11.1.25

Não nos encostem à parede



 

Vida Justa no Facebook

O almirante tem mel?

 




Também podia ser assim

 


A democracia e a ignorância agressiva

 


«Numa viagem recente aos EUA, quando das eleições presidenciais, ainda me pude surpreender (pouco) com o facto de que gente ilustrada, com títulos académicos, cargos de responsabilidade em empresas, apoiante de Trump, não só aceitava como repetia as mais absurdas teorias conspirativas do próprio Trump, e dos seus propagandistas, como Robert F. Kennedy, muitos dos quais são hoje os indicados para o seu governo. Muitas destas teorias conspirativas tinham directa relação com as eleições e o conteúdo da campanha de Trump, como a história de que os imigrantes haitianos comiam os animais de companhia, ou que os democratas controlavam a meteorologia, mas as coisas iam muito mais longe, para as vacinas contra a poliomielite, e continuam na mais recente implicação de que o Hezbollah, através do FBI, tinha estado por trás do golpe de 6 de Janeiro. Uma das teorias mais absurdas associava o número de abortos num estado com as tempestades ou com outros flagelos naturais.

Como é possível? Não só é como se tornou um elemento essencial para se perceber o que se está a passar na crise da democracia. A segunda pergunta, é se isto é apenas americano ou se é também português? E a resposta é sim, também é português. Basta percorrer as redes sociais, como o X e o Facebook, e os comentários não moderados que pululam por todo o lado e percebe-se que os mesmos mecanismos estão em actuação por cá, sem a “criatividade” americana, mas com o mesmo papel, a mesma irracionalidade, o mesmo conteúdo anticientífico e… a mesma ignorância agressiva.

Ignorância é a palavra-chave, não a ignorância antiga, a que vinha do analfabetismo e da escassa escolaridade, e que tinha também uma variante a que hoje podíamos chamar conspirativa, e ligada com formas de religiosidade popular, mas era autoconsciente de que era ignorância e que isso era mau. Tinha também uma parte da sociedade e da política que fazia todos os esforços para a diminuir e combater. Por exemplo, os republicanos e de um modo geral a tradição iluminista combatia o que considerava o obscurantismo religioso. Um dos instrumentos era a “educação popular” ou em França a escola pública laica. Ou, numa outra dimensão, autodidatismo.

A nova ignorância tem características muito diferentes. Não se reconhece como ignorância, o que faz toda a diferença, e considera-se um saber, um saber perseguido, feito da “revelação” daquilo que os poderosos, os intelectuais, a elite, o deep state, não querem que as pessoas comuns saibam e por isso é anti-intelectual e anticientífica. É uma ignorância que assenta em “enganados” e por isso tem um forte componente agressivo, “nós” não queremos que “eles” saibam e “eles” sabem muito bem porquê, porque a elite, a “bolha” quer continuar a mandar “neles”.

O forte conteúdo social e político desta forma de ignorância agressiva é evidente, e o seu papel no populismo essencial. Ela dá a quem não tem poder nenhum a falsa ideia de que o tem, porque não precisa de ler um livro para o comentar, não precisa de um argumento racional basta-lhe um meme, ou algo que seja viral, não precisa de esforço nem atenção, basta-lhe a sensação de empoderamento que vem do insulto e da vingança, e com um telemóvel em frente está sempre distraída, não precisa do mundo, nem de ter “mundo”. E não precisa de amigos, precisa de likes.

O problema para a democracia, como aliás para todas as instituições de mediação, sejam as famílias, a escola, as velhas igrejas, os partidos, os sindicatos, a comunicação social, o debate público, a academia, é que muitos mecanismos tecnológicos com forte impacto social estimulam essa ignorância e dão-lhe não só plataformas, mas também modos de actuação e eficácia, sem paralelo no passado.

Registe-se que não penso que seja o computador, a internet, os telemóveis que “geram” esta forma de ignorância agressiva. As tecnologias actuam pelo modo como as sociedades as usam, e tudo o que se passa com a emergência desta ignorância tem raízes na sociedade, no modo da economia, naquilo que antigamente se chamava “luta de classes”, nos que ganham e nos que perdem. Porque, não se tenha dúvida nenhuma, que muitos dos efeitos do uso das tecnologias tem dono e intenção, porque uma das coisas que vem com este pacote da ignorância é uma enorme capacidade de manipulação. Como sabem os serviços de informação, as empresas de marketing e publicidade, todos os poderes que as sabem usar.

Entre todos os lubrificantes desta ignorância agressiva o primeiro é o deslumbramento tecnológico, a ideia de que basta saber meia dúzia de operações num telemóvel, fazer procuras rudimentares na rede, e ler e escrever mensagens mais ou menos guturais, para não precisar de comprar jornais, ver qualquer coisa que demore mais de uma meia dúzia de minutos, e isso significa ser “moderno”. O segundo lubrificante é um falso igualitarismo: eu não preciso saber nada sobre o tempo, para me pronunciar sobre as alterações climáticas.

A capacidade de distinguir entre a verdade e a mentira (seja lá o que for a verdade, mas ela existe como procura), desaparece numa selva que coloca a conspiração ao nível do saber e por isso faz com muita eficácia escravos públicos dos demagogos e privados dos que fazem os algoritmos ou “plantam” estrategicamente “informações” para alimentar a vossa fome de distração e de fúria, ou seja, entre Trump e Putin.»

