20.9.25

Há sempre mais um Gallé

 


Vaso com decoração marinha, Museu Charles de Bruyères, Remiremont, França. Cerca de 1900.
Émile Gallé.

Daqui.

Onde isto já vai!

 


«Depois da suspensão do programa de Jimmy Kimmel, Trump faz escalar o ataque às vozes que o contestam.»


Mensagem de Isaltino para Ventura

 


Os novos judeus (do Holocausto)

 


«Qualquer pessoa que saiba História é muito prudente nas comparações da actualidade com os anos trinta do século passado. Ela tem o efeito perverso de ocultar o que é novo e permitir comparações enganadoras, e isso prejudica o conhecimento da realidade e torna a acção ineficaz. Muita coisa mudou nestes anos, mas há mecanismos que são os mesmos e há um fundo de repetição, seja, como escreveu Marx, primeiro como tragédia, depois como comédia. O problema é que, muitas vezes, a comédia torna-se tragédia, e como, contrariamente ao lugar-comum, nunca se aprende com a história, estamos sempre a apanhar com variantes da Lei de Murphy: se pode correr mal, é muito provável que corra mal. Mesmo assim, mais vale saber com que linhas nos cosemos, ainda que elas nos cosam mesmo.

Voltemos aos anos trinta, de ascensão do fascismo e do nazismo, que desembocam na terrível Segunda Guerra Mundial. Entre as coisas que são parecidas, encontra-se o clima europeu do acordo de Munique, que, em conjunto com o Pacto Germano-Soviético, abriu caminho para a guerra. Na altura, entregou-se a Checoslováquia e partilhou-se a Polónia. Agora, com a traição americana e a moleza europeia, quer-se obrigar a Ucrânia a render-se em nome da “Paz”, com todas as aspas.

E há muito, mas mesmo muito, de semelhante na demonização dos imigrantes nos tempos de hoje. Sem dúvida que há problemas sérios com a imigração e muitos erros cometidos no passado e outros no presente ao lidar com esse processo. Mas não são os problemas reais da imigração, que são problemas de governação, sociais, religiosos e culturais, que tornam os imigrantes o centro de um discurso populista, racista e nacionalista, é outra coisa. E é essa outra coisa que permite a comparação com os anos trinta.

Eles são hoje os novos judeus, repetindo todos os mecanismos de propaganda contra o “outro” na Alemanha nazi que foi a preparação cultural e ideológica do Holocausto. Em vez dos filmes nazis com os homens de nariz adunco vestidos com roupa de outra identidade, uns com ar de banqueiros, outros de ladrões, a virem pela calada, às escondidas, atrás de uma cortina – tudo imagens da época – a roubar os arianos brancos, com os seus esquemas de usura e a sua mensagem bolchevista, temos, nota sim nota não nas redes socais, “indostânicos” a cheirar a caril, a molestar uma rapariga branca, a partir uma loja, a atacar cristãos, a ocupar as ruas virados para Meca, a impor a sharia.

Como os judeus na Alemanha nazi, eles são estruturalmente criminosos e não devem poder “misturar-se” connosco, seja pelo sangue, seja pelo território, seja lá como for, com o interessante silêncio sobre “misturar-se” no trabalho, nas estufas com 50º graus, ou nas bicicletas com mochilas de comida.

E já há um esboço de pogroms – o elogio à caça ao imigrante em Torre Pacheco em Espanha é isso mesmo.

“Eles” ocupam o nosso espaço português. Fazem mais filhos e é apenas uma questão de tempo para que nos “substituam “, e às nossas virtudes (que em bom rigor não sei quais são, a não ser bater nas mulheres), nos tirem os empregos (imagino as filas de portugueses para a Uber Eats…) e nos agridam em cada esquina (actividade em que são imigrantes brancos e que falam português os mais useiros). O que é que fazemos, seguindo o guia de Trump? Primeiro, tiramos-lhes todos os direitos, mesmo aqueles que são direitos humanos, já para não falar dos direitos políticos que todos têm numa democracia (veja-se a reacção à manifestação diante da Assembleia). Deixam de ser homens, depois cidadãos, seja de lá como de cá.

