26.12.25

Não escolhemos os imigrantes, escolhemos a economia que os atrai

 


«A Itália chocou com a realidade que nos espera: sem imigração em massa, constante e planeada, o Estado Social não chega ao fim do século. A população italiana caiu para menos de 59 milhões e, mesmo com algum aumento da natalidade, cairá para 55 milhões em 2035, 49 milhões em 2050 e 28 milhões no final do século. A população ativa descerá de 62% para 52%, pondo em causa pensões, serviços públicos e crescimento económico. Precisa de 350 mil imigrantes líquidos por ano até 2035 e 480 mil até 2050. Contando com as saídas, seriam necessários 490 mil e 620 mil vistos anuais. No total: 13,5 milhões de novos imigrantes líquidos nos próximos 25 anos. Perante a evidência, um governo eleito para fechar portas começou a abrir as janelas. E o problema não é italiano: a Alemanha precisa de 400 mil imigrantes por ano, vários países do Leste vivem brutais crises demográficas, Espanha e Grécia enfrentam declínios difíceis de inverter, e Portugal, como sabemos, só cresce graças à imigração.

Sem imigração, a sustentabilidade da Segurança Social estaria gravemente posta em causa — como estará com a promoção, procurada nesta contrarreforma laboral, do trabalho não declarado. E sectores inteiros da economia e de assistência social fundamental deixariam de funcionar. A agricultura, a construção, a restauração, a hotelaria, a limpeza, os cuidados a idosos, a assistência domiciliária e vários serviços essenciais de apoio social dependem de mão de obra estrangeira. A imigração não é apenas um fator de crescimento, é uma condição de sustentabilidade do Estado Social. Há um argumento crítico a que sou sensível: usando uma linguagem marxista, a imigração poderia estar a cumprir a função de “exército industrial de reserva” para conter ou baixar salários. No entanto, grande parte da investigação disponível não mostra que ela tenha um impacto significativo sobre os salários. Os efeitos negativos tendem a ser muito limitados e localizados. A estagnação salarial resulta de fatores como a baixa produtividade, a fraca capacidade negocial do trabalho e a estrutura da economia. Isso combate-se com a legalização de imigrantes, negociação coletiva e modernização da economia. Os imigrantes tendem a concentrar-se em empregos que já eram mal pagos, precários ou rejeitados pelos trabalhadores nacionais. A imigração não cria esses salários, entra num mercado que já os produzia.

Tenho avisado para os riscos de uma visão exclusivamente utilitarista dos imigrantes. Mas andamos a fazer o debate ao contrário. O problema não é a imigração, é o modelo económico que a molda. Portugal continua a crescer apoiado em atividades de baixo valor acrescentado. A criação de emprego tem-se concentrado no turismo, na agricultura intensiva e sazonal, na construção, na logística e nos serviços urbanos de baixa remuneração. São sectores que absorvem muita mão de obra, mas têm produtividade reduzida, salários médios baixos e elevada rotatividade. No turismo e na agricultura, a sazonalidade e os contratos temporários são dominantes; na construção e na logística, a subcontratação e a instabilidade laboral são frequentes. Há criação de emprego, mas desqualificado e frágil. Este padrão corresponde a uma economia extrativista — extrai recursos naturais, como água e solo, pressiona infraestruturas públicas e baseia a sua competitividade em trabalho barato. Cria pouco capital humano duradouro, pouca inovação e fraco retorno para as comunidades.

Quem quer resolver o problema selecionando imigrantes qualificados inverte a ordem dos fatores. Da mesma forma que não bastou investir na qualificação para que as empresas se qualificassem, selecionar perfis de imigrantes não altera a estrutura da procura de trabalho. Os fluxos migratórios respondem às oportunidades disponíveis: tipo de emprego, salários, condições de trabalho, perspetivas de progressão e reconhecimento de qualificações. Numa economia que oferece, em grande escala, trabalho desqualificado e mal pago, mesmo quem chega com mais formação acabará no subemprego, desperdiçando competências, porque é isso que o mercado absorve. Recebemos imigração pouco qualificada e perdemos nacionais qualificados porque a nossa economia absorve mais os primeiros do que os segundos. A questão não é escolher melhor quem entra, é mudar o que o país oferece. Não se seleciona imigração no vazio: fazem-se opções económicas que determinarão quem quer vir. Uma economia mais qualificada, mais produtiva e mais enraizada cria melhor trabalho, integra melhor e atrai perfis mais qualificados.»


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