre o SPD e os Verdes, um conjunto de reformas ousadas libertou a economia alemã de velhos constrangimentos, permitindo-lhe sair da crise económica e libertar o seu enorme potencial.

Convém sempre lembrar que a Alemanha foi o maior beneficiário do euro, apesar da relutância inicial dos alemães em abandonar o seu fortíssimo marco. Angela Merkel pôde tirar todo o partido dessas reformas e governar durante 16 anos com um objectivo fundamental – manter os alemães felizes, sem deixar que essa felicidade chegasse a pôr em causa a integração europeia.

A pandemia mudou muita coisa. As lições que Berlim acabou por tirar, com alguma relutância, sobre as políticas de austeridade que impôs aos seus parceiros mais frágeis para enfrentar a crise financeira e a Grande Recessão levaram a chanceler a perceber que a crise pandémica, que não era culpa de ninguém e tocava a todos, só se resolveria com solidariedade. Tudo correu bem, até ao dia em que a Rússia decidiu invadir a Ucrânia. A pandemia já tinha levado a Alemanha e a Europa a repensarem as suas relações com o mundo. A guerra mudou tudo. Incluindo em Berlim.

Abreviando razões, caro leitor, hoje a Alemanha enfrenta um dos maiores desafios da sua história pós-1949. A guerra pôs fim à sua política suicida de dependência da energia russa – um dos factores do seu êxito económico e o maior financiamento directo às ambições belicistas de Moscovo. Hoje, os alemães interrogam-se sobre como vão viver no próximo Inverno.

A China e a Rússia

As perturbações das cadeias de abastecimento afectam duramente a máquina exportadora alemã, alimentada pelos bens intermédios que importava da Ásia e, em primeiro lugar, da China. A guerra lança a incerteza sobre o futuro da própria União Europeia porque lhe coloca desafios enormes. O modelo exportador, assente em salários estagnados, que não alimentavam o mercado interno, está em crise. Os efeitos da pandemia na economia chinesa começam a revelar-se perigosos, retirando à Alemanha um dos seus mercados preferenciais. A reflexão estratégica sobre o risco de contar com o mercado de uma gigantesca autocracia com ambições hegemónicas mundiais foi alterando a política europeia em relação à China. A guerra matou definitivamente a tentação da Europa pela "terceira via" entre as duas superpotências – os EUA e a China.

Hoje, é esse também o debate alemão, depois da experiência dramática da sua dependência do gás e do petróleo russos. O Nord Stream 1, gerido pela Gazprom, está a canalizar para a Alemanha apenas 20% da sua capacidade normal. Transformou-se numa poderosa arma de chantagem nas mãos de Putin. A União Europeia já se viu obrigada a aprovar um plano de contingência para enfrentar o Inverno, em socorro da Alemanha e dos países da Europa Central mais dependentes. Olaf Scholz está a considerar adiar o encerramento das três centrais nucleares que ainda restam ao país, depois da decisão extemporânea de Merkel de as encerrar a todas, na sequência do desastre de Fukushima, no Japão. O problema é que as três empresas que as detêm dizem que tencionam manter os seus planos de encerramento até ao final do ano.

Em poucas palavras, a Alemanha – Governo e empresários – viu-se de repente obrigada a pensar em termos geopolíticos e não apenas económicos.

A mudança não será fácil, de tal maneira implica a readaptação do seu modelo económico e da própria sociedade a tempos totalmente novos, em que a guerra regressou à Europa e o mundo está em acelerada transformação.

Os avisos de Lindner

Na semana passada, o Financial Times citava declarações do próprio ministro das Finanças, o liberal Christian Lindner, que descreviam a situação com toda a crueza. As perspectivas da economia alemã são "frágeis", com as previsões de crescimento em constante revisão em baixa; a vida tornou-se mais cara, com o aumento do custo da energia e da alimentação. A inflação disparou, no país que ainda hoje vive o trauma da hiperinflação nos anos 1930, que conduziu Hitler ao poder. As interrupções persistentes das cadeias de abastecimento e a procura externa mais fraca estão a pesar fortemente no sector industrial. Clemens Fuest, chefe do Instituto Ifo, diz ao jornal britânico que o mais preocupante é que estas fraquezas estão a afectar simultaneamente todos os sectores da economia. Enquanto o FMI revê em alta o crescimento da França, Itália ou Portugal, revê em baixa o da Alemanha.

No mês de Maio, pela primeira vez em 30 anos, a Alemanha registou um défice comercial.

