13.8.22

Imigrantes indispensáveis

 


(El País, 13.08.2022)

E o mesmo aconteceria em grande parte da Europa, Portugal incluído.
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13.08.1961 – O dia em que nasceu um Muro em Berlim







Este começou a ser construído há 61 anos e durou 28. Muros não nos faltam hoje, não são feitos com tijolos e não sabemos quanto tempo durarão.




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Indo ele a caminho de Viseu

 



Guiou e foi entrevistado durante quatro horas (sim, quatro, com duas breves paragens, a TVI e a CNN ainda vão mostrar mais do aquilo que já foi emitido), chegou ao destino e discursou. Oiçam-no, que vale a pena, e digam se isto não vos fez recordar alguém, aliás um meritíssimo antecessor:

«É a quinta vez que venho como presidente da República, mas é a primeira que venho à inauguração. É a décima nona vez que venho à Feira de S. Mateus.»
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Todo o investimento é bem-vindo?

 


«No debate político e económico, quando se discutem pressupostos indispensáveis para o "crescimento" e o "desenvolvimento", convoca-se a necessidade de investimento. E é muito comum formar-se o consenso em torno da ideia de que todo o investimento estrangeiro é bem-vindo. Não! Isso não é verdade, nem para o investimento estrangeiro nem para o nacional.

Os investimentos são bons ou maus em função do que deles resultar a favor de toda a população, das condições estruturais que ficam para o desenvolvimento do país, da qualificação e fixação de "recursos humanos" que cada investimento pode gerar. Um negócio pode ser vantajoso para quem nele intervém, mesmo que seja o Estado (os poderes que o representam), e prejudicial para o povo e o país.

Portugal está prisioneiro de um baixo perfil de especialização da sua economia, num contexto marcado por uma inflação galopante e por mudanças geopolíticas que acentuam pressões dos países poderosos sobre os outros. Investimentos especulativos, ou em atividades de baixo potencial de melhoria de produtividade acabarão por tolher a nossa capacidade de mudança de rumo. O emprego até pode crescer de forma passageira, mas fixam-se os baixos salários, desperdiça-se o investimento já realizado na educação e na formação dos mais jovens, acentuam-se desigualdades, alastra a pobreza. É esta a realidade que estamos a viver.

Vejamos o que se passa com o turismo, a hotelaria, a restauração e o imobiliário (com impactos nas políticas de habitação) onde temos hoje negócio a rodos, mas contradições gritantes a gerarem impactos negativos no nosso futuro coletivo: o emprego e os salários não evoluem; as condições de acesso à habitação empurram as pessoas para longe dos seus locais de trabalho e de estruturas de apoio social, agravando encargos; os preços da restauração são para turistas, que não é a nossa condição do dia a dia.

Interroguemo-nos sobre os verdadeiros efeitos dos vistos gold, apresentados como instrumento de atração de investimento para dinamizar a economia e criar emprego. Entrou muita gente indesejada com condutas suspeitas - em Portugal como na União Europeia os indesejados são as populações que fogem da guerra e da miséria. Tudo indica que estamos perante um lamaçal de negociatas promíscuas, não houve criação de emprego, a fuga aos impostos presume-se elevada e este processo contribui para a especulação imobiliária.

Há que analisar com muita atenção o tipo de investimentos de que necessitamos e as condições em que eles nos podem ser vantajosos na recuperação de indústrias e em setores estratégicos como a gestão da água, os recursos dos oceanos, as atividades de resposta aos bloqueios climáticos e ambientais.

A nossa localização geográfica não nos permite produções agrícolas com elevados consumos de água, nitratos e pesticidas. Contudo, é essa a via seguida no investimento na agricultura. Cada "crise" serve para excluir mais agricultores e produções que podiam construir vias alternativas.

Vamos para a exploração do lítio, a produção de hidrogénio, a identificação e desenvolvimento dos recursos do mar em segurança, colocando à cabeça os interesses de toda a população e assegurando posicionamentos vantajosos nas respetivas cadeias de valor, ou apenas ao sabor dos grandes negócios propostos pelos potentados económicos e financeiros já instalados?

Se não tomarmos cautelas, não faltarão investimentos indesejados.»

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12.8.22

12 de Agosto – Dia Mundial do Elefante

 



Estes são do Pinnawala Elephant Orphanage (Sri Lanka), fundado em 1975 para recolher sete pequenos elefantes órfãos. São agora muitos, de todas as idades, e os primeiros já são avós. Vi-os em 2011 e eram então 96.


Em 2021, nasceram dois gémeos neste orfanato, o que não acontecia no Sri Lanka há 80 anos!

(Em casa e no banho que vão tomar duas vezes por dia.)
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Um Inverno russo

 

«O Verão está no fim e, com o Outono e o Inverno, a frente principal da guerra russo-ucraniana tenderá a deslocar-se para a Europa Ocidental. Tal é o desígnio de Vladimir Putin. Parece apostar numa guerra prolongada em que, à falta de sucessos militares na Ucrânia, o ressentimento social contra os efeitos das sanções desgaste e rompa a solidariedade europeia. O previsível enfraquecimento de Joe Biden após as eleições intercalares de Novembro completaria o quadro. A demissão do governo italiano de Mario Draghi foi um péssimo sinal.

