«“Naquilo que depender do Presidente da República, podem contar com o Presidente da República”, informou hoje o Presidente da República em nota para O INIMIGO. Marcelo irá assegurar, não apenas os serviços mínimos, mas também os serviços máximos durante a greve dos camionistas e promete que abastecerá todas as viaturas existentes no país e que ainda oferece uma selfie aos banhistas que apanhar em praias fluviais.»
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10.8.19
10.08.1912 - Jorge Amado
Faria hoje 107 anos e continuam, com toda a justiça, referências à sua vida, a muitos dos livros, às suas estadias em Portugal.
Recordo o «acessório»: o que foi, entre nós, o retumbante sucesso de Gabriela, cravo e canela, a primeira de todas as telenovelas emitidas pela RTP, entre Maio e Novembro de 1977, com base na obra de JA com o mesmo nome. Companhia da hora do jantar, cinco dias por semana, em casa ou em cafés (eram muitas as famílias que ainda não tinham aparelhos próprios), era assunto generalizado de conversa, trouxe para a língua portuguesa termos e expressões brasileiras e transformou Sónia Braga num ídolo (quantas Sónias não têm hoje trinta e poucos anos?!...).
A «Gabrielomania» fez parar literalmente o país: a Assembleia da República interrompeu os trabalhos pelo menos quanto foi emitido o último episódio (era vital saber se Gabriela ficava ou não com Nacib...) e conta a lenda que Álvaro Cunhal chegou atrasado a um programa televisivo por ter ficado a ver a telenovela.
No dia seguinte à última emissão, o Diário de Lisboa discutiu o corte de trinta episódios, de que a telenovela terá sido objecto em Portugal.
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Nossa Senhora, essa primeira astronauta
«Assim sendo, Jesus Cristo foi o primeiro ser humano a quem se pode atribuir, com propriedade, a condição de cosmonauta. Mas não a primeira criatura porque, dada a sua condição divina, unida à natureza humana desde o momento da sua encarnação, não é criatura, mas o próprio Criador, com o Pai e o Espírito Santo.
Será então que, a primeira criatura humana que viajou no espaço, foi mesmo o astronauta russo Yuri Gagarin? Não, porque, segundo a doutrina católica, também a Mãe de Jesus de Nazaré, Maria, subiu ao Céu em corpo e alma.»
(Daqui)
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Portugal, dá-me os teus problemas
«Chamem a guarda e a tropa, reúnam os ministros e convoquem os tribunais, racionem e façam filas açambarcadoras, leiam manchetes, debates e listas de carências futuras, preparem bidões e ouvidos para as sirenes, proclamem, exclamem e declarem que Portugal está oficialmente em estado de emergência! Mas se a intensidade deste troar de tambores alvoroçantes vos não parecer ridículo, ponham os problemas que nos agitam à venda: qualquer outro país trocará os seus pelos nossos, talvez pasmado com os nossos absurdos, e nos pergunte se são estes pequenos ventos as nossas grandes tempestades.
É um luxo um país inteiro poder ficar transido com uma bagatela destas, mas é também uma demonstração de imprevidência e inépcia que ele se tenha agigantado a este ponto. A dramatização coletiva do processo que levou ao estado de emergência energética é quase uma diversão, não porque divirta mas porque distrai. No final farão balanços e graves cogitações, participando num entorpecimento do que à volta permanece ruim neste país de pólvora seca.