Devido em parte às regras estritas do défice zero, houve um escasso investimento em infra-estruturas. O sector de produção de bens industriais ainda pesa 20% do PIB, enquanto nos EUA representa 11% e no Reino Unido, 9%. A digitalização das empresas e da administração pública está muito atrás das economias comparáveis. Há falta de mão-de-obra qualificada, apesar da abertura maior à imigração. "Merkel ainda se referia à Internet como ‘novo território’ em 2013", lembrava a Economist.

A Alemanha conseguirá dar a volta. Mas, como também refere a revista britânica nas páginas que dedica à Alemanha no seu último número, vai levar tempo e exigir mudanças e sacríficos. Os anos de Merkel não prepararam os alemães para ambas as coisas. Nem, muito menos, para o aumento acelerado da despesa militar, que Olaf Scholz já anunciou e que é inevitável.

"Graças a Vladimir Putin, a Alemanha acordou", resume a Economist. Mais uma consequência indesejada e imprevista da guerra contra a Ucrânia, para além do reforço da NATO e da União Europeia. A Europa continua a precisar da Alemanha – uma Alemanha que queira desempenhar um papel liderante e que seja capaz de o fazer. Desde que os alemães consigam atravessar o Inverno sem desistir do apoio à Ucrânia e da solidariedade europeia.»

Teresa de Sousa
Newsletter do
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16.8.22

Com um dia de atraso

 


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Mulheres afegãs

 


Vasco Gargalo, 2021

AQUI.
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Arte Nova

 


Ferragens em portas da Bélgica e de França

Daqui.
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Mais uma «Redacção da Guidinha»

 


[Com mais um ano lectivo à porta, os jornais estão cheios de notícias e de inovações, e as redes sociais de opiniões, sobre «professores» que já não precisam necessariamente de o ser e outras novidades típicas da época. No tempo da Guidinha era tudo diferente, ou talvez nem tanto assim.]

Vou-me licenciar por obra e graça do Espírito Santo

«Nestas coisas da vida uma pessoa ou tem sorte ou não tem eu cá por mim tenho de confessar que não sou das que tiveram mais sorte e tudo porque comecei a tirar a minha instruçãosita primária antes das reformas contra-reformas sugestões de reformas propostas de reformas discussões sobre reformas questões sobre reformas estudos sobre reformas esperas por reformas e o mais que há sobre reformas e o resultado deste meu azar de ter começado a ir à escola antes de tudo isto foi que tive de estudar uma data de coisas para fazer exame da primeira classe mais uma data de coisas para fazer o da segunda classe mais uma data de coisas para fazer o da terceira classe e nem digo quantas coisas para fazer o da quarta classe para verem como as coisas eram tenebrosas até tive de aprender a ler para tirar a quarta classe o que mostra como a gente era perseguida torturada e maltratada nos tempos antigos se no meu tempo já andassem estas reformas todas no ar eu tinha-me safado muito melhor para começar não tinha tido aulas durante metade do ano por causa da reforma e tinha passado para a segunda classe sem saber fazer contas de multiplicar vai na segunda classe com uns sarilhitos tinha passado para a terceira sem saber fazer contas nem de multiplicar nem de dividir e para entrar no liceu sem eles darem por isso arranjava-se uma dispensasita de exame por não saber ao certo como é que ia ser a reforma é claro que no liceu avançava da mesma maneira não tinha aulas por falta de professores não tinha aulas porque os professores faltavam não tinha aulas porque tinha de ir à cantina não tinha aulas porque os professores estavam reunidos a tratar dos interesses superiores dos alunos não tinha aulas porque os alunos estavam reunidos a tratar dos interesses superiores dos professores não tinha aulas porque os pais se reuniam a dizer que estavam a puxar de mais pelas cabeças dos filhos não tinha aulas porque havia uma grande reunião a pedir ao ministro para não haver aulas não tinha aulas porque era dia de feriado não tinha aulas porque o ministro tinha medo de mandar a gente às aulas não fosse a gente fazer-lhe barulho à porta de casa não tinha aulas porque não me apetecia ir às aulas e ninguém podia mandar-me ir com medo de que eu não fosse apesar da ordem e lá se ia a autoridade não tinha aulas porque não estava na moda haver aulas enfim o que eu quero dizer é que acabava por entrar na faculdade que é para onde eu quero ir sem ninguém perceber que eu não sabia ler nem fazer contas de multiplicar e de dividir com as coisas assim eu tenho a certeza de que chegava ao fim sem abrir um livro o que até me facilitava a vida porque se me obrigassem a abrir um livro eu estava frita por não saber ler e isso de ir às aulas era coisa que eu não fazia porque havia de arranjar maneira de lá não pôr os pés umas vezes não ia porque não havia professores outras vezes não ia porque não gostava deles outras vezes não ia porque estava à espera que fosse resolvido o problema dos transportes em Alcácer do Sal outras vezes não ia porque era dispensada de ir enquanto não viesse a reforma e outras vezes não ia porque não ia e pronto ninguém tem nada com o que faço enfim chegava ao fim do curso e davam-me um canudo todo escrito em latim e um emprego pago em dinheiro português corrente como eu gostava de ser médica porque gosto muito daqueles filmes que há na televisão com aqueles médicos bestialmente simpáticos que fazem discursos às pessoas e que as curam com palavrinhas mansas e compreensão ia para um hospital trabalhar talvez na cirurgia é claro que ao princípio matava umas pessoas para descobrir onde é que elas têm o apêndice e o fígado mas isso que importância tem neste mundo em que há gente a mais? com o tempo e com umas buscas bem organizadas acabava por saber onde é que estava o apêndice de cada um e cortava-o tão bem como se tivesse aprendido porque não há nada como o saber adquirido pela experiência eu calculo que me bastariam duzentas pessoas para ficar a operar apêndices quatrocentas para operar estômagos e umas quinhentas ou seiscentas para operar cabeças ao todo com umas mil mortesitas ficava a cirurgiar tão bem como qualquer que tivesse estudado e não tinha perdido o meu tempo em escolas faculdades e outras velharias o meu azar foi ter ido para a instrução primária antes das pessoas começarem com isto das reformas que vai haver mas não me perco por isso não senhor que não estou para ser prejudicada por coisas de que não tenho culpa nenhuma para já declaro aqui que para o ano não vou às aulas e que se me quiserem chatear vou tocar tambor em frente da casa do ministro e dar berros até ele ficar acagaçado e me dispensar com quatro valores que é o que eu costumo ter escrevendo nos pontos umas coisitas que oiço em casa e de exames nem me falem o que eu quero é uma reforma ampla e boa que não me obrigue a estudar até já ando a combinar cá com uns amigos uma reivindicação que é o ministro dar à gente o canudo logo à nascença montando um posto de entrega de canudos nas maternidades para poupar trabalho aos funcionários e para reduzir a burocracia que está cada vez pior sim porque não se entende esta exigência burocrática de a gente ter de se inscrever em escolas a que não vai para fazer exames que não faz e passar de ano quando a gente passa sem ter de fazer nada para isso neste país há a mania da burocracia.»