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10.1.25

Tintim 96

 


Tintim apareceu pela primeira vez no suplemento juvenil Petit Vingtième do jornal belga Le Vingtieme Siecle (doze «caixas» em duas páginas), com Tintim envolvido numa aventura de ida à União Soviética, com partida de Berlim.


Depois, nasceu o mito que conhecemos, com o herói que alimentou a nossa imaginação e que acompanhou, e acompanha, multidões do mundo inteiro «dos 7 aos 77». Mais de 200 milhões de exemplares em 70 línguas diferentes.
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Como enganar os tolos

 


«Se querem saber como ficará grande parte do país se for para a frente a alteração profunda ao Regulamento Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, vulgo Lei dos solos, pensem no que era a Ericeira há 20 anos e no que é hoje. (...) Não sei que leis ou regulamentos permitiram tamanho deboche - ou, não o permitindo, como foram tão facilmente contornados. Mas se a alteração à Lei dos solos proposta pelo Governo da AD for por diante, este será, disso não tenho dúvidas, o futuro de todas as outras Ericeiras do país que ainda restam por esmagar. O pretexto é facultar à construção o acesso aos terrenos rústicos, incluindo em zonas de paisagem protegida, linhas de água e reserva agrícola, para, a “custos moderados”, construir habitação “acessível”. Um imenso barrete, desde logo nos seus pressupostos: “custos moderados”, diz a lei, são aqueles que não ultrapassem em mais de 125% o valor médio da habitação do concelho: ou seja, 25% a mais do que os custos especulativos já existentes. E, mesmo assim, tal só se aplicará a 70% das novas construções. Bastava isto para perceber que, mesmo que fosse possível controlar na prática as limitações, tal já seria um excelente negócio oferecido de bandeja à especulação imobiliária, sem qualquer garantia, antes pelo contrário, de que implicaria mais habitação ‘acessível’ à classe média e média-baixa: o Pai Natal já passou.»

Júlio Pomar

 


Chegaria hoje aos 99.

A discussão sobre segurança que a direita não quer ter

 


«Acho que se está a falar mais na segurança em Portugal nestes últimos meses desde que a AD é Governo e o Chega elegeu 50 deputados do que durante todos os anos de democracia. Entre "sensações", "percepções", aumento da criminalidade violenta denunciado por políticos, mas que não aparece nas estatísticas (está a polícia a mentir e a ocultar algo tão grave?), o assunto ocupa o espaço público, não porque exista uma mudança social, mas porque há uma mudança política.

Assisti ao debate sobre segurança que decorreu esta semana na Assembleia da República, a pedido do Chega, e à vergonhosa manifestação de André Ventura na Assembleia da República a apelar aos gritos a que se "encoste à parede" os "gandulos que destroem autocarros", os imigrantes ilegais, "pedófilos que atacam crianças", os que "roubam e destroem" – num objectivo apelo à pena de morte, como já aqui assinalou João Miguel Tavares. No que João Miguel Tavares erra é quando dá a entender no seu texto que as manifestações do Chega anti-imigração e as manifestações que visam combatê-lo são iguais.

Aliás, Tavares chama à manifestação "Não nos encostem à parede", organizada por pessoas de várias cores políticas mas onde o PS está representado em força, uma manifestação do "Bloco e Companhia".

Um dia gostava de apresentar ao João Miguel Tavares o Eurico Brilhante Dias, um socialista da ala direita do PS que já foi secretário de Estado da Internacionalização e que é um dos organizadores da manifestação "Não nos encostem à parede". Isto para ver se os nossos cronistas de direita perdem a obsessão de reduzirem qualquer manifestação anti-Chega a iniciativas do Bloco.

Fora do radar do debate sobre segurança está a segurança das mulheres (a menos que tenham sido vítimas de ataques de imigrantes não brancos).

Esta quinta-feira, no Barreiro, uma mulher de 46 anos foi assassinada com uma tesoura pelo marido (segundo a Judiciária) em frente aos dois filhos menores, de seis e 14 anos. O "sistema" já sabia de episódios de violência doméstica, mas a queixa da vítima contra o marido, em 2022, acabou arquivada.

No ano passado, foram assassinadas 25 mulheres, 20 das quais vítimas de violência de género – dentro da família. As mortes por violência de género, segundo o Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR, estão a aumentar.

A segurança das mulheres não está na agenda política porque não faz parte da agenda do Chega. Entre os milhões de pessoas que Ventura quer "encostar à parede" não estão os homens que assassinam as mães dos seus filhos, em frente a eles.

Que o resto da direita embarque na teoria de que existe um problema de segurança no país, omitindo deliberadamente o problema maior da segurança das mulheres, é um triste sinal.

Ah, o assassino era "um homem calmo". Foi o que disse na televisão quem o conhecia. São sempre. Na volta, ainda era "um português de bem".»

Ana Sá Lopes
Newsletter do Público, 09.01.2025

9.1.25

Erros meus...

 


09.01.1908 – Simone de Beauvoir

 


Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir chegaria hoje a uns improváveis 117 anos.

Tudo já foi escrito sobre esta escritora, intelectual, activista política e feminista, mas vale talvez a pena recordar o papel decisivo de uma das suas obras – Le Deuxième Sexe –, publicada em 1949. Esteve longe de ser um manifesto militante ou arauto de movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde, já que as mentalidades não estavam preparadas para a problemática da libertação da mulher tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

As reacções não se fizeram esperar, tanto à esquerda (onde o problema da mulher estava fora de todas as listas de prioridades), como, naturalmente, à direita. François Mauriac escreveu: «Nous avons littérairement atteint les limites de l’abject», Albert Camus acusou Beauvoir de «déshonorer le mâle français».