Depois, como nos EUA, é preciso caçá-los nas ruas, nos campos, nos empregos, metê-los em campos de concentração (o eufemismo é centros de detenção) e deportá-los como gado. Há, aliás, outra solução que surgiu nas redes sociais quando apareceu um barco no Algarve, afirmando que o remédio mais santo era matá-los.

Não lembram porque a sua visão saudosista do império feito mito, que exclui, não os ajuda sequer a perceber que nos empobrecem, nos tornam menores, mesquinhos e violentos. Como nos anos trinta do século passado.»


19.9.25

Flotilha, hoje

 


19.09.1981 – Simon & Garfunkel no Central Park

 




Há 44 anos, teve lugar o memorável concerto que Simon & Garfunkel deram no Central Park de Nova Iorque. Reza a história que assistiram 500.000 pessoas e foi gravado ao vivo, dando origem a um álbum lançado no ano seguinte. Os lucros obtidos reverteram para a reforma e manutenção do parque e nós herdámos um espectáculo inesquecível.

Algumas das grandes canções:









E o concerto na íntegra:


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Em quem vai votar Cavaco?

 



Não quer ouvir 20 vezes por semana

 


«Não quer ouvir. Eu sei que não quer ouvir, mas vai ter de ouvir. Porque eu vou dizer-lhe olhos nos olhos e cara a cara. Sempre que eu falo é olhos nos olhos e cara a cara. E é assim que lhe vou dizer o que não quer ouvir, mas vai ter de ouvir. Depois disto vou à SIC Notícias. E amanhã à CNN. E depois de amanhã à RTP. E no dia seguinte à CMTV. Porque lá também não querem ouvir, mas vão ter de ouvir. É impressionante a quantidade de vezes que quem não me quer ouvir me convida para me ouvir. Mas aceito sempre, porque fui escolhido por Deus, não sei se já disse. Deus confiou-me a difícil mas honrosa missão de transformar Portugal. Ele era espectador da CMTV e, quando me viu a debater penáltis e foras de jogo com o Aníbal Pinto, terá pensado: é este. Este é o eleito. A escolha final foi entre mim e o Octávio Machado. Mas acabei por ser eu o preferido. Deus está muito atento à actualidade política de Portugal. A mãe d’Ele já cá veio passar uns dias, como sabe. E Deus terá percebido que eu sou a voz do povo. Eu digo o que toda a gente diz. Com coragem. É preciso ter muita coragem para dizer o que toda a gente diz. Dizer o que mais ninguém diz é que é fácil. Por isso é que eu tenho tudo contra mim. Tirando Deus e o povo inteiro. Só tenho o Criador do universo e todo o povo a meu favor. De resto, está tudo contra mim.

É isto que eu venho aqui dizer-lhe olhos nos olhos e cara a cara. Eu sei que não quer ouvir, porque faz parte do sistema. E as coisas que eu digo não interessam ao sistema. É por isso que eu já sei que isto que eu estou a dizer não vai passar. Embora estejamos em directo e, por isso, seja impossível não passar. Mas por vontade do sistema não passava. O sistema é responsável por esta podridão dos últimos 50 anos. Nos 50 anos anteriores a esses, vivia-se bem. As árvores eram feitas de chocolate e as flores eram de chupa-chupa. Havia respeito e boa parte das pessoas não sabia ler. Por isso não ia verificar se o que eu digo é verdade. Sabia que o Presidente da República fez mais de 1500 viagens? Já sei o que me vai dizer: isso é mentira. Típico do sistema, preocupar-se com coisas dessas. O que interessa é que o Presidente fez várias viagens. Foram 165. Que é um número. Assim como 1500. É outro número. Eu disse que o Presidente fez um determinado número de viagens, e a verdade é que ele fez mesmo um determinado número de viagens. Por muito que não goste de ouvir.

E é por isso que eu não tenho medo de nada. É admirável que uma pessoa que vive em democracia e, por isso, pode dizer o que lhe apetecer, não tenha medo de nada, não lhe parece? Há um único adversário suficientemente temível, suficientemente violento, suficientemente poderoso para me derrubar: o refluxo gástrico.»