Luís Sttau Monteiro, in A Mosca, 22.06.1974.
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15.8.22

Grupo dos 50 e crise nas urgências

 



"É da Ministra da Saúde e da sua equipa a responsabilidade política pelas dificuldades atuais das urgências, bem como da competência das administrações hospitalares por si nomeadas e pelos conselhos diretivos das ARS o planeamento e gestão dos recursos humanos existentes e a aprovação das escalas de urgência das várias especialidades e das várias Instituições com serviço de urgência aberto ao público".

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René Magritte

 

L’idée, 1966

Partiu há 55 anos.

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Entretanto no Afeganistão

 


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A tola fidelidade ao SNS

 


«Acredito que nos deixámos manietar. Distraídos do que nos rodeava, demasiado absortos na nossa bolha de altruísmo e sem tempo para dedicar à lana caprina. Permitimos que a nossa célebre vocação fosse despudoradamente instrumentalizada, enquanto vícios menos altruístas se instalavam. E que o nosso atrasado protesto seja agora subvertido, acusando-nos de mercenarismo e encenando fait-divers que desviam a opinião pública dos gravíssimos problemas estruturais que nos farão ruir. Mas a nossa atual indignação materializa talvez a vergonha que sentimos de nós mesmos, da nossa própria passividade e resignação, que nos fizeram chegar a tal ponto.

Éramos garotos precoces, mas já comprometidos, quando escutámos o coração e seguimos este rumo. Longe de anteciparmos o perpétuo boicote à nossa serenidade. Somos hoje reféns dessa decisão, corroídos pela frustração e dobrados sobre nós mesmos, com dores que talvez não passem de somatizações pelo cansaço e pelos conflitos que mantemos connosco. Deixámo-nos desvalorizar, apesar da excelência do nosso préstimo. E ataca-nos o amor-próprio, este sentimento de vítimas afeiçoadas ao agressor. Aborrece-nos quando a sopa vem fria para a mesa ou quando o crime prescreve, enquanto alguém se desvia, de fininho. Se nós falharmos, talvez a vida de alguém termine. Foi a cruz que escolhemos. Mas se nos tomam por garantida a vocação e nos sugerem resiliência, desconhecendo que ela nos é inata, sentimo-nos profundamente insultados.