Para a compreensão e a consagração da obra foi decisivo o sucesso nos Estados Unidos, onde foi publicada em 1953. O movimento feminista, em que Betty Friedman e Kate Millet eram já referências, estava aí suficientemente avançado para a receber. Efeito boomerang: Le Deuxième Sexe «regressou» à Europa no fim da década de 50, com um outro estatuto, quase bíblico, e teve a partir de então uma longa época de glória.

Simone de Beauvoir nunca provocou grandes empatias e foi sempre objecto de discussões sem fim sobre a sua importância relativa quando comparada com a de Sartre. Mas, goste-se ou não, estava no centro do Olimpo que Paris era então – quando, no Café de Flore, toda a gente vivia envolta em fumo e Juliette Greco cantava «Il n’y a plus d’après».


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Gronelândia: Trump sabe isto tudo…

 


«Durante a Segunda Guerra Mundial, a Gronelândia se separou de fato, tanto social como economicamente, da Dinamarca, aproximando-se mais dos Estados Unidos e Canadá. Depois da guerra, o controle da ilha voltou à Dinamarca, retirando-se seu status colonial, e, apesar da Gronelândia continuar sendo parte do Reino da Dinamarca, é autónoma desde 1979. A ilha foi o primeiro território que deixou a União Europeia, se bem que possua o status de estado associado.» (Wikipédia)

Joan Baez, 84

 


Nasceu em 9 de Janeiro de 1941, cantou durante décadas em várias arenas, lembra-nos Wookstock, lutas pelos direitos dos negros, activismo contra a Guerra do Vietname, várias detenções como, por exemplo, em 1967 em Oakland, numa das dezenas de manifestações que tiveram lugar em cerca de 30 cidades dos Estados Unidos. 

Ficam, para nunca esquecermos, algumas das suas interpretações: 











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A submissão a Trump

 


«Ainda antes de tomar posse, Donald Trump anunciou que quer recuperar o Canal do Panamá, convida o Canadá a ser um estado dos EUA e exige que a Dinamarca lhe entregue a Gronelândia. Se Putin dissesse coisas como estas (dizem os seus apoiantes) estaríamos a reforçar as nossas defesas. Para quem pense ser mais um delírio, o filho fez uma visita ao território, porque gosta de natureza.

Claro que Trump não precisará de tropas. Há décadas que os gronelandeses pedem a sua independência e ela será provavelmente acelerada. Os independentistas são de esquerda – a deputada pró-independência no parlamento dinamarquês, Aaja Chemnitz, disse que a Gronelândia não é "uma peça no tabuleiro dos sonhos loucos de Trump" –, mas Trump tem instrumentos para persuadir as 56 mil almas que vivem num território militarmente estratégico, de passagem marítima preferencial com o degelo e com enorme quantidade de “terras raras” necessárias às tecnologias.

Quando o líder da maior potência do mundo ameaça intervir militarmente num território de um suposto aliado, membro da NATO, rimos. Porque tudo ainda nos parece demasiado irreal para não ser uma piada. Não é. Já o deveríamos ter percebido. O 6 de janeiro parecia impossível e aconteceu. Depois dele, este narcisista perigoso e eficaz conseguiu tudo o que queria. Nunca um político teve tanto poder. Vergou o partido republicano e tem o Senado e a Câmara de Representantes na mão, recebeu do Supremo que ele próprio moldou o salvo-conduto para a impunidade e tem ao seu lado, como aliados ou súbditos, a meia dúzia de homens que controla a forma como a esmagadora maioria do mundo se informa, a que se juntará a Inteligência Artificial. Foi ele que escreveu: “toda a gente quer ser minha amiga”.

A partir de uma tenebrosa história de abusos sexuais em massa de menores (que levantou questões em torno da comunidade de origem paquistanesa) no Reino Unido, desenterrada pela GBNews e Farage, Elon Musk conseguiu convencer milhões de pessoas que um escândalo com 14 anos tinha sido escondido dos mesmos que partilham manchetes com mais de uma década como se fossem de hoje e debatem um relatório de 2022 que só existe porque o caso não foi, de facto, escondido. O segredo não é apenas mentir, é ter o poder de manipular o timing e a agenda e fazer parecer novo o que é velho, obscuro o que era sabido, para provocar, 14 anos depois, os efeitos políticos que o presente não oferece.

O objetivo é fazer cair governos e dar força à extrema-direita. Como está a tentar no Reino Unido, na Alemanha e na Áustria e tentará em França. O problema não é Musk perguntar ao seu rebanho se os EUA devem libertar o Reino Unido da tirania. As suas opiniões desinformadas não são uma interferência na política britânica ou alemã porque, ao contrário de Trump, ele não é chefe de Estado. O problema é usar o algoritmo da rede que comprou para desenterrar o ódio no Reino Unido ou fazer crescer a AfD. O problema não é a sua palavra, é um poder opaco, insindicável e maior do que qualquer órgão de comunicação social que possa ser responsabilizado pelo que publica.

Falar de liberdade de expressão quando milionários determinam as regras de quem é ouvido ou atirado para a obscuridade das redes, usando o algoritmo para moldar o debate aos seus interesses comerciais, é não ter aprendido nada com a última década. Dirão: é o que a comunicação social faz. Acontece que, além das regras escritas, ela é criminalmente responsabilizável por tudo o que publica. Estas plataformas, fingindo serem meras distribuidoras, não o tem sido.