Esta semana, só nesta última semana, neste mesmo mês de agosto, 31 pessoas foram mortas em tiroteios no Texas e no Ohio, com os democratas a extremarem acusações a Trump de ter um discurso racista e apologista do supremacismo branco; um relatório das Nações Unidas antecipa uma cisão populacional entre ricos e pobres por causa de escassez alimentar global; a gigante agroquímica Monsanto, que tem sido investigada por suspeitas de adulteração de produtos da cadeia alimentar, foi alvo de uma fuga de informação que revela planos e táticas para difamar online jornalistas críticos; o fundador de um site neonazi foi condenado por ter desencadeado uma tempestade na internet para destruir a reputação de uma mulher judia; a Austrália está em estado de emergência por causa de um inverno com ventos, neve e chuva devastadores; no Brasil, Bolsonaro é acusado de abençoar a ruína da floresta amazónica; no México, um cartel de droga terá assassinado 19 pessoas, deixando os corpos mutilados ou pendurados seminus numa ponte na capital; na Venezuela, a intensificação das sanções americanas está a ameaçar (ainda mais) os direitos humanos dos mais desfavorecidos; a Índia retirou o estatuto especial a Caxemira, “fechou” as comunicações, prendeu políticos e dividiu o território em dois, enfurecendo o Paquistão e irritando a China; na China denunciam-se restrições à liberdade religiosa, “campos de treino vocacional” usados para limpeza étnica e genocídio cultural e mais um caso de trabalho de menores pela noite dentro, desta vez fabricando componentes para produtos da Amazon; em Hong Kong mais de 600 pessoas foram presas em dois meses de manifestações contra a proposta de lei de extradição, agravando-se as intimidações policiais em novos protestos; a Malásia processou 17 altos responsáveis da Goldman Sachs por envolvimento num escândalo bilionário de corrupção e lavagem de dinheiro; em Itália, a Liga apresenta uma moção de censura contra o próprio Governo para provocar eleições que podem reforçar o poder da extrema-direita, em Espanha ainda não há governo e no Reino Unido, onde a economia está a derrapar para uma possível recessão, as férias dos assessores do Governo foram canceladas, suspeitando-se de um plano para convocar eleições-relâmpago depois de um ‘Brexit’ sem acordo... Paremos por aqui, esta lista rápida desta última semana basta como fita métrica para as nossas combustíveis desgraças.
Nem tudo é mau nesta nossa crise, é por exemplo bom ver que é através de instituições democráticas que se faz a discussão, em torno desta greve, sobre proporcionalidades. A desproporção está na escala que esta crise sindical ganhou em todo o país, como se todo o país não tivesse problemas mais profundos e prolongados. Se é isto que nos para, e se é isto que põe cadeias às avessas no Governo, estamos entre a sorte e a distração. Por isso leiloem os problemas que nos agitam. Qualquer outro país dirá: Portugal, dá-me os teus problemas.»
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9.8.19
Estes seres nem merecem a designação de «humanos»!
«Jordan Anchondo morreu no Walmart de El Paso, no Texas, quando se lançou sobre o seu bebé para o proteger das balas. A americana e o marido, André, foram duas das vítimas do tiroteio que matou 22 pessoas naquela cidade no passado sábado e cujo autor deixou um manifesto no qual garantia querer matar "o maior número possível de mexicanos". O bebé, de dois meses, sofreu ferimentos ligeiros, causados pelo peso da mãe. Mas está bem de saúde. (…)
O bebé, que já teve alta depois de sofrer pequenas fraturas em alguns ossos, foi levado ao hospital, onde posou ao colo de Melania. Mas em vez dos rostos sérios que a história trágica do menino exigia, tanto o presidente como a mulher surgem sorridentes na imagem. O presidente até faz um gesto com o polegar para cima.»
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O bebé, que já teve alta depois de sofrer pequenas fraturas em alguns ossos, foi levado ao hospital, onde posou ao colo de Melania. Mas em vez dos rostos sérios que a história trágica do menino exigia, tanto o presidente como a mulher surgem sorridentes na imagem. O presidente até faz um gesto com o polegar para cima.»
Estados Unidos: barbárie pura e dura
«Centenas de crianças foram retiradas de infantários e escolas no estado norte-americano do Mississippi e levadas para abrigos temporários, nas últimas 48 horas, por agentes dos serviços de imigração dos EUA. Em vídeos partilhados nas redes sociais, vêem-se crianças a chorar, sem saber onde estão os pais, depois de uma operação ordenada pelo Presidente Trump para deter e deportar imigrantes sem documentos.»
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09.08.1945 - Nagasaki, 11:02 a.m.
(Museu da Bomba Atómica, Nagasaki)
Três dias depois de Hiroshima, os EUA lançaram, em Nagasaki, uma bomba que matou 80.000 pessoas. Em 15 de Agosto de 1945, o Japão rendeu-se – no chamado Dia V-J que esteve na origem ao fim da Segunda Guerra Mundial.
Hoje, Parque da Paz de Nagasaki:
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8.8.19
Notícias dos «serviços máximo»
«“No Alentejo foram lá 20 minutos ouvir um senhor de uma empresa dar uma palestra e foram-se embora. Alguns guardas conduzem regularmente, mas outros tiraram cartas de pesados quando entraram para a guarda e nunca mais conduziram um camião”, disse, alertando ainda que vão transportar combustível “e não estão aptos para isso, para manusear” matérias perigosas.»