Ricardo Araújo Pereira

Gaza, um empreendimento imobiliário

 


18.9.25

Uma bela fachada

 


Casa Devalck, fachada Arte Nova. Bruxelas, 1900.
Arquitecto: Gaspard Devalck.


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Um pouco mais de azul (34)

 




Leão XIV: alguma dúvida?

 


«A entrevista pode ser interpretada como uma mensagem a um segmento da Igreja apegado à tradição, enquanto o antecessor Francisco insistia na necessidade de abertura.»

O Chega pode ganhar nas presidenciais? Por Ventura, pode

 


«A entrada — cada vez mais provável, mas convenientemente adiada — de André Ventura nas presidenciais acabará por baralhar todas as contas que fizemos até aqui. É bem possível que ele seja um dos dois candidatos a passar à segunda volta e, quem quer que seja o outro — as sondagens já não garantem que será Gouveia e Melo —, o seu adversário acabará eleito Presidente da República. Numa volta só a dois, Ventura é o adversário ideal para dar a vitória nem que seja ao rato Mickey, mas ele agradece essa derrota. Quer ser primeiro-ministro e não chefe de Estado. Daí que ter numa segunda volta das presidenciais entre 30 a 40% seja a grande vitória com que sonha.

Ventura irradia confiança, olha para o que se passa lá fora e sabe que é uma questão de tempo até a democracia soçobrar aos seus encantos populistas. Mágico das redes sociais, mentiroso encartado, sedutor de canais de televisão viciados em doses cada vez maiores de insultos aos jornalistas da casa, Ventura está absolutamente convencido de que o dia em que já não haverá mais alternativas está cada vez mais perto. Nessa altura, nem os que agora parecem ser seus aliados terão mais do que um lugar na bancada para aplaudir o salvador. Não será diferente do que vemos acontecer com Trump nos Estados Unidos, como já tinha acontecido com Orbán na Hungria.

Sobrevalorizam-se os méritos de Ventura e subvalorizam-se os deméritos alheios. Ele aproveita, sabe que o nada que tem para oferecer é muito melhor do que a acumulação de falhanços de quem governa. “A culpa é do Passos”, que vigorava nos governos de Costa, ou “o PS esteve lá nove anos e não resolveu”, que vigora nos governos de Montenegro, apenas confirmam a tese do Chega: algum dia terá de ser a vez deles. Antes que esse dia chegue, como acontece em muitas outras latitudes, a extrema-direita começa por influenciar a agenda de quem governa. Tem sido assim, por exemplo, na imigração em muitos países da Europa, esteja a direita ou a esquerda no poder.

Por cá, o mais recente campo de influência de Ventura é a legislação laboral. O Chega acabará por estar ao lado da ministra do Trabalho aprovando alterações que flexibilizam como nunca os despedimentos, mas apressou-se a anunciar o chumbo às alterações ao direito à amamentação e ao luto gestacional, propostas que só conheceram a luz do dia para desviarem a atenção do essencial e poderem ser apresentadas como recuo do governo.

O CONFORMISMO TRADUZ-SE EM DESESPERANÇA

Tenho colecionado conversas com gente assustada com o que vê acontecer à volta do mundo, demasiado parecido com o que aconteceu há cem anos. Gente com filhos, presa na dúvida quanto ao tempo que vai durar este tempo de trevas em que a violência atrai violência e a extrema-direita, como um cancro, vai corroendo por dentro as democracias. Conformam-se, quando se autoconvencem de que tudo o que vemos acontecer não pode ser senão um intervalo na longa época de bem-estar que se seguiu à Segunda Guerra. Como se a história não nos apontasse uma conclusão em sentido contrário: a exceção é a paz e a democracia.