Se Musk foi à frente, os restantes têm de lhe seguir o caminho para terem os favores do poder, porque é dos seus negócios, não de liberdade, que tratam. Mark Zuckerberg pôs fim às já muitíssimo frágeis regras de moderação no Facebook e Instagram, copiando a rede X e assumindo, sem rodeios, que isto era consequência das últimas eleições. Para deixar clara a sua submissão, chamou para a administração da empresa Dana White, ex-pugilista que comprou a a liga MMA e que tem uma conhecida, forte e antiga ligação pessoal, empresarial e política a Trump. E há quem acredite que quem se verga de forma tão explícita e humilhante a um novo governo quer defender a liberdade. Quer tanto como Jeff Bezos, que ficou com os restos e se entretém a censurar o “The Washington Post”.

Numa situação económica precária, com a França e a Alemanha a consumirem-se em crises políticas e uma Comissão Europeia a quem quase ninguém reconhece autoridade democrática, o gigante com pés de barro em que vivemos está pronto a vergar-se perante o novo imperador.

Construímos uma submissão política, económica e militar a Washington que nos tem manietados. Não aguentaríamos uma guerra tarifária, amarrámo-nos aos interesses estratégicos e militares dos EUA, marginalizámos todos os que defenderam um caminho autónomo. E passámos os poderes nacionais para uma estrutura que nos diziam ser a única com escala para enfrentar este tipo de desafios, mas que, em troca dessa escala, não tem autoridade e capacidade para os enfrentar.

O MNE francês já veio dizer que, perante as investidas de Musk e companhia, “ou a Comissão Europeia aplica com a maior firmeza as leis para proteger o nosso espaço público ou terá de devolver aos Estados a capacidade para o fazer". Mas a extrema-direita já fez o seu ninho em Bruxelas e nos principais governos nacionais, mandando ou condicionando. Temo que seja tarde demais.»


8.1.25

Açúcar

 


Taça para açúcar “Juventa”, em metal banhado com prata. Cerca de 1905.
WMF Geislingen.

Daqui.

Musk, muito mais do que um troll

 




08.01.1969 – Primeira «Conversa em Família» de Marcelo Caetano

 


Há 56 anos, Marcelo Caetano dirigiu a primeira das dezasseis «Conversas» ao país.

Não é por saudosismo, mas para memória histórica, que deixo aqui os vídeos da primeira e da última «Conversa». Esta teve lugar em 28.03.1974, já depois do golpe falhado das Caldas. Ele não sabia – e nós também não – que nunca mais teríamos aqueles cinzentos e sinistros serões na sua companhia.





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Marcelo pergunta aos conselheiros se precisa de conselhos

 


«Depois de tomar conta das televisões, continuando a ter mais tempo de antena do que o verdadeiro líder da oposição; das redes sociais, onde os algoritmos de Musk e companhia favorecem a extrema-direita; e do Parlamento, onde Aguiar-Branco deixa que mande quem grita mais alto, André Ventura decidiu passar à conquista da Presidência da República.

Não, não estou a falar das suas candidaturas a tudo a que se possa concorrer, porque lidera um partido onde só ele está autorizado a pensar porque, em abono da verdade, é dos poucos que o consegue fazer. Estou a falar da tentativa de ser ele a marcar reuniões do Conselho de Estado. Sobre segurança, claro. Seria só mais um número de Ventura se o Presidente da Repúblicas não tivesse contribuído, de forma inédita, para que o circo continuasse para lá do dia em que a coisa foi proposta.

É sintomático do desnorte perante os jogos de Ventura que Marcelo Rebelo de Sousa não tivesse fechado o tema no próprio dia, respondendo que ele é ele que, fora das exigências constitucionais, decide quando se convoca o Conselho de Estado. Como o conselheiro de Estado Marques Mendes defendeu, aliás.

Devia ter fechado, porque nenhum dado estatístico justificaria uma reunião do Conselho de Estado sobre este tema. Nunca houve um Conselho de Estado sobre a habitação, provavelmente o problema mais grave que o país atravessa. Nunca houve um Conselho de Estado sobre violência doméstica, o problema mais grave de segurança em Portugal. Porque havia de haver um Conselho de Estado sobre segurança? Porque há um partido que tem um produto para vender (o medo que garante o voto irracional), precisa de criar mercado para esse produto e procura transformar todo o espaço público numa montra para o seu comércio? Tem conseguido. Há um mês que falamos de segurança e imigração, que nunca foram os assuntos que mais preocuparam os portugueses.

Devia ter fechado, porque se o Presidente da República não marca debates de emergência na Assembleia da República, os deputados não marcam reuniões do Conselho de Estado, mesmo que sejam conselheiros. Se André Ventura acha que esta é uma boa ideia, tem um lugar onde a propor, já que é conselheiro: no próximo Conselho de Estado. O próximo é já no dia 17, por causa da Madeira. E aí propunha e aí teria a opinião dos conselheiros e a resposta do Presidente.

Mas isto é se vivêssemos tempos normais. Não vivemos e, por isso, o Presidente da República inverteu a ordem dos poderes e decidiu consultar os conselheiros para saber se querem reunir para o aconselhar – é mesmo essa a função do órgão. Porque não se limitou a responder, por decisão sua, como era seu dever? Tem medo de assumir a sua posição? Tem medo, como sempre teve, da impopularidade? De se comprometer?