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A Europa tem de agir já para pôr fim às mortes evitáveis na Líbia e no mar
«Mais uma vez a tragédia aconteceu no Mediterrâneo, a 25 de julho. Umas estimadas 150 pessoas afogaram-se a tentar fugir da Líbia – subindo o balanço de mortes este ano na zona central do Mediterrâneo para pelo menos 576 pessoas. Esta perda de vidas evitável mostra bem a desesperada falta de capacidades de buscas e salvamento e o sofrimento terrível de quem foge da Líbia.
A Médicos Sem Fronteiras (MSF) testemunha o inimaginável custo humano das políticas de interceção e detenção de migrantes e de refugiados. Ver os centros de detenção na Líbia é ver o sofrimento humano à escala industrial. Para muitos dos sobreviventes do desastre de 25 de julho, o círculo vicioso de detenção arbitrária, violência e exploração continua sem fim à vista.
Há pessoas ainda detidas em Tajura – no mesmo centro de detenção que foi atingido num ataque aéreo há um mês e em que morreram 53 pessoas e outras 70 foram feridas. Um médico da MSF descreveu um banho de sangue: “Há corpos por todo o lado, e partes de corpos a sair de debaixo dos escombros. A certa altura tive de estacar... teria pisado os corpos se continuasse a andar. Conhecia muitas destas pessoas que foram mortas, pelo nome, conhecia as suas histórias.”
Tal como com quem continua a afogar-se no mar, as mortes em Tajura foram previsíveis e evitáveis. E estas mortes vão continuar enquanto os pedidos para a retirada das pessoas forem ignorados. Não há nada a protegê-las de mais ataques aéreos ou da violência das milícias na Líbia. Forçar as pessoas a voltar para os centros de detenção é, para muitas, uma sentença de morte.
A tragédia humana vivida por quem é apanhado na Líbia é uma tragédia provocada pelo homem. Ao pararem o destacamento de meios navais na Operação “Sophia”, os líderes europeus não puderam continuar a fingir que estavam a salvar vidas. A única “escolha” que restou é ficar preso num centro de detenção líbio ou arriscar a morte no mar.
Parece que os líderes da Europa consideram que o afogamento das pessoas é um preço aceitável para conter o fluxo no Mediterrâneo Central. Mas nada justifica que as pessoas fiquem encurraladas na Líbia ou deixadas para morrer no mar às portas da Europa.
Nas semanas recentes, alguns líderes europeus – incluindo de Portugal – apelaram a soluções sustentáveis para buscas e salvamento e pelo fim das detenções arbitrárias na Líbia. A situação não permite demoras: têm de transformar as palavras em ações. Refugiados e migrantes na Líbia têm de poder fugir para alcançar segurança e os retornos forçados têm de acabar.
Os líderes europeus devem possibilitar a retirada de todas as pessoas detidas arbitrariamente. Isto já foi possível recentemente. Porém, por cada pessoa transferida ou recolocada, três mais são forçadas a voltar pela Guarda Costeira da Líbia – que a União Europeia está a apoiar com meios navais. Se os líderes europeus fizerem finalmente jus às suas declarações públicas, esta contradição tem de desaparecer.
A 25 de julho, ao mesmo tempo que as equipas MSF prestavam cuidados a 135 dos sobreviventes, fomos responsabilizados pelas mortes. A MSF e a SOS Méditerranée anunciaram há dias o reínicio das operações de buscas e salvamento no Mediterrâneo Central. E uma vez mais somos acusados de contribuir para um factor de “atração” para quem foge da Líbia. Os factos demonstram que isto é categoricamente falso. As pessoas encurraladas na Líbia, confrontadas com violência e despojadas dos mais fundamentais direitos humanos, vão continuar a fugir para salvar a vida. É o instinto humano mais básico e acontece independentemente de os barcos das ONG estarem ou não a operar.
A tragédia humana que refugiados e migrantes enfrentam na Líbia e no mar é totalmente evitável.
Ações claras e concretas têm de incluir o regresso das operações de buscas e salvamento. Tem de ser estabelecido um mecanismo claro de desembarque em portos seguros e os milhares de refugiados e migrantes nos centros de detenção têm de ser retirados da Líbia, sem mais demoras.
A assistência que ONG e organizações humanitárias podem oferecer a quem está encurralado na Líbia ou no mar é incrivelmente limitada. Não temos capacidade para mudar a situação.»
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7.8.19
Pasárgada
Se já tivesse enchido o depósito do carro, creio que era hoje que ia embora pra Pasárgada. Que país, este!