A invasão da Ucrânia é desde o início uma fase do confronto global com o Ocidente. Tanto Moscovo como Pequim, por vias diferentes, querem rever a ordem político-económica mundial e forçar uma redistribuição de poderes e áreas de influência.

Se a economia russa continua a ser minada pelas sanções, o Kremlin tem a expectativa de que um efeito de boomerang produza divisões no Ocidente e dentro da NATO, graças às represálias russas nos mercados energéticos ou na ruptura dos abastecimentos de cereais.

A guerra começou com um duplo fiasco para Moscovo. O primeiro foi a surpresa ucraniana: a unidade nacional e uma insuspeita inteligência militar que forçou Moscovo a reduzir os objectivos e a rever várias vezes a sua estratégia. Em segundo lugar, revitalizou a NATO e provocou uma dura reacção contra Moscovo, quando Putin apostava numa reacção débil de um "Ocidente dividido e decadente".

Moscovo não desistiu da guerra. Parar a ofensiva sem conquistar todo o Donbass e outros objectivos no Sul seria o suicídio político de Putin, dizem analistas. Por outro lado, ambas as partes têm objectivos absolutos e inegociáveis, o que torna longínquo um cenário de negociações.

Depois de Draghi

A demissão de Draghi e as eleições de 25 de Setembro ameaçam enfraquecer a resposta italiana perante a guerra na Ucrânia, assim como privar a Europa de uma liderança eficaz perante o desafio russo. Ou seja, não só enfraquecer (ou até virar) a atitude italiana como a unidade da acção europeia. Se os seus sucessores falharem, é toda a Europa que será tocada.

"Draghi apoiou aberta e concretamente a Ucrânia, promoveu a viagem com Macron e Scholz, elaborou com a secretária do Tesouro americana, Janet Yellen, as sanções e guiou a comunidade ocidental nesta situação", frisa o economista alemão Guntram Wolff, ex-presidente do think tank Bruegel, de Bruxelas.

Putin tem os olhos postos na Itália. "Espera que saiam das eleições dois cenários", escreve o politólogo Angelo Panebianco. "Ou uma Itália tornada instável ou a vitória de uma coligação em que têm peso e responsabilidades partidos que são seus amigos ou, pelo menos, não hostis. Ambas as soluções seriam agradáveis para a Rússia."

Se Giorgia Meloni, líder dos Irmãos de Itália (FdI), se proclama atlantista e defende a manutenção das sanções e a ajuda militar a Kiev, já Berlusconi é um "velho amigo" de Putin, e Matteo Salvini, da Liga, tem sido um fiel cúmplice do Presidente russo. Foi forçado, pelo seu partido, a anular um recente projecto de viagem a Moscovo.

Berlusconi procura manter uma certa ambiguidade. Salvini ataca as sanções que diz inúteis e apenas sacrificam os italianos. Enquanto inesperado "pacifista", tal como os restos do Movimento 5 Estrelas (M5S), opõe-se terminantemente ao fornecimento de armas a Kiev, decidido por Draghi.

A subida dos preços da energia, apesar de a resposta italiana ter sido das mais eficazes, tende a enfraquecer a quase unânime reacção contra a invasão da Ucrânia. Salvini não hesitará em explorar todos os descontentamentos.

Tudo isto pode ser resumido no título de um artigo de uma antiga governante americana na Foreign Policy: "As eleições antecipadas italianas podem oferecer a Putin a vitória de que ele precisa."

Também as eleições legislativas francesas complicaram a situação europeia. Macron perdeu a maioria na Assembleia Nacional. As posições pró-russas saíram reforçadas, à direita e à esquerda. Marine Le Pen tem sido prudente, mas já apontou a ineficácia das sanções a Moscovo. À esquerda, uma grande parte da coligação NUPES, sobretudo o núcleo duro da França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, são hostis às sanções e à NATO.

Para lá do racionamento energético, Putin espera ainda uma reacção aos custos multimilionários do apoio militar e da reconstrução da Ucrânia. Para ele, a Itália (sem Draghi) e a Alemanha serão os fracos da aliança ocidental. A pressão de Moscovo vai subir. Cabe aos ocidentais prevenir a manobra de Putin e reformular a sua estratégia.

Está no horizonte outro momento marcante: as eleições americanas de Novembro. Há analistas que admitem que Putin esteja à espera do enfraquecimento de Biden para abrir negociações.

Caro leitor: não quero ser pessimista, mas apenas chamar a atenção para a nossa "batalha de Inverno".»