Com esta consulta estapafúrdia, é o Presidente da República a diminuir, mais uma vez, o cargo que ocupa. O preço deste pecado recorrente tem sido pago pela incapacidade de usar o poder que tem. De pouco vale pedir respeito do governo quando não se dá ele próprio ao respeito.

O problema é que Marcelo Rebelo de Sousa transformou as reuniões do Conselho de Estado em tertúlias, onde os conselheiros vão ouvir convidados em vez do Presidente ir ouvir os conselheiros. Ou numa oportunidade para criar factos políticos sem qualquer consequência. É um problema mais geral desta Presidência: a informalidade de tudo. Ela tem vantagens, como uma maior proximidade do Presidente aos cidadãos, especialmente importante quando sentem a política e o Estado como coisas distantes. E desvantagens, como a desinstitucionalização da política no preciso momento em que a extrema-direita tenta fragilizar as instituições. Nisto, o legado de Marcelo será trágico.»


Temos de ter uma conversa (1)

 




7.1.25

Transparência

 


Vaso “La Carpe”, vidro lunar soprado e esmaltado, 1876. Exposição Universal de 1878, Musée des Arts Decoratifs, Paris.
Émile Gallé.

Daqui.

O presidente Elon Musk

 


«De resto, a influência política do homem mais rico do globo já extravasou as fronteiras norte-americanas e chegou a solo europeu. Musk declarou o apoio à extrema-direita alemã, na forma de um artigo de opinião num jornal conservador germânico. E está a minar a política britânica, com repetidas acusações ao Governo e apelos à libertação de um ativista de extrema-direita. No meio de tanto ruído, não é fácil perceber se a “guerra” que Musk está a declarar à Europa tem o patrocínio de Trump ou se, em oposição, os impulsos do génio da tecnologia são a tradução de que age sem freio institucional. E é nessa incógnita que reside a maior inquietação. “Trump is a little guy, and Musk is a big guy”, ilustrou, a esse propósito, o historiador Timothy Snyder, referindo-se ao facto de o primeiro ser incapaz de pagar as suas dívidas e de o segundo ficar enfadado com a sua fortuna. No fundo, de como o verdadeiro detentor do poder não é o mais óbvio. Se olharmos apenas para a marioneta não reparamos no manobrador da marioneta.»

Montenegro e a obsessão da insegurança

 


Via «Vida Justa» no Facebook.


Como podemos obrigar Portugal a exigir o fim do genocídio em Gaza?

 


«Sem comida.
Sem água potável.
Sem escolas.
Sem aquecimento.
Sem privacidade.
Sem cuidados de saúde.
Sem electricidade.
Sem abrigo seguro.
Sem jornalistas para testemunhar.
Sem moralidade…

Há 15 meses que é esta a realidade em Gaza e a culpa é do regime israelita, de quem o apoia e de quem é seu cúmplice, como Portugal é. Portugal condenou o Hamas, e bem, mostrou-se solidário com as mortes de israelitas inocentes, e bem, mas nada diz sobre Israel, e nada fez, nem uma bandeira pelas dezenas de milhares de mortos palestinos civis, entre 45 a 200 vezes em maior número do lado palestiniano, o que faz de nós, portugueses, cruéis, desumanos e xenófobos. Porque umas vidas contam, mas outras não, para o Estado Português.

“A forma como o governo israelita está a usar a memória do Holocausto, para justificar aquilo que estão a fazer aos palestinianos é um completo insulto para a memória do Holocausto e é repugnante. Quando eu vi o embaixador israelita das Nações Unidas colocar uma estrela amarela (ao peito) causou voltas ao estômago, para alguém, como eu e a minha família inteira, que teve que usar uma, isso é insultuoso. Aquilo que distingue o Holocausto judeu é a sua escala industrial, e os métodos industriais que foram usados. E aquilo que está a acontecer em Gaza é semelhante em termos de escala, dos bombardeamentos, e a forma indiscriminada dos bombardeamentos, e o total desprezo por crianças e mulheres, que são a maioria das vítimas, o que evidencia a escala industrial do genocídio.” Isto foi dito por Stephen Kapos, de 87 anos, judeu, um dos muitos sobreviventes do Holocausto que são peremptórios a afirmar “O genocídio em Gaza não está a acontecer em meu nome”, assim como incontáveis grupos de judeus já o afirmaram pelo mundo fora.

Mas o que me deixa absolutamente perplexo, triste, revoltado e envergonhado é que os meus representantes no Governo e na Presidência da República estão a fazer com que eu e mais 11 milhões de portugueses sejamos cúmplices de crimes, como p.e. matar crianças à fome, como arma de guerra. Eu não quero ser cúmplice, diria que a maioria dos portugueses, da esquerda à direita, que têm uma opinião sobre o assunto não querem ser cúmplices do crime mais horrendo da humanidade, e continuam a sê-lo por falta de coragem, falta de moral, e falta de vergonha de, pelo menos, Presidente da República, primeiro-ministro e ministro de Negócios Estrangeiros. E para que percebam que para mim não há qualquer “partidarite”, à excepção do primeiro, os outros foram, entretanto, substituídos, eram do PS e agora são do PSD, e nenhum teve coragem para fazer o que se impõe, legal e moralmente, e as consequências para o povo palestiniano e para a toda a humanidade serão eternas e gravíssimas.