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Greves e greves
Não é fácil, mas há que manter a cabeça fria.
Ontem, ao ouvir na RTP 3 uma «especialista em Direito do Trabalho» meter no mesmo saco de «greves inorgânicas» perigosas a dos motoristas e as da Autoeuropa e dos Estivadores, percebi como se está em situação derrapante. As greves não são boas ou más por se integrarem ou não nos esquemas a que nos habituámos e temos de viver com os novos modelos – que vieram para ficar.
Além disso, começa-se a ver sinais inquietantes de ameaça ao próprio direito à greve quando se diz que esta só deve afectar patrões (ou Estado). Claro que a força de qualquer greve se mede, não só mas também, pelo impacto nos utentes dos serviços afectados. Embora com limites, evidentemente.
Estou com isto a apoiar o doutor Pardal e afins? Obviamente que não. Mas quando se condena algo, há que não deitar fora a criança com a água do banho.
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Zeca Afonso é património cultural
«Tive a oportunidade de assinar a petição solicitando a declaração da obra de Zeca Afonso como de interesse nacional, nos termos da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, a Lei de Bases do Património Cultural.
O sentido político da sua obra liga-nos, a todos os que reivindicamos, ontem e hoje, a liberdade de expressão e o não sermos prejudicados por ela, o combate pelos direitos que nos são inalienáveis, de dignidade humana e de participação cívica.
Zeca Afonso exerceu a sua arte e o seu ativismo em condições de grande dificuldade, no quadro do Estado Novo. A sua música, os seus poemas, inspiraram a Oposição ao regime repressivo, iluminaram o 25 de Abril de 1974 e os primeiros anos da Democracia. À data da sua morte, em 1987, deixou-nos um legado que nos liga às raízes populares da música portuguesa, à diáspora e às inspirações musicais africanas, a sonoridades e ritmos que inspiram novos caminhos musicais, quebrando fronteiras entre erudito e popular, chegando aos pequenos lugares e às grandes salas, gerando registos musicais que se tornaram património da Cultura Portuguesa. Um património que se junta, com a obra de Adriano Correia de Oliveira e José Mário Branco, entre outros, na casa comum da Música de Intervenção.
A verdade é que não precisamos de nenhum carimbo oficial do Estado para saber que a obra de Zeca Afonso é património cultural. Todavia, o reconhecimento e a proteção estatal são importantes, para proteção da integridade da obra e da sua divulgação.
No passado dia 2 de Agosto – em que José Afonso faria 90 anos – ouvi declarações da ministra da Cultura, a propósito da entrega, pela Associação José Afonso, da petição a favor da declaração do interesse nacional da sua obra. Ela dizia que não seria possível classificá-la, até se encontrar os masters das gravações dos seus discos (aparentemente, desaparecidos, na sequência da falência da Movieplay, a editora discográfica que as detinha). A razão invocada é que sem objeto material identificável – neste caso, os masters – que possa ser circunscrito como património material móvel, para efeito dos procedimentos de inventariação e classificação, a classificação não é possível.
Ora o que me ocorre é dizer que tanto ela como o responsável pela instalação do Arquivo Nacional do Som, que sobre essa matéria também se pronunciou, têm uma visão limitada do quadro cultural e jurídico, porque partem de um pressuposto errado. Partem do pressuposto de que é preciso aceder aos masters para poder exercer um procedimento classificatório por parte do Estado. Esse pressuposto é correto, para efeito de classificação de património cultural móvel.
Conheço bem a matéria, tive a oportunidade de tomar a iniciativa de regulação do património cultural móvel, através do decreto-lei n.º 148/2015, de 4 de Agosto, e de atualização da regulação do património cultural imaterial, através do decreto-lei n.º 149/2015, também de 4 de Agosto.
Parece-me importante tratar a questão da classificação da obra de Zeca Afonso à luz da sua consideração como património imaterial, independentemente da susceptibilidade da sua classificação como património móvel e das questões autorais associadas.
A obra de Zeca Afonso não se circunscreve a uma fita magnética, a um disco, a um conjunto de discos. A sua obra é um valor no domínio do intangível. Para efeitos de classificação, veja-se o que diz o artigo 1.º do decreto-lei de 2015 sobre património imaterial: “(…) entende -se por ‘património cultural imaterial’ as manifestações culturais expressas em práticas, representações, conhecimentos e aptidões, de caráter tradicional, independentemente da sua origem popular ou erudita, que as comunidades, os grupos e os indivíduos reconheçam como fazendo parte integrante do seu património cultural, e que, sendo transmitidas de geração em geração, são constantemente recriadas pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interação com a natureza e da sua história, incutindo-lhes um sentimento de identidade coletiva.” Entre as manifestações de património cultural imaterial inclui-se “Expressões artísticas e manifestações de carácter performativo”.