Jorge Almeida Fernandes
Newsletter do Público, 11.08.2022
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Adeus Sempé (1932-2022)

 


A ler: Le dessinateur Jean-Jacques Sempé est mort.
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A Igreja e a nossa deferência ampla

 


«Os católicos que conheço desejam o apuramento de toda a verdade (possível) em matéria de abusos sexuais no seio da Igreja Católica (IC). É-lhes insuportável imaginar o encobrimento de alegados abusos sexuais de menores em termos similares ao que se passou na Irlanda, nos Estados Unidos, no Brasil, em Espanha, na Bélgica ou em vários países da América do Sul. A realidade endémica é conhecida e relatórios como o Child Rights International Network explicam o que sabemos, isto é, há uma longa história de obstrução e não cooperação com a justiça por parte da IC com vista a proteger “os seus”, de culpabilização das vítimas, e de despreocupada transferência territorial dos agressores. O que já foi denunciado em Portugal numa Comissão, que é da Igreja, causa dor, mas não surpresa, exige empatia, foco nas vítimas e zero deferência.

A questão do privilégio da IC é uma questão funda. É um tema gigantesco e falar dele, e das suas consequências, não é querer abolir a instituição. Custa muito ler das regras “daquele tempo” e “deste tempo” “instituídas pela IC”, como se a IC vivesse à margem da lei, dando instruções internas, num ou noutro sentido. Em debates públicos, é comum ouvir — se que nada temos a ver com a organização interna de uma confissão religiosa. Mas podemos questionar o facto de haver uma confissão religiosa com enorme intervenção no espaço público que consegue uma espécie de lugar automático na construção dialética da Lei da República. Não está em causa a liberdade de expressão da IC ou de qualquer confissão religiosa, mas sim a deferência excessiva para com a IC num Estado laico, que é importante para explicar por que razão é tão difícil falar do que quer que seja que manche a imagem da IC ou por que razão em Portugal aceitámos que por aqui a história era diferente e nada havia a investigar.

Para a IC, o sexo é reservado a pessoas heterossexuais, depois de consumando o casamento para toda a vida e tem como finalidade primordial a procriação. A Igreja rejeita moralmente quem gosta de sexo porque sim, quem não quer procriar, essencialmente rejeita casais gays e lésbicas e vive isolada no Ocidente no papel institucional que reserva às mulheres.

Cada vez que o Parlamento laico, devedor apenas da Constituição da República, faz uma lei em matéria de igualdade e liberdade (casamento igualitário, adoção por casais do mesmo sexo, PMA para lésbicas, pessoas trans e, agora, eutanásia) não há um único debate sem padres e o número de audiências parlamentares a organizações católicas é gigantesco. Porquê? Em nome de quê? A Constituição consagra a separação das igrejas e do Estado, mas não houve um único tema dos aqui enunciados em que não tenha sido convocada a debater com representantes da Igreja que já explicaram ao povo, por exemplo, que há uma associação entre homossexuais e abuso de crianças, que as lésbicas são más mães, que não pode haver família sem pai e mãe, que a vida é dada por Deus e ninguém pode abdicar dela. Por que razão damos tanto espaço a uma Igreja que, na sua autonomia, rejeita em grande parte valores da República, mas depois dá o seu contributo precisamente sobre o que é, na verdade, pecado. A deferência leva a que debatamos direitos de minorias protegidas pela Constituição e repudiadas pela Igreja, porque isto é parte de um privilégio gigante da Igreja que é tido por normal.

Deixamos a Igreja em paz, mas a inversa nunca foi verdadeira.»

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11.8.22

Marcelo

 


Não é tão ou mais perigoso ser entrevistado enquanto se guia, durante horas, do que falar ao telemóvel?

A política espectáculo no seu esplendor. Uma tristeza.
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Raça dura em pele mole e escura

 


«Corre o ano de 2022 e um diplomata português, Manuel Gomes Samuel, chefe da missão da embaixada portuguesa em Doha, no Qatar, decide recorrer à cor da pele, à biologia, para justificar formas de escravatura moderna nesse país. Resumindo: quanto mais a pele for escura, mais “eles” aguentam condições extremas de trabalho. Eles aguentam. Eles que no Qatar trabalham mais horas e são menos bem pagos justamente consoante a cor da pele. (…)

O nosso diplomata no Qatar não se ficou só por considerações biológicas, decidiu partilhar também o seu conhecimento cultural sobre pessoas que “possam ser homossexuais ou gostar muito de álcool”, apelando ao bom senso destas para que não propaguem o seu modo de vida ou lifestyle pela rua. (…) Vai para a festa! Mostra-se entusiasmado, nas suas declarações ao InsideQatar, com “a qualidade das infraestruturas e os compromissos a diferentes níveis da sociedade, para fazer desta uma grande festa, que prepara o palco de um torneio incrível que pode ser uma referência para o futuro”.

Não esperamos um livro de Manuel Gomes Samuel, mas esperávamos que pudesse ter arranjado um tempinho para ler com seriedade os comunicados e relatórios internacionais sobre direitos humanos das Nações Unidas, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Amnistia Internacional ou ainda das associações feministas, antiracistas, LGBT+ e ecologistas sobre a realização vergonhosa do Mundial de futebol no Qatar. Como dizia o Hervé Bazin não se constrói felicidade (e já agora nem festa, nem Mundial) por cima das ruínas de uma longa miséria.»