Segundo as Nações Unidas, todos os Estados, ratifiquem ou não a Convenção de Genocídio, são obrigados por conclusão do Tribunal Criminal Internacional a evitar que um genocídio ocorra, mesmo fora do seu território nacional. Portanto, Portugal tem a obrigação legal de evitar um genocídio... e nada faz.

Porque é que Portugal despreza então o direito internacional? É esta a mensagem que o Estado passa aos portugueses, de que a lei só é para ser cumprida quando é conveniente?

Acho que é a primeira vez que escrevo um texto em que pergunto na esperança de que me ajudem a encontrar as respostas: como é que podemos obrigar Portugal a exigir o fim do genocídio em Gaza?

E não digam que somos pequenos e que não depende de nós, porque é mentira. Depende de todos, e cada pessoa e cada país tem de fazer o que está ao seu alcance.

É sem qualquer ironia que afirmo que sindicatos, greves e protestos na rua, de professores, polícias, enfermeiros, colectores do lixo (como agora em Lisboa), etc. sejam temas mais importantes para a maioria dos portugueses, e que com estas acções de luta consigam obrigar quem os representa a mudar ou moldar o seu posicionamento sobre determinada reivindicação. Mas, quanto aos direitos humanos, que eu sei que “todos” concordam serem prioritários, como base de uma sociedade, base da humanidade, como é que se obriga quem nos representa a não nos tornar cúmplices do extermínio de crianças, numa carnificina indiscriminada sem precedentes?

É com mais protestos na rua?
É com greves de fome?
É com cartoons com a cara de Paulo Rangel ou Marcelo com bigode à Hitler?
Mais arte de intervenção para acordar as pessoas anestesiadas com futilidades?
Há algum sindicato de direitos humanos?
Há alguma greve que possamos fazer?
Como? Como? Como? Como se acaba de imediato com a nossa cumplicidade?

Bastava duas tomadas de posição nada radicais ou extremadas:
. Reconhecer ou mostrar intenção de reconhecer o Estado da Palestina (como Espanha, Irlanda, Eslovénia e Noruega já fizeram, e mais de 140 países fora do “Ocidente”).
. Condenar Israel e Netanyahu pelos crimes contra a humanidade mais do que documentados e comprovados. Mesmo que deixemos de lado a palavra “genocídio” enquanto o TCI avalia se este crime se comprova ou não.

Porque, em termos de organizações nacionais e internacionais que representam os direitos humanos e o direito internacional, todas, sem excepção, estão a condenar os crimes de guerra cometidos por Israel, assim como os crimes contra a humanidade, do qual o genocídio é o mais grave. ONU, Amnistia Internacional, Comité Internacional da Cruz Vermelha, todas as ONG que estão no terreno, Human Rights Watch, até o Tribunal Criminal Internacional, que embora ainda esteja a apreciar o caso já afirmou que Israel tem que terminar com o seu comportamento genocida, e até o Papa Francisco já o fizeram. Porque é que o Estado português é cúmplice e conivente com o governo israelita? Todos sabemos a resposta: interesses económicos e hipocrisia da real politik fazem com que o medo seja mais forte do que o humanismo.

Senhores que nos governam, por favor, tenham decência e tenham coragem, porque o dinheiro não se respira, não se bebe e não se come, e condenem Israel, porque, se nos calarmos em relação ao sofrimento de um povo para não ferir relações com um Estado governado por um dos maiores criminosos da história contemporânea, um dia alguém nos vai fazer o mesmo, e vamos sofrer no futuro a culpa da imoralidade do presente. Israel é um Estado criminoso, fundado no sionismo que vai contra os direitos humanos, aplica um regime de apartheid bem comprovado e desde há 15 meses mostra ao mundo o que é o seu plano de uma forma por demais evidente: eliminar ou expulsar o povo palestiniano da terra que sempre foi Palestina, e é reconhecida pela ONU como sendo Palestina.

Neste momento, é uma vergonha ser português, pela imoralidade e cobardia de quem nos representa, porque todos os dias Israel assassina em média 41 crianças há 15 meses, e Portugal aceita isto com o silêncio de um assassino em série sociopata.

Em Portugal o silêncio é ensurdecedor. Porque é que o povo português não reage? Porque é que as grandes figuras públicas não dizem nada sobre um genocídio? E acima de tudo: como podemos obrigar Portugal a exigir o fim do genocídio em Gaza?

Numa democracia, tal como em Portugal, os políticos eleitos são os nossos líderes e representantes, mas, mais do que líderes, os políticos são seguidores das nossas vontades enquanto povo, na sua maioria. E nós portugueses, temos de lhes mostrar que a nossa vontade é ser moral e legalmente correctos e que não queremos ser, nem um pouco, cúmplices da carnificina dos israelitas que vitima palestinianos, libaneses, sírios e não só.

Israel, neste momento, é um Estado-pária e Portugal vai ficar para a história como cúmplice.»


6.1.25

Comam Bolo-Rei

 


Comam Bolo-Rei, republicanos, comam Bolo-Rei!

Carta à República

 



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Para as agendas: 11.01.2025

 


O “entorse” da lei dos solos é a via verde para a corrupção

 


«Num dos primeiros episódios de “The West Wing” – ainda hoje a melhor série sobre política, logo depois de “Baron Noir” –, os responsáveis pela comunicação do presidente explicam como instituíram o “dia para deitar o lixo fora”. Agregam todas as notícias potencialmente nocivas para a sexta-feira, para serem publicadas ao sábado, “quando ninguém lê jornais”. O governo de Montenegro não terá o “dia do lixo”, mas a época festiva do natal e ano novo foi a oportunidade para apanhar o País menos atento. Temos, por isso, de ir revendo essa semana. Depois da nomeação Hélder Rosalino, já abortada, falta o novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial.