Por exemplo, a China nunca conheceu a democracia e só entrou para a ONU em 1971, ocupando o lugar de Taiwan. A Rússia experimentou, por um breve período, ser um país democrático e não se deu bem. Sobre o dia inicial de uma verdadeira democracia — a Declaração Universal dos Direitos Humanos —, na Índia, o sistema de castas, ligado ao hinduísmo, está proibido na Constitção desde que o país se tornou independente, mas continua a ter um forte impacto social. Os Estados Unidos eram o porta-estandarte das democracias ocidentais e hoje, só com muita boa vontade, se pode olhar para Washington como uma democracia plena. Na Europa, não para de crescer a lista de países onde a extrema-direita nacionalista impõe as regras.

É um desconsolo pensar que é o voto democrático que dá força a partidos que não prezam a democracia, mas o único caminho possível para diminuir o poder de partidos de extrema-direita, populistas e nacionalistas é seduzir os eleitores para projetos mais tolerantes, mais verdadeiros e mais justos. As presidenciais podem ser um passo importante para a caminhada do Chega até ao poder executivo, mas só se os que se dizem democratas estiverem mais interessados em lutas de caserna.»


Enganaram a ministra



 

17.9.25

Não precisam de mais um candidato presidencial?

 


O mito da meritocracia

 


«Sou neta de agricultores analfabetos e cresci numa família numerosa, em que um forte sentido de entreajuda permitiu que oito de dez irmãos da linha materna tivessem acesso a formação superior. Esse percurso poderia tornar sedutor o discurso da meritocracia, mas os dados de sucessivos estudos mostram que a realidade em Portugal é bastante menos cor-de-rosa do que os mitos individualistas apregoam.

Não se trata sequer de as mudanças sociais serem lentas, a verdade é que no acesso ao Ensino Superior o fosso entre quem tem mais recursos e os alunos de famílias de baixos rendimentos acentuou-se desde 2008. O nível geral de qualificações tem vindo progressivamente a subir, mas sobe mais rapidamente nas classes favorecidas. Entre os jovens com 25 a 34 anos cujos pais não concluíram o secundário, apenas 23% terminaram um curso superior.»

Continuar a ler AQUI.

Catarina Martins

 


Ventura para todo o serviço

 


«A candidatura de Ventura era uma inevitabilidade. O candidato natural e confortável para o Chega seria o almirante Gouveia e Melo. É ele que corporiza um registo militar e autoritário a que o eleitorado do Chega, menos ideológico do que se pensa, é sensível. O espaço que a sua candidatura deixava ao Chega era curta. E a sua colocação à direita, desde o lançamento, há uns meses, até facilitava a coisa.

Mas o afastamento explícito do almirante em relação ao Chega tornou este apoio impossível. A segunda força parlamentar não pode aceitar apoiar quem a enjeita. O Chega estava, assim, num impasse. Não podia apoiar Gouveia e Melo, não arranjou nenhum independente e ficar sem qualquer candidato, deixando solto um eleitorado que precisa de fidelizar, não era uma hipótese.

O problema do Chega é, à partida, o problema de qualquer partido de perfil autoritário: o culto do líder. Se só o líder pode brilhar, pelo menos até chegar ao poder (ou estar próximo disso), o partido não consegue chamar quem não aceite o lugar de total submissão, reservado a medíocres ou pessoas muito inexperientes. E é uma pescadinha de rabo na boca, em que a dependência do líder alimenta a dependência do líder. Pelo menos até a proximidade do poder tornar essa subalternidade suficientemente compensadora para pessoas mais capazes.

Agora, mesmo com 23% e 60 deputados, Ventura só tem Ventura. Ainda não chegou à fase da extrema-direita francesa, em que Jordan Bardella teve direito a fazer companhia à descendente do clã Le Pen.

Esta candidatura é um risco calculado. Primeiro, porque a perda de fôlego de Gouveia e Melo aliviou a tenaz, dando espaço para o ataque que ontem ouvimos contra o almirante. Depois, porque ter menos do que Ana Gomes não impediu Ventura de continuar o seu aparentemente imparável crescimento.

O que não deixa de ser espantoso é que a esquerda, com quatro oponentes à direita (Gouveia e Melo, que aí se colocou, Marques Mendes, Ventura e Cotrim de Figueiredo), sendo os três primeiros suficientemente fortes para sonhar seguir em frente, não seja capaz de arranjar um candidato abrangente e mobilizador para chegar à segunda volta. Com esta dispersão, não era difícil.»