Seja, autonomamente, como nome maior da Cultura Portuguesa, reconhecido pela comunidade nacional como parte integrante do nosso património cultural, seja no quadro da declaração da Música de Intervenção como património cultural imaterial, destacando-se Zeca Afonso como sua figura cimeira, considero haver cabimento para que se avance com um processo no sentido da sua inventariação e classificação como património cultural imaterial, dando-lhe a correspondente proteção e reconhecimento.
Tal procedimento também seria possível, por exemplo, para a obra de Fernão Mendes Pinto e da literatura de viagens do século XVI, de Fernando Pessoa e da geração do primeiro Modernismo literário, de Lourdes de Castro e do grupo de artistas visuais KWY na década de 60.
Para efeito de abertura deste procedimento, deverão os serviços da Direção-Geral do Património Cultural “abrir” o sentido interpretativo do diploma de classificação de património cultural imaterial. Assim, não se limitando à noção de caráter tradicional da obra – que segue os critérios da UNESCO –, é importante que atentem na noção de reconhecimento como parte integrante do património cultural das expressões artísticas, que também integra o diploma. Sendo que se tem orientado a classificação do património imaterial para um conceito de obra coletiva sem rosto que perpassa gerações, será importante, em casos específicos, contextualizando e conjugando o sentido coletivo, reconhecer o papel determinante de dados protagonistas. Esta abertura do procedimento classificatório terá um efeito pedagógico de grande impacto, permitindo ver e conhecer a uma nova luz, nas escolas e na sociedade, o trabalho dos artistas e escritores, consolidando e dinamizando a cultura portuguesa. A classificação da obra de Zeca Afonso como património imaterial será um passo decisivo neste caminho.»
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6.8.19
Direita sem tino
Se estes julgam que vão longe com patetices destas, estão enganados e ainda bem. Talvez haja mais silêncio na cidade, isso sim!
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06.08.1945 – Hiroshima 8:15 a.m.
É um ritual: republico este post quase todos os anos. Ter ido a Hiroshima marcou-me para sempre.
Se eu apenas pudesse guardar duas fotografias, dos milhares que fui tirando por esse mundo fora, escolheria estas. De má qualidade, sem dúvida, mas que me recordam dois objectos expostos no Museu de Hiroshima, que nunca mais esquecerei. Numa, um relógio que parou à hora exacta em que a bomba explodiu. A outra fala por si.
Se eu apenas pudesse guardar duas fotografias, dos milhares que fui tirando por esse mundo fora, escolheria estas. De má qualidade, sem dúvida, mas que me recordam dois objectos expostos no Museu de Hiroshima, que nunca mais esquecerei. Numa, um relógio que parou à hora exacta em que a bomba explodiu. A outra fala por si.
Foi há 74 anos.
Parque Memorial da Paz de Hiroshima - algumas imagens:
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5.8.19
Poesia matemática
Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
frequentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
frequentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.
Millôr Fernandes
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A carnificina americana
«O procurador de El Paso disse que vai investigar a matança como um acto de “terrorismo doméstico”. É evidentemente terrorismo o que se passou em El Paso e poucas horas depois em Dayton. Os investigadores suspeitam também de um crime de ódio – um manifesto atribuído ao atirador diz que quer acabar com os imigrantes.
As carnificinas são comuns nos Estados Unidos, onde a poderosa associação americana em defesa do uso livre de porte de arma ganhou ainda mais força desde que Donald Trump chegou ao poder. Ainda este ano, o presidente assinou uma lei que flexibilizava o acesso a armas a pessoas com doenças mentais. Curiosamente, a Casa Branca recusou-se a revelar a foto oficial desse acordo.