Vejo-nos num barco que navega em águas revoltas e cujo barqueiro nos trata como carga. Os que vão tombando são mera comida para peixes. Outrora sagrada, a fidelidade ao SNS é hoje tola e profanada pelo pressionante convite à emigração ou à exclusividade privada. Se a mão que nos sacramentou é a mesma que nos aponta agora a saída, é quase deselegante permanecermos.

Aos colegas que puderam estender toalhas em tempo devido, não pretendemos competir por lugares ao sol. Seria agradável que se juntassem a nós. Como grupo de pares, sejamos solidários e recíprocos. O desabafo dentro de portas faz-nos bem, nas breves pausas para café. Mas alguma porta teremos de abrir. Porque tendemos a espernear um pouco, a arrotar um ou dois impropérios, mas logo corremos a trabalhar mais.

As pessoas merecem saber que quem as trata também adoece. E que a confiança inabalável que em nós depositam, nas horas de angústia apertada, se defrauda nas nossas noites por dormir. Somos médicos e enfermeiros que não descansam e quase não veem as famílias. Autómatos com mau aspeto, que fumam demasiado e se alimentam das máquinas de café. Ao final do dia, dói-nos o corpo e a alma. Os danos colaterais seremos nós, a estabilidade do nosso casamento e dos nossos filhos. Recordo a ingenuidade daqueles anos de suor e lágrimas, alheados do dinheiro enquanto assunto. Sairíamos de casa, pela fresca e bem dormidos, de forma a cuidarmos dos outros. E regressaríamos, pela tardinha, a tempo de cuidar dos nossos. Falemos um pouco sobre o divórcio na classe médica. Conversemos sobre saúde mental.

Cansado e ambivalente, assisto aos longos debates sobre o trabalho extra. Abordemos o descanso e as repercussões da sua falta na nossa estabilidade e desempenho. Na acuidade dos nossos reflexos e decisões que poderão revelar-se determinantes na vida de alguém. As horas de trabalho extra retiram demasiado de nós. Se podemos mudar de vida? As renúncias ao que poderíamos ter sido ditaram-nos o percurso, o investimento na Medicina esvaziou-nos o fôlego. Pessoalmente, a Psiquiatria da Infância e da Adolescência como que me define a identidade. Abandoná-la seria abandonar-me e não posso amputar-me de tal forma. Que não mo faça a doença ou a perda do que tomo por seguro. Porque aí, seguramente, a vida que eu escolhi atraiçoou-me.

Como médico de saúde mental, numa conjuntura de insalubridade e patologia estrutural, sinto-me a soprar contra o vento. Nesta área de entrelace com a sociedade e com a cultura, de fronteiras cada vez mais esbatidas entre o normal e o patológico, comparo-me ao amortecedor do carro velho, que resiste à estrada esburacada. E aceito este papel do pequeno David, agarrado à sua fisga. Sabendo que posso tombar, porque o médico nem tempo tem para ir ao médico. E quando é bruto e mal-humorado, quando chega tarde ou desmarca em cima da hora, não tem gosto em fazê-lo. Talvez se debata com íntimos conflitos, refém de uma sequência de decisões que o assoberbaram. A família não lhe vale, porque não o vê.

Se estes médicos sucumbirem, sobrarão de nós os que legitimamente se dedicaram à exclusividade privada ou colocaram a sua formação de qualidade ao serviço do mundo, fora de portas. Em troca do proporcional e genuíno reconhecimento que lhes devolveu o amor-próprio e a serenidade.»

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14.8.22

14.08.1385 – A nossa Padeira

 


Conta a história ou a lenda, e para o caso pouco importa, que foi num 14 de Agosto que «uma mulher corpulenta, ossuda e feia, de nariz adunco, boca muito rasgada e cabelos crespos», com seis dedos em cada mão, Brites de Almeida de seu nome, pegou em armas e se juntou às tropas portuguesas que se fartaram de matar castelhanos. Veio a casa, despachou mais sete que encontrou escondidos no forno e fez-se de novo à estrada. Ah, valente!
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14.08.1936 – Os massacres de Badajoz

 


Em 12 de Agosto de 1936, as tropas nacionalistas começaram o assalto a Badajoz, naquela que foi a luta mais dura desde o início da Guerra Civil. Quando a cidade se rendeu, todos os que tinham resistido foram levados para a praça de touros, ou para as imediações do cemitério, para serem executados ─ no dia 14 de Agosto de 1936. Não se conhece exactamente o número de mortos, que varia, segundo as fontes, entre 2.000 e quase 4.000.