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Pôr do Sol

 


Pelas 21:00 na RTP 1. Divirtam-se!
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Uma «Redacção da Guidinha»


 

[Quase a meio de Agosto, com meio país de férias e outro meio a arder, com mais de meio do mundo aos trambolhões, um bom meio de respirar fundo é não falar de desgraças meio a sério e tentar pelo menos um meio sorriso com uma das célebres redacções de Sttau Monteiro.]

A Graça vai ser um país de turismo

Isto cá na Graça vai de mal a pior por causa dos preços mas a gente esta semana teve uma ideia bestial e vai transformar tudo num país de turismo é o que eu digo a Graça vai concorrer com a Espanha com a França com Portugal e com a Itália para começar mandamos imprimir uns folhetos dizendo COME SPENS YOUR VACATIONS IN GRAÇA BECAUSE LE SOLEIL IS THERE com fotografias de mulheres de biquini de raparigas a beijocarem rapazes e de uns rapazes que não se sabe bem quem é que estão a beijocar nem interessa saber estes folhetos foram copiados dos da pirilândia (Algarve) que parece que trazem fregueses mas não ficámos aí estamos a modificar os nomes das lojas a mercearia A Pérola da Graça passa a chamar-se The Pearl of the Graça a tasca do senhor Pombo que se chama Pombo & Filhos Lda. passa a chamar-se Chez les Fils du Pigeon e a barbearia do senhor Jaime passa a chamar-se D. Juan Hair Stylist mas além disso estamos a fazer modificações na actividade comercial os letreiros das lojas por exemplo vão ser modificados onde o Cruz da taberna tem um letreiro que diz Hoje há passarinhos vamos pôr um letreiro iluminado a néon que diz Today are little birds aujourd'hui avons petites oiseaux onde a Dona Isaura escreveu Tenho fava rica vamos pôr I has rich bean e à porta do snack na lista dos comes e bebes onde está Cadelinhas ao natural e à Bulhão Pato vamos pôr Little bitches the Bulhão Duck way enfim progressos por todos os lados para se ver bem como o nosso espírito de iniciativa é bom basta dizer que vamos ter 2.7 piscinas sem gastarmos um tostão para isso vamos encher de água os buracos das ruas outra iniciativa é criarmos uma zona livre no jardim do largo em que ninguém paga impostos já lá pusemos um letreiro com a frase TAX FREE PUBLIC GARDEN FOR TOURIST e vamos ter uma free shop à saída da Graça do lado que dá para Almirante Reis nessa free shop os turistas podem comprar as nossas especialidades que já estão a ser inventadas por uma comissão eleita por uma outra comissão que por sua vez foi eleita por uma quarta comissão o projecto só ainda não começou porque um dos membros da segunda comissão tinha sido saneado por se ter descoberto que um terceiro primo dele era da União Nacional de Barrotes de Cima e vai o homem conseguiu provar que isso era mentira mas com tanto azar que a prova chegou quando as coisas tinham mudado e agora continua saneado por o tal primo não ter sido da União Nacional de Barrotes de Cima há pessoas com muito azar coitadas mas o que tem graça é que as pessoas que o sanearam da primeira vez são as mesmas que o sanearam da segunda se calhar é por essas e por outras iguais que a minha Pátria se chama Graça é que há quem ache graça a essas coisas enfim os nossos planos não ficam por aqui vamos ter um profissional de chapéu de palha na cabeça encostado à esquina da igreja vamos ter outro profissional a fumar droga à porta do restaurante e vamos pôr em cima das retretes em vez das letras wc que ninguém sabe o que querem dizer grandes cartazes com a palavra WELCOME em tinta fluorescente para não haver erros e para toda a gente fazer o que tem a fazer em lugares próprios porque disso que as pessoas fazem já nós temos a mais fora das retretes o que nos falta para isto tudo acabar em beleza é um fundo de turismo mas isto cá na Graça é como em Portugal os únicos fundos que estão à vista são os dos cofres o que é chato olá se é o que vale é que isso não nos assusta nem nos mete medo antes pelo contrário porque não havendo fundos não há quem os administre nem há economistas a viver à custa da gente e onde não há dessa gente não há decepções o meu Pai anda muito aflito porque chamaram um economista para o emprego dele que até agora não precisara de subsídios nem estava falido e ele diz que a partir de agora está tudo perdido porque a obrigação de qualquer economista que se preza é lixar tudo com os seus conhecimentos teóricos aprendidos na Rua do Quelhas e além disso diz o meu Pai que basta terem de pagar o ordenado ao tal economista para a empresa entrar em crise mas nestes períodos de crise não há outro remédio senão fazer a vontade a quem não sabe nada é por isso que os períodos são de crise enfim para a semana tenho grandes notícias para todos notícias que vão espantar muita gente olá se vão adeus adeus adeus.