Na América, mata-se mais do que no Iémen. Isto não nasceu com Trump e são co-responsáveis todos os antigos presidentes que nunca conseguiram enfrentar a poderosa corporação pelo uso livre de armas. Mas o discurso de ódio contra as minorias, de que Trump tem feito uso e abuso, é um poderoso incentivo a estas e a novas carnificinas. Beto O’Rourke, um dos candidatos a candidato à nomeação pelo Partido Democrata, dizia ontem que Trump era “um supremacista branco”. Cory Booker, outro candidato democrata, concorda que Trump é um supremacista branco e pede-lhe responsabilidades no massacre. Sim, só um supremacista branco se teria dirigido a quatro congressistas não-brancas, como fez Trump no mês passado, dizendo-lhes “voltem para a vossa terra”. Todo o discurso de Trump é um incitamento aos crimes de ódio. Trump é co-responsável pela chacina deste fim-de-semana.
Mas não é o único responsável: o Congresso americano que se recusa a enfrentar o poderoso lobby das armas é também responsável pela carnificina. No século XXI, os Estados Unidos da América mantêm em vigor leis do tempo do Faroeste e encaram, pelas omissões contínuas que se mantêm, as mortes como uma coisa natural, exactamente como no Velho Oeste. Elisabeth Warren, uma das pré-candidatas do Partido Democrata, pediu “acção urgente para acabar com a epidemia da violência das armas”. Não especificou que acção urgente é essa. Bernie Sanders foi mais longe e apelou ao congresso: “Depois de cada tragédia, intimidado pelo poder da NRA, o Congresso não faz nada. Isso tem que mudar”.
Enquanto isto, o supremacista branco deu as condolências às famílias, via Twitter, e ainda não apareceu em público. Deverá estar a jogar golfe. Afinal, em Maio, num comício, interrogou a assistência sobre o que é que se podia fazer para parar os imigrantes na fronteira com o México. Um dos presentes disse: “Fuzilem-nos”. Trump riu-se. Está gravado em vídeo, para a história.»
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4.8.19
O CDS e a (des)educação
«Não é preciso ler livros como Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Autonomia ou Educação: Prática da Liberdade, do enorme Paulo Freire, para perceber o papel fundamental da educação. As sociedades diferem, os contextos também, mas é inevitável não pôr em causa, em nenhuma sociedade ou contexto, a educação. Lembrei-me muito destes ensinamentos de Paulo Freire a propósito da inenarrável proposta apresentada pelo CDS na última semana. Entrar a "preços de mercado" em universidades públicas para quem não tiver notas suficientemente altas é a proposta.
Não se trata de notícia falsa, mas parece. Ou isso ou falta de vergonha na cara. Equiparar a escola pública e a universidade pública à lógica do privado é uma ideia totalmente fora do quadro constitucional e um ataque direto a uma democracia que se queira inclusiva, e é seguramente uma aberração sob qualquer ponto de vista. O CDS, que sempre defendeu que devia ser a meritocracia a vingar em todos os setores da sociedade, parece sofrer de amnésia seletiva. O que esta proposta demonstra é que o CDS entrou no "vale tudo", antes fosse efeito da silly season.
Sabemos que a verdadeira intenção do CDS é ir contaminando todo o setor público até que dele pouco reste. Tem-no tentado fazer na saúde, na segurança social e, claro está, na educação. Mas a diferença na educação é que, até agora, as propostas passavam por esvaziar a escola pública por via do subfinanciamento ou pela desconsideração dos profissionais da educação, ao mesmo tempo que propunham desviar os dinheiros públicos para o setor privado. Esta proposta agora apresentada vai uns passos mais à frente. Mantém-se a sempre inalterável intenção de subverter a escola pública à lógica dos privados, mas a incoerência com o que o próprio partido vem defendido é de tal ordem que roça o insulto.
Uma das dimensões das desigualdades sociais em qualquer sociedade é que existem fatores de opressão que prevalecem nas vidas quotidianas. Os que têm mais recursos acabam por ter vantagem sobre as classes populares. Quem viveu a realidade da pobreza ou de poucos recursos sabe bem o que isso é, da mesma forma como sabe que a escola pública ou a saúde pública a funcionarem no seu sentido pleno são dos melhores antídotos a essa opressão. A escola pública no seu verdadeiro sentido promove princípios como a autonomia e a liberdade. É na escola pública que podem encontrar-se as ferramentas necessárias para o desenvolvimento da consciência social. É na escola pública que reside um dos maiores garantes para a igualdade. Deturpar estes princípios pela via da introdução de corredores abertos para quem tem mais recursos, pela simples razão de ter mais recursos, é a anulação da própria democracia. O CDS provou, mais uma vez, com esta proposta que anda longe de encontrar-se. Insistir na divisão de um país é um caminho perigoso e não serve a ninguém.»
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