Pela Pastelina

 


16.9.25

Azul, azul

 


Liège, Bélgica. 1990.
Arquitecto: Maurice Devignée.


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Da Flotilha, hoje

 


O candidato “hambúrger”

 




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O 25 de Novembro enquanto farsa

 


«Num dos seus mais conhecidos escritos histórico-políticos, Karl Marx lembrou que o filósofo alemão Hegel fez notar que “os grandes acontecimentos e personagens históricas ocorrem, por assim dizer, duas vezes”. Mas, segundo Marx, ter-se-ia esquecido de acrescentar: “a primeira como tragédia, a segunda como comédia”.

Precisamente no caso presente, o Governo do PSD, não podendo reeditar a tragédia, ficou-se pela farsa: decretou umas “comemorações oficiais” do contragolpe militar do 25 de Novembro de 1975. E, como o assunto queima, entregou-as, à laia de prémio de consolação, ao improvável ministro da Defesa e exuberante chefe do CDS, Nuno Melo. O desenterrar pelo Governo da direita do novembrismo ultramontano e o propósito explícito de oficializar a comemoração assumem, é bom que se diga, o carácter de uma farsa duplamente funérea.

Em primeiro lugar, porque a sua organização é promovida por um partido-fantasma, política e socialmente inexistente, o CDS, cuja base social, como toda a gente sabe, há muito se esfumou e dissolveu nos de mais partidos da direita e extrema-direita lusitana. Dito de outra forma: é uma sigla fantasmática transportada por uns cavalheiros a quem o PSD fez o favor de pendurar numa dita Aliança Democrática para fingir que ela existe. Uma esmola política que descompromete o PSD com cavalarias altas, mas evidencia a radicalização à direita do partido do Governo.

Em segundo lugar, porque nada desta farsa fúnebre das “comemorações oficiais” do novembrismo tem que ver com qualquer vislumbre de debate historicamente sério e pretendidamente esclarecedor sobre a efeméride. O seu assumido propósito ideológico é já antigo na direita e extrema-direita portuguesa: fazer do novembrismo autoritário, colonialista e ressabiado o paradigma ideológico do regime antidemocrático que pretendem impor ao país. E, com isso, procurar “limpar” a memória libertadora do 25 de Abril e da revolução portuguesa de 1974/75. Passo indispensável para legitimar simbólica e politicamente o autoritarismo de novo tipo que transporta, nos dias de hoje, a aliança tendencial das direitas tradicionais com a nova extrema-direita.

Basta atentar na composição (tutelada pelo galhardo ministro da Defesa) da comissão constituída para o efeito. Uma espécie de top ten das mais jurássicas entidades da nostalgia colonialista e neo-salazarista que por aí subsistem em estado mais ou menos vegetativo. A título de exemplo: a Sociedade Histórica da Independência de Portugal (que coabitou física e espiritualmente no antigo Palácio dos Almadas com a milícia da Mocidade Portuguesa durante 34 anos), onde pontifica o dr. Ribeiro e Castro, outro ex-dirigente do CDS; a Comissão Portuguesa de História Militar, ligada ao Ministério da Defesa, encarregada da crónica legitimadora das guerras do colonialismo português em África; e, para apimentar a coisa, a Associação dos Comandos! Nem sequer lá falta, para garantir o policiamento ideológico do grupo, a presença do director-geral da Política de Defesa Nacional. Não é difícil prever o que daqui sairá como “comemorações oficiais”: o espectro do novembrismo militarista em parada.