A alteração feita na lei permite a conversão expedita da classificação de solo rústico para solo urbano, onde se pode construir habitação. A medida já existia e fazia parte do simplex urbanístico aplicado pelo anterior governo, mas Montenegro alterou duas alíneas que fazem toda a diferença. A primeira é que a conversão só se aplicava à construção pública e passa a valer para tudo; a segunda é que tinha de ser em terrenos contíguos a áreas urbanas e a exigência passa a ser muito mais difusa. A primeira distinção abre uma autêntica via verde para a corrupção nas autarquias, a segunda alimenta o caos no já caótico ordenamento territorial. Note-se que as classificações dos solos não são eternas. Podem ser mudadas em PDM, com exigências de rigor e escrutínio bem maiores do que uma simples reunião de Câmara Municipal ou da Assembleia Municipal.

A valorização de um terreno rústico para um terreno urbanizável pode facilmente ser de trinta ou cinquenta vezes. Um terreno rústico sem licença de construção que valha 50 mil euros pode passar a valer, de um dia para o outro, com uma simples alteração numa reunião ordinária de Assembleia e Câmara Municipais, perto de milhão de euros. Basta uma breve consulta pelos terrenos em Alenquer, a poucas dezenas de quilómetros de Lisboa, para o confirmar. Escolho Alenquer porque é uma das autarquias (com gestão PS), que já veio defender a alteração legislativa.

Não é preciso acreditar em teorias da conspiração ou achar que todos os políticos são corruptos (nunca o achei) para perceber as expectativas criadas e antever pressões sobre os autarcas com a possibilidade de valorização súbita dos terrenos rústicos para fins imobiliários. O valor astronómico de um simples telefonema será a ocasião que inevitavelmente fará o ladrão. Incluindo os que vão comprar terrenos rústicos com essa expectativa. Simplificar essa reconversão facilitará estas ocasiões. Até porque temos um sistema perverso de financiamento autárquico que beneficia quem autorizar construção. Quanto mais e mais cara melhor para os cofres das câmaras.

CASTRO ALMEIDA SABE O QUE FEZ

A justificação do diploma indica que “a maior disponibilidade de terrenos facilitará a criação de soluções habitacionais que atendam aos critérios de custos controlados e venda a preços acessíveis”. Não por acaso, o Governo dispensa-se de exigir que as câmaras comprovem a inexistência no seu território de terrenos urbanizáveis, o que devia ser evidente para uma alteração que possibilita a construção em terrenos de Reserva Agrícola Nacional e até de Reserva Ecológica Nacional. O Governo não apresenta um número ou dado que comprove a falta de terrenos para construção. E não o faz porque não há falta de terrenos para construção em Portugal. Num país com dez milhões de habitantes, os Planos Directores Municipais têm previstos terrenos urbanizáveis com capacidade para 40 milhões de pessoas.

Resta o argumento do embaratecimento da construção. O Governo exige que 70% das casas sejam colocadas a “preços moderados”. Só que, no ponto 8 do artigo 72.ºB, “habitação de valor moderado” é a que não excede “125% do valor da mediana de preço de venda por metro quadrado de habitação para o concelho da localização do imóvel”. Ou seja, casas 25% mais caras do que as que são vendidas num mercado livre bastante aquecido são a definição de “preço moderado”. E os restantes 30% podem ser vendidos ainda mais caros. O governo permite às câmaras aceitarem a construção em área protegida para contribuírem para o aumento de preços. No meio, há quem veja os seus terrenos valorizarem-se em dezenas de vezes. É uma festa.

As cautelas semânticas e os dados escolhidos a dedo pelo ministro Castro Almeida provam que tudo isto foi deliberado e consciente. Num artigo publicado recentemente, o ministro fala várias vezes de preços “moderados”, mas nunca diz como lá chega. Em vez disso, usa os valores absolutos a que se poderá vender o metro quadrado em alguns concelhos: “A título de exemplo, o preço máximo em Braga será 1988€/m2, em Santarém 1661€ e em Évora 2328€. Manifestamente é uma lei anti-especulativa”. Indo ver os dados do INE para o segundo trimestre de 2024, em Braga, ficamos a saber que o metros quadrados foi vendido a 1631 euros e não os 1988 que a nova lei permite.

MOREIRA DA SILVA EXPLICA

Resta a segunda restrição abolida pelo Governo: a exigência que estes novos terrenos rústicos a urbanizar fossem contíguos ao perímetro urbano. O novo diploma defende apenas a “consolidação e a coerência da urbanização a desenvolver com a área urbana existente”. O carácter contíguo dos terrenos é um critério objetivo, a coerência e consolidação da nova organização é subjetivo e manipulável. Ao acabar com essa limitação, permite-se a construção em áreas protegidas e a dispersão quase ilimitada dos perímetros urbanos.

Tudo ao contrário da densificação urbana necessária, dificultando a gestão de áreas vitais como saneamento, aumentando exponencialmente os custos de manutenção das infraestruturas, atirando as pessoas para horas intermináveis nos movimentos pendulares casa trabalho. Ao dispersar as pessoas pelo território limita-se, ainda mais, a capacidade de resposta dos transportes públicos, aumentando ainda mais dependência do automóvel na deslocação para o trabalho. É o modelo Los Angeles.