O Jornal, 18.05.1979. 
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10.8.22

Einstein dixit

 

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10.08.1912 - Jorge Amado

 


Faria hoje 110 anos e continuam, com toda a justiça, referências à sua vida, a muitos dos livros, às suas estadias em Portugal.

Recordo o «acessório»: o que foi, entre nós, o retumbante sucesso de Gabriela, cravo e canela, a primeira de todas as telenovelas emitidas pela RTP, entre Maio e Novembro de 1977, com base na obra de JA com o mesmo nome. Companhia da hora do jantar, cinco dias por semana, em casa ou em cafés (eram muitas as famílias que ainda não tinham aparelhos próprios), era assunto generalizado de conversa, trouxe para a língua portuguesa termos e expressões brasileiras e transformou Sónia Braga num ídolo.

A «Gabrielomania» fez parar literalmente o país: a Assembleia da República interrompeu os trabalhos pelo menos quanto foi emitido o último episódio (era vital saber se Gabriela ficava ou não com Nacib...).

No dia seguinte à última emissão, o Diário de Lisboa discutiu o corte de trinta episódios, de que a telenovela terá sido objecto em Portugal. Ver imagem com a notícia sobre a polémica AQUI.
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Um coração para Bolsonaro

 


[Esta ideia do coração de um rei ir em turismo histórico ao Brasil, em pleno século XXI, sempre me pareceu uma ideia peregrina – no sentido literal e também pejorativo do termo. E isto independentemente de aproveitamento político por Bolsonaro.] 

«O executivo da Câmara Municipal do Porto aprovou, por unanimidade, a transladação do coração de D. Pedro IV de Portugal (D. Pedro I do Brasil) para as comemorações do bicentenário da independência do Brasil, a pedido do governo brasileiro e com o entusiasmo do presidente da Câmara Municipal do Porto.

Trata-se, na minha opinião, de um grave erro. Poderia falar do insólito do ato: em pleno século XXI, exibir um coração em formol num evento público festivo, convida às mais arcaicas apropriações. Compreender-se-ia em tempos de antanho, quando tais rituais se aproximavam de um modo mórbido e heróico de celebrar feitos patrióticos. A exaltação dos mártires, o paroxismo do seu sacrifício, a exaltação nacionalista e guerreira – esperava-se que fosse pretérito e que se pensasse, atualmente, em formas imaginativas, dinâmicas e inclusivas de pensar o passado através do presente e dos novos desafios de paz, justiça social e defesa de direitos globais.

Nada disso: um coração em formol será transportado para gáudio imenso do governo de Bolsonaro que aqui encontra a ocasião de um festim necrófago galvanizador da sua base de apoio, fazendo, em plena pré-campanha eleitoral, como os ditadores romanos, a política de panem et circenses (pão e circo), impondo, como tem sido o seu mote, uma narrativa excludente, autocrata e racista de um Brasil puro, “das pessoas de bem” e dos “verdadeiros patriotas”. Com a ajudazinha do fervor monárquico e conservador de Rui Moreira e da cumplicidade e covardia política do executivo camarário!

Atente-se que o órgão será transportado pela Força Área Brasileira e será recebido no Palácio Planalto, em Brasília, no dia 22 de agosto, com “honras militares” devidas a um chefe de Estado, incluindo salvas de canhão e escolta pelos Dragões da Independência. A instrumentalização é total e descarada. Não se aceitam argumentos de ingenuidade ou inocência. Usa-se o morto (D. Pedro) para aclamar o vivo (Bolsonaro).

O governo Bolsonaro mata indígenas, tortura nas prisões, assassina com as milícias (é cada vez mais nítida a sua implicação na execução de Marielle Franco, a vereadora negra, favelada e lésbica que denunciava os negócios mafiosos do Rio de Janeiro), persegue homossexuais (em entrevista ao El País Bolsonaro chegou a dizer: “Só porque alguém gosta de dar o rabo dele passa a ser um semideus e não pode levar porrada?”), trouxe de novo a fome a milhões de brasileiros, destruiu manchas imensas da Amazónia, promoveu a mais desenfreada corrupção. Um governo canalha e de canalhas. É com estas pessoas e nestas circunstâncias concretas que a transladação deve ser analisada: é um inequívoco ato de apoio simbólico e político da autarquia do Porto ao atual governo brasileiro.

Imagino que D. Pedro, o liberal, se imaginasse esta desdita, apertasse com força o coração junto do peito, clamando para que o deixassem, para sempre, junto ao seu corpo. Só assim o morto descansaria em paz.»

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Entretanto na Austrália

 


Um mundo novo que nunca imaginámos: executivos de topo a carregarem malas.

(El País, 09.08.2022)
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9.8.22

Casas «que ficam» (1-8)

 

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Minoria absoluta

 


«O povo, ou a "arraia-miúda", que Marcelo desenterrou no discurso do 10 de Junho, tem sempre razão. Quando chamado a votar, escolhe de acordo com um amplo leque de critérios, que vão desde a proximidade ideológica, à "tradição" familiar, a identificação com determinado líder político, a influência de amigos ou de referências próximas. E, claro, vota também com a carteira. E vota em quem acredita que vai ganhar. E vota, muitas vezes, não para premiar um governo, mas para castigar oposições. Nas últimas eleições, claramente, o povo votou para castigar os parceiros do Governo durante quatro anos, e que o deixaram cair nos últimos dois. E, pela quarta vez desde o 25 de Abril, decidiu atribuir maioria absoluta a um só partido.