É claro que os golpes e contragolpes do 25 de Novembro de 1975 existiram como evento político-militar relevante na história do processo revolucionário iniciado no 25 de Abril. E desaguaram, como é sabido, na contenção pactuada do processo revolucionário negociada entre alguns dos seus principais intervenientes. Desses compromissos nasceram a Constituição de 1976 e as instituições do regime democrático. Foi um processo complexo que dividiu opiniões até hoje e merece absolutamente ser estudado de forma rigorosa, plural e com o benefício da distância de meio século. Cruzando fontes, testemunhos e várias gerações de investigadores, designadamente no âmbito das iniciativas que assinalam o cinquentenário do 25 de Abril, a cujo processo se ligam, obviamente, os acontecimentos do 25 de Novembro. Do que aqui se trata é de saber se o faremos como campanha governamental de manipulação ideológica permanente ou como debate livre e enriquecedor da cidadania democrática.

Assim sendo, como escreveu um antigo pensador chinês, só se pode desejar “que mil flores floresçam e que cem escolas rivalizem”. Cada um fará sua a que entender melhor servir para fazer face à tempestade que espreita.

É isso que é a democracia. O de mais é a farsa administrativa e sombria, paga, convém lembrar, pelos contribuintes.»


15.9.25

Foi há 13 anos

 


E nunca mais houve uma tarde assim.

Trump, Xi Jinping e TikTok

 


Se, há poucos anos, soubéssemos que os dois gramdes do mundo iriam negociar a sério sobre uma mini-rede social, nem entenderíamos de que falavam. É a vida…

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15-16.09.1973 – Quando mataram Víctor Jara

 


Víctor Jara foi assassinado em 15 (ou 16) de Setembro de 1973, poucos dias depois do golpe em que morreu Salvador Allende.

No dia 11, estava nas instalações da Universidade, que foram cercadas por militares, sendo depois transportado para um Estádio transformado em campo de concentração, onde foi torturado e assassinado.

Finalmente, em Agosto de 2023, o Supremo Tribunal do Chile condenou a 25 anos de prisão sete militares na reserva e o director do Serviço Prisional na altura pelo sequestro e homicídio de Víctor Jara.

Poucas horas antes de morrer, escreveu o seu último poema – «Somos cinco mil» – que chegou até nós graças aos seus companheiros de cativeiro:



Jorge Sampaio sobre campanhas eleitorais

 


Disse isto há seis anos. Mudou algo para melhor? Ou antes pelo contrário?

O Burger King ganha sempre

 


«Já toda a gente viu o vídeo em que André Ventura acusa Marcelo Rebelo de Sousa de ir à Alemanha para participar num Bürgerfest, confundindo cidadãos com hambúrgueres. Uma festa da cidadania que se realiza todos os anos nos jardins da residência oficial do Presidente Federal da Alemanha, que convidou o chefe de Estado português a estar oficialmente presente.

Ventura disse que tinha dificuldade em acreditar que aquilo fosse verdade, mas, apesar da incredulidade, não gastou um minuto no Google para tirar teimas. Disse que nós só não nos revoltamos com esta viagem porque não sabemos dela, quando, na realidade, não nos revoltamos porque não achamos coisas sem as confirmar. E terminou com duas perguntas. “Digam-me quão ridículo isto é? Quão estúpido isto é?” Muito.

Depois da chacota nas redes e televisão, Ventura assumiu o erro durante uns segundos para passar imediatamente a explicar aos jornalistas aquilo com que se deviam preocupar e a acusá-los de perseguição, com o já clássico “não sei se isto vai passar”.

Em qualquer momento, antes de o Chega normalizar o anormal, o facto de o líder do maior partido da oposição querer impedir uma visita do Presidente a outro país seria notícia. Se o argumento se baseasse num “lapso”, seria um escândalo. Se esse “lapso” viesse acompanhado da confissão de que teve dúvidas de que aquilo era verdade, mas mesmo assim não foi confirmar, seria o descrédito. Se o “lapso” fosse este, seria risota nacional. Ventura não é escrutinado com critérios usados para outros, habituou-se à ideia de que, para ele, se aplicam critérios diferentes.

Mas lá veio, pelo menos, a explicação para o “lapso”: resultou do facto de o Presidente ter feito 1550 viagens à custa dos contribuintes. Fez, desde 2016, 160. A mentira para justificar outra mentira é tão esmagadora que desta vez é impossível acreditar num lapso. Só um louco não confirma a verdade do que diz quando o que diz serve para justificar uma mentira anterior.