Esta modificação vai no sentido oposto aos propósitos certeiros da “Lei dos Solos”, aprovada pelo PSD em 2013, que limitava os instrumentos para a sua correta aplicação. A explicação de Moreira da Silva, na apresentação da lei, clarifica o que estava em causa e agora se perde: “O foco do desenvolvimento do território estará na regeneração dos aglomerados urbanos já existentes. São regulamentados novos instrumentos de gestão do território e assegura-se que a expansão urbana apenas ocorrerá quando o aglomerado urbano se encontre esgotado face a novas necessidades”.

O ENTORSE DO PR, O SILÊNCIO DO PS E DO CHEGA

Nos termos em que promulgou o diploma, no dia 26 de dezembro, foi o próprio Presidente da República que ligou as sirenes, dizendo que a alteração cria “um entorse significativo em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território” e que apenas passa o crivo de Belém por causa da “urgência no uso dos fundos europeus”. Não sei se é mais extraordinário o Presidente colocar a sua assinatura num “entorse significativo” ao ordenamento do território, se justifica-lo com a urgência de ter casas prontas em 2026 com diploma que interfere apenas com a aquisição de terrenos para construção.

Há muito tempo que estão identificados os projetos para as 26 mil casas construídas ou a reabilitar pelo PRR. O Presidente da República insulta a inteligência dos portugueses se acha que alguém acredita que, em dois anos, se faz o projeto de arquitetura e o de especialidades, se lança concurso público de empreitada e ainda se constrói um prédio que seja. Não há uma única casa que esteja pronta em 2026 se, menos de dois anos antes, ainda nem tem terreno. Os fundos europeus começam a ter as costas largas para tantos atalhos.

Bloco, Livre, PCP e PAN pediram a apreciação parlamentar do Decreto-Lei, para obrigar à sua discussão, votação e possível chumbo pelos deputados. Tirando os partidos do governo e uma IL que é contra todas as formas de regulação, destacam-se duas ausências nesta lista: o Chega e o PS.

O Chega, partido que vê corrupção em todo o lado menos quando é atropelado por ela, depende do financiamento de vários promotores imobiliários que neste momento esfregam as mãos de contentamento. Não ouviremos uma palavra sua. Nunca ouvimos, quando se fala de risco real de corrupção.

Mas o PS também está calado, apesar das objeções de Helena Roseta e de todos os partidos à sua esquerda. Depois das hesitações, no episódio Ricardo Leão, começa a ficar a sensação que os autarcas, ansiosos por participar na festa que financia as autarquias, mandam no partido. Veremos se se confirma que o PS se prepara para fazer em autarquias com maior pressão especulativa o que fez em Lisboa: alimentar o monstro que expulsará das cidades os seus próprios eleitores. Quanto ao País, ganha zero com esta mudança.»


2025 -- Ano quadrado

 


5.1.25

Adeus alfabetos?

 


Malangatana

 


Morreu num 5 de Janeiro, deixou de estar por aí há catorze anos.

Foi o grande pintor que Moçambique não esquecerá, para mim também o amigo com quem vivi momentos inesquecíveis, nuns tempos que passou em Lisboa já lá vão mais de 50 anos. Pintou e ofereceu-me este auto-retrato que tenho aqui à minha frente – uma relíquia.

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Luiz Pacheco

 


Chegaria este ano aos 100 anos, mas morreu em 5 de Janeiro de 2008. Se ainda por cá andasse, Luiz Pacheco seria certamente tão irreverente como sempre foi. 

Para compreender melhor a sua pessoa e a sua obra, a leitura de «Puta que os pariu! – A biografia de Luiz Pacheco», de João Pedro George, é absolutamente obrigatória.


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A caminho de Belém

 


«Um militar sem pensamento político, um político sem uma ideia decente, uma comentadora sem nexo. Portugal vai escolher um novo presidente da República no próximo ano e os primeiros sinais não auguram nada de bom. Por este caminho, talvez não falte muito para sentirmos saudades de Marcelo Rebelo de Sousa. Que o tempo e a ponderação permitam que das fileiras do Partido Socialista ou do Partido Social Democrata avancem personalidades com decência, carisma e capacidade de entender o momento político decisivo que o país e o Mundo atravessam, porque o risco de acompanharmos a deriva populista e securitária presente noutras latitudes é real. Se pensarmos que tivemos em Belém inquilinos como Mário Soares ou Jorge Sampaio, percebemos o drama que seria escolher entre Gouveia e Melo, André Ventura ou Joana Amaral Dias. Bem sei que esta última servirá apenas para animar os debates, mas os dois primeiros não aparecem por acaso. Se a Direita não encontrar um candidato forte e mobilizador, Ventura poderá mesmo aspirar a uma segunda volta, naquilo que seria uma tragédia para a democracia portuguesa, atendendo ao discurso racista e xenófobo que teima em usar, amassando direitos fundamentais da Constituição. As eleições presidenciais não contemplam candidaturas partidárias, mas a conjuntura exige que os maiores partidos, PS e PSD, as encarem como um momento decisivo para afirmação de valores que custaram muito a conquistar. O tempo dos militares foi importante e passou, agora é necessário, com a mesma firmeza e tranquilidade, montar o cerco ao populismo e lançar candidaturas de mulheres e homens com pensamento político, democrático e obra feita.»