A maioria absoluta de Costa, que tanto irritou Cavaco, o homem que teve duas - e a segunda ainda maior do que a primeira - não tem, portanto, contestação. Costa é absoluto e, na discussão do Orçamento do Estado e nos debates parlamentares, governo e PS fizeram questão de lembrar, por várias vezes, aos derrotados que, todos juntos, não chegam ao PS. A formulação foi diversa na linguagem, mas o objetivo é o mesmo: há maioria absoluta. Por isso, "habituem-se".

Ao fim de quatro meses, parece que esta maioria já está cansada, cercada, desorientada, sem rumo e a correr atrás dos prejuízos vários, em sentido literal e figurado, que nos pesam nos bolsos. Qualquer analista ou comentador, da situação ou da oposição, olhando de longe, diria que não faz sentido o ruído criado à volta de um governo suportado por uma maioria, pouco mais de 100 dias depois da posse. Até porque, na convenção da vida política portuguesa, há sempre os famosos "100 dias de estado de graça". Quando um povo escolhe um governo por maioria absoluta, o que está a dizer é que não quer, durante pelo menos quatro anos, voltar a tratar de escolhas de governo; que deu uma oportunidade a quem entendeu ser dela merecedor, que a governação está entregue e, daqui a outros quatro anos, logo se fará a avaliação que deve ser feita.

Nestes períodos de maiorias absolutas - é o que nos diz a histórias das três anteriores a esta - há sempre a tendência de maior partidarização, maior governamentalização e, em muitos momentos, uma confusão entre governo, partido, grupo parlamentar e Estado. Soares chamou à segunda maioria de Cavaco uma "ditadura da maioria" e combateu-a, a partir de Belém, sem dó nem piedade. Era o líder da oposição.

Acontece que esta maioria absoluta de Costa, apesar de ser formal e eleitoralmente a primeira, vem já na sequência de seis anos de governo. Nos primeiros quatro, Costa não tinha maioria, nem sequer tinha a legitimidade de ter ganho legislativas. Mas, com a geringonça, conseguiu governar com relativa tranquilidade, porque estava escudado num acordo - ironia das ironias, exigido por Cavaco presidente - e, portanto, governou com maioria. Absoluta. Quatro anos.

Nos dois anos seguintes, já sem acordo escrito, o PS anunciou que não precisaria de papel assinado para continuar a governar com os parceiros preferenciais. BE e PCP não assinaram o contrato, a pandemia trocou as voltas à política, o país esteve concentrado na saúde, a oposição alinhou com o governo em quase tudo e Costa, sem acordo e sem maioria, acabou por não ter oposição, em nome do interesse nacional, da saúde pública, dos estados de emergência, dos confinamentos e das medidas de exceção. Ou seja, governou em minoria como se tivesse, de facto, maioria. E, agora, quando chega a tal maioria absoluta, sem táticas, sem negociações, sem "espinhas", nada há de novo para dizer ao país. Na prática, trata-se apenas da continuação da mesma forma de governar que já leva seis anos. A única diferença é que, desta vez, Costa não pode partilhar culpas com BE e PCP, responsáveis pela estabilidade da primeira maioria, nem pode acusar BE e PCP de lhe faltarem no momento, certo, como aconteceu nos últimos dois anos.

E, como aconteceu em todas as maiorias depois de 1974, vamos assistir a uma degradação da governação, aos tiques de autoridade de quem não precisa de mais ninguém para decidir, a um descontentamento popular, ao cansaço de um partido e de um governo que andou quatro anos a reverter medidas e outros dois a tratar da pandemia.

Em breve, na rua, deixaremos de encontrar, tal como no passado, quem confesse ter votado PS nas legislativas deste ano. E, mais tarde ou mais cedo, apesar da maioria absoluta, os sinais de insatisfação, a mobilização sindical do PCP, a tribuna de dedo em riste do Bloco, o populismo do Chega, a firmeza da Iniciativa Liberal e o que vier a fazer o PSD de Montenegro farão parecer que, afinal, há, apenas e só, uma minoria absoluta.

Sim, estamos em agosto, tudo a banhos, o país meio parado, nada de política. Mas, como dizia uma apresentadora de televisão, "setembro é já amanhã". E setembro não augura nada de melhor. "Habituem-se".»

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O bom, o mau e o vilão

 


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09.08.1945 - Nagasaki, 11:02 a.m.

 

(Museu da Bomba Atómica, Nagasaki)

Já tinha estado em Nagasaki, mas sem visitar o Museu da Bomba Atómica. Fi-lo há quatro anos e este é o relógio parado na hora em que se deu a tragédia. 