Tenho a certeza de que Ventura sabia que Marcelo fez um décimo das viagens e tenho dúvidas de que não soubesse que “Bürger” quer dizer cidadão ou cidadãos. Mas o Elevador da Glória tirou o CH das notícias e, com esta nova polémica, conseguiu voltar à ribalta. Não há como vencer isto. Para mostrar que o rei vai nu, os eleitores escolhem o mais pelado dos políticos. A ele, basta-lhe aparecer todos os dias. Se não é corrigido, leva a melhor; se é corrigido, também.

Pode-se dizer que a falta do trema na resolução apresentada para autorizar a saída (uma falha comum, em Portugal) pode ter levado o deputado a baralhar-se. Mas, perante o espanto, bastava ir à nota da Presidência para ver que lá estava o trema, coisa que quem estudou o Bürgerliches Gesetzbuch, o importante Código Civil alemão, poderia desconfiar.

É que não foi apenas uma gaffe dita num vídeo. 60 deputados do Chega votaram contra uma visita presidencial por julgar que era uma festa de hambúrgueres. Antes de votar contra, pode-se fazer uma perguntinha. Antes de um líder fazer um vídeo indignado sobre o voto, pode fazer mais duas ou três. Eu faço isso todos os dias, várias vezes por dia, e não sou pago pelos contribuintes.

Em qualquer momento, antes de o Chega normalizar o anormal, o facto de o líder do maior partido da oposição querer impedir uma visita do Presidente a outro país seria notícia. Se o argumento se baseasse num “lapso”, seria um escândalo. Se esse “lapso” viesse acompanhado da confissão de que teve dúvidas de que aquilo era verdade, mas mesmo assim não foi confirmar, seria o descrédito. Se o “lapso” fosse este, seria risota nacional. Ventura não é escrutinado com critérios usados para outros, habituou-se à ideia de que, para ele, se aplicam critérios diferentes.

Ou Ventura sabia, ou, não sabendo, não quis procurar saber, porque isso era irrelevante. Relevante é que o Elevador da Glória tirou o Chega das notícias durante mais de uma semana. E o Chega vive de e para as notícias. Com excelentes resultados.

Diz quem anda em campanha que, independentemente dos resultados que venha a ter numas autárquicas onde a notoriedade local dos candidatos conta muito, o povo só fala, quando toca aos partidos, do Chega. Porque é o Chega que existe nas redes sociais, onde as pessoas passam cada vez mais tempo e por onde se informam cada vez mais. E porque André Ventura já deve ter dado, desde as últimas eleições, mais entrevistas do que todos os líderes juntos. Isto, apesar de liderar a segunda força no parlamento e a terceira no País. Com o vídeo (e uma sondagem da Aximage que, como todas as sondagens desta empresa nos últimos anos, me deixa de pé atrás), conseguiu voltar à ribalta. Os motivos são irrelevantes.

Esta história serve para dizer que não há como vencer a lógica do palco mediático de que vive este tipo de líderes políticos, que não correm qualquer risco de perda de credibilidade, porque pura e simplesmente não jogam nesse campeonato. Quando não há ilusões, não há deceções. Isso fica para os outros.

Perante isto, o que se pode fazer? Se os jornalistas não o corrigirem, milhões de cidadãos ficam a achar que pagam viagens ao Presidente para ir a uma festa de hambúrgueres. Se o corrigirem, ele volta a ser tema nas redes, assunto mediático, ocupando de novo o centro do debate político. Se não o corrigem, leva a melhor, se o corrigem, também.

O problema não é o Chega nem são os jornalistas. São os eleitores. Sim, às vezes a culpa da democracia correr mal é dos cidadãos. Na realidade, quase sempre que a democracia corre mal a culpa é dos cidadãos. É isso que faz dela o pior de todos os sistemas sem contar com todos os restantes: são os cidadãos que decidem o que querem que a democracia seja.

A culpa é dos cidadãos porque o voto do Chega não é, ao contrário do que se diz, um voto de protesto. O protesto resulta de uma exigência frustrada. Quem queira pôr fim à “podridão da política” não vota num partido onde pululam corruptos, pedófilos, incendiários e toda a espécie de criminosos – começa a ser difícil não fazer as generalizações que eles fazem com os ciganos.

São poucos os eleitores que esperam que o Chega mude alguma coisa. É um desabafo, uma desistência. Esperam que o Chega grite que o “rei vai nu”, o que nem sequer é mentira, quando pensamos no poder que o povo hoje tem de decidir o seu futuro. E, para mostrar que o rei vai nu, escolhem o mais pelado dos políticos. Alguém a quem não se exija mais do que exigimos a um tipo que diz coisas no café.

Os cidadãos não querem mudar o sistema. Apenas desistiram dele. E quando se é porta-voz disto basta aparecer todos os dias. E dizer uma coisas. Certas, erradas, zangadas, divertidas, verdadeiras, falsas. Tanto faz. O tempo em que éramos exigentes passou. Não nos cansámos da democracia. Cansámo-nos do trabalho que dá.»


Activismo também é isto

 


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14.9.25

Uma cor mais rara

 


Vaso de vidro verde garrafa, Arte Nova, com suporte em bronze. Cerca de 1899.
Johann Lötz Widow (?).

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Espanha: Pobreza

 


Acontece aos melhores

 


O destino das nações

 


«Um grande desafio que se coloca à Humanidade neste tempo de caminho acelerado para uma nova era mundial parece ser o futuro das nações. Tudo indica que o que surge em preparação não seja nem a dissolução das nações na sopa da globalização, nem a sua transformação em empresas multinacionais. É preciso cuidar da sua identidade com verdade, coisa que o colonialismo e o neocolonialismo, designadamente europeus, até hoje, não trataram bem.

Esta questão situa-se, em certos aspetos, para além da disputa dos projetos políticos, ou seja, os projetos políticos não deixaram de ser cruciais, mas o movimento das placas tectónicas da geopolítica e da geoestratégia, conjunturalmente, induz relações que ultrapassam a clássica arrumação das famílias políticas. A complexidade aumenta com a onda neoconservadora e fascista a surfar as ondas da mudança em vários campos.

Esta reflexão surgiu-me ao observar quatro acontecimentos recentes: a 25.ª Cimeira da Organização de Xangai, realizada na semana passada na cidade portuária de Tianjin; o discurso sobre o estado da União, de Ursula von der Leyen, no Parlamento Europeu; o ataque terrorista de Israel ao Qatar, com os Estados Unidos da América informados previamente; e a visita de Estado do nosso primeiro-ministro à China e ao Japão.

Vinte e cinco anos depois da primeira, a Cimeira de Xangai mostra que estão ali nações que contam muito para a construção do futuro, como vincou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, presente na Cimeira. Estes países participam nos jogos mais ou menos sujos que estão em curso, mas trabalham relações novas, em que querem afirmar o respeito pelas nações. Os discursos de Trump sobre aquela Cimeira foram patéticos. As nações não são empresas e as relações entre estados não são meros negócios. O Ocidente estruturou instituições mundiais que marcaram muito o rumo da sociedade e as relações entre os povos. Quando, hoje, uma parte grande das nações lhe diz que elas têm de ser mais universais, abandonam-nas e agem para as matar.

Von der Leyen produziu um discurso com o tema da defesa no centro e abordou-o como se fosse da sua competência, quando é matéria da responsabilidade dos estados. Muitos dirigentes máximos de países europeus acarinham este agir distópico da mais alta funcionária: serve-lhes como justificação para castigos que estão a impor aos seus povos. Mas, como serão as nações a ter de adotar medidas, esta estratégia só acumula problemas. E, seguramente, não iludem líderes políticos chineses, indianos, sul-africanos, russos, brasileiros e outros, que trabalham para uma nova ordem mundial.

A visita do primeiro-ministro à China e ao Japão poderá ser importante, se contribuir para Portugal alavancar relações tendo em conta a sua história e a integração numa comunidade de países e povos que têm o português como língua comum. Se foi com a agenda Von der Leyen, não tratou do nosso futuro.»


E não se riu

 


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