17.9.25

Ventura para todo o serviço

 


«A candidatura de Ventura era uma inevitabilidade. O candidato natural e confortável para o Chega seria o almirante Gouveia e Melo. É ele que corporiza um registo militar e autoritário a que o eleitorado do Chega, menos ideológico do que se pensa, é sensível. O espaço que a sua candidatura deixava ao Chega era curta. E a sua colocação à direita, desde o lançamento, há uns meses, até facilitava a coisa.

Mas o afastamento explícito do almirante em relação ao Chega tornou este apoio impossível. A segunda força parlamentar não pode aceitar apoiar quem a enjeita. O Chega estava, assim, num impasse. Não podia apoiar Gouveia e Melo, não arranjou nenhum independente e ficar sem qualquer candidato, deixando solto um eleitorado que precisa de fidelizar, não era uma hipótese.

O problema do Chega é, à partida, o problema de qualquer partido de perfil autoritário: o culto do líder. Se só o líder pode brilhar, pelo menos até chegar ao poder (ou estar próximo disso), o partido não consegue chamar quem não aceite o lugar de total submissão, reservado a medíocres ou pessoas muito inexperientes. E é uma pescadinha de rabo na boca, em que a dependência do líder alimenta a dependência do líder. Pelo menos até a proximidade do poder tornar essa subalternidade suficientemente compensadora para pessoas mais capazes.

Agora, mesmo com 23% e 60 deputados, Ventura só tem Ventura. Ainda não chegou à fase da extrema-direita francesa, em que Jordan Bardella teve direito a fazer companhia à descendente do clã Le Pen.

Esta candidatura é um risco calculado. Primeiro, porque a perda de fôlego de Gouveia e Melo aliviou a tenaz, dando espaço para o ataque que ontem ouvimos contra o almirante. Depois, porque ter menos do que Ana Gomes não impediu Ventura de continuar o seu aparentemente imparável crescimento.

O que não deixa de ser espantoso é que a esquerda, com quatro oponentes à direita (Gouveia e Melo, que aí se colocou, Marques Mendes, Ventura e Cotrim de Figueiredo), sendo os três primeiros suficientemente fortes para sonhar seguir em frente, não seja capaz de arranjar um candidato abrangente e mobilizador para chegar à segunda volta. Com esta dispersão, não era difícil.»


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