O governo português foi cúmplice das tropas nacionalistas, tanto deixando que alguns dos seus elementos penetrassem no nosso território em perseguição aos republicanos, como colocando alguns destes na fronteira do Caia, de onde foram levados para Badajoz e executados.
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Candidatura

 


Mais nenhum ministro precisa de contratar um consultor por 5 800/mês? Estou disponível e sei de tudo o que for preciso.
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Fernando Medina e Sérgio Figueiredo acham que os portugueses são parvos

 


«A ideia de que Sérgio Figueiredo convidou Fernando Medina para ser comentador da TVI por ser seu amigo até não me convence. É normal um director de informação de uma estação de televisão querer como comentador o presidente da Câmara de Lisboa e sucessor indigitado de António Costa (a propósito, alguém já convidou o Carlos Moedas?). Os comentários de políticos no activo ou fora dele dão audiências e, se assim não fosse, nenhuma televisão apostaria um tostão no modelo. Será uma idiossincrasia portuguesa? Talvez. Sendo Sérgio Figueiredo amigo ou não, a decisão de convidar Medina para comentar é uma opção normal de um homem com aquelas funções.

O que não é normal nem sério é Fernando Medina contratar o antigo jornalista, ex-director da TVI, ex-director do Diário Económico, cuja carreira foi feita apenas no campo da comunicação, para “consultor estratégico” com uma job description de morrer a rir: “Definição, implementação e acompanhamento de políticas públicas.” Por amor de Deus. O ministro das Finanças está a fazer de todos nós um bando de tontinhos, ao achar que a “definição” das políticas públicas vai ser feita por um antigo jornalista? Que eu saiba, é ao Governo, aos vários ministérios, que cabe essa definição e, de resto, a função pública portuguesa tem várias “comissões”, com especialistas com currículos pesados, para fazer esse trabalho. Há várias universidades com especialidade em políticas públicas. Então a “implementação” e a “monitorização” vai caber a um ex-jornalista? Com um contrato que não pode ser sujeito ao escrutínio público?

Suponho que, se estivéssemos em outro país que não Portugal, cairia o Carmo e a Trindade. Aqui quase nunca cai. Afinal, José Sócrates foi primeiro-ministro entre 2005 e 2011 e também ninguém no PS desconfiou de nada até ao dia da detenção… e mesmo assim... Nem sequer o jornalista Sérgio Figueiredo, que, palavras dele, “gostava” do antigo primeiro-ministro e nos seis anos em que José Sócrates governou manteve com ele uma “relação que se tornou pessoal”, como escreveu depois da detenção de Sócrates, estranhou alguma coisa.

O meu conselho a todos os jovens jornalistas, que para os velhos já não vale a pena: tenham poucos amigos. Mantenham a vossa liberdade e independência intactas. Não se envolvam emocionalmente com as pessoas sobre as quais têm que escrever. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, nas palavras imortais de Manuela Ferreira Leite. A amizade (como o amor) é cega e pelos vistos cegou Sérgio Figueiredo ao ponto de ele nunca ter desconfiado de nada e ter vivido a detenção de Sócrates com “angústia”.

O primeiro-ministro, ao dizer que não se mete no assunto e a lavar as mãos como Pilatos, dá o sinal de que no seu Governo cada um faz o que lhe apetece – qualquer ministro pode dar todos os “jobs” a todos os “boys” que sejam amigos, com os argumentos mais hilariantes, que ele não se importa um avo com o assunto. Se António Costa pensa de maneira diferente do que aqui estou a escrever, eu cá não percebi. Devia, pelo menos, ter sido mais explícito, como o foi no caso do despacho do aeroporto de Pedro Nuno Santos.

Como dizia João Bilhim, o antigo presidente da Cresap (Comissão para o Recrutamento e Selecção da Administração Pública), que tive o gosto de entrevistar esta semana, se Sérgio Figueiredo fosse contratado para assessor de imprensa era normal. Afinal, a vida dele foi “comunicar”. É natural que a imagem de Fernando Medina, que inesperadamente perdeu as eleições para a Câmara de Lisboa para Carlos Moedas em Setembro último, precise de um “boost” e que ache até que o assessor de imprensa que já contratou tem trabalho a mais e precise de outro. Mas não nos faça, a todos os portugueses e mesmo a alguns socialistas, passar por parvos.»

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