Três dias depois de Hiroshima, os EUA lançaram, em Nagasaki, uma bomba que matou 80.000 pessoas. Em 15 de Agosto de 1945, o Japão rendeu-se – no chamado Dia V-J que esteve na origem ao fim da Segunda Guerra Mundial.




Hoje, Parque da Paz de Nagasaki:





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8.8.22

Casas «que ficam» (8)



 

Casa de Nacarello e Casas Portuguesas. Colónia do Sacramento, Uruguai (2015).

Nacarello foi o morador mais antigo desta casa do período português, hoje transformada num pequeno museu que mostra como vivia uma família em meados do século XVIII. Nas imagens mais abaixo, o interior do museu e outras casas e ruas tipicamente portuguesas. Estas «pegadas» dos portugueses são muito interessantes.
A Colónia do Santíssimo Sacramento foi fundada em Janeiro de 1680 por Manuel Lobo, governador da Capitania Real do Rio de Janeiro, a mando da coroa portuguesa, desejosa de estender o seu domínio, através do Brasil, até ao Rio da Prata. Foram depois muitas as lutas e vicissitudes por que passou até à independência do Uruguai em 1828.



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Agora a Filosofia?

 


(El País, 08.08.2022)
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08.08.1937 – Dustin Hoffman

 


Faz hoje 85. Parece impossível, mas o calendário não perdoa.

Protagonizou dezenas de filmes, mas eu fixei sobretudo os da sua primeira fase. E se The Graduate (1967) não foi o seu primeiro filme, foi certamente aquele em que alcançou fama e que o lançou no mundo do cinema. Com ele, e com Rain Man, ganhou dois Óscares.

Mas não consigo separá-lo de um outro – Kramer vs. Kramer – que vi e revi nem sei quantas vezes.




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De que estamos à espera para taxar os lucros caídos do céu?

 


«Há quem esteja a lucrar milhões com a guerra e a pobreza dos outros e Portugal ainda hesita sobre o que fazer, com a excepção de mandar João Galamba validar facturas.

António Guterres foi esta semana particularmente duro, em Nova Iorque, quando afirmou ser “imoral que as petrolíferas e as empresas de gás estejam a fazer lucros recordes a partir da crise energética e graças às pessoas e comunidades mais pobres, com um custo enorme para o clima”. Foi um discurso violento e corajoso do secretário-geral das Nações Unidos, que no passado foi primeiro-ministro de um governo PS.

Vale a pena relembrar as palavras de Guterres: “Apelo a todos os governos que taxem este lucro excessivo e usem os fundos para apoiar as pessoas mais vulneráveis nestes tempos difíceis. E exorto as pessoas de todo o mundo a enviarem uma mensagem clara à indústria dos combustíveis fósseis e a todos os seus financiadores: esta ganância grotesca está a castigar as pessoas mais pobres e vulneráveis, enquanto destrói a nossa única casa”.

Em Portugal, pelos vistos ainda estamos à espera daquilo que o Expresso de sexta-feira chamava a “bomba atómica” que o Governo podia preparar – o executivo espanhol avançou há poucos dias com a “windfall tax”, os tais impostos sobre os lucros “caídos do céu”, mas Portugal ainda vai ter muito que esperar e é se chegar lá. Como sempre.

É verdade que o ministro da Economia, António Costa Silva, trouxe o assunto a debate em Abril, na discussão do Orçamento, mas teve rápida ordem para recuar. A 5 de Abril dizia: “Não podemos hostilizar as empresas, mas o que vamos fazer é falar com elas e provavelmente considerar um imposto, um ‘windfall tax’, para os lucros aleatórios e inesperados que estão a ter”. A 11 de Abril vinha a declaração de marcha-atrás: afinal, tratava-se de uma “solução última, caso venha a ser necessário”, mas com sorte não seria: “Se forem identificadas situações muito específicas, em que as empresas têm lucro normais da sua actividade que resultam da boa capacidade de gestão, dos investimentos produtivos e dos próprios lucros intensivos, vamos respeitar”. “

Rishi Sunak, o agora candidato a líder do Partido Conservador, já o fez quando era chanceler do Tesouro. Estamos a falar de Partido Conservador, na sua versão mais liberal – ou assim era, antes de a covid ter vindo baralhar as coisas - e não de neomarxistas. O imposto não é meigo: 25%. A taxa sobre os lucros excessivos das grandes empresas vai avançar aqui ao lado em Espanha, em Itália também, e nos Estados Unidos deve ser mais difícil embora não por falta de vontade de Joe Biden. Em Portugal parece estar ainda na infância.

Marcelo Rebelo de Sousa deixou uma porta aberta, curiosamente, quando disse que as empresas com lucros excessivos decorrentes da crise “não podem ignorar os que sofrem à sua volta. Têm de investir mais em termos sociais, sacrificando dividendos”, reconhecendo a dificuldade de “encontrar uma solução que não seja retroactiva, que seja justa” e que “abarque todos”. Resta esperar que acabe o imenso Agosto e que o Governo apresente as medidas de combate à inflação que prometeu. Aí se verá se Portugal é igual a qualquer outro “país europeu não marxista”.»

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7.8.22

Casas «que ficam» (7)

 


Palácio Presidencial Ak Orda. Astana (hoje Nursultan), Cazaquistão (2016).

Embora seja oficialmente a residência do presidente do país, ele não mora propriamente neste local de trabalho.
Astana é uma cidade extraordinária, capital do nono país do mundo em extensão e com uma pujança fora de série. (os mais interessados podem ler o que escrevi quando lá estive há uma meia dúzia de anos).
Deve muito a Norman Foster, autor, por exemplo, do Palácio da Paz e do Acordo que tem uma arquitectura interna fabulosa e de uma outra pirâmide, inclinada, onde a temperatura é mantida estável durante todo o ano e que tem, no último andar, uma praia artificial. Jardins não faltam, bem desenhados e cheios de gente.







Caetano Veloso

 


Não vale mentir, não podes ter chegado hoje aos 80!
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Comboios

 


O novo trajecto possível, em comboio, mais longo no mundo.

Via Epic Maps no Twitter.
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Exclusividade ou Dedicação

 


«Fico sempre desconfiado quando se tem à mão uma palavra única, objetiva, que todos entendem, e se opta por uma expressão composta, sujeita a interpretações díspares. "Somos um País pobre, com baixos salários e as mudanças no Sistema de Saúde não podem ser abruptas. Mas, devemos ter a noção clara que o caminho certo deve ser o da separação dos médicos e enfermeiros entre setor privado ou público. Não estamos a inventar nada. É assim na maior parte dos Países."

Escrevi isto há dois anos num artigo publicado, e repito-o na esperança de que me ouçam. Não há melhor palavra para exprimir a separação do trabalho entre o setor público e privado do que a exclusividade. Os mais incautos, julgarão que quando se fala em "dedicação plena" é o mesmo. Pode ser que seja, mas está sujeita à interpretação que se queira dar. Já ouvi dizer, que a dedicação plena apenas indicará que o Médico faz horário completo no Hospital Público, não podendo assumir cargos de Chefia no Hospital Privado, mas podendo continuar a trabalhar nos dois, conforme as forças lho permitam. Enfim, se for para isso, não vale a pena mexer! Vão gastar mais, sem conseguir maior dedicação ou disponibilidade. É um logro! É um faz-de-conta, para que tudo fique na mesma, confuso e promíscuo.

Defendo que nos Hospitais Públicos e nos Hospitais Privados, cerca de 40% do quadro Médico esteja em dedicação exclusiva. Há dias assisti a uma sessão de apresentação de um candidato a Bastonário da Ordem dos Médicos, que referiu a sua experiência como Diretor de Serviço: Em 41 médicos do quadro, apenas um estava em exclusividade e todos os outros trabalhavam em 3 ou 4 sítios diferentes! Assim, não há tempo para reuniões clínicas, ações de formação ou investigação. Apenas para o cumprimento estrito das metas de produção. Os Serviços esvaziam-se, enquanto os Médicos cansados se desmotivam.

É muito raro, conseguirmos ser excelentes e disponíveis em duas instituições diferentes, ambas com alto grau de exigência. Mas, admito que haja quem o consiga, embora os exemplos que conheço não gastem os dedos de uma só mão. A dedicação exclusiva não deve ser obrigatória, nem constituir um direito acessível a todos. É preciso que o Médico se candidate a esse regime de trabalho, e o Conselho de Administração do Hospital tenha a decisão final, de acordo com a informação do seu Diretor do Serviço. Era uma forma de responsabilizar as chefias intermédias, comprometendo-as com aquele regime de trabalho concedido, esperando-se um acréscimo na produção e na qualidade dos cuidados prestados. É preciso não esquecer os erros da implementação do regime da exclusividade da Ministra Leonor Beleza. Convertida num direito, centenas de Médicos em pré-reforma e outros, que já tinham atividade reduzida, aproveitaram a benesse salarial e aderiram. Não me consta que tenha havido acréscimo da atividade Médica ou Cirúrgica, nos Hospitais e nos Centros de Saúde. Mais uma vez, não fizemos a avaliação da medida, talvez para evitar a responsabilização de alguém.

O regime de exclusividade no trabalho médico, no setor público ou privado, não é só por si um milagre para a resolução dos problemas. Mas, pode ser um fator motivador para ter uma equipa dedicada e coesa, focada no objetivo de conseguir as melhores práticas do exercício da medicina na sua Instituição. O Médico que faça essa opção, deve ser acarinhado, em vez de ser olhado com desdém, muitas vezes pelos próprios colegas. Era bom convencermo-nos, que o normal é o empenhamento absoluto num único Hospital, público ou privado, no qual nos sentimos motivados, recompensados e felizes. Mesmo porque há vida para além do trabalho, e até somos muito mais eficientes, quando alargamos horizontes, em vez de nos desgastarmos numa miríada de biscates